Resolução do Parlamento Europeu, de 27 de fevereiro de 2014, sobre a situação na Ucrânia (2014/2595(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta as suas resoluções anteriores sobre a Política Europeia de Vizinhança, sobre a Parceria Oriental e sobre a Ucrânia, em particular a sua resolução de 6 de fevereiro de 2014 sobre a situação na Ucrânia(1),
– Tendo em conta a sua resolução, de 12 de dezembro de 2013, sobre os resultados da Cimeira de Vílnius e o futuro da Parceria Oriental, em particular no que respeita à Ucrânia(2),
– Tendo em conta as Conclusões do Conselho Europeu de 19-20 de dezembro de 2013,
– Tendo em conta as Conclusões da reunião extraordinária de 20 de fevereiro de 2014 do Conselho “Negócios Estrangeiros” sobre a Ucrânia,
– Tendo em conta o artigo 110.º, n.ºs 2 e 4, do seu Regimento,
A. Considerando que, desde a decisão do Presidente e do Governo da Ucrânia de suspender a assinatura do Acordo de Associação, centenas de milhares de pessoas afluíram espontaneamente às ruas em todo o país, para se manifestarem a favor da integração europeia; considerando que, em Kiev, os manifestantes têm vindo a ocupar de forma pacífica a Praça da Independência (Maidan Nezalezhnosti), apelando a uma importante mudança política tendo em vista levar o governo a rever a sua posição;
B. Considerando que as autoridades, sob o comando do Presidente Ianukovich, transgrediram claramente a lei ao autorizarem as forças de segurança a usar balas reais contra os manifestantes e ao posicionarem atiradores furtivos nos telhados da praça Maidan e ruas circundantes, epicentro, desde novembro de 2013, das manifestações anti-governo e pró‑Europa; considerando que manifestantes e transeuntes foram executados nas ruas de Kiev, provocando repúdio e condenação à escala internacional;
C. Considerando que, ao mesmo tempo, três ministros dos Negócios Estrangeiros da UE se deslocaram a Kiev tendo em vista a mediação de uma solução de compromisso entre o Presidente Ianukovich e a oposição; que lograram mediar um acordo sobre um roteiro para uma saída pacífica e democrática da crise; considerando que o enviado especial da Rússia também facilitou o acordo alcançado, sem todavia o assinar;
D. Considerando que a UE decidiu, por conseguinte, impor a aplicação de sanções seletivas, incluindo o congelamento de ativos e a proibição de vistos, aos responsáveis pelas violações dos direitos humanos e pelo uso de força excessiva; considerando que os Estados-Membros acordaram ainda em suspender as licenças de exportação de equipamento suscetível de ser utilizado para fins de repressão interna e em reavaliar as licenças de exportação de equipamentos abrangidos pela Posição Comum 2008/944/PESC;
E. Considerando que os cidadãos de Lviv e Donetsk tomaram a iniciativa de utilizar respetivamente as línguas russa e ucraniana nas suas atividades diárias em 26 de fevereiro de 2014, como um sinal de solidariedade e de unidade para todo o país;
F. Considerando que o Parlamento ucraniano (Verkhovna Rada) aprovou uma resolução, em 21 de fevereiro de 2014, na qual denuncia as operações “antiterrorismo” e exorta à retirada das forças de segurança do centro de Kiev; que, ao fazê-lo, o Parlamento deu provas da sua determinação em desempenhar um papel central e em assumir o controlo da situação no país; considerando que, no dia seguinte, decidiu, por votação, destituir o Presidente Ianukovich, restabelecer a Constituição de 2004, realizar eleições antecipadas em 25 de maio de 2014 e libertar a antiga primeira-ministra Iulia Timoshenko;
1. Presta homenagem aos que lutam e morrem por valores europeus, manifesta as suas sentidas condolências às famílias das vítimas, condena veementemente todos os atos de violência e apela a todos os cidadãos ucranianos, bem como aos líderes políticos e de movimentos cívicos, a agirem com a maior responsabilidade neste momento histórico para a Ucrânia;
2. Condena com firmeza as ações brutais e desproporcionadas perpetradas pelas forças antimotim, designadamente Berkut e outras, que resultaram na escalada dramática da violência; lamenta as mortes ocorridas e os ferimentos sofridos por todas as partes e manifesta as suas sinceras condolências aos familiares das vítimas; adverte que qualquer nova escalada da violência seria desastrosa para a nação ucraniana e seria suscetível de comprometer a unidade e a integridade territorial do país; salienta que, no presente, é de capital importância que todas as partes deem provas de responsabilidade, contenção e empenho a favor de um diálogo político inclusivo, e se abstenham de retaliações extrajudiciais; apela a todas as forças políticas que unam esforços neste momento crítico da Ucrânia e viabilizem soluções de compromisso, demarcando-se claramente de extremismos e abstendo-se de atitudes provocatórias e de atos de violência suscetíveis de alimentar tendências separatistas;
3. Saúda o papel responsável protagonizado pelo Verkhovna Rada, ao assumir plenamente as suas funções constitucionais e ao preencher o vazio político e institucional criado pela demissão do governo e a retirada do Presidente, que acabou por ser deposto pelo Parlamento; toma nota das medidas adotadas até agora pelo Parlamento no que diz respeito, em particular, ao retorno à Constituição de 2004, a decisão de realizar eleições presidenciais em 25 de maio de 2014, a decisão de retirar a polícia e as forças de segurança, e a libertação da prisão da ex-Primeira-Ministra Iulia Timoshenko; salienta a extrema importância de o Parlamento ucraniano e respetivos membros continuarem a respeitar os princípios do Estado de direito;
4. Elogia o povo da Ucrânia pela celeridade da mudança no poder e pela resiliência cívica que demonstrou nos últimos meses, e sublinha que os protestos cívicos e populares servem de exemplo e vão representar um ponto de inflexão na história da Ucrânia; salienta que esta vitória cívica e democrática não deve ser prejudicada por qualquer espírito de vingança ou atos de represália contra adversários, nem por quezílias políticas internas; releva que aqueles que cometeram crimes contra os cidadãos da Ucrânia e que abusaram dos poderes do Estado devem comparecer perante tribunais independentes; solicita a constituição de uma comissão independente, para investigar, em estreita colaboração com o Comité Consultivo Internacional do Conselho da Europa, as violações dos direitos humanos que ocorreram desde o início das manifestações;
5. Preconiza abordagem da UE, que concilia esforços diplomáticos redobrados e sanções seletivas contra os responsáveis por violações dos direitos humanos ligadas à opressão política; requer a aplicação das sanções seletivas acordadas pelo Conselho “Negócios Estrangeiros” e exorta os Estados-Membros a aplicarem a sua própria legislação em matéria de luta contra o branqueamento de capitais, a fim de pôr termo ao fluxo de dinheiro ilegal proveniente da Ucrânia e de assegurar o retorno dos ativos roubados e depositados na UE; considera que deveria começar de imediato um inquérito verdadeiramente independente aos crimes cometidos e que as sanções seletivas deveriam ser levantadas no mais breve trecho, logo que a situação na Ucrânia registe melhorias e um inquérito aos crimes cometidos comece a produzir resultados; solicita um inquérito que investigue os desvios massivos de capitais e ativos públicos pelos colaboradores e «familiares» do presidente destituído, Viktor Ianukovich, exige o congelamento de todos os ativos até que seja esclarecida a proveniência dos mesmos e, caso se prove terem sido roubados, a restituição desses ativos pelos governos dos Estados-Membros da UE;
6. Exorta a Comissão, os Estados-Membros e as organizações humanitárias internacionais a encontrarem formas de enviar assistência médica e humanitária rápida, fiável e direta a todas as vítimas;
7. Insta todas as partes e os países terceiros a respeitarem e a apoiarem a unidade e a integridade territorial da Ucrânia; apela a todas as forças políticas na Ucrânia e a todos os atores internacionais envolvidos que se comprometam a trabalhar em prol da integridade territorial e da unidade nacional da Ucrânia, tomando em consideração a composição cultural e linguística do país, bem como a sua história; apela ao Parlamento ucraniano e ao novo governo que respeitem os direitos das minorias no país e o uso do idioma russo e de outras línguas minoritárias; solicita a adoção de um novo ato legislativo que cumpra as obrigações contraídas pela Ucrânia no quadro da Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias;
8. Recorda que as atuais fronteiras da Ucrânia foram garantidas pelos Estados Unidos da América, a Federação da Rússia e o Reino Unido, no memorando de Budapeste sobre garantias em matéria de segurança, quando a Ucrânia renunciou às armas nucleares e aderiu ao Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares (TNP); lembra à Federação da Rússia que, juntamente com os dois outros países acima referidos, se comprometeu nesse mesmo ato a não aplicar qualquer coerção económica destinada a subordinar aos seus interesses o exercício pela Ucrânia dos direitos inerentes à sua soberania, obtendo assim qualquer tipo de vantagens;
9. Destaca a importância de aproveitar o ensejo para fazer face às causas profundas da crise, estabelecendo a confiança do povo na política e nas instituições; entende ainda que tal pressupõe a realização de reformas constitucionais e estruturais destinadas a instaurar um sistema efetivo de equilíbrio de poderes, um elo mais estreito entre política e sociedade, o Estado de direito, a responsabilização democrática e um sistema judicial verdadeiramente independente e imparcial, bem como eleições credíveis;
10. Congratula-se com as conclusões do Conselho extraordinário “Assuntos Externos” de 20 de fevereiro de 2014 e, em particular, com a decisão de aplicar sanções específicas, incluindo o congelamento de ativos e a proibição da concessão de vistos aos responsáveis por violações de direitos humanos, violência e uso de força em excesso, e de suspender as licenças de exportação de equipamentos suscetíveis de serem utilizados para fins de repressão interna; assinala o enorme impacto que essas sanções têm tido na opinião pública da Ucrânia e considera que estas medidas poderiam ter sido adotadas mais cedo; assinala, porém, que estas sanções deveriam ser mantidas como parte da política da UE face à Ucrânia durante este período transitório;
11. Enaltece a libertação da antiga primeira-ministra Iulia Timoshenko e acalenta a esperança de que a sua libertação da prisão simbolize o fim da justiça seletiva e com motivações políticas na Ucrânia; solicita a libertação imediata e incondicional de todos os manifestantes e presos políticos que foram detidos ilegalmente, juntamente com a retirada de todas as acusações de que foram alvo e a sua reabilitação política;
12. Apela a todas as forças políticas que unam esforços neste momento crítico para a Ucrânia, rumo a uma transição política pacífica, a uma agenda de reformas ambiciosa e com base alargada, e a um governo orientado para os valores europeus, que preservem a unidade e a integridade territorial do país e que viabilizem soluções de compromisso para o futuro da Ucrânia; apela às autoridades interinas que garantam os direitos e as liberdades democráticas a todas as forças políticas democráticas e que previnam ataques contra qualquer uma delas;
13. Salienta que é ao povo ucraniano - e só a ele - que cabe decidir, sem ingerências estrangeiras, acerca da orientação geopolítica do seu país e a quais comunidades e acordos internacionais a Ucrânia deve aderir;
14. Condena o ataque e a destruição de que foi alvo a sede do Partido Comunista da Ucrânia e de outros partidos, e as tentativas para proibir o Partido Comunista da Ucrânia;
15. Reitera que o Acordo de Associação / Acordo de Comércio Livre Abrangente e Aprofundado (ACLAA) está pronto a ser assinado com o novo governo o mais rapidamente possível e logo que o novo governo esteja disposto a fazê-lo;
16. Saúda o facto de entre os três indicadores de referência definidos pelo Conselho dos Negócios Estrangeiros de 2012, um, relativo ao fim da justiça seletiva (incluindo a detenção de Iulia Tymoshenko), já ter sido alcançado, enquanto os outros dois, sobre justiça e sistemas eleitorais (principais exigências do movimento de protesto) são já objeto de alterações e de reforma profundas, que se espera sejam rapidamente concluídas pelo novo governo de coligação e apoiadas pela nova maioria parlamentar;
17. Insta a Comissão a colaborar com as autoridades ucranianas a fim de se encontrar formas de contrabalançar os efeitos das medidas de retaliação adotadas pela Rússia com o objetivo de suspender a assinatura do Acordo de Associação, bem como de eventuais novas medidas; saúda o anúncio por parte do Comissário Europeu para os Assuntos Económicos e Monetários e o Euro, Oli Rehn, da disponibilidade da UE para facultar um pacote de ajuda financeira substancial e ambicioso (tanto a curto, como a longo prazo), assim que esteja em vigor uma solução política assente em princípios democráticos, no compromisso para efetuar reformas, e na nomeação de um governo legítimo; apela à Rússia que adote uma atitude construtiva, de forma a criar as condições que permitam à Ucrânia beneficiar de relações bilaterais tanto com a UE como com a Rússia; exorta a UE e os seus Estados-Membros a falarem a uma só voz com a Rússia em defesa das aspirações europeias da Ucrânia e de outros países da Parceria Oriental que decidam de livre vontade aprofundar as suas relações com a UE;
18. Espera que o Conselho e a Comissão apresentem o mais cedo possível, em conjunto com o FMI e o Banco Mundial, uma assistência financeira a curto prazo e um mecanismo de apoio à balança de pagamentos, bem como um pacote de apoio a longo prazo, juntamente com o BERD e o BEI, para ajudar a Ucrânia a corrigir a sua situação económica e social deteriorada, e forneçam apoio económico para lançar as necessárias reformas profundas e abrangentes da economia ucraniana; requer que seja convocada, sem atrasos desnecessários, uma conferência de doadores; insta a Comissão e o SEAE a utilizarem da melhor forma possível os fundos disponibilizados à Ucrânia no âmbito dos atuais instrumentos financeiros e a ponderarem a hipótese de disponibilizar recursos adicionais à Ucrânia o mais brevemente possível;
19. Reconhece que a corrupção generalizada a todos os níveis do governo continua a prejudicar o potencial de desenvolvimento da Ucrânia e a minar a confiança dos cidadãos nas suas próprias instituições; insta por isso o novo governo a conferir à luta contra a corrupção prioridade máxima no seu programa e exorta a UE a prestar a sua assistência a estes esforços;
20. Realça a necessidade de se criar um sistema judicial verdadeiramente independente e imparcial;
21. Insta o Conselho a autorizar a Comissão a acelerar o diálogo em matéria de vistos com a Ucrânia; realça que a rápida finalização do acordo de liberalização dos vistos – seguindo o exemplo da Moldávia – entre a UE e a Urânia é a melhor forma de responder às expetativas da sociedade civil e da juventude ucranianas; exorta paralelamente à introdução imediata de procedimentos de visto temporários, simples e de baixo custo ao nível da UE e dos Estados-Membros, juntamente com o reforço da cooperação no domínio da investigação, o alargamento dos intercâmbios de jovens e o aumento do número de bolsas de estudo;
22. Entende que as disposições do ACLAA não representam quaisquer desafios comerciais para a Federação da Rússia e que o Acordo de Associação não constitui qualquer obstáculo às boas relações da Rússia com o seu vizinho oriental; sublinha que a instabilidade na vizinhança comum não é do interesse da UE nem da Rússia; salienta que a imposição de coação política, económica ou de qualquer outra índole viola o disposto na Ata Final de Helsínquia;
23. Toma nota da decisão de realizar eleições presidenciais em 25 de maio de 2014; destaca a necessidade de garantir que estas eleições sejam livres e justas; encoraja vivamente o Parlamento ucraniano (Verkhovna Rada) a adotar as necessárias leis eleitorais, em sintonia com as recomendações da Comissão de Veneza, incluindo uma nova lei sobre o financiamento dos partidos políticos que aborde as questões identificadas pelo GRECO e pela OSCE/ODIHR; encoraja a observação internacional das próximas eleições e declara a sua disponibilidade para constituir a sua própria missão de observação para o efeito, através de uma missão substancial de observação eleitoral do Parlamento Europeu; entende que as eleições legislativas devem ser organizadas rapidamente após a realização das eleições presidenciais e antes do fim do ano; apela à Comissão, ao Conselho da Europa e à OSCE/ODIHR que dispensem um apoio reforçado na fase pré-eleitoral e que organizem uma missão substancial de observação eleitoral a longo prazo, para que as eleições presidenciais previstas para 25 de maio de 2014 se possam celebrar de acordo com as normas mais estritas e conduzam a um resultado aceitável para todos os intervenientes; apela ao destacamento de membros do pessoal do Parlamento Europeu para a delegação da UE em Kiev durante um período transitório até às eleições;
24. Saúda o recente reconhecimento, pelo Conselho, de que o Acordo de Associação, incluindo a ACLAA, não constitui o objetivo último da cooperação entre a UE e a Ucrânia; salienta que a UE está disposta a assinar o AA/ACLAA, logo que a atual crise política seja solucionada e que as novas autoridades ucranianas estejam seriamente dispostas a uma perspetiva europeia; salienta ainda, que, o artigo 49 º do TUE se refere a todos os Estados europeus, incluindo a Ucrânia, a qual se pode candidatar para se tornar membro da União; recorda, além disso, que o artigo 49.º do TUE se aplica à Ucrânia, tal como a qualquer outro Estado europeu, contanto que observe os princípios da democracia, respeite as liberdades fundamentais e os direitos humanos e das minorias, e salvaguarde o Estado de Direito;
25. Salienta a importância do fornecimento seguro, diversificado e acessível de energia como um dos pilares de transição económica, social e política e em assegurar uma economia competitiva e próspera para todos os ucranianos; neste sentido salienta o papel estratégico da Comunidade da Energia, cuja presidência a Ucrânia assume em 2014, como o único tratado que, atualmente, liga a Ucrânia e a União Europeia;
26. Manifesta o seu apoio à iniciativa da sociedade civil e não partidária de criação de uma «Plataforma Maidan», a fim de desenvolver uma estratégia para superar a corrupção endémica na Ucrânia;
27. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, aos governos dos Estados-Membros, ao Presidente, ao Governo e ao Parlamento em exercício da Ucrânia, ao Conselho da Europa, e ao Presidente, ao Governo e ao Parlamento da Federação da Rússia.