Acordo comercial UE/EUA: Eurodeputados apontam vantagens e riscos no debate com a Comissão 

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Os eurodeputados debateram ontem o acordo de comércio e investimento entre a UE e os Estados Unidos com o comissário Karel De Gucht. Vários deputados afirmaram que a celebração deste acordo poderá beneficiar o crescimento e a criação de emprego na UE, mas outros alertaram para os potenciais riscos a nível da erosão das normas sociais e ambientais, bem como do mecanismo de resolução de litígios entre os investidores e o Estado. A falta de transparência foi criticada por muitos parlamentares.

Um acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, na sigla inglesa) entre a UE e os Estados Unidos "trará muitas oportunidades para os cidadãos, consumidores e empresas. Significa a eliminação de direitos aduaneiros em relação a automóveis, camiões, calçado e vestuário e não a redução dos direitos dos trabalhadores ou dos níveis de proteção dos consumidores", disse Daniel Caspary (PPE, Alemanha).


Para David Martin (S&D, Reino Unido), este acordo "poderá ser a última oportunidade da UE de definir padrões a nível global". De outro modo, será a China, o Brasil ou a Índia a fazê-lo, "colocando as nossas indústrias em desvantagem significativa". O eurodeputado disse à Comissão Europeia que o seu grupo político não iria autorizar que carne tratada com hormonas ou organismos geneticamente modificados (OGM) entrassem no mercado europeu nem deixar que o mecanismo de resolução de litígios entre os investidores e o Estado ("Investor-State Dispute Settlement", ISDS) se tornasse numa "porta das traseiras" para dar mais poder às corporações.


"Os indivíduos dos dois lados do Atlântico terão mais escolha sobre os produtos, com melhores padrões e a preços mais baixos, mas temos de garantir que o acordo beneficiará as empresas dos dois lados, independentemente do tamanho", afirmou Emma McClarkin (ECR, Reino Unido).


"Quase nos esquecemos de que também há oportunidades que não são controversas, como na área dos contratos públicos", frisou Marietje Schaake (ALDE, Países Baixos). "O mercado norte-americano deverá abrir-se às nossas empresas" e "acabar com o protecionismo explícito ou implícito".


Para Helmut Scholz (CEUE/EVN, Alemanha), as negociações devem acabar. "Tendo em conta o escândalo de espionagem da NSA, não há fundamento para um acordo comercial se os Estados Unidos não se comprometerem a proteger os dados pessoais dos cidadãos europeus e dos operadores económicos", afirmou.


O eurodeputado do grupo dos Verdes/ALE, Yannick Jadot (França), acredita que "o que está em jogo nestas negociações é como lidamos com a proteção do ambiente, questões sanitárias e sociais, os serviços públicos, a propriedade intelectual, a agricultura e os alimentos. Estes assuntos fundamentais estão a ser negociados à porta fechada (...) para diluir o projeto europeu num grande mercado transatlântico".


"Não se trata apenas de direitos aduaneiros, que já são baixos, mas de um instrumento para remover 'obstáculos' ao comércio livre - como os direitos que os nossos trabalhadores adquiriram após anos e anos de luta, regras ambientais destinadas a reduzir a poluição, normas de segurança alimentar que nos protegem de carne com hormonas, OGM e substâncias químicas perigosas", afirmou Tiziana Beghin (EFDD, Itália).


"Os Estados Unidos são bem mais espertos do que nós", disse Matteo Salvini (Itália), dos não inscritos. "Estão a proteger-se a eles próprios, enquanto Bruxelas nem sequer é capaz de proteger o que produzimos na Europa".


O comissário europeu com a pasta do Comércio, Karel De Gucht, assegurou aos eurodeputados que o que está em jogo nas negociações não é reduzir os padrões europeus, mas sim "reduzir a burocracia". Disse também que a Comissão irá procurar aumentar a transparência pedindo ao Conselho que torne público o seu mandato de negociação.


A sexta ronda de negociações entre a UE e os Estados Unidos realiza-se esta semana, de 14 a 18 de julho, em Bruxelas. No futuro, depois de concluídas as negociações, o acordo só poderá entrar em vigor com a aprovação do Parlamento Europeu.

 

Intervenção de eurodeputados portugueses no debate


João Ferreira (CEUE/EVN): "Este acordo de livre comércio União Europeia-Estados Unidos é um daqueles temas capazes de separar águas. Separar as águas entre os defensores do comércio regulado, assente em relações de complementaridade, e os defensores de um comércio desregulado, assente na competição entre países produtores e produções. Entre os defensores do primado do interesse público, do respeito pelos direitos económicos, sociais e laborais, e os defensores dos interesses e dos lucros das multinacionais e dos monopólios, da corrida ao fundo no plano dos direitos e da desvalorização da força de trabalho. Entre os defensores da sustentabilidade ambiental e da salvaguarda da saúde pública, e os que em troca de novos mercados cedem perante princípios como o da precaução. Entre os defensores dos serviços públicos como inalienável conquista civilizacional e os que defendem o avanço do mercado, qual rolo compressor, sobre as funções sociais dos Estados. Este é um confronto entre os que defendem o direito ao desenvolvimento e o direito a produzir, de todos os povos e países, e os que defendem o protecionismo dos ricos e poderosos".


Pedro Silva Pereira (S&D): "A TTIP é uma parceria verdadeiramente estratégica e uma grande oportunidade para a economia europeia. Está em jogo não apenas um ambicioso acordo de comércio entre as duas maiores economias mundiais, mas também um poderoso movimento de convergência regulatória que marcará o mundo do comércio internacional em direção a uma globalização mais regulada.


Se a TTIP acautelar devidamente os interesses da União e dos seus Estados-Membros pode trazer muitas vantagens para as nossas economias. O Parlamento Europeu declarou já o seu apoio ao desenvolvimento destas negociações e defendeu a salvaguarda dos valores europeus e dos aspetos sociais, laborais e ambientais. E é importante que a Comissão leve a sério as posições do Parlamento, que tem competências para a aprovação final deste acordo.


Deixo aqui duas notas: a primeira, Sr. Comissário, é preciso conquistar o apoio da opinião pública e só a transparência será merecedora de confiança - e o que foi feito não basta. Pergunto, por isso, que iniciativas vai a Comissão tomar para reforçar a transparência na negociação da TTIP? A segunda questão diz respeito aos serviços financeiros. Sabemos das resistências da parte americana. Queremos saber se o Sr. Comissário pondera um acordo paralelo".


Ricardo Serrão Santos (S&D): "Relativamente aos termos do Pacto Atlântico, não sejamos inocentes, nem tenhamos ilusões: haverá ganhos mas haverá também perdas e riscos. Sei que se anunciam ganhos potenciais, mas preocupam-me em particular as perdas que se anunciam no sector agrícola. Faço aqui um apelo para que os agricultores europeus não sejam tornados reféns de um potencial acordo.


Há riscos claros, por exemplo, no sector da carne e dos lacticínios em que os Estados Unidos são altamente competitivos em termos de preço. O risco é ainda maior para as economias agrícolas de pequena escala, como é o caso, por exemplo, dos Açores e exatamente em relação a estes sectores. Ainda no meu país, entre outros, a fileira do tomate poderá sofrer um impacto tal ao ponto de conduzir ao abandono da produção.


Reforço, portanto, o apelo à Comissão Europeia para que tenha em particular atenção os interesses dos agricultores europeus na negociação dos termos do acordo com os Estados Unidos e que se estabeleçam os equilíbrios necessários para a preservação e dinamização da prática da agricultura na Europa, sobretudo onde a atividade agrícola adquire uma preponderância especial que é dificilmente substituível como atividade económica".