Relatório - A6-0006/2005Relatório
A6-0006/2005

RELATÓRIO sobre o pedido de defesa da imunidade parlamentar do Deputado Koldo Gorostiaga

25.1.2005                                                                                                                                           

2004/2102(IMM)
Documento de sessão
Relator: Klaus-Heiner Lehne
PR_IMM_art. 6-3

Processo : 2004/2102(IMM)
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A6-0006/2005
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A6-0006/2005
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PROPOSTA DE DECISÃO DO PARLAMENTO EUROPEU

sobre o pedido de defesa da imunidade parlamentar do Deputado Koldo Gorostiaga (2003/2183(IMM))

O Parlamento Europeu,

-         Tendo em conta o pedido de defesa da imunidade parlamentar do Deputado Koldo Gorostiaga, apresentado em 7 de Julho de 2004 e comunicado ao Parlamento, reunido em sessão plenária, em 22 de Julho de 2004, em relação a um procedimento judicial pendente num tribunal francês,

-         Tendo em conta os artigos 9º e 10º do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, de 8 de Abril de 1965, bem como o nº 2 do artigo 4º do Acto relativo à eleição dos representantes ao Parlamento Europeu por sufrágio universal directo, de 20 de Setembro de 1976,

-         Tendo em conta os acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 12 de Maio de 1964 e de 10 de Julho de 1986[1],

-         Tendo em conta o nº 3 do artigo 6º e o artigo 7º do seu Regimento,

-         Tendo em conta o relatório da Comissão dos Assuntos Jurídicos (A5-0006/2005),

A.       Considerando que Koldo Gorostiaga foi eleito deputado ao Parlamento Europeu nas quintas eleições directas que tiveram lugar em 13 de Junho de 1999, que os seus poderes foram verificados em 15 de Dezembro de 1999 e que o seu mandato expirou em 19 de Julho de 2004,

B.        Considerando que Koldo Gorostiaga afirmou que uma determinada importância lhe foi confiscada pelo Tribunal de Primeira Instância de Paris e que a referida importância correspondia a parte dos vencimentos que lhe haviam sido pagos pelo Parlamento,

C.       Considerando que Koldo Gorostiaga alegou que a confiscação de montantes que lhe pertenciam constituíram violação do Protocolo relativo aos privilégios e imunidades,

D.       Considerando que Koldo Gorostiaga declarou ter sido considerado "indiciado" pelo Segundo Juízo de Instrução da Cour d'appel de Paris, na sua decisão de 11 de Junho de 2004, com violação do Protocolo relativo aos privilégios e imunidades,

E.        Considerando que, de acordo com as provas apresentadas, o Deputado Koldo Gorostiaga não beneficia de imunidade parlamentar em relação a nenhuma das acusações para as quais foi chamada a atenção do Presidente do Parlamento Europeu,

1.        Decide não defender a imunidade e os privilégios de Koldo Gorostiaga.

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

I. Factos

1.   Uma certa importância (€ 200 304), que o Deputado Gorostiaga alega pertencer-lhe (pontos 1 e 2 da sua carta) foi confiscada pelo Tribunal de Primeira Instância de Paris no âmbito do processo nº P.02.082.3902/5.

A importância em causa foi encontrada na posse do tesoureiro do "Euskal Herritarrok" e o Deputado Gorostiaga alega que a mesma corresponde a parte dos vencimentos que lhe foram pagos pelo Parlamento [2](ponto 3 da carta mencionada supra). O antigo deputado recorreu, sem êxito, da decisão de confiscação da importância em dinheiro (pontos 4 e 5 da sua carta).

O Deputado Gorostiaga sustenta que tal confiscação constitui violação da sua imunidade parlamentar, nos termos do disposto no artigo 9º do Protocolo relativo aos privilégios e imunidades de 8 de Abril de 1965 (PPI), já que "a imunidade parlamentar tem por objectivo assegurar a protecção pessoal dos deputados ... e constitui uma salvaguarda processual ..." (ponto 7 da sua carta), além de "a imunidade … ser extensiva à sua propriedade …" (ponto 8 da sua carta).

Koldo Gorostiaga assevera ainda que a confiscação em causa viola o disposto na alínea b) do artigo 10º do PPI (ponto 7), porque entende que "as medidas processuais ... devem ser interpretadas de modo a incluir qualquer medida adoptada ... que impede o deputado de executar as suas funções ..." No seu modo de ver, a confiscação da importância em questão constitui uma "medida processual" que impede o deputado de cumprir as suas obrigações parlamentares (ponto 8).

Em terceiro lugar, Koldo Gorostiaga alega que a confiscação da referida importância ao tesoureiro com base em disposições aduaneiras constitui violação do artigo 7º do PPI (quer referir-se, evidentemente, ao artigo 8º).

Em conclusão, o Deputado Gorostiaga afirma que a confiscação da sua alegada propriedade constitui violação do PPI.

2.   A segunda alegação apresentada por Koldo Gorostiaga é que foi considerado indiciado ("mis en examen") pelo Segundo Juízo de Instrução da Cour d'appel de Paris, em 11 de Junho de 2004, no âmbito do processo nº P.02.082.3902/5.

Sendo assim, na sua opinião (ponto 10 da sua carta), foi, de alguma forma, indiciado ou objecto de procedimento judicial, tendo-se verificado, por conseguinte, violação do disposto no artigo 9º do PPI (pontos 10, 11 e 12 da sua carta).

II. Procedimento

1.   As disposições aplicáveis do Regimento são os artigos 6º e 6º bis, nomeadamente os nºs 1 e 3 do artigo 6º:

"1.            O Parlamento, no exercício dos seus poderes em matéria de privilégios e imunidades, procurará fundamentalmente manter a sua integridade enquanto assembleia legislativa democrática e garantir a independência dos seus membros no exercício das suas funções.

3. Qualquer pedido dirigido ao Presidente por um deputado ou antigo deputado relativo à defesa dos privilégios e imunidades será comunicado em sessão plenária e remetido à comissão competente."

2.   O Presidente do Parlamento, tendo considerado que o Deputado Koldo Gorostiaga tinha dado início ao procedimento de defesa da sua imunidade, tal como está previsto nos artigos referidos supra, anunciou a apresentação desse pedido ao Parlamento.

3.   Estão preenchidos, portanto, os requisitos para que o pedido seja transmitido à Comissão dos Assuntos Jurídicos.

III. Disposições aplicáveis

1.   Artigos 8º, 9º e 10º do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias (PPI)[3], que estão assim redigidos:

Artigo 8º

"As deslocações dos membros do Parlamento Europeu, que se dirijam para ou regressem do local de reunião do Parlamento Europeu, não ficam sujeitas a restrições administrativas ou de qualquer outra natureza.

Em matéria aduaneira e de controlo de divisas são concedidas aos membros do Parlamento Europeu:

a) Pelo seu próprio governo, as mesmas facilidades que são concedidas aos altos funcionários que se deslocam ao estrangeiro em missão oficial temporária.

b) Pelos governos dos outros Estados-Membros, as mesmas facilidades que são concedidas aos representantes de governos estrangeiros em missão oficial temporária."

Artigo 9º

"Os membros do Parlamento Europeu não podem ser procurados, detidos ou perseguidos pelas opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções."

Artigo 10º

"Enquanto durarem as sessões do Parlamento Europeu, os seus membros beneficiam:

a) No seu território nacional, das imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento do seu país;

b) No território de qualquer outro Estado-Membro, da não sujeição a qualquer medida de detenção e a qualquer procedimento judicial.

Beneficiam igualmente de imunidade quando se dirigem para ou regressam do local de reunião do Parlamento Europeu.

A imunidade não pode ser invocada em caso de flagrante delito e não pode também constituir obstáculo ao direito de o Parlamento Europeu levantar a imunidade de um dos seus membros."

2.   Antes de apreciar a possibilidade de violação do PPI, há que referir três factos que afectam cada uma das infracções denunciadas pelo antigo deputado:

a) Não ficou demonstrado que a importância em dinheiro confiscada pelas autoridades francesas corresponde, sem margem de dúvida, ao montante pago pelo Parlamento ao antigo deputado a título de vencimentos ou de despesas de viagem. A importância em questão não foi confiscada ao antigo deputado, mas ao tesoureiro de um partido político, o "Euskal Herritarrok". Resta provar a alegação do Deputado Gorostiaga segundo a qual a importância confiscada corresponde ao vencimento que lhe fora pago pelo Parlamento.

b) Em França, o processo nº P.02.082.3902/5 não foi instaurado contra o antigo deputado, mas contra dois membros do "Euskal Herritarrok", Mikel Corcuera e Jon Gorrotxategi. O Deputado Gorostiaga foi incluído ulteriormente no processo e apenas pelo facto de ter alegado ser o proprietário da importância confiscada[4].

c) Em nenhum momento Koldo Gorostiaga foi objecto de perseguição. Apenas o acórdão proferido pela Cour d'appel de Paris, em 11 de Junho de 2004, refere o Deputado Gorostiaga como pessoa mise en examen; não é feita qualquer referência, em nenhuma outra passagem do acórdão, a um processo instaurado ou a instaurar contra o Deputado Gorostiaga.

3.   É interessante examinar de que maneira e até que ponto os privilégios e imunidades assegurados pelos artigos 8º a 10º do Capítulo III do PPI são aplicáveis aos factos e alegações mencionados supra:

1) O disposto no segundo parágrafo, alínea b), do artigo 8º estipula que são concedidas aos membros do Parlamento Europeu, em matéria aduaneira e de controlo de divisas, nos outros Estados-Membros, as mesmas facilidades que são concedidas aos representantes de governos estrangeiros em missão oficial temporária.

Esta protecção é assegurada unicamente aos membros e não aos seus assessores ou assistentes, ou ainda a qualquer outra pessoa que trabalhe com os deputados. O teor do artigo não admite nenhuma outra interpretação.
Ainda que tal protecção pudesse ser extensiva aos assistentes (o que seria difícil sustentar, tendo em conta a forma como está redigido este artigo, assim como os seguintes), não foram cumpridas as formalidades previstas no artigo 27º da Convenção de Viena de 18 de Abril de 1961 sobre as relações diplomáticas (que exige um documento oficial que comprove a qualidade de representante diplomático).

2) O artigo 9º garante plena protecção aos membros no que respeita às opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções.

À luz dos casos apreciados pela Comissão dos Assuntos Jurídicos e da redacção perfeitamente clara desse artigo do Protocolo, seria difícil admitir que os factos referidos no ponto I.1 da presente exposição de motivos se pudessem enquadrar nas circunstâncias consideradas no referido artigo. Por outro lado, a importância em causa foi confiscada a um terceiro e não ao próprio membro. A protecção prevista no artigo 9º cinge-se às opiniões e votos emitidos pelos deputados no Parlamento ou, inclusivamente no caso de não se encontrarem presentes fisicamente no recinto da Instituição, mas com a restrição de estarem a actuar exclusivamente no âmbito das suas funções parlamentares.

Mesmo que a importância em causa tivesse sido confiscada ao Deputado Gorostiaga ou que estivesse claramente demonstrada a conexão entre tal importância e o referido deputado, continuaria a ser muito difícil concluir que a situação em apreço está abrangida pela protecção prevista pelo artigo 9º. A Comissão dos Assuntos Jurídicos teve sempre muito cuidado em não tornar extensivo o alcance deste artigo para além da sua finalidade natural[5].

3) O artigo 10º dispõe que: "Enquanto durarem as sessões do Parlamento Europeu, os seus membros beneficiam: ... b) No território de qualquer outro Estado-Membro, da não sujeição a qualquer medida de detenção e a qualquer procedimento judicial".

Como já ficou demonstrado, não existe nenhum processo em França contra o Deputado Gorostiaga, o que contraria a sua ambígua declaração, segundo a qual teria sido "mis en examen" (considerado indiciado), afirmação que não teve qualquer seguimento ou efeito, em nenhum momento, no decurso de todo o procedimento instaurado contra os tesoureiros.

Em segundo lugar, é muito duvidoso que o artigo 10º seja aplicável aos antigos membros do Parlamento. Não existe qualquer jurisprudência relativa a esta situação.

Quando cessam as funções de um membro, este pode ter a necessidade de ser defendido contra um ataque de que seja alvo em razão de uma opinião ou voto emitido no Parlamento (é por esta razão que o nº 3 do artigo prevê tal situação), mas é difícil ver de que modo a protecção em causa pode ser considerada extensiva para além do artigo 9º do Protocolo. Quanto aos artigos 8º e 10º, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça e os casos apreciados pela Comissão dos Assuntos Jurídicos, conclui-se que a sua aplicação se deve limitar aos membros activos do Parlamento, no decurso das sessões parlamentares.

III. Conclusão

Atendendo às considerações anteriores e em conformidade com o disposto no nº 3 do artigo 6º bis do Regimento, após ter apreciado os motivos a favor e contra relativamente à defesa da imunidade, a Comissão dos Assuntos Jurídicos e do Mercado Interno recomenda que o Parlamento Europeu não defenda a imunidade e os privilégios do Deputado Koldo Gorostiaga.

PROCESSO

Título

Pedido de defesa da imunidade parlamentar do Deputado Koldo Gorostiaga

Número de processo

2004/2102 (IMM)

Pedido de levantamento da imunidade
  transmitido por
  Data do pedido
  Data de comunicação em sessão

Koldo Gorostiaga7.7.200422.7.2004

Comissão competente quanto ao fundo
  Data de comunicação em sessão

JURI22.7.2004

Base regimental

Nº 3 do art. 6º e art. 7º

Relator
  Data de designação

Klaus Heiner Lehne14.9.2004

Relator substituído

 

Exame em comissão

21.9.2004

7.10.2004

25.11.2004

20.1.2005

 

Data de aprovação

20.1.2005

Resultado da votação final

A favor:

Contra:

Abstenções:

18
0
0

Deputados presentes no momento da votação final

Maria Berger, Marek Aleksander Czarnecki, Bert Doorn, Giuseppe Gargani, Klaus-Heiner Lehne, Marcin Libicki, Antonio López-Istúriz White, Aloyzas Sakalas, Francesco Enrico Speroni, Diana Wallis, Rainer Wieland, Nicola Zingaretti, Tadeusz Zwiefka

Suplentes presentes no momento da votação final

Janelly Fourtou, Luis de Grandes Pascual, Edith Mastenbroek, Manuel Medina Ortega, Marie Panayotopoulos-Cassiotou

Suplentes (nº 2 do art. 178º) presentes no momento da votação final

 

Data de entrega – A[6]

25.1.2005

A6-0006/2005

Observações

...

  • [1]  Acórdão de 12 de Maio de 1964, Wagner/Fhormann e Krier, processo nº 101/63, Colectânea 1964, p. 397; acórdão de 10 de Julho de 1986, Wybot/Faure, processo nº 149/85, Colectânea 1986, p. 2403.
  • [2]  Koldo Gorostiaga, que foi eleito deputado ao Parlamento Europeu em 1999, fazia parte da lista do partido político espanhol Euskal Herritarrok/Batasuna. Este partido foi posteriormente considerado ilícito em Espanha pelo Tribunal Supremo e declarado ilegal, sendo também incluído na lista das organizações terroristas estabelecida pela União Europeia. A situação do seu partido não afectou, contudo, o seu mandato de deputado.
  • [3]  Os protocolos que figuram em anexo aos Tratados originais são parte integrante do direito comunitário primário e têm o mesmo estatuto jurídico que os próprios Tratados. O acórdão proferido num processo relativo à responsabilidade dos funcionários comunitários em relação ao imposto predial especificou que uma violação de disposições do PPI representa um incumprimento de obrigações resultantes dos Tratados (acórdão de 24 de Fevereiro de 1988 no processo 260/88, Comissão c/Bélgica, [1988]Col., p. 966).
  • [4]  De acordo com os factos expostos ao Tribunal de Justiça pelo antigo deputado no processo T-146/04 (Gorostiaga Atxalandabaso/ Parlamento Europeu) o deputado em causa tinha mandado retirar de uma conta bancária (aberta por ele e pelo seu partido político) a quantia de € 210 304, dos quais € 200 300 deviam ser entregues ao tesoureiro do Euskal Herritarrok, o qual foi detido ao chegar à França, na posse dessa importância em dinheiro. O procedimento foi posteriormente reenviado para o Tribunal de Primeira Instância de Paris.
  • [5]  Ver documento relativo ao pedido de levantamento da imunidade de Mogens N.J. Camre, no qual o Parlamento explica ter adoptado uma interpretação restrita do artigo 9º.