Medicamentos e dispositivos médicos

Os medicamentos e os dispositivos médicos estão sujeitos às normas do mercado único e têm um impacto direto na saúde das pessoas. O sólido quadro jurídico existente permite proteger a saúde pública e garantir a segurança destes produtos O acesso a medicamentos a preços acessíveis, a luta contra a resistência aos agentes antimicrobianos, a conduta ética nos ensaios clínicos, a utilização da inteligência artificial em dispositivos médicos e os incentivos à investigação e ao desenvolvimento são apenas algumas das questões fundamentais neste domínio de que a UE se ocupa.

Base jurídica

Artigos 168.º e 114.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Contexto

Os Estados-Membros são responsáveis pela definição das políticas de saúde e pela organização e prestação de serviços de saúde e de cuidados médicos. A UE tem uma competência complementar que lhe permite apoiar e coordenar ações e adotar legislação vinculativa em matéria de medicamentos e dispositivos médicos.

Resultados e evolução em curso

A. Normas gerais sobre medicamentos

Um medicamento é uma substância ou uma combinação de substâncias utilizada para o tratamento ou a prevenção de doenças nos seres humanos. Com o objetivo de proteger a saúde pública, a autorização de introdução no mercado, a classificação e a rotulagem dos medicamentos são regulamentadas na UE desde 1965. A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) centraliza a avaliação da maior parte dos medicamentos. O procedimento de autorização centralizado instituído em 1995 foi aplicado para simplificar as aprovações e garantir um abastecimento estável de medicamentos. Os principais quadros jurídicos neste domínio são a Diretiva 2001/83/CE e o Regulamento (CE) n.º 726/2004, que definem as normas para o estabelecimento de procedimentos centralizados e descentralizados para as autorizações de introdução no mercado. Estes quadros foram alterados pelo Regulamento (UE) 2019/1243, que introduz medidas específicas para assegurar a disponibilidade e gerir a escassez de medicamentos na UE. Em abril de 2023, a Comissão adotou uma proposta de uma nova diretiva e de um novo regulamento para revogar a Diretiva 2001/83/CE e o Regulamento (CE) n.º 726/2004, respetivamente.

Uma vez colocados no mercado, a EMA monitoriza os medicamentos ao longo de toda a sua vida útil através do sistema de farmacovigilância, que regista quaisquer efeitos secundários adversos verificados quotidianamente na prática clínica.

Para além da regulamentação geral sobre medicamentos, estão igualmente em vigor regulamentos específicos relativos aos medicamentos órfãos para o tratamento de doenças raras (Regulamento (CE) n.º 141/2000), aos medicamentos para uso pediátrico (Regulamento (CE) n.º 1901/2006) e aos medicamentos de terapia avançada (Regulamento (CE) n.º 1394/2007). Na secção D são apresentadas mais informações sobre esta questão.

B. Ensaios clínicos

Os ensaios clínicos são investigações sistemáticas de medicamentos em seres humanos para estudar a eficácia e a segurança de um dado medicamento. Para ser colocado no mercado, um medicamento deve ser acompanhado de documentos que indiquem os resultados dos ensaios a que foi submetido. Desde 1990, têm vindo a ser desenvolvidas normas de forma progressiva, tanto a nível da UE como a nível internacional, as quais se encontram codificadas na legislação da UE, um processo obrigatório para a indústria farmacêutica. A última revisão da legislação da UE, efetuada em 2014, estabeleceu normas harmonizadas para a autorização e a realização de ensaios clínicos (Regulamento (UE) n.º 536/2014). Os ensaios clínicos devem ser submetidos a uma análise científica e ética e devem receber autorização prévia. Além disso, só podem ser realizados se os direitos, a segurança, a dignidade e o bem-estar dos participantes forem protegidos e prevalecerem sobre todos os outros interesses, e apenas se os ensaios tiverem por objetivo a obtenção de dados fiáveis e sólidos. O Regulamento (UE) n.º 536/2014 entrou em vigor no final de janeiro de 2022 e criou o Sistema de Informação sobre Ensaios Clínicos da UE para centralizar os pedidos de autorização de ensaios clínicos apresentados e fornecer os resultados desses ensaios, reforçando a transparência e a acessibilidade na investigação clínica.

C. Medicamentos de terapia avançada

Os medicamentos de terapia avançada são uma categoria de produtos ou fármacos relativamente nova, que se baseiam nos progressos realizados no domínio da biotecnologia celular e molecular e em tratamentos inovadores, como a terapia genética, a terapia celular e a engenharia dos tecidos. Estes produtos complexos, que envolvem ações de natureza farmacológica, imunológica ou metabólica, não podem ser considerados medicamentos convencionais e, como tal, necessitam de legislação específica, nomeadamente a que consta do Regulamento (CE) n.º 1394/2007 e da Diretiva 2009/120/CE. Devido ao risco de transmissão de doenças que acarretam, os tecidos e as células devem ser sujeitos a rigorosos requisitos de segurança e de qualidade. A Diretiva 2004/23/CE relativa ao estabelecimento de normas de qualidade e segurança em relação à dádiva, colheita, análise, processamento, preservação, armazenamento e distribuição de tecidos e células de origem humana reveste-se, por conseguinte, de grande importância para estes produtos. Foi criado na EMA o Comité das Terapias Avançadas, incumbido de avaliar a qualidade, a segurança e a eficácia dos medicamentos de terapia avançada e de acompanhar os avanços científicos neste novo domínio da biomedicina, que tem um enorme potencial para os doentes e a indústria.

D. Medicamentos órfãos e medicamentos pediátricos

Os medicamentos pediátricos são igualmente objeto de regulamentação específica (Regulamento (CE) n.º 1901/2006), a fim de garantir que foram ensaiados especificamente para crianças, tendo em conta princípios éticos, que satisfazem as necessidades das crianças e que as doses e fórmulas são adequadas à sua idade. O Regulamento (UE) 2019/5 altera o Regulamento (CE) n.º 1901/2006 para ter em conta o facto de as obrigações específicas sujeitas a sanções financeiras estarem agora estabelecidas no Regulamento (CE) n.º 726/2004. Antes de apresentarem qualquer pedido de autorização de introdução no mercado, as empresas farmacêuticas realizam estudos com crianças para obter provas de que os novos medicamentos são eficazes e seguros. O Comité Pediátrico da EMA avalia esses estudos e os dados que os mesmos permitem obter.

Na UE, as doenças raras não afetam mais de cinco em cada 10 000 pessoas. Os medicamentos órfãos destinam-se especificamente ao tratamento destas doenças. O Regulamento (CE) n.º 141/2000 define o procedimento centralizado para a designação dos medicamentos órfãos. Devido ao reduzido número de pessoas afetadas por doenças raras, a investigação neste domínio não é muito atrativa do ponto de vista económico. A UE lançou, por esse motivo, a Iniciativa sobre Medicamentos Inovadores, para incentivar a indústria farmacêutica a desenvolver medicamentos órfãos. Em 2017, a Comissão iniciou a sua avaliação da legislação sobre medicamentos pediátricos e para o tratamento de doenças raras. Entre maio e julho de 2021, a Comissão realizou uma consulta pública sobre este tema. Em novembro de 2022, a Comissão publicou as Orientações sobre a forma de apresentação e o conteúdo dos pedidos de designação de medicamentos órfãos e sobre a transferência de designações de um promotor para outro. Uma vez que as doenças raras são uma preocupação a nível mundial, a EMA colabora estreitamente com os seus homólogos internacionais para designar e avaliar medicamentos órfãos.

Os medicamentos órfãos e pediátricos são também abordados na proposta da Comissão, de 2023, de um novo regulamento no âmbito do «pacote farmacêutico» que estabelece procedimentos da União de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano.

E. Dispositivos médicos

Um dispositivo médico é um produto utilizado para fins médicos, nomeadamente o diagnóstico, a prevenção, o tratamento, a investigação ou alterações à anatomia, os dispositivos contracetivos e a esterilização de equipamentos médicos.

O Regulamento (UE) 2017/745 (Regulamento Dispositivos Médicos) e o Regulamento (UE) 2017/746 estabelecem as normas aplicáveis à colocação no mercado de dispositivos médicos e de dispositivos médicos para diagnóstico in vitro, bem como à investigação clínica a estes associada. Os referidos regulamentos entraram em vigor em maio de 2021 e maio de 2022, respetivamente. Os dispositivos são agrupados em função da sua categoria de risco e a cada categoria é aplicado um conjunto específico de normas. Os referidos regulamentos introduzem procedimentos mais rigorosos de avaliação da conformidade e de fiscalização após a introdução no mercado, exigem que os fabricantes produzam dados de segurança clínica, estabelecem um sistema único de identificação de dispositivos para a sua rastreabilidade e preveem a criação de uma base de dados europeia sobre dispositivos médicos. O Regulamento (UE) 2023/607 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2023, altera os supramencionados regulamentos no que diz respeito às disposições transitórias aplicáveis a determinados dispositivos médicos e dispositivos médicos para diagnóstico in vitro. Este novo regulamento introduz uma prorrogação faseada do período de transição previsto no Regulamento Dispositivos Médicos, subordinada a determinadas condições. Suprime igualmente, tanto no Regulamento Dispositivos Médicos como no Regulamento relativo aos dispositivos médicos para diagnóstico in vitro, o prazo de «venda» após o qual os dispositivos colocados no mercado antes dos períodos de transição ou durante os mesmos que ainda se encontrem no circuito de comercialização teriam de ser retirados.

F. Resistência aos agentes antimicrobianos

Os agentes antimicrobianos são substâncias que destroem ou inibem o crescimento de microrganismos, nomeadamente bactérias, vírus, fungos e parasitas. A utilização (e a má utilização) de agentes antimicrobianos está associada a uma prevalência cada vez maior de microrganismos que desenvolveram resistência a esses agentes, o que constitui uma ameaça para a saúde pública e aumenta significativamente os custos. A ação a nível da UE para combater a resistência aos agentes antimicrobianos remonta ao final da década de 90. O Plano de Ação Europeu Uma Só Saúde contra a Resistência aos Agentes Antimicrobianos (RAM), adotado em 2017, assegura o tratamento eficaz das infeções, reduzindo o surgimento e a propagação da RAM e potenciando o desenvolvimento e a disponibilidade de novos agentes antimicrobianos eficazes. Em 1 de junho de 2023, o Parlamento aprovou uma resolução sobre a intensificação das ações da UE para combater a resistência aos antimicrobianos. Adicionalmente, em 13 de junho de 2023, o Conselho aprovou uma Recomendação sobre a intensificação das ações da UE para combater a resistência aos antimicrobianos no âmbito da abordagem Uma Só Saúde. Em fevereiro de 2023, a Comissão publicou o Regulamento Delegado (UE) 2023/905 que complementa o Regulamento (UE) 2019/6 no que diz respeito à aplicação da proibição relativa à utilização de determinados medicamentos antimicrobianos em animais.

Desafios adicionais

A UE esforça-se continuamente por implementar iniciativas destinadas a promover a investigação e a inovação no setor farmacêutico. Os programas-quadro de investigação sempre apoiaram a investigação no domínio da saúde. O atual programa de financiamento da investigação e inovação, Horizonte Europa, promoverá a investigação no domínio da saúde e responderá aos desafios atuais, abordando temas como a saúde ao longo da vida, as determinantes ambientais e sociais da saúde, as doenças não transmissíveis e raras, as doenças infeciosas, as ferramentas, tecnologias e soluções digitais para a saúde e a prestação de cuidados e os sistemas de saúde.

Outros programas de financiamento da UE, como o Programa UE pela Saúde 2021-2027, que foi adotado para reforçar a preparação para situações de crise, e o Fundo Social Europeu Mais 2021-2027, que apoia o acesso aos cuidados de saúde, também desempenham um papel importante. Além disso, a UE deu um apoio considerável ao desenvolvimento de medicamentos inovadores e de tratamentos que são necessários com urgência, acelerando o acesso dos doentes a novos tratamentos através da Iniciativa sobre Medicamentos Inovadores e das que a precederam.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, o acesso a medicamentos essenciais faz parte do direito à saúde. No entanto, o acesso a tratamentos médicos depende cada vez mais da disponibilidade de medicamentos a preços acessíveis. As conclusões revelam diferenças nas vendas de medicamentos inovadores entre os diferentes Estados-Membros, que podem ser atribuídas às disparidades económicas e às diferenças nas infraestruturas de cuidados de saúde. Este problema foi agravado pela crise económica. O Parlamento, preocupado com esta grave situação, publicou vários relatórios de iniciativa sobre o acesso aos medicamentos. Em 2017, o Parlamento adotou uma resolução sobre as opções para melhorar o acesso aos medicamentos. O acesso a medicamentos a preços acessíveis continua a ser uma prioridade para a atual Comissão, tal como sublinhado na sua estratégia farmacêutica de 2020.

Na EMA, o Grupo de Trabalho sobre a disponibilidade de medicamentos autorizados para uso humano e veterinário fornece soluções estratégicas e estruturais para fazer face às perturbações no fornecimento de medicamentos e assegurar a sua disponibilidade contínua na UE, ao passo que as estruturas e os processos estabelecidos pela EMA para combater a escassez de medicamentos, em conformidade com o Regulamento (UE) 2022/123 relativo ao reforço do papel da Agência Europeia de Medicamentos se centram principalmente em atividades relacionadas com situações de crise.

Tendo em conta a crescente preocupação com a escassez de determinados medicamentos, que foi agravada por acontecimentos geopolíticos como a guerra na Ucrânia, as crises energéticas e a elevada inflação, é igualmente necessário prestar atenção ao aprovisionamento de medicamentos. Para o efeito, a EMA publicou, em 2019, orientações sobre a deteção e a comunicação de situações de escassez de medicamentos.

Em dezembro de 2021, foi publicado o Regulamento (UE) 2021/2282 relativo à avaliação das tecnologias da saúde e que altera a Diretiva 2011/24/UE. O regulamento entrou em vigor em janeiro de 2022 e será aplicável a partir de janeiro de 2025. O novo regulamento definirá um quadro de apoio e procedimentos de cooperação em matéria de avaliação clínica das tecnologias de saúde a nível da UE e metodologias comuns para o efeito. Contribuirá, nomeadamente, para acelerar o acesso a novos medicamentos.

Em 7 de março de 2023, o Conselho adotou a proposta da Comissão que prorroga o período de transição para se adaptar às novas normas no âmbito do Regulamento Dispositivos Médicos.

O papel do Parlamento Europeu

O Parlamento tem promovido sistematicamente a adoção de uma política de saúde pública coerente e de uma política em matéria de produtos farmacêuticos que tenha em conta tanto as questões de saúde pública como as características do setor.‎‎ Entre os atos legislativos recentes, aprovados com a participação muito ativa do Parlamento enquanto colegislador, figuram regulamentos sobre ensaios clínicos, dispositivos médicos e dispositivos para diagnóstico in vitro. Durante o processo legislativo, o Parlamento defendeu o reforço da segurança dos doentes. Resoluções não legislativas e debates sobre questões atuais, como a utilização da inteligência artificial em dispositivos médicos, o acesso a medicamentos ou a resistência a agentes antimicrobianos, colocam em evidência a atenção que o Parlamento atribui aos desafios atuais e às novas ameaças. Durante a audição da Comissária Stella Kyriakides, o Parlamento sublinhou a necessidade de superar estes desafios.

Nas negociações de 2021 sobre o Regulamento (UE) 2021/2282 relativo à avaliação das tecnologias da saúde, o Parlamento quis garantir que a avaliação das tecnologias de saúde fosse utilizada para promover inovações que permitissem alcançar os melhores resultados para os doentes e para a sociedade em geral e permitisse aos profissionais de saúde, aos doentes e às instituições de saúde determinar se, em termos de benefícios e riscos, uma nova tecnologia de saúde constitui uma melhoria, ou não, relativamente às tecnologias de saúde já existentes.

Para mais informações sobre este tema, consultar os sítios Web da Comissão do Ambiente, da Saúde Pública e da Segurança Alimentar (ENVI) e da Subcomissão da Saúde Pública (SANT).

 

Maria-Mirela Curmei / Christian Kurrer