RELATÓRIO sobre o pedido apresentado por Umberto Bossi em defesa da sua imunidade parlamentar e dos seus privilégios
(2003/2171(IMM))
21 de Abril de 2004
Comissão dos Assuntos Jurídicos e do Mercado Interno
Relator: Kurt Lechner
PÁGINA REGULAMENTAR
Na sessão de 12 de Maio de 2003, o Presidente do Parlamento comunicou ter recebido um pedido apresentado pelo Sr. Bossi de defesa da sua imunidade parlamentar em correlação com um processo judicial pendente num Tribunal italiano, o qual foi enviado à Comissão dos Assuntos Jurídicos e do Mercado Interno, nos termos do nº 1 do artigo 6º do Regimento.
Na sua reunião de 6 de Novembro de 2003, a comissão designou relator Klaus-Heiner Lehne.
Nas suas reuniões de 27 de Janeiro de 2004, 24 de Fevereiro de 2004 e 17 de Março de 2004, a comissão debateu as razões invocadas a favor ou contra a defesa dos privilégios. Na última reunião, em conformidade com o disposto no nº 3 do artigo 6º do Regimento, a comissão ouviu o representante de Umberto Bossi sobre o pedido em referência.
Na reunião de 6 de Abril de 2004, Klaus-Heiner Lehne renunciou ao seu mandato de relator, tendo a comissão designado para o efeito Kurt Lechner.
Na sua reunião de 20 de Abril de 2004, a comissão procedeu à apreciação do projecto de relatório, tendo aprovado a proposta de decisão por 11 votos a favor, 1 contra e 1 abstenção.
Encontravam-se presentes no momento da votação Giuseppe Gargani (presidente, Ioannis Koukiadis (vice-presidente), Kurt Lechner (relator), Uma Aaltonen, Paolo Bartolozzi, Ward Beysen, Bert Doorn, Janelly Fourtou, Marie-Françoise Garaud, Gian Paolo Gobbo, Lord Inglewood, Klaus-Heiner Lehne, Manuel Medina Ortega, Roy Perry e Francesco Enrico Speroni (em substituição de Alexandre Varaut).
O relatório foi entregue em 21 de Abril de 2004.
PROPOSTA DE DECISÃO DO PARLAMENTO EUROPEU
sobre o pedido apresentado por Umberto Bossi em defesa da sua imunidade parlamentar e dos seus privilégios
(2003/2171 (IMM))
O Parlamento Europeu,
- Tendo tomado conhecimento de um pedido apresentado por Umberto Bossi de defesa da sua imunidade em correlação com o processo pendente no Tribunal de Brescia, comunicado em sessão plenária em 12 de Maio de 2003,
- Tendo em conta o artigo 9º do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, de 8 de Abril de 1965, bem como o nº 2 do artigo 4º do Acto relativo à Eleição dos Representantes ao Parlamento Europeu por Sufrágio Universal Directo, de 20 de Setembro de 1976,
- Tendo em conta os acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 12 de Maio de 1964 e de 10 de Julho de 1986[1],
- Tendo em conta os artigos 6º e 6º bis do seu Regimento,
- Tendo em conta o relatório da Comissão dos Assuntos Jurídicos e do Mercado Interno (A5-0281/2004),
A. Considerando que Umberto Bossi foi eleito para o Parlamento Europeu em 13 de Junho de 1999, no quadro da quinta eleição por sufrágio universal directo, que os seus poderes foram verificados pelo Parlamento em 15 de Dezembro de 1999[2] e que o seu mandato terminou no dia 10 de Junho de 2001,
B. Considerando que os membros do Parlamento Europeu não podem ser procurados, detidos ou perseguidos pelas opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções[3],
C. Considerando que a proibição de sujeitar um deputado do Parlamento Europeu à acção judicial abrange a proibição de ser chamado a juízo no quadro de uma acção cível,
D. Considerando que cabe aos deputados do Parlamento Europeu a responsabilidade de participar em assuntos políticos e que, por conseguinte, é lícito partir do princípio de que exercem a sua função de deputados ao Parlamento Europeu no quadro da publicação de artigos de Imprensa sobre temas controversos,
1. Decide defender a imunidade e os privilégios do seu ex-Deputado Umberto Bossi;
2. Propõe, em conformidade com o disposto no artigo 9º do Procolo supracitado e atentos os procedimentos do Estado-Membro visado, que se declare que o processo judicial controvertido não deve ser prosseguido, apelando ao Tribunal para que aja em consequência;
3. Encarrega o seu Presidente de comunicar de imediato a presente decisão e o relatório da sua comissão ao Tribunal de Brescia.
- [1] Cf. Colectânea de Jurisprudência do TJCE, 1964, p. 397, processo nº 101/63 (Wagner/Fhormann e Krier); ibidem, 1986, p. 2403, processo nº 149/85 (Wybot/Faure).
- [2] Decisão do Parlamento Europeu, de 15 de Dezembro de 1999, sobre a verificação de poderes após as quintas eleições para o Parlamento Europeu por sufrágio universal directo realizadas de 10 a 13 de Junho de 1999 (JO C 296 de 18.10.2000, p. 93).
- [3] Artigo 9º do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
I. Admissibilidade do pedido
O primeiro mandato que Umberto Bossi cumpriu como deputado ao Parlamento Europeu teve início no dia 19 de Julho de 1994 e terminou em 19 de Julho de 1999. O seu segundo mandato durou de 20 de Julho de 1999 até 10 de Junho de 2001, dia em que foi nomeado ministro (incompatibilidade de funções, nos termos do nº 1, primeiro travessão, do artigo 6º do Acto relativo à Eleição dos Representantes ao Parlamento Europeu por Sufrágio Universal Directo[1]).
Os artigos de Imprensa controvertidos foram publicados em Itália, nos dias 24 de Maio de 2001 e 25 de Maio de 2001, em vários jornais quotidianos.
Sendo assim, o pedido apresentado é admissível, ao abrigo do nº 3 do artigo 6º do Regimento do Parlamento Europeu, já que no período cronológico em causa Umberto Bossi era deputado do Parlamento Europeu.
II. Factos e fundamentação do pedido
Na carta que enviou ao Presidente, Deputado Pat Cox, em 11 de Novembro de 2003, o advogado Matteo Brigandi enunciou as circunstâncias que levaram o ex-Deputado Umberto Bossi a requerer a defesa dos seus privilégios e da sua imunidade[2].
O procedimento radica numa acção cível intentada no Tribunal de Brescia pela Dra. Paola Braggion, residente em Como, pela qual a autora pretende obter o seguinte:
- ∙que o Tribunal declare que as afirmações proferidas pelo demandado, Umberto Bossi, por via dos artigos de Imprensa de 24 de Maio de 2001 e 25 de Maio de 2001, que foram publicados em vários jornais quotidianos, lesaram a honra, a reputação e a integridade pessoal, bem como, genericamente, os direitos de personalidade da queixosa,
- ∙que o demandado seja condenado a ressarcir os danos causados por aquelas declarações, na medida que venha a determinada pelo Tribunal.
1. Os factos
Em 24 e 25 de Maio de 2001, foram publicados nos jornais quotidianos "La Repubblica", "Il Giornale", "Il Corriere di Como", "Libero", "La Provincia" e "La Stampa" vários artigos nos quais eram citadas declarações de Umberto Bossi relativas à sua condenação, na véspera, a um ano e quatro meses de prisão com pena suspensa por ultraje à bandeira nacional italiana.
A queixosa, Dra. Paola Braggion, que presidiu ao Tribunal de Como, secção de Cantù, que condenara por aquele motivo o Deputado Bossi, em 23 de Maio de 2001, a um ano e quatro meses de prisão, sente-se insultada com estas declarações, quer pessoalmente, quer como juíza, por insinuarem que se teria servido das suas funções para atacar o novo governo e que no exercício das suas funções teria intentado processos que radicam em crimes de opinião.
A queixosa aduz que, no exercício das funções que a lei lhe comete, mais não fez do que a sua obrigação e considera que as declarações do demandado transmitem à opinião pública uma imagem distorcida da autora e a impressão de que teria violado o direito.
2. O artigo 9º do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias (PPI)
Reza o seguinte o artigo 9º do PPI:
“Os membros do Parlamento Europeu não podem ser procurados, detidos ou perseguidos pelas opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções“.
Assume, por conseguinte, importância determinante apurar se as declarações que são alvo do processo judicial foram proferidas pelo Sr. Bossi no exercício do seu mandato de deputado europeu e se o procedimento judicial é de natureza similar à penal.
Uma acção cível pode igualmente constituir uma demanda judicial de um deputado por parte do Estado, na acepção do artigo 9º do PIV[3].
Cumpre, neste contexto, distinguir dois critérios:
- a natureza das declarações incriminadas de um deputado do Parlamento Europeu e o contexto político em que foram proferidas;
- o montante do ressarcimento que a autora da acção cível pretende obter.
O Parlamento Europeu tem sistematicamente advogado o princípio de base segundo o qual, em todos os casos em que os actos de que o deputado é acusado façam parte da sua actividade política ou estejam directamente relacionados com essa actividade, a imunidade não é levantada[4]. O direito a proferir tais declarações assume importância capital no desempenho de funções de um deputado eleito pelo povo.
A aplicação destes princípios leva o relator a verificar que as declarações proferidas pelo ex-Deputado Umberto Bossi representam a expressão legítima de opiniões no quadro do debate político. As declarações em causa têm de ser encaradas à luz do contexto político da época, de confronto de ideias de natureza política entre alguns sectores da Justiça e parte do "establishment" político, e reportam-se a uma questão de verdadeira importância e interesse públicos. O direito a proferir tais declarações assume importância capital no desempenho de funções de um deputado eleito pelo povo.
O ex-Deputado Bossi inscreveu a sua própria condenação a uma pena de prisão suspensa, que não é irrelevante, num contexto político geral, na medida em que censurou genericamente os juízes italianos por administrarem uma justiça demasiadamente política.
III. Conclusão
Atento quanto exposto, a Comissão dos Assuntos Jurídicos e do Mercado Interno aconselha o Parlamento Europeu, nos termos do nº 2 do artigo 6º bis do seu Regimento, a defender a imunidade e os privilégios parlamentares do seu antigo Deputado Umberto Bossi.
- [1] JO L 278 de 8 de Outubro de 1976, pp. 5-11.
- [2] Comunicação aos Membros nº 29/2003, PE 338.479.
- [3] Pedido de defesa da imunidade de Jannis Sakellariou, A5-0309/2003, e de Giuseppe Gargani, Decisão de 16 de Dezembro de 2003 (2003/2182 (IMM)).
- [4] Princípio que aplicou pela última vez no quadro do pedido de levantamento da imunidade de Mogens N. J. Camre, Decisão de 1 de Julho de 2003 (2003/2249 (IMM)).