Proposta de resolução - B7-0126/2012Proposta de resolução
B7-0126/2012

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO sobre o trabalho infantil no setor do cacau (2011/2957(RSP))

29.2.2012

para encerrar o debate sobre a declaração da Comissão
apresentada nos termos do n.º 2 do artigo 110.º do Regimento

Vital Moreira em nome da Comissão do Comércio Internacional


Processo : 2011/2957(RSP)
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Ciclo relativo ao documento :  
B7-0126/2012

B7‑0126/2012

Resolução do Parlamento Europeu sobre o trabalho infantil no setor do cacau (2011/2957(RSP))

O Parlamento Europeu,

–   Tendo em conta os artigos 3.º, 6.º e 21.º do Tratado da União Europeia,

–   Tendo em conta os artigos 206.º e 207.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia,

–   Tendo em conta a Convenção n.º 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) relativa à interdição das piores formas de trabalho das crianças, a Convenção n.º 138 da OIT relativa à idade mínima de admissão ao emprego e a Convenção das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos da criança,

–   Tendo em conta a conclusão do Acordo Internacional sobre o Cacau de 2010, nomeadamente os artigos 42.º e 43.º,

–   Recordando as suas resoluções anteriores sobre o tráfico de crianças e a exploração das crianças nos países em desenvolvimento,

–   Recordando os seus relatórios sobre os direitos humanos e as normas sociais e ambientais previstas nos acordos comerciais internacionais (2009/2219(INI))[1] e a responsabilidade social das empresas prevista nos acordos comerciais internacionais (2009/2201(INI))[2],

–   Tendo em conta o n.º 2 do artigo 110.º do seu Regimento,

A. Considerando que, de acordo com as estimativas da OIT, mais de 215 milhões de crianças em todo o mundo são vítimas do trabalho infantil e participam em atividades que deviam ser suprimidas; que 152 milhões destas crianças são menores de 15 anos e 115 milhões participam em atividades perigosas;

B.  Considerando que, para efeitos da presente resolução, "trabalho infantil" significa trabalho infantil tal como definido pela Convenção n.º 138 da OIT sobre a Idade Mínima de Admissão ao Emprego e a Convenção n.º 182 sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil, respetivamente;

C. Considerando que o Parlamento Europeu tem que aprovar a conclusão do Acordo Internacional sobre o Cacau de 2010; que as partes interessadas manifestaram a sua profunda preocupação no que respeita às piores formas de trabalho infantil na produção e colheita dos grãos de cacau;

D. Considerando que 70% da produção mundial de cacau é cultivada na África Ocidental e cerca de 7,5 milhões de pessoas trabalham na produção de cacau nessa região, quase em exclusivo em pequenas explorações familiares, havendo entre 1,5 e 2 milhões de explorações geridas por famílias um pouco por toda a África Ocidental; que o cultivo do cacau requer muita mão-de-obra durante as épocas de colheita e os produtores estão sob grande pressão para manterem os custos com a mão-de-obra a um nível baixo; que, em períodos de trabalho intenso, todos os membros da família, inclusive crianças, são envolvidos; que o trabalho infantil pode criar riscos inaceitáveis;

E.  Considerando que, de acordo com a OIT, nem todo o trabalho realizado por crianças deve ser classificado como trabalho infantil a eliminar e que, por esse motivo, deve ser feita uma clara distinção entre os dois tipos de trabalho em causa; que a participação de crianças ou adolescentes em trabalhos que não afetem a sua saúde e desenvolvimento pessoal ou não interfiram na sua escolarização é geralmente considerada positiva, com exceção das tarefas consideradas perigosas ou que impeçam a criança de frequentar a escola;

F.  Considerando que estudos realizados no Gana e na Costa do Marfim sugerem que as crianças que trabalham nas explorações de cacau estão expostas a diversos perigos; que, além disso, algumas crianças vítimas de tráfico podem ser oriundas de outras regiões do país ou de países vizinhos; considerando que há que realizar mais investigações sobre a incidência do trabalho infantil e do tráfico de crianças na região, dado que não existem dados verificados;

G. Considerando que a utilização das piores formas de trabalho infantil no cultivo e colheita dos grãos de cacau é inaceitável;

H. Considerando que, nos últimos anos, os programas e iniciativas para lutar contra as piores formas de trabalho infantil nas explorações de cacau na África Ocidental fizeram progressos notáveis; embora, devido à larga dimensão do setor, ainda haja muito a fazer; considerando que novas situações de conflito na região e em particular na Costa do Marfim agravaram novamente a situação das crianças;

I.   Considerando que a pobreza, a insuficiência de alternativas de criação de receitas, a escassez ou ausência total de oportunidades fora da escola para os jovens, as estruturas rígidas da comunidade e as atitudes predominantes, a ausência de proteção legal adequada dos direitos das crianças e o fracasso em pôr em prática o ensino público obrigatório para todas as crianças independentemente do seu sexo, para não mencionar a corrupção e a má governação, constituem fatores socioeconómicos e políticos que podem contribuir para um abuso recorrente das crianças nalgumas partes do mundo;

J.   Considerando que a principal responsabilidade dos governos dos países envolvidos consiste em aplicar na íntegra a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança e as Convenções da OIT n.º 138 e 182, respetivamente sobre a idade mínima de admissão ao emprego e a interdição das piores formas de trabalho infantil;

K. Relembrando a estratégia da UE para a responsabilidade social das empresas (2011-2014), o Pacto Global da ONU, em especial o princípio 5 referente à abolição do trabalho infantil e o Protocolo Harkin-Engel, que fornece um enquadramento útil para a responsabilidade social das empresas no setor do cacau;

1.  Insta os Estados que ainda não ratificaram a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança e as Convenções da OIT n.º 138 e 182 a ratificá-las e a aplicá-las prontamente; é ainda de parecer que os Estados devem implementar todas as políticas adequadas para promover a consciencialização quanto ao abuso de crianças no mercado de trabalho e à necessidade de respeitar as regras nacionais e internacionais existentes;

2.  Condena veementemente o recurso ao trabalho infantil nos campos de cacau;

3.  Insta todos os intervenientes no cultivo e processamento dos grãos de cacau e produtos derivados, nomeadamente os governos, a indústria mundial, os produtores de cacau, os sindicatos, as organizações não-governamentais e os consumidores a honrarem as suas responsabilidades no que se refere à luta contra o tráfico de crianças e contra todas as formas de trabalho infantil forçado, a partilharem os seus conhecimentos e a colaborarem na criação de uma cadeia de abastecimento de cacau sustentável e sem trabalho infantil;

4.  Considera que apenas será possível efetuar mudanças significativas se os governos, a indústria, os comerciantes, os produtores de cacau e a sociedade civil aplicarem a longo prazo uma abordagem geral e coordenada que se dirija às verdadeiras causas do trabalho infantil;

5.  Insta a Comissão a assegurar a coerência das políticas em todas as suas iniciativas, principalmente as relacionadas com o comércio, o desenvolvimento (nomeadamente no que se refere ao acesso das crianças à educação), os direitos humanos, os concursos públicos e a responsabilidade social das empresas e a encorajar, além disso, o intercâmbio das melhores práticas entre setores onde ocorre trabalho infantil;

6.  Apela à Comissão para que assegure que todos os acordos comerciais contenham disposições efetivas em matéria de redução da pobreza e de promoção de condições de trabalho dignas e seguras e também cláusulas juridicamente vinculativas referentes aos direitos humanos internacionalmente acordados e às normas sociais e ambientais e respetiva aplicação, prevendo ainda medidas a aplicar em caso de violação;

7.  Recorda que o Sistema de Preferências Generalizadas (SPG) da UE, o principal instrumento da política comercial para a promoção das normas laborais fundamentais, se encontra em processo de revisão e que as preferências comerciais concedidas aos países beneficiários ao abrigo deste regime podem ser retiradas em circunstâncias específicas, nomeadamente em situações de violação grave e sistemática dos princípios estabelecidos em várias convenções da OIT, incluindo as Convenções n.ºs 138 e 182;

8.  Relembra que o Parlamento Europeu decidiu, em 15 de dezembro de 2011 não aprovar o Protocolo Têxtil do Acordo de Parceria e Cooperação entre a UE e o Usbequistão, devido a preocupações relacionadas com o recurso ao trabalho infantil forçado nos campos de algodão no Usbequistão, tendo recomendado que a UE investigasse a possibilidade de retirar temporariamente as vantagens SPG ao Usbequistão, na eventualidade de os organismos de controlo da OIT concluírem que existe uma falha grave e sistemática do Usbequistão no que se refere ao cumprimento das suas obrigações;

9.  Saúda todas as iniciativas que tendem a envolver os vários intervenientes – governos, indústria, produtores e sociedade civil – e que visam erradicar o trabalho infantil, melhorar a vida das crianças e dos adultos que trabalham nas explorações de cacau e assegurar que o cacau seja cultivado de forma responsável, como a recente iniciativa regional da OCDE, do Secretariado do Clube do Sahel e da África Ocidental e a Iniciativa Internacional para o Cacau, para promover as melhores práticas na luta contra as piores formas de trabalho infantil nas explorações de cacau da África Ocidental; recorda que estas iniciativas devem ser acompanhadas adequadamente para assegurar a realização de progressos genuínos;

10. Apoia os objetivos do Protocolo para o cultivo e tratamento dos grãos de cacau e produtos derivados em conformidade com a Convenção n.º 182 da OIT relativa à interdição e à atuação imediata para a eliminação das piores formas de trabalho das crianças (conhecido como Protocolo Harkin-Engel) e insta à sua aplicação na íntegra;

11. Lembra que o CEN (Comité Europeu de Normalização) decidiu recentemente criar um novo Comité de Projeto, CEN/TC 415 " Comité de Projeto – Cacau Rastreável e Sustentável" de modo a desenvolver uma norma europeia em duas partes relativa a cacau rastreável e sustentável; solicita à Comissão que analise e, se adequado, apresente ao Parlamento Europeu uma proposta legislativa sobre um mecanismo eficaz de rastreabilidade relativo aos bens produzidos através de trabalho infantil forçado; insta os parceiros do Acordo Internacional do Cacau a apoiarem melhoramentos na cadeia de abastecimento e uma melhor organização dos produtores a fim de possibilitara rastreabilidade da cadeia de abastecimento no setor do cacau;

12. Insta os parceiros do Acordo Internacional do Cacau a consideraram a possibilidade de incluir uma entidade terceira acreditada que seja responsável pelo controlo da rastreabilidade da cadeia de abastecimento de cacau;

13. Insta a Comissão Europeia, a OIT-PIETI e outros parceiros a continuarem os seus esforços para conseguir uma melhor compreensão das complexidades económicas, sociais e culturais nas comunidades agrícolas;

14. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, à UNICEF, aos Copresidentes da Assembleia Parlamentar Paritária ACP-UE, à OUA e à OIT.