RELATÓRIO sobre as conclusões da análise das propostas legislativas pendentes
27.4.2006 - (2005/2214(INI))
Comissão dos Assuntos Constitucionais
Relatora: Sylvia-Yvonne Kaufmann
PROPOSTA DE RESOLUÇÃO DO PARLAMENTO EUROPEU
sobre as conclusões da análise das propostas legislativas pendentes
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, de 27 de Setembro de 2005, sobre as conclusões da análise das propostas legislativas pendentes (COM(2005)0462),
– Tendo em conta a carta do seu Presidente ao Presidente da Comissão Europeia, com data de 23 de Janeiro de 2006[1],
– Tendo em conta a carta do Presidente da Comissão Europeia ao Presidente do Parlamento Europeu, com data de 8 de Março de 2006,
– Tendo em conta o artigo 45º do seu Regimento,
– Tendo em conta o relatório da Comissão dos Assuntos Constitucionais e o parecer da Comissão dos Assuntos Jurídicos (A6‑0143/2006),
A. Considerando que a Comissão anunciou, na sua comunicação de 27 de Setembro de 2005, a sua intenção de retirar 68 propostas que considera incongruentes com os objectivos da Estratégia de Lisboa e os princípios relativos à melhoria da legislação, ao passo que outras propostas serão objecto de uma nova avaliação do impacto económico e, se necessário, modificadas,
B. Considerando que a carta enviada pelo Presidente do Parlamento Europeu ao Presidente da Comissão, depois de conhecidas as conclusões da análise dessa comunicação pelas comissões parlamentares, acolhe favoravelmente, de um modo geral, as intenções da Comissão, solicitando, porém, especificamente, que várias dessas propostas não sejam retiradas e opondo-se à eventual modificação de algumas outras propostas,
C. Considerando que a resposta enviada pelo Presidente da Comissão ao Presidente do Parlamento Europeu afirma que a Comissão tomou em devida conta a posição do Parlamento antes de adoptar a sua posição final e indica as razões específicas que a levaram a não aceder a alguns dos pedidos do Parlamento, bem como as possíveis iniciativas que a Comissão tenciona empreender futuramente para atender a alguns desses pedidos,
D. Considerando que essa comunicação proporciona uma excelente oportunidade para se proceder a uma análise mais aprofundada dos problemas relacionados com a retirada ou a modificação de propostas legislativas pela Comissão,
E. Considerando que, com raras excepções, os actos legislativos comunitários, na sua maioria, só poderem ser adoptados com base numa proposta apresentada pela Comissão, a qual goza de um quase monopólio em matéria de iniciativa legislativa,
F. Considerando que o nº 2 do artigo 250º do Tratado CE dispõe que a Comissão "pode alterar a sua proposta em qualquer fase dos procedimentos para a adopção de um acto comunitário", "enquanto o Conselho não tiver deliberado",
G. Considerando que o artigo 250º, apesar de o papel do Parlamento, por razões históricas, não ser mencionado nessa disposição, deve ser interpretado em conjugação com o artigo 251º, quando se tratar da sua aplicação ao processo de co-decisão, e com o artigo 252º, no caso do processo de cooperação,
H. Considerando que sempre que uma posição comum é adoptada no termo da primeira leitura, o disposto no nº 2, terceiro travessão, do artigo 251º do Tratado CE apenas autoriza a Comissão a informar o Parlamento Europeu da sua posição e considerando que se a posição comum for, subsequentemente, alterada pelo Parlamento, o nº 2, alínea c), do artigo 251º apenas autoriza a Comissão a emitir um parecer sobre essas emendas, o que significa que a Comissão deixou de ser "proprietária" das suas propostas,
I. Considerando que os Tratados são omissos quanto à possibilidade da retirada de uma proposta legislativa pela Comissão,
J. Considerando que essa ausência de disposições relativas à retirada de propostas legislativas não tem impedido a Comissão de recorrer regularmente a essa prática,
K. Considerando que o Parlamento, o Conselho e a Comissão não parecem estar de acordo sobre a extensão dos poderes da Comissão relativamente à retirada de propostas legislativas,
L. Considerando que, apesar dessas divergências, a Comissão tem procedido regularmente à retirada de propostas legislativas, não tendo tal prática, em momento algum, dado origem à instauração de processo no Tribunal de Justiça,
M. Considerando que a retirada de propostas apresentadas pela Comissão foi algumas vezes solicitada a esta última pelo próprio Parlamento,
N. Considerando que o Acordo-quadro[2], de 26 de Maio de 2005, sobre as relações entre o Parlamento e a Comissão dispõe que:
– "a Comissão compromete-se a apreciar cuidadosamente as alterações às suas propostas legislativas aprovadas pelo Parlamento, a fim de as tomar em consideração em eventuais propostas alteradas" (ponto 31),
– em todas as propostas legislativas, "a Comissão compromete-se a informar previamente o Parlamento e o Conselho da retirada das suas propostas" (ponto 32),
– nos processos legislativos que não impliquem co-decisão, a Comissão compromete-se a retirar, "se for caso disso", as propostas legislativas rejeitadas pelo Parlamento, bem como, caso decida manter a sua proposta, a expor as razões que a levaram a fazê-lo numa declaração perante o Parlamento (ponto 33),
O. Considerando que um acordo entre as três Instituições baseado em directrizes comuns relativo à retirada e, sendo necessário, à modificação de propostas legislativas pela Comissão poderia contribuir de forma positiva para o desenrolar dos processos legislativos;
1. Acolhe com satisfação a Comunicação da Comissão de 27 de Setembro de 2005 e considera que a retirada ou a modificação de uma grande maioria das propostas referidas na mesma irão contribuir para uma simplificação do ambiente legislativo comunitário, mas insiste em que sejam tidas devidamente em conta pela Comissão as objecções levantadas pelo Presidente do Parlamento Europeu na sua carta de 23 de Janeiro de 2006;
2. Congratula-se com o facto de, antes de adoptar a sua posição final, a Comissão ter reexaminado as suas propostas à luz das objecções do Parlamento; reconhece que a Comissão, sempre que não seguiu essas objecções, apresentou as razões que a levaram a fazê-lo e que, em alguns casos, também indicou possíveis iniciativas destinadas a satisfazer os desígnios do Parlamento;
3. Sublinha que a Comissão deverá, nos futuros procedimentos desta natureza, especificar as razões da retirada ou da modificação de cada uma das propostas, em vez de se ater à invocação de princípios gerais, sem explicar claramente os motivos que a terão conduzido à conclusão de que uma determinada proposta deve ser retirada ou modificada;
4. Pede à Comissão que, imediatamente a seguir à sua investidura, elabore e apresente ao Parlamento e ao Conselho uma lista das propostas legislativas emanadas da Comissão precedente que tenciona manter;
5. Pede à Comissão que inclua no seu programa legislativo e no seu programa de trabalho anuais uma lista das propostas que pretende retirar ou modificar, para permitir que o Parlamento manifeste o seu ponto de vista, de acordo com as prerrogativas que lhe são conferidas pelos Tratados e com os procedimentos previstos no Acordo-quadro de 26 de Maio de 2005;
6. Regista o facto de a possibilidade de retirada de uma proposta legislativa pela Comissão não ser mencionada em nenhuma disposição dos Tratados em vigor, ao passo que a possibilidade de modificar uma proposta legislativa é abrangida pelo princípio segundo o qual a Comissão pode modificar a sua proposta no curso do processo que conduz à adopção de um acto comunitário, tal como prevê o no nº 2 do artigo 250º do Tratado CE; admite que este princípio é igualmente aplicável ao processo de co-decisão, previsto pelo disposto no artigo 251º, e ao processo de cooperação, referido no artigo 252º;
7. Reconhece, todavia, que, dentro de limites claramente estabelecidos, a competência da Comissão para retirar de uma proposta legislativa no curso de um processo que conduz à sua adopção:
– deriva do seu direito de iniciativa legislativa e constitui um complemento lógico à competência de que dispõe para modificar uma proposta;
– pode contribuir para dar maior importância ao papel da Comissão no processo legislativo,
e
– pode ser considerado um elemento positivo, a fim de assegurar que os processos que conduzem à adopção de um acto comunitário bem como o diálogo interinstitucional têm por objectivo a promoção do "interesse da Comunidade";
8. Reafirma, no entanto, que tal possibilidade deve ser vista à luz das prerrogativas de que gozam as diversas Instituições no processo legislativo, tal como são definidas nos Tratados, e em conformidade com o princípio da cooperação leal entre as Instituições;
9. Salienta que a possibilidade de retirada ou modificação não devem alterar o papel de cada uma das Instituições no processo legislativo, a ponto de pôr em risco o equilíbrio institucional, e que a possibilidade de retirada não equivale ao reconhecimento de uma espécie de "direito de veto" por parte da Comissão;
10. Insiste no facto de que a retirada ou a modificação de propostas legislativas devem estar sujeitas aos mesmos princípios gerais que regem a apresentação de propostas pela Comissão, devendo, nomeadamente, guiar-se pelos interesses da Comunidade e ser devidamente justificadas;
11. Considera, sem prejuízo da competência do Tribunal de Justiça para definir o alcance e os limites exactos das prerrogativas conferidas às Instituições pelos Tratados, que a definição de directrizes comuns pelas Instituições sobre a retirada ou a modificação de propostas legislativas pela Comissão, como complemento dos princípios pertinentes já estabelecidos no Acordo-quadro sobre as relações entre o Parlamento e a Comissão e no Acordo Institucional "Legislar melhor", constituiria um passo positivo no sentido de facilitar o processo legislativo, bem como o diálogo entre as Instituições;
12. Propõe as seguintes directrizes sobre a retirada e a modificação de propostas legislativas pela Comissão:
a) a Comissão pode, em princípio, retirar ou modificar uma proposta legislativa a qualquer momento do processo que conduz à sua adopção, enquanto o Conselho não tiver deliberado, o que significa que, nos processos de co-decisão e de cooperação, a Comissão já não poderá fazê-lo após a adopção da posição comum do Conselho, a não ser que, na sua decisão sobre a posição comum, o Conselho tenha excedido as suas competências de alteração da proposta da Comissão, de tal modo que a decisão constitua, na realidade, uma iniciativa legislativa do próprio Conselho, algo que o Tratado não prevê,
b) caso o Parlamento tenha rejeitado a proposta legislativa ou apresentado alterações substanciais à mesma, ou caso tenha solicitado à Comissão, de algum outro modo, a retirada ou a modificação substancial de uma proposta legislativa, isto será tomado devidamente em consideração pela Comissão; se esta, com base em motivos relevantes, decidir não seguir a posição expressa pelo Parlamento, exporá as razões que a levaram a fazê-lo numa declaração perante o Parlamento;
c) no caso de a Comissão pretender retirar ou modificar uma proposta legislativa por sua própria iniciativa, comunicará previamente a sua intenção ao Parlamento. Esta comunicação será transmitida atempadamente, para que o Parlamento tenha a oportunidade de emitir o seu ponto de vista sobre a questão, devendo incluir uma explicação clara das razões pelas quais a Comissão entende que uma determinada proposta deve ser retirada ou modificada. A Comissão terá devidamente em conta os pontos de vista do Parlamento. Se a Comissão, opondo-se à vontade do Parlamento, decidir retirar ou modificar a proposta, com base em motivos relevantes, exporá as razões que a levaram a fazê-lo numa declaração perante o Parlamento;
13. Salienta que a medida em que os pontos de vista do Parlamento são tomados em consideração pela Comissão é um elemento essencial da confiança política que constitui o fundamento de uma cooperação saudável entre as duas Instituições;
14. Considera que, no caso de a Comissão retirar ou modificar substancialmente uma proposta legislativa de um modo que afecte as prerrogativas legislativas do Parlamento, a questão deverá ser submetida aos órgãos políticos competentes do Parlamento para uma apreciação quanto aos aspectos políticos; considera ainda que, no caso de a Comissão retirar ou modificar uma proposta legislativa, de um modo que afecte as prerrogativas dos dois ramos da autoridade orçamental, estes podem considerar que esta retirada não é efectiva e dar continuidade ao processo, na forma prevista pelos Tratados, até à eventual adopção do acto em causa;
15. Considera que, caso tenha sido apresentada uma proposta legislativa nos termos do artigo 138º, a Comissão deve informar devidamente os parceiros sociais europeus da sua intenção de retirar ou de alterar substancialmente a proposta legislativa;
16. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho e à Comissão.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
A Comissão procedeu a uma análise do conjunto das propostas legislativas pendentes apresentadas pelos seus serviços. Na sua comunicação de 27 de Setembro de 2005, informou o Parlamento Europeu e o Conselho sobre os resultados dessa análise, que inclui nomeadamente uma lista de 68 propostas legislativas que a Comissão pretende retirar. Esta comunicação oferece à Comissão dos Assuntos Constitucionais a oportunidade de examinar os aspectos institucionais da questão.
1. Introdução
Um dos aspectos característicos do processo legislativo da Comunidade Europeia, tal como estabelece o Tratado CE, consiste no direito de iniciativa praticamente universal e exclusivo da Comissão, que equivale quase a um monopólio em matéria de iniciativa. Salvo raras excepções, todos os actos legislativos da Comunidade Europeia são adoptados "por proposta da Comissão". Em contrapartida, não cabe à Comissão legislar. Com efeito, os actos legislativos propostos pela Comissão são adoptados pelo Conselho ou, conjuntamente, pelo Conselho e o Parlamento. Deste modo, o Tratado CE estabelece no plano legislativo um equilíbrio entre as trás Instituições.
A fim de assegurar tal equilíbrio, é necessário, em primeiro lugar, que cada Instituição respeite os poderes das outras Instituições, sem exceder os seus próprios poderes. Mas, além disso, o princípio do equilíbrio institucional requer igualmente uma cooperação leal e activa entre as Instituições que vai mais além do que as normas de procedimento escritas. Esta cooperação é imprescindível para o bom funcionamento de uma União democrática e fundada no direito. O princípio do equilíbrio institucional implica, por conseguinte, obrigações jurídicas específicas, que as Instituições devem respeitar no exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo Tratado. Da mesma forma, no domínio legislativo, o conteúdo e o âmbito desses poderes não são regulados exclusivamente pelas disposições do Tratado.
2. Fundamento do poder da Comissão de alterar e de retirar propostas
Em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 250º do Tratado CE, a Comissão pode alterar uma proposta inclusivamente durante o processo legislativo. As modificações podem consistir na substituição de certas disposições da proposta legislativa por outras, no aditamento de novas disposições destinadas a completar a proposta ou na supressão de determinadas disposições. Assim, a retirada parcial de uma proposta legislativa constitui igualmente uma modificação, tal como prevê expressamente o nº 2 do artigo 250º do Tratado CE.
Em contrapartida, o Tratado CE não prevê expressamente o poder de retirada total de uma proposta pela Comissão. Este poder é, no entanto, o complemento lógico do poder de modificação previsto pelo disposto no nº 2 do artigo 250º do Tratado CE, uma vez que esses dois poderes (de modificação e de retirada), considerados conjuntamente, constituem os dois aspectos complementares do poder de iniciativa da Comissão.
3. Limite de prazo do exercício do poder da Comissão de alterar e de retirar propostas
Nos termos do nº 2 do artigo 250º do Tratado CE, a Comissão pode alterar uma proposta que tenha apresentado enquanto o Conselho não tiver deliberado. Esta disposição, por conseguinte, não apenas serve de base para o poder da Comissão de alterar uma proposta, mas fixa igualmente o limite de prazo para o seu exercício. Este limite aplica-se também ao poder de retirada que complementa o poder de modificação previsto no nº 2 do artigo 250º.
A disposição em causa aplica-se ao conjunto dos processos legislativos previstos no Tratado. Existem, no entanto, opiniões divergentes quanto à interpretação que deve ser dada ao limite de prazo fixado pelo disposto no nº 2 do artigo 250º, nomeadamente no que respeita aos procedimentos de cooperação e de co-decisão. O Tribunal de Justiça não teve, até agora, a oportunidade de se pronunciar sobre esta questão. Em parecer emitido a pedido da Comissão dos Assuntos Constitucionais, o Serviço Jurídico do Parlamento Europeu concluiu que no processo de co-decisão a Comissão pode retirar a sua proposta aquando da primeira leitura, mas já não o pode fazer depois da adopção da posição comum do Conselho.
Tal posição não é, tão-pouco, contrária ao disposto no nº 2 do artigo 251º do Tratado. Esta disposição prevê simplesmente que a Comissão informe o Parlamento, antes da segunda leitura, sobre a sua opinião acerca da posição comum do Conselho e que emita um parecer sobre as eventuais alterações propostas pelo Parlamento na segunda leitura. Além disso, indica claramente que o Tratado CE já não considera a Comissão, nesse momento preciso, como sendo a "titular" da matéria legislativa, justificando o ponto de vista de que, nesse estádio, a Comissão já não pode retirar nem modificar a sua proposta legislativa.
Seria escusado dizer que estas observações também são válidas em relação ao processo de cooperação. Assim sendo, dado que a data a ter em conta para a determinação do limite de prazo para o exercício do poder de modificação e de retirada de propostas é a data das deliberações do Conselho mencionada no nº 2 do artigo 250º do Tratado CE, é, por conseguinte, a data da adopção da posição comum, referida na alínea a) do artigo 252º do Tratado CE que deve ser tida em conta no processo de cooperação.
Evidentemente, a decisão do Conselho respeitante à posição comum só poderá ter o efeito de limitar o exercício do poder de modificação e de retirada da Comissão se tiver sido legalmente adoptada. Uma decisão ilícita do Conselho, pelo contrário, não produziria nenhum efeito. Este seria, nomeadamente, o caso se o Conselho, ao adoptar a sua posição comum, excedesse o seu poder de alterar a proposta da Comissão, modificando-a totalmente, por exemplo. Tal decisão constituiria efectivamente uma iniciativa legislativa própria do Conselho, que não teria efeitos na medida em que não estaria juridicamente fundamentada no Tratado. Não poderia, tão‑pouco, ter o efeito de limitar o poder de modificação ou de retirada da Comissão, ainda que formalmente se trate de uma "posição comum".
4. Exercício do poder de modificação e de retirada de propostas pela Comissão
Não existe no Tratado CE nenhuma disposição expressa no que respeita ao exercício do poder de modificação e de retirada de propostas pela Comissão. Não obstante, isto não significa que a matéria possa estar à margem do direito. Assim, do princípio do equilíbrio institucional e de cooperação leal entre as Instituições resulta, para a Comissão, a obrigação geral de respeitar o papel do Parlamento Europeu no processo legislativo e de não se servir das modalidades de exercício do poder de modificação e de retirada a fim de o eludir. A Comissão e o Parlamento Europeu estão de acordo quanto à existência dessa obrigação geral que é, em parte, concretizada de forma consensual nos pontos 31 a 33 do Acordo-quadro, de 26 de Maio de 2005, sobre as relações entre o Parlamento Europeu e a Comissão (Acordo-quadro)
Não resta dúvida que seria conveniente que as Instituições interessadas, para além da concretização meramente parcial dessa obrigação geral, pudessem caminhar no sentido de um ponto de vista comum sobre uma concretização global de tal obrigação. De qualquer forma, o Parlamento Europeu deve exprimir a sua opinião a esse respeito sob a forma de linhas directrizes. Nesse contexto, há que distinguir dois tipos de casos diferentes:
- a modificação ou retirada pela Comissão de uma proposta legislativa por iniciativa do Parlamento e
- a modificação ou retirada pela Comissão de uma proposta legislativa por sua própria iniciativa.
a) Modificação e retirada de uma proposta por iniciativa do Parlamento Europeu
Nos pontos 31 e 33 do Acordo-quadro, a Comissão e o Parlamento Europeu acordaram no seguinte:
"A Comissão compromete-se a apreciar cuidadosamente as alterações às suas propostas legislativas aprovadas pelo Parlamento, a fim de as tomar em consideração em eventuais propostas alteradas."
"No que respeita aos processos legislativos que não impliquem co-decisão, a Comissão (...) compromete-se a retirar, se for caso disso, as propostas legislativas rejeitadas pelo Parlamento. No caso de, por razões importantes e após consideração pelo Colégio, a Comissão decidir manter a sua proposta, exporá as razões que a levaram a fazê-lo numa declaração perante o Parlamento."
No seu respectivo âmbito de aplicação, essas duas disposições asseguram inteiramente o respeito do equilíbrio institucional estabelecido pelo Tratado CE. Não abrangem, porém, todas as questões que exigem regulamentação. Deste modo, por um lado, a regra actual segundo a qual a Comissão tem a obrigação de retirar uma proposta na sequência da rejeição da mesma pelo Parlamento limita-se expressamente aos processos legislativos que não estejam sujeitos à co-decisão. Por outro lado, o Acordo-quadro impõe à Comissão a obrigação de apresentar uma justificação ao Parlamento unicamente no caso de decidir manter a sua proposta, apesar da rejeição da mesma pelo Parlamento. Não existem normas previstas para o caso de ter a intenção de não tomar em consideração as alterações substanciais propostas pelo Parlamento. Não parece haver, no entanto, qualquer razão para tratar de forma diferente os casos que constam expressamente do Acordo-quadro e os casos análogos que não estão previstos no Acordo-quadro.
b) Modificação e retirada de uma proposta por iniciativa da Comissão
No ponto 32 do Acordo-quadro sobre as relações entre o Parlamento Europeu e a Comissão, as duas Instituições acordaram no seguinte:
"A Comissão compromete-se a informar previamente o Parlamento e o Conselho da retirada das suas propostas."
A informação prévia do Parlamento por parte da Comissão constitui um pré-requisito fundamental e indispensável para que se possa falar de um procedimento de retirada que seja conforme ao princípio da cooperação leal. No entanto, por si só, este pré-requisito não é suficiente. Em consequência disto, a própria Comissão vai mais além, na sua Comunicação de 27 de Setembro de 2005, não se limitando a informar a respeito das decisões já adoptadas quanto à retirada de propostas, como também da sua intenção de adoptar uma decisão nesse sentido. Isto, no entanto, por si só, também está longe de satisfazer o conjunto dos requisitos necessários a uma cooperação leal.
Nesse contexto, só se poderá falar de uma cooperação leal entre a Comissão e o Parlamento se a Comissão informar o Parlamento de maneira suficientemente atempada e completa, a fim de permitir que o Parlamento também se pronuncie sobre a retirada de propostas pretendida pela Comissão. De acordo com as disposições do Tratado na sua actual redacção, o conteúdo da posição adoptada na matéria pelo Parlamento não pode, naturalmente, ser considerada como sendo dotada de carácter vinculativo para a Comissão. Assim sendo, tal posição corresponderia a uma mera formalidade, se da mesma não resultasse, pelo menos, a obrigação para a Comissão de analisar com atenção e ter devidamente em conta os pontos de vista do Parlamento na sua decisão final. E é óbvio que a Comissão também deve informar o Parlamento das razões que, se for caso disso, a levaram a não ter em conta a posição do Parlamento.
Pelas razões anteriormente expostas, a aplicação dos princípios em questão não pode limitar‑se apenas à (total) retirada de uma proposta legislativa pela Comissão, mas devem ser igualmente aplicáveis no caso de uma modificação substancial (uma importante retirada parcial, por exemplo). Só assim será possível ter suficientemente em conta os requisitos inerentes ao princípio da cooperação leal.
5. Conclusão
O papel das diversas Instituições no processo legislativo é definido nas disposições do Tratado CE. É claro que tal atribuição de poderes não pode abarcar expressamente, ao mesmo tempo, todos os aspectos do seu exercício. O Tratado CE confia às próprias Instituições a tarefa de organizar, de comum acordo, as modalidades da sua colaboração. É, com efeito, o que prevê o disposto no nº 1 do artigo 218º do Tratado CE, assim como o artigo III-397º da Constituição Europeia. Trata-se também, neste caso, de uma missão constitucional conferida às Instituições tendo em vista um maior aperfeiçoamento da estrutura institucional da União Europeia. O presente relatório constitui um contributo da Comissão dos Assuntos Constitucionais para a execução dessa tarefa.
PARECER DA COMISSÃO DOS ASSUNTOS JURÍDICOS (22.3.2006)
destinado à Comissão dos Assuntos Constitucionais sobre as conclusões da análise das propostas legislativas pendentes(2005/2214(INI))Relatora de parecer: Maria Berger
SUGESTÕES
A Comissão dos Assuntos Jurídicos insta a Comissão dos Assuntos Constitucionais, competente quanto à matéria de fundo, a incorporar as seguintes sugestões na proposta de resolução que aprovar:
A. Considerando que a Comissão, após ter procedido à análise da legislação que se encontra pendente, tenciona retirar 68 propostas que considera incoerentes com os objectivos da Estratégia de Lisboa ou com o desígnio «Legislar melhor»,
B. Considerando que a retirada das propostas de regulamentos que instituem o Estatuto da associação europeia, o Estatuto da mutualidade europeia e respectivas propostas complementares dos estatutos no que se refere ao papel dos trabalhadores, num total de quatro projectos, não pode ser justificada à luz dos princípios "Legislar melhor", porquanto tais propostas têm como escopo o aprimoramento do quadro regulamentar no interesse dos cidadãos europeus e, consequentemente, não devem, de modo algum, ser equacionadas como imposições de ónus burocráticos desnecessários,
C. Considerando ser usualmente reconhecido à Comissão o direito de retirar propostas que se encontrem pendentes, ao abrigo do nº 2 do artigo 250º do Tratado CE, enquanto o Conselho não tiver deliberado e que, no contexto da co-decisão, esta disposição permite tal retirada enquanto o Parlamento não tiver concluído a primeira leitura ou a proposta não seja ainda "definitiva" por força da adopção de uma posição comum do Conselho,
D. Considerando que não obstante o nº 2 do artigo 250º do Tratado CE ter sido pensado, originalmente, para o processo de consulta, ele deve ser interpretado tendo em conta e no espírito do artigo 251º do dito Tratado e considerando que, consequentemente, em caso algum, o papel que cabe ao Parlamento Europeu no processo de tomada de decisão pode ser afectado,
E. Considerando que quando uma posição comum é adoptada no termo da primeira leitura, o terceiro parágrafo do número 2 do artigo 251º do Tratado CE apenas autoriza a Comissão a informar o Parlamento Europeu da sua posição e considerando que se a posição comum for, subsequentemente, alterada pelo Parlamento, a alínea c) do nº 2 do artigo 251º apenas autoriza a Comissão a emitir um parecer sobre essas emendas, o que significa que a Comissão deixou de ser "proprietária" das suas proposições e que já não é livre de as retirar,
F. Considerando que, em qualquer caso, o princípio da cooperação leal vertido no artigo 10º do Tratado CE, só permite que a Comissão retire as suas propostas se tal retirada não afectar a competência de decisor democrático que cabe ao Parlamento Europeu.
1. Considera que, no contexto da co-decisão, mesmo que do ponto de vista jurídico a Comissão possa retirar as suas propostas enquanto se aguarda a adopção da posição comum do Conselho, tal retirada deverá ser sempre executada com observância do princípio da cooperação leal, vertido no artigo 10º do Tratado CE e aplicável a todas as Instituições europeias;
2. Solicita à Comissão que respeite o princípio da cooperação leal de cada vez que o Parlamento Europeu, ao abrigo do artigo 55º do seu Regimento, lhe solicite que retire as suas propostas;
3. Considera que após a aprovação da posição comum, o Tratado não confere à Comissão competência para retirar a sua própria proposta legislativa e que esta limitação se aplica, concretamente, ao conjunto da legislação pendente mencionada no anexo à comunicação da Comissão COM(2005)0462;
4. Convida a Comissão a consultar o Parlamento, casuisticamente, sempre que pretenda retirar uma proposta e a ter devidamente em conta o parecer do Parlamento; convida a Comissão a tratar o Parlamento e o Conselho em condições de igualdade;
5. Solicita à Comissão que exerça o direito a retirar as suas propostas com o propósito de tornar a legislação pendente mais conforme com os princípios "Legislar melhor" e com os objectivos da Estratégia de Lisboa, nomeadamente, nível de emprego elevado, protecção social, crescimento económico e simplificação administrativa;
6. Lamenta veementemente o facto de a Comissão já ter decidido retirar as seguintes propostas:
a) proposta de regulamento que institui estatuto da associação europeia (COD/1991/0386)[1],
b) proposta de directiva que completa o estatuto da associação europeia no que se refere ao papel dos trabalhadores (COD/1991/0387)[2],
c) proposta de regulamento que institui o estatuto da mutualidade europeia (COD/1991/0390)[3] e
d) a proposta de directiva que completa o estatuto da mutualidade europeia no que se refere ao papel dos trabalhadores (COD/1991/0391)[4].
PROCESSO
Título |
Conclusões da análise das propostas legislativas pendentes | |||||
Número de processo |
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Comissão competente quanto ao fundo |
AFCO | |||||
Parecer emitido por |
JURI | |||||
Cooperação reforçada – Data de comunicação em sessão |
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Relator de parecer |
Maria Berger | |||||
Relator de parecer substituído |
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Exame em comissão |
23.2.2006 |
21.3.2006 |
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Data de aprovação |
21.3.2006 | |||||
Resultado da votação final |
+: –: 0: |
17 0 0 | ||||
Deputados presentes no momento da votação final |
Maria Berger, Rosa Díez González, Bert Doorn, Monica Frassoni, Giuseppe Gargani, Piia-Noora Kauppi, Klaus-Heiner Lehne, Katalin Lévai, Hans-Peter Mayer, Aloyzas Sakalas, Francesco Enrico Speroni, Gabriele Hildegard Stauner, Andrzej Jan Szejna, Diana Wallis, Rainer Wieland, Jaroslav Zvěřina, Tadeusz Zwiefka | |||||
Suplente(s) presente(s) no momento da votação final |
Jean-Paul Gauzès | |||||
Suplente(s) (nº 2 do art. 178º) presente(s) no momento da votação final |
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Observações (dados disponíveis numa única língua) |
... | |||||
PROCESSO
Título |
Conclusões da análise das propostas legislativas pendentes | |||||
Número de processo |
||||||
Comissão competente quanto ao fundo |
AFCO 17.11.2005 | |||||
Comissões encarregadas de emitir parecer |
Todas 17.11.2005 |
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|
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| |
Comissões que não emitiram parecer |
AFET 23.1.2006
|
DEVE 25.1.2006 |
INTA 23.11.2005 |
BUDG 15.3.2006 |
CONT 25.1.2006 | |
|
ECON 16.11.2005 |
EMPL 27.10.2005 |
ENVI 21.2.2006 |
ITRE 13.12.2005 |
IMCO 30.1.2006 | |
|
TRAN 11.10.2005 |
REGI 21.11.2005 |
AGRI 29.11.2005 |
PECH 21.11.2005 |
CULT 23.11.2005 | |
|
LIBE 23.1.2006 |
FEMM 29.11.2005 |
PETI 24.4.2006 |
|
| |
Cooperação reforçada |
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Relator(es) |
Sylvia-Yvonne Kaufmann 17.11.2005 |
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Relator(es) substituído(s) |
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Exame em comissão |
29.11.2005 |
23.1.2006 |
21.2.2006 |
22.2.2006 |
20.3.2006 | |
Data de aprovação |
25.4.2006 | |||||
Resultado da votação final |
+: –: 0: |
13 0 0 | ||||
Deputados presentes no momento da votação final |
Jens-Peter Bonde, Richard Corbett, Jean-Luc Dehaene, Andrew Duff, Maria da Assunção Esteves, Ingo Friedrich, Bronisław Geremek, Genowefa Grabowska, Sylvia-Yvonne Kaufmann, Jo Leinen, Íñigo Méndez de Vigo e Johannes Voggenhuber | |||||
Suplente(s) presente(s) no momento da votação final |
Jacek Protasiewicz e György Schöpflin | |||||
Suplente(s) (nº 2 do art. 178º) presente(s) no momento da votação final |
| |||||
Data de entrega |
26.4.2006 |
| ||||
Observações (dados disponíveis numa única língua) |
... |
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