Cobertura da segurança social noutros Estados-Membros da UE

A coordenação da segurança social facilita a livre circulação de pessoas na União. Em 2010, realizou-se uma reforma fundamental da legislação neste domínio, posteriormente completada por outros atos jurídicos que melhoram a proteção dos direitos dos trabalhadores móveis. Em 2016, a Comissão incluiu propostas para prosseguir a reforma do sistema e adaptá-lo às realidades económicas e sociais modernas na União no pacote de medidas relativas à mobilidade dos trabalhadores.

Base jurídica

Artigos 48.º e 352.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

Objetivos

O princípio fundamental consagrado no Tratado de Roma consiste na eliminação dos obstáculos à livre circulação de pessoas entre os Estados-Membros (2.1.5). Para alcançar este objetivo, medidas de segurança social devem garantir que os cidadãos da UE que trabalham e residem num Estado-Membro diferente do seu Estado de origem não percam parte ou todos os seus direitos à segurança social.

Realizações

Em 1958, o Conselho adotou dois regulamentos relativos à segurança social dos trabalhadores migrantes, os quais foram posteriormente substituídos pelo Regulamento (CEE) n.º 1408/71. Os nacionais da Islândia, do Listenstaine e da Noruega são também abrangidos pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), enquanto os nacionais da Suíça são abrangidos pelo Acordo UE-Suíça. Após o Brexit, os direitos das pessoas abrangidas pelo Acordo de Saída celebrado entre a UE e o Reino Unido continuam a ser protegidos. Para as pessoas não abrangidas pelo Acordo de Saída, a coordenação da segurança social entre a UE e o Reino Unido é regulada pelo Protocolo pertinente do Acordo de Comércio e Cooperação.

Em 2004, o Regulamento (CE) n.º 883/2004 (regulamento de coordenação) revogou o Regulamento (CEE) n.º 1408/71, embora este último continue a ter efeitos para determinados atos e acordos comunitários em que a UE ainda é parte. Em 2010, realizou-se uma reforma importante do sistema com a adoção do «pacote modernizado de coordenação» - Regulamento (CE) n.º 988/2009 e Regulamento (CE) n.º 987/2009 relativo às modalidades de aplicação.

A. Os quatro grandes princípios

Cada Estado-Membro continua a ser livre de conceber o seu sistema de segurança social de forma independente, o que significa que os sistemas nacionais de segurança social não serão substituídos por um sistema único europeu. De um modo geral, a cobertura da segurança social é assegurada pelo país em que um cidadão tem o seu emprego ou, caso não tenha emprego, pelo país de residência. Quando estejam envolvidos dois ou mais países, o regulamento de coordenação determina qual o sistema do país que oferece cobertura de seguro a um cidadão da UE. O regulamento assenta em quatro princípios fundamentais:

1. Igualdade de tratamento (artigos 4.º e 5.º)

Os trabalhadores assalariados e os trabalhadores independentes de outros Estados-Membros têm os mesmos direitos e obrigações que os nacionais do Estado de acolhimento. O direito à igualdade de tratamento aplica-se incondicionalmente a qualquer trabalhador assalariado ou independente de outro Estado-Membro que tenha residido no Estado de acolhimento durante um determinado período de tempo.

2. Totalização dos períodos (artigo 6.º)

Este princípio garante que, no cálculo das prestações, sejam tidos em conta anteriores períodos de seguro, emprego ou residência noutros países. Se, por exemplo, a legislação nacional exige que um trabalhador tenha estado segurado ou empregado durante um determinado período de tempo antes de ter direito a determinadas prestações, o princípio da totalização implica que o Estado-Membro competente deve ter em conta os períodos de seguro e emprego cumpridos noutro Estado-Membro.

3. Princípio da lei única (artigo 10.º e artigo 11.º, n.º 1)

Este princípio evita que alguém tire indevidamente proveito do direito à livre circulação. Cada beneficiário é abrangido pela legislação de um único país e paga as suas contribuições apenas nesse país.

4. Possibilidade de exportação (artigo 7.º)

De acordo com este princípio, as prestações de segurança social podem ser pagas em qualquer zona da UE e os Estados-Membros não podem reservar o pagamento às pessoas que residem no seu território. No entanto, tal não se aplica a todas as prestações de segurança social, uma vez que se aplicam regras especiais, por exemplo, às prestações de desemprego.

B. Categorias de pessoas abrangidas

Inicialmente, o Regulamento (CEE) n.º 1408/71 abrangia apenas os trabalhadores assalariados, mas, em 1982, o seu âmbito de aplicação foi alargado, passando a incluir os trabalhadores independentes. Abrangia igualmente os membros da família e as pessoas dependentes dos trabalhadores assalariados e dos trabalhadores independentes, bem como os apátridas e os refugiados. O âmbito de aplicação foi progressivamente alargado em 1998 para colocar os funcionários públicos em pé de igualdade com a restante população no que respeita aos direitos à pensão legal geral, em 1999 para incluir todas as pessoas seguradas, nomeadamente os estudantes e as pessoas sem emprego remunerado e, em 2003, para abranger os nacionais de países terceiros legalmente residentes na UE.

O ato jurídico mais recente, o Regulamento (UE) n.º 1231/2010, alargou a cobertura aos nacionais de países terceiros legalmente residentes na UE e em situação transfronteiriça, bem como aos seus familiares e sobreviventes, se também estiverem na UE.

Os trabalhadores transfronteiriços que trabalhem como assalariados ou trabalhadores independentes num Estado-Membro e residam noutro Estado-Membro ao qual regressam diariamente ou, pelo menos, uma vez por semana são igualmente abrangidos.

Os trabalhadores destacados são um caso especial, porque são deslocados temporariamente e continuam abrangidos pelo sistema de segurança social do seu Estado-Membro de origem durante um período máximo de 24 meses (2.1.13). No Estado-Membro de residência, só podem beneficiar de prestações em espécie relativas a cuidados de saúde.

C. Prestações cobertas

O artigo 3.º do Regulamento (CE) N.º 883/2004 enumera as prestações de segurança social cobertas:

  • Doença;
  • Prestações por maternidade e por paternidade equiparadas;
  • Prestações de invalidez;
  • Prestações de velhice;
  • Prestações de sobrevivência;
  • Prestações por acidentes de trabalho e por doenças profissionais;
  • Subsídios por morte;
  • Prestações por desemprego;
  • Prestações por pré-reforma;
  • Prestações familiares;
  • Certas prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo (artigo 70.º).

D. A modernização do sistema

Desde 1971, a legislação em matéria de coordenação da segurança social foi alterada em muitas ocasiões para ter em conta a evolução a nível da UE, alterações introduzidas na legislação nacional e na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

1. Cartão Europeu de Seguro de Doença

Desde 2006, os cidadãos europeus que se desloquem no interior do EEE podem utilizar o Cartão Europeu de Seguro de Doença, emitido pelos serviços de seguro de saúde do seu país de origem. Este cartão facilita o acesso a cuidados médicos em caso de necessidade de assistência médica não prevista durante uma visita a outro país do EEE por motivos de ordem pessoal ou profissional. É garantido um acesso nas mesmas condições e com os mesmos custos que os beneficiários desse país. Os custos são reembolsados pelo sistema de segurança social do país de origem.

2. Direitos a pensão complementar

A par dos regimes legais de pensões, as pensões complementares desempenham frequentemente um papel importante na garantia do nível de vida das pessoas na velhice. A Diretiva 2014/50/UE relativa aos requisitos mínimos para uma maior mobilidade dos trabalhadores entre os Estados-Membros, melhorando a aquisição e a manutenção dos direitos à pensão complementar, aborda uma série de obstáculos que impedem os trabalhadores móveis de adquirirem os seus direitos a pensão complementar quando se mudam para outro Estado-Membro.

3. Papel da Autoridade Europeia do Trabalho

Quando se criou a Autoridade Europeia do Trabalho (AET), em julho de 2019, esta assumiu os aspetos operacionais da coordenação da segurança social. A AET também oferece mediação, através de um Conselho de Mediação específico, em caso de litígio.

4. Digitalização da coordenação da segurança social

Um processo de transição do intercâmbio de informações em suporte papel para o intercâmbio eletrónico de informações teve início com o pacote de coordenação modernizado e conduziu à criação do sistema de Intercâmbio Eletrónico de Informações de Segurança Social (EESSI). O sistema liga atualmente instituições de segurança social em 32 países - os 27 Estados-Membros da UE, a Islândia, o Listenstaine, a Noruega, a Suíça e o Reino Unido.

O programa de trabalho da Comissão para 2018 mencionava uma proposta relativa a um número europeu de segurança social, para facilitar a coordenação transfronteiriça da segurança social, mas não foi apresentada qualquer proposta específica. Em contrapartida, no plano de ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, a Comissão anunciou um projeto-piloto para estudar a viabilidade da introdução de um passaporte europeu de segurança social (ESSPASS) até 2023, com base no Portal Digital Único, no EESSI e na proposta de quadro europeu para a identidade digital. Em 6 de setembro de 2023, a Comissão apresentou uma comunicação sobre digitalização na coordenação da segurança social. A comunicação apresenta os vários projetos que estão a ser desenvolvidos no domínio da digitalização, incluindo o projeto de Passaporte Europeu de Segurança Social (PESS). O projeto PESS centra-se na digitalização do processo de pedido e receção de documentos comprovativos dos direitos e na sua verificação em tempo real, a fim de permitir que as instituições de segurança social, as inspeções do trabalho, os prestadores de cuidados de saúde e outras entidades pertinentes verifiquem imediatamente esses documentos em toda a Europa.

5. Reforma em curso

Após uma consulta específica sobre a coordenação das prestações em caso de cuidados continuados e das prestações de desemprego, em 2013, e uma consulta geral sobre a coordenação da segurança social na UE, em 2015, a Comissão propôs, em dezembro de 2016, no âmbito do pacote de medidas relativas à mobilidade dos trabalhadores, uma revisão do Regulamento (CE) n.º 883/2004 e do Regulamento (CE) n.º 987/2009 que estabelece medidas de aplicação.

Esta revisão visa assegurar a equidade, com uma ligação mais estreita do pagamento das prestações ao Estado-Membro que cobra as contribuições para a segurança social. Oferece igualmente às autoridades nacionais melhores instrumentos para verificar o estatuto dos trabalhadores destacados em matéria de segurança social, a fim de combater práticas desleais e abusos. As principais alterações são as seguintes:

  • Prestações de desemprego: aplicar-se-á um período de carência de três meses, antes de ser possível a totalização dos períodos de seguro ou de emprego, mas os trabalhadores podem exportar as suas prestações de desemprego durante um período de seis meses, em vez de três, para procurar emprego noutro Estado-Membro;
  • Prestações para cuidados de longa duração: a proposta define as prestações para cuidados de longa duração e os casos em que os cidadãos em situação de mobilidade podem requerer prestações desta natureza;
  • As prestações familiares, destinadas a substituir rendimentos durante os períodos de educação dos filhos, são consideradas como direitos individuais e pessoais, o que permite ao Estado-Membro subsidiariamente competente pagar a prestação por inteiro ao segundo progenitor. Tal suprime eventuais desincentivos financeiros que se coloquem aos pais que desejam tirar uma licença para assistência à família ao mesmo tempo.
  • Cidadãos economicamente inativos: A proposta destina-se igualmente a adaptar as normas jurídicas em vigor à jurisprudência recente do TJUE sobre o acesso às prestações sociais (2.1.5).

A proposta foi objeto de longas negociações interinstitucionais e, em dezembro de 2021, o Conselho e o Parlamento chegaram a um acordo provisório. No entanto, este acordo não foi confirmado e o dossiê está atualmente em suspenso.

O papel do Parlamento Europeu

O Parlamento sempre demonstrou um vivo interesse pelos problemas dos trabalhadores migrantes, dos trabalhadores fronteiriços, dos trabalhadores independentes e dos nacionais de países terceiros que trabalham num Estado-Membro que não o que os admitiu. O Parlamento deplorou, em diversas ocasiões, a persistência de obstáculos à plena aplicação do princípio da livre circulação e solicitou ao Conselho que adotasse propostas com o objetivo de incluir as pensões de reforma antecipada no âmbito de aplicação da coordenação da segurança social, de alargar o direito das pessoas desempregadas a receber a prestação de desemprego noutro Estado-Membro e de alargar o âmbito de aplicação da legislação para incluir todas as pessoas seguradas. A maioria destes pedidos foi acolhida com a adoção do Regulamento (CE) n.º 883/2004 ou está incluída nas propostas mais recentes da Comissão para rever este regulamento.

Em várias das suas resoluções (de 14 de janeiro de 2014, sobre a proteção social para todos, de 14 de setembro de 2016, sobre o dumping social e de 4 de julho de 2017, sobre condições de trabalho e o emprego precário, o Parlamento chamou a atenção para dificuldades específicas neste domínio, como, por exemplo, o caso dos trabalhadores independentes, dos trabalhadores com contratos temporários ou a tempo parcial, dos trabalhadores na economia digital e dos trabalhadores sazonais, e instou a Comissão a proceder a uma revisão da legislação e ao acompanhamento da aplicação e da coordenação dos sistemas de segurança social, para garantir que os direitos dos cidadãos sejam respeitados e a mobilidade dos trabalhadores na UE possa funcionar eficientemente.

Na sequência do surto da pandemia de COVID-19 e do grave impacto observado nos trabalhadores transfronteiriços, fronteiriços, destacados e sazonais, o Parlamento adotou, em 19 de junho de 2020, uma Resolução sobre a proteção europeia dos trabalhadores transfronteiriços e sazonais no contexto da crise da COVID-19. Esta resolução chama a atenção para as dificuldades que estes trabalhadores enfrentam: não terem acesso a proteção e segurança social adequada, devido a dificuldades de coordenação entre as instituições de segurança social dos Estados-Membros, nem sempre serem elegíveis para as medidas de apoio temporárias, tais como os regimes de tempo de trabalho reduzido, a adaptação das prestações de desemprego e as medidas para facilitar o teletrabalho no domicílio, e ficarem numa situação de insegurança jurídica quanto aos regimes de segurança social e fiscal aplicáveis.

Em 20 de maio de 2021, o Parlamento aprovou uma Resolução sobre o impacto das normas da UE na livre circulação de trabalhadores e serviços: a mobilidade dos trabalhadores no interior da UE como ferramenta para fazer coincidir as necessidades e as competências do mercado de trabalho. A resolução salienta que a falta de acesso aos sistemas de segurança social resulta frequentemente de formas abusivas de emprego atípico. Salienta também a necessidade de digitalizar totalmente os procedimentos relativos à mobilidade laboral e ao destacamento de trabalhadores, a fim de melhorar a prestação e o intercâmbio de informações entre as autoridades nacionais e permitir a aplicação, a portabilidade e a rastreabilidade efetivas dos direitos dos trabalhadores.

Na sua Resolução, de 25 de novembro de 2021, sobre a introdução de um cartão europeu de segurança social para melhorar a aplicação digital dos direitos de segurança social e a mobilidade justa, o Parlamento reiterou a necessidade de um instrumento digital à escala da UE para os trabalhadores móveis, a fim de facilitar o acompanhamento e a obtenção, pelos trabalhadores, das suas contribuições e benefícios de segurança social, melhorando, simultaneamente, o cumprimento das regras da UE em matéria de mobilidade laboral e coordenação da segurança social.

Para obter mais informações sobre este tema, consulte o sítio Web da Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais.

 

Aoife Kennedy