Segundo pilar da PAC: a política de desenvolvimento rural

Enquanto segundo pilar da Política Agrícola Comum (PAC), a política de desenvolvimento rural da União visa apoiar as zonas rurais da União e enfrentar os muitos desafios económicos, ambientais e societais do século XXI. Um maior grau de flexibilidade (em comparação com o primeiro pilar) permite que as autoridades regionais, nacionais e locais elaborem os seus próprios programas plurianuais de desenvolvimento rural a partir de um conjunto de medidas europeias. Ao contrário do primeiro pilar, que é inteiramente financiado pela UE, os programas do segundo pilar são cofinanciados por fundos da UE e por fundos regionais ou nacionais.

Base jurídica

  • Artigos 38.º a 44.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE);
  • Regulamento (UE) n.º 1303/2013 (JO L 347 de 20.12.2013, p. 320) (disposições comuns sobre os Fundos Europeus Estruturais e de Investimento)
  • Regulamento (UE) n.º 1305/2013 (JO L 347 de 20.12.2013, p. 487) (apoio ao desenvolvimento rural);
  • Regulamento (UE) n.º 1306/2013 (JO L 347 de 20.12.2013, p. 549) (financiamento, gestão e acompanhamento da política agrícola comum);
  • Regulamento Omnibus [Regulamento (UE) 2017/2393; JO L 350 de 29.12.2017, p. 15] [que altera os Regulamentos (UE) n.º 1305/2013 e n.º 1306/2013).

Missão e prioridades

A política de desenvolvimento rural da União Europeia foi introduzida como segundo pilar da PAC no quadro da reforma «Agenda 2000». É cofinanciada pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) e por fundos regionais ou nacionais.

A Comissão definiu três grandes prioridades para a política de desenvolvimento rural:

  1. Tornar a agricultura mais competitiva;
  2. Assegurar a gestão sustentável dos recursos naturais e das ações climáticas;
  3. Alcançar um desenvolvimento territorial equilibrado das economias e comunidades rurais, incluindo a criação e manutenção de empregos.

Estes objetivos principais traduziram-se nas seguintes seis prioridades da UE para a política de desenvolvimento rural no período de 2014-2020:

  1. Fomentar a transferência de conhecimentos nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais;
  2. Melhorar a competitividade de todos os tipos de agricultura e reforçar a viabilidade das explorações agrícolas;
  3. Promover a organização da cadeia alimentar e a gestão dos riscos na agricultura;
  4. Restaurar, preservar e melhorar os ecossistemas que dependem da agricultura e das florestas;
  5. Promover a utilização eficaz dos recursos e apoiar a transição para uma economia com baixas emissões de CO2 e resistente às alterações climáticas nos setores da agricultura, da alimentação e da silvicultura;
  6. Promover a inclusão social, a redução da pobreza e o desenvolvimento económico das zonas rurais.

A política de desenvolvimento rural é implementada com base em programas de desenvolvimento rural concebidos pelos Estados-Membros (ou pelas suas regiões). Estes programas plurianuais aplicam uma estratégia personalizada que responde às necessidades específicas dos Estados-Membros (ou regiões) e se prende, no mínimo, com quatro das seis prioridades acima referidas. Os programas baseiam-se numa combinação de medidas selecionadas a partir de um conjunto de medidas europeias especificadas no Regulamento (UE) n.º 1305/2013 relativo ao desenvolvimento rural e cofinanciadas pelo FEADER (ver detalhes infra). As taxas de cofinanciamento variam consoante as regiões e as medidas em causa. Os programas, que têm de ser aprovados pela Comissão Europeia, incluem obrigatoriamente um plano de financiamento e um conjunto de indicadores de resultados. A Comissão e os Estados-Membros estabeleceram um sistema comum de acompanhamento e avaliação da política de desenvolvimento rural. No atual período de programação (2014 a 2020), privilegiou-se a coordenação da ação do FEADER com outros fundos europeus estruturais e de investimento («FEEI»): os fundos da política de coesão (Fundo de Coesão, Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) e Fundo Social Europeu (FSE)) e o Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP).

O conjunto de medidas europeias

As medidas que os Estados-Membros devem incluir nos seus programas abrangem os seguintes domínios:

  • Transferência de conhecimentos e ações de informação (formação, ações de informação, etc.);
  • Serviços de aconselhamento, de gestão agrícola e de substituição nas explorações agrícolas;
  • Regimes de qualidade para os produtos agrícolas e os géneros alimentícios (novas participações dos agricultores em regimes de qualidade);
  • Investimentos em ativos físicos (transformação dos produtos agrícolas, infraestruturas e melhoria do desempenho e da sustentabilidade das explorações, etc.);
  • Restabelecimento do potencial de produção agrícola afetado por desastres naturais e catástrofes, e adoção de medidas de prevenção adequadas;
  • Desenvolvimento das explorações agrícolas e das empresas (apoio à instalação de jovens agricultores, atividades não agrícolas em zonas rurais, etc.);
  • Serviços básicos e renovação das aldeias em zonas rurais (banda larga, atividades culturais, infraestruturas turísticas, etc.);
  • Investimentos no desenvolvimento de zonas florestais e na melhoria da viabilidade das florestas (florestação e criação de superfícies arborizadas; criação de sistemas agroflorestais, prevenção e reparação dos danos causados às florestas por incêndios, catástrofes naturais ou outras, incluindo acontecimentos relacionados com pragas, doenças e alterações climáticas; investimentos para melhorar a resiliência e o valor ambiental dos ecossistemas florestais e o seu potencial de atenuação das alterações climáticas; investimentos em técnicas florestais e na transformação, mobilização e comercialização de produtos florestais);
  • Criação de agrupamentos e organizações de produtores;
  • Manutenção das práticas agrícolas que influem positivamente no ambiente e no clima e promoção das alterações necessárias para atingir esse objetivo (medidas agroambientais e climáticas). Estas medidas devem ser obrigatoriamente incluídas nos programas de desenvolvimento rural. Os compromissos devem ir além do que mandam as normas;
  • Apoio à agricultura biológica (pagamento para a conversão ou a favor da manutenção das práticas da agricultura biológica);
  • Pagamentos a título da rede Natura 2000 e da Diretiva-Quadro da Água;
  • Pagamentos a favor de zonas sujeitas a condicionantes naturais ou outras condicionantes específicas;
  • Pagamentos relacionados com o bem-estar dos animais;
  • Pagamentos destinados aos serviços florestais, ambientais e climáticos e à conservação das florestas;
  • Incentivo da cooperação entre os agricultores e os silvicultores e os agentes envolvidos na cadeia de produção alimentar (criação de polos e redes, grupos operacionais da Parceria Europeia de Inovação para a produtividade e a sustentabilidade agrícolas (PEI));
  • Uma «caixa de ferramentas de gestão de riscos»: pagamento do seguro de colheitas, animais e plantas; fundos mutualistas que intervêm em caso da ocorrência de fenómenos climáticos adversos, doenças animais e de plantas, pragas e incidentes ambientais; instrumento de estabilização dos rendimentos (sob a forma de contribuições financeiras para fundos mutualistas destinadas a compensar os agricultores em caso de diminuição acentuada dos seus rendimentos);

O Regulamento «Omnibus», que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2018, introduziu profundas alterações no atual regime de gestão dos riscos. O novo regulamento introduziu um novo instrumento de estabilização setorial que proporciona aos agricultores uma compensação em caso de quebra significativa nos seus rendimentos, que teria um importante impacto económico na zona rural em causa. O instrumento de estabilização setorial é aplicável se a quebra no rendimento for superior a 20 %. Já se encontra disponível um apoio semelhante para os contratos de seguro, caso sejam destruídos mais de 20 % da produção média anual de um agricultor.

O Regulamento relativo ao apoio ao desenvolvimento rural inclui igualmente uma abordagem ascendente («bottom-up») do desenvolvimento local de base comunitária (programa Leader). Além disso, o FEADER financia uma rede europeia de desenvolvimento rural, cujo objetivo é conectar as redes nacionais e as organizações e administrações nacionais que operam no domínio do desenvolvimento rural na União, e a rede PEI, que permite o estabelecimento de contatos e o intercâmbio de conhecimentos entre agricultores e investigadores. Por outro lado, o regulamento prevê, expressamente, que os Estados-Membros possam criar subprogramas temáticos relacionados com os jovens agricultores, as pequenas explorações agrícolas, as zonas de montanha, as cadeias de abastecimento curtas, as mulheres nas zonas rurais, a atenuação das alterações climáticas e a adaptação aos seus efeitos, a biodiversidade e a reestruturação de certos setores agrícolas.

Aspetos financeiros

No quadro financeiro plurianual de 2014-2020, cerca de 100 mil milhões de EUR foram afetados ao desenvolvimento rural a título do orçamento europeu, montante a que se vêm juntar mais 61 mil milhões de EUR dos Estados-Membros a título do cofinanciamento nacional destas medidas. A França (11,4 mil milhões de euros), a Itália (10,4 mil milhões), a Alemanha (9,4 mil milhões) e a Polónia (8,7 mil milhões) são os quatro principais beneficiários do FEADER. Pelo menos 30 % dos fundos do FEADER devem ser atribuídos para investimentos nos domínios do ambiente e do clima, para o desenvolvimento das zonas florestais e a melhoria da viabilidade das florestas, para medidas agroambientais e climáticas, para a agricultura biológica e os pagamentos a título da rede Natura 2000. Além disso, pelo menos 5 % da contribuição do FEADER devem ser gastos na abordagem Leader. Os montantes e as taxas de apoio são especificados no anexo II do regulamento (por exemplo, as ajudas ao arranque para jovens agricultores podem ascender a 70 000 EUR, as ajudas aos regimes de qualidade a 3 000 EUR por ano e, no caso das ajudas à agricultura biológica, a 900 EUR por ano para culturas perenes).

Execução

Entre dezembro de 2014 e dezembro de 2015, a Comissão aprovou todos os 118 programas de desenvolvimento rural elaborados pelos 28 Estados-Membros. Vinte Estados-Membros optaram por implementar um programa nacional único e oito, por utilizar mais de um programa (de modo a refletir a sua estrutura geográfica ou administrativa). A aplicação do segundo pilar diverge muito de Estado-Membro para Estado-Membro e, mesmo, no interior de cada um deles. Os primeiros elementos de análise disponíveis revelam que os Estados-Membros têm frequentemente optado, a nível das medidas aprovadas, pela evolução na continuidade. As três medidas mais escolhidas do conjunto de medidas europeias são os investimentos em ativos físicos (23 % das despesas públicas totais), as medidas agroambientais e climáticas (17 %) e os pagamentos a favor de zonas sujeitas a condicionantes naturais ou outras condicionantes específicas (16 %). Como a complexidade administrativa da aplicação do segundo pilar foi frequentemente criticada, um dos objetivos da futura PAC pós-2020 é simplificar estas disposições.

Reforma da PAC (2020-2027)

Em 29 de novembro de 2017, a Comissão apresentou uma nova Comunicação sobre o futuro da alimentação e da agricultura, que tem por base as recomendações apresentadas na Declaração de Cork 2.0 sobre desenvolvimento rural (os debates sobre o futuro do segundo pilar foram iniciados numa conferência europeia, realizada em Cork, em setembro de 2016). A Comunicação põe a ênfase no desenvolvimento sustentável, na preservação dos recursos naturais e na necessidade de garantir a renovação geracional. Relativamente a este último aspeto, a Comissão convida, em especial, os Estados-Membros a desenvolverem programas que correspondam às necessidades dos jovens agricultores e propõe facilitar o acesso destes aos instrumentos financeiros destinados a apoiar os investimentos agrícolas e o fundo de maneio. Por último, a Comunicação apresenta uma nova série de prioridades, com destaque para as cadeias de valor do espaço rural em domínios como as energias limpas, a bioeconomia emergente, a economia circular e o ecoturismo.

Embora a proposta de reforma da Comissão não altere as estruturas e as modalidades de execução do segundo pilar, introduz algumas alterações importantes: o FEADER deixa de ser um fundo estrutural ao abrigo do quadro comum da política de coesão, a taxa de cofinanciamento a partir do orçamento comunitário é reduzida e as regras do programa Leader passam a estar sob a alçada da política de coesão, mesmo que o seu financiamento continue a ser assegurado pelo orçamento agrícola.

Note-se que as medidas agroambientais e climáticas desempenharão um papel fulcral na contribuição da PAC para a consecução do Pacto Ecológico Europeu e das respetivas estratégias ambiciosas da UE para a cadeia agroalimentar e o ambiente (estratégia «do prado ao prato» e estratégia para a biodiversidade).

O outro grande desafio para o segundo pilar consistirá em manter o seu nível de ambição com um orçamento reduzido, uma vez que o acordo sobre o quadro financeiro plurianual de julho de 2020 prevê uma redução de 19 % das dotações do segundo pilar (para 77,8 mil milhões de EUR, a preços constantes de 2018), em comparação com o período anterior (ver ficha 3.2.3), não obstante o NextGenerationUE reforçar o orçamento do FEADER em 8 mil milhões de EUR, a fim de ajudar as zonas rurais a proceder às mudanças estruturais necessárias para alcançar os objetivos do Pacto Ecológico Europeu e da Transição Digital.

O papel do Parlamento Europeu

A última reforma da PAC foi adotada pela primeira vez através do processo legislativo ordinário («codecisão») (ver ficha 3.2.4). O Parlamento desempenhou plenamente o seu papel de colegislador, garantindo, entre outros, que pelo menos 30 % dos fundos do FEADER sejam consagrados a investimentos em medidas ambientais e de combate às alterações climáticas, ao desenvolvimento de zonas florestais e à melhoria da viabilidade das florestas, a medidas «agroambientais e climáticas», à agricultura biológica e aos pagamentos a título da rede Natura 2000, como já foi referido. Além disso, o Parlamento insistiu na necessidade de uma taxa de cofinanciamento do FEADER de 85 % nas regiões menos desenvolvidas, nas regiões ultraperiféricas e nas ilhas de menor dimensão do mar Egeu (o Conselho propusera inicialmente uma taxa de cofinanciamento de 75 %). Por último, é graças ao Parlamento que o montante máximo por hectare atribuído a zonas sujeitas a condicionantes naturais ou outras condicionantes específicas foi fixado em 450 EUR/hectare contra os 300 EUR previstos na proposta inicial da Comissão (valor que também contava com o apoio do Conselho).

 

François Nègre