RELATÓRIO sobre a contribuição das políticas fiscal e aduaneira para a Estratégia de Lisboa
15.10.2007 - (2007/2097(INI))
Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários
Relatora: Sahra Wagenknecht
PROPOSTA DE RESOLUÇÃO DO PARLAMENTO EUROPEU
sobre a contribuição das políticas fiscal e aduaneira para a Estratégia de Lisboa
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu intitulada "A contribuição das políticas fiscais e aduaneiras para a Estratégia de Lisboa" (COM(2005)0532),
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social intitulada "Coordenar os sistemas de fiscalidade directa dos Estados‑Membros no mercado interno" (COM(2006)0823),
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social intitulada "Tributação à saída e necessidade de coordenação das políticas fiscais dos Estados Membros" (COM(2006)0825),
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social intitulada "Para uma utilização mais eficaz dos incentivos fiscais em favor da investigação e do desenvolvimento (I&D)" (COM(2006)0728),
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social intitulada "Execução do programa comunitário de Lisboa: Progressos realizados e acção futura para uma matéria colectável comum consolidada do imposto sobre as sociedades (MCCCIS)" (COM(2006)0157),
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social intitulada "O tratamento fiscal dos prejuízos num contexto transfronteiras" (COM(2006)0824),
– Tendo em conta a sua Resolução de 10 de Março de 2004 sobre uma proposta de directiva do Conselho que altera a Directiva 90/434/CEE, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permutas de acções entre sociedades de Estados‑Membros diferentes[1],
– Tendo em conta a sua Resolução de 13 de Dezembro de 2005 sobre a fiscalidade das empresas na União Europeia: uma matéria colectável comum consolidada do imposto sobre as sociedades[2],
– Tendo em conta as reuniões informais dos Ministros da Economia e Finanças (Conselho Ecofin) de 10 e 11 de Setembro de 2004 e de 7 e 8 de Abril de 2006,
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social intitulada "Luta contra os obstáculos causados pelo imposto sobre as sociedades que afectam as pequenas e médias empresas no mercado interno – descrição de um eventual regime‑piloto de tributação de acordo com as regras do Estado de residência" (COM(2005)0702),
– Tendo em conta o Inquérito sobre a Fiscalidade na Europa, de 10 de Setembro de 2004, efectuado pela Comissão[3],
– Tendo em conta as conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Lisboa de 23 e 24 de Março de 2000, do Conselho Europeu de Estocolmo de 23 e 24 de Março de 2001, do Conselho Europeu de Barcelona de 15 e 16 de Março de 2002 e dos Conselhos Europeus de Bruxelas de 22 e 23 de Março de 2005, de 15 e 16 de Dezembro de 2005 e de 23 e 24 de Março de 2006,
– Tendo em conta o relatório da OCDE de 1998 sobre concorrência fiscal nociva,
– Tendo em conta o relatório da Comissão de 2006: "Estruturas fiscais na União Europeia: 1995-2004",
– Tendo em conta o artigo 45º do seu Regimento,
– Tendo em conta o relatório da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários (A6‑0391/2007),
A. Considerando que os sistemas fiscais nacionais devem ter cada vez mais em conta a internacionalização da economia e que a necessidade de acumular capital humano numa sociedade baseada no conhecimento provoca um aumento da despesa pública,
B. Considerando que a existência de 27 sistemas fiscais diferentes na UE constitui um obstáculo ao funcionamento correcto do mercado interno, proporciona imensas oportunidades de erosão das bases tributáveis, por exemplo através da evasão fiscal, gera importantes custos adicionais, no plano administrativo e de cumprimento das normas, para o comércio transfronteiriço e para as empresas, dificulta a reestruturação empresarial, torna as empresas da UE menos competitivas a nível mundial e conduz a casos de dupla tributação,
C. Considerando que a sua resolução de 29 de Março de 2007 sobre o futuro dos recursos próprios da União Europeia[4] realça que qualquer sistema futuro de recursos próprios da UE tem de respeitar os princípios da soberania fiscal dos Estados-Membros e da neutralidade fiscal, mencionando simultaneamente - como eventual opção a longo prazo para o futuro dos recursos próprios - a imposição de um imposto comunitário ou de novos impostos nacionais que revertam directamente a favor da UE,
D. Considerando que a concorrência fiscal na UE levou e continua a levar a ganhos económicos a nível da UE através dum ambiente empresarial dinâmico, mas que uma coordenação fiscal adequada a nível da UE, que não tente harmonizar as taxas de imposição, pode contribuir para que os benefícios da concorrência fiscal sejam distribuídos de forma mais ampla entre as empresas, os seus trabalhadores e os consumidores,
E. Considerando que, em certos países da União Europeia, as receitas derivadas do capital aumentaram em consequência de um maior crescimento económico geral e, em especial, devido à criação de um número importante de novas empresas e ao aumento considerável dos seus benefícios, o que contrasta com o caso dos países onde a capacidade de obter receitas diminuiu em consequência dum menor crescimento,
F. Considerando que os níveis de tributação globais nos diferentes Estados-Membros variam entre 28,4% e 50,5% do PIB, o que se traduz em níveis diferentes de impacto no plano económico,
G. Considerando que, dado o impacto da I&D no crescimento e no emprego, é necessário examinar uma utilização mais eficaz dos incentivos fiscais à I&D,
H. Considerando que a concretização dos objectivos da Estratégia de Lisboa carece duma coordenação acrescida das políticas fiscais dos Estados-Membros e que a Europa tem de construir um enquadramento económico e social específico que transforme em crescimento da produtividade induzida pela inovação a vantagem concorrencial que decorre da diversidade do património cultural e do capital intelectual,
I. Considerando que certos elementos no contexto da fragmentação actual dos sistemas fiscais constituem lacunas que permitem a evasão fiscal e que, só no domínio do imposto sobre o valor acrescentado, as perdas de receitas devido à fraude e evasão fiscal representam, segundo as estimativas, entre 200 e 250 mil milhões de euros,
J. Considerando que a medida exacta do encargo fiscal é a taxa de imposto efectiva, que inclui a taxa de imposto nominal e uma matéria colectável,
K. Considerando que a tributação da energia é um instrumento útil tanto para aplicar o princípio do “poluidor-pagador” como para conseguir uma redução da poluição na fonte e que, para lutar contra as alterações climáticas, é urgentemente necessário enfrentar o crescente impacto ambiental do tráfego,
L. Considerando que a tributação da energia e o Sistema de Transacção de Direitos de Emissão da UE são dois instrumentos económicos significativos para agir sobre o consumo energético e as emissões de CO2 ;
A contribuição da política fiscal para a Estratégia de Lisboa
1. Recorda que as decisões associadas à política fiscal, tais como a oferta de incentivos fiscais às empresas, constituem o principal instrumento para desenvolver e aumentar os postos de trabalho mas também para aumentar o investimento na I&D e nas tecnologias ecológicas; porém, realça que, para que a política fiscal dê uma contribuição substancial para a Estratégia de Lisboa, é necessário controlar constantemente o modo de redistribuição das receitas adicionais geradas por este desagravamento fiscal concedido às empresas, a fim de assegurar que as receitas adicionais são realmente utilizadas para impulsionar o mercado de trabalho ou para investir ainda mais na inovação e em tecnologias mais eficientes em termos energéticos;
2. Constata a tendência para a redução das taxas de imposto sobre as sociedades na União Europeia, bem como em outros países da OCDE, que se explica pelo crescimento da concorrência mundial, as mutações estruturais e a evolução nos mercados financeiros; sublinha contudo que o nível global da fiscalidade na Europa continua a ser mais elevado que em outros países da OCDE; chama a atenção para o facto de as receitas públicas no seu conjunto terem aumentado, apesar da redução das taxas efectivas do imposto sobre as sociedades; insiste na necessidade de um quadro fiscal coordenado, incluindo os impostos sobre as sociedades, que deve ser favorável às empresas, em especial as PME, e orientado para a renovação do crescimento e a criação de postos de trabalho;
3. Subscreve a preocupação expressa pela Comissão na sua comunicação intitulada "Coordenar os sistemas de fiscalidade directa dos Estados-Membros no mercado interno", segundo a qual "a falta de coordenação entre os sistemas de fiscalidade directa pode também levar à não tributação involuntária ou a abusos e, por conseguinte, à erosão das receitas fiscais";
4. Entende que é necessário criar um ambiente político de finanças públicas que favoreça o crescimento e o emprego na economia, e promover uma concorrência fiscal sã na União Europeia, de modo que a carga fiscal seja repartida largamente sobre os assalariados e os consumidores, as empresas e os beneficiários de rendimentos do capital; assinala que, em matéria de financiamento do Estado, a União Europeia tem de promover sistemas de tributação propícios à concorrência na economia global, a fim de incentivar a criação de empresas e a inovação tecnológica;
5. Salienta que, em termos gerais, os sistemas fiscais dos Estados-Membros são demasiado progressivos ao aplicarem taxas relativamente elevadas aos escalões de baixos rendimentos, o que desincentiva a assunção de riscos e a criação de empresas;
6. Considera que é possível ter sistemas fiscais competitivos sem minar a capacidade de financiamento do Estado, como se comprovou nos países europeus que, na última década, aumentaram as suas receitas através da redução de impostos e do alargamento das suas bases tributárias, controlando simultaneamente as despesas correntes e assim reduzindo o seu défice;
7. Saúda a intenção da Comissão de encontrar soluções para os problemas resultantes dos preços de transferência na União Europeia;
8. Congratula-se com o projecto‑piloto de tributação de acordo com as regras do Estado de residência proposto pela Comissão para o tratamento fiscal das PME;
9. Reconhece as dificuldades que as PME da União Europeia e da OCDE enfrentam no financiamento dos seus projectos e apoia a oferta de incentivos fiscais com vista a encorajar as PME a recorrerem mais aos mecanismos de financiamento intermediários, como o capital social empresarial, as redes de "business angels", etc.;
10. Chama a atenção para o défice nas receitas públicas que a fraude fiscal causa à União Europeia, e insta a Comissão e os Estados‑Membros a tomarem novas medidas de luta contra a fraude fiscal;
11. Considera que, para combater com maior eficácia a evasão e a fraude fiscais, é necessária uma mudança radical na forma de funcionamento dos serviços fiscais, com base em princípios modernos de organização e de boa administração, e realça que a Comissão deve tomar iniciativas significativas para apoiar a coordenação a nível comunitário neste sector;
12. É de opinião que se devem manter os privilégios fiscais no domínio do IVA concedidos às empresas públicas ou semi‑públicas que prestam serviço público; considera imperativo criar um balcão único onde as empresas possam cumprir as suas obrigações em matéria de IVA a nível da UE;
13. Apela aos Estados-Membros para que procurem garantir uma repartição mais equitativa da carga fiscal;
14. Critica a tendência no sentido de aumentar as taxas de IVA na União Europeia, já que ela tem um efeito regressivo e reduz a procura; salienta que a experiência de alguns Estados-Membros comprovou que se obtém o maior volume de receitas quando se amplia a base de tributação, quando o crescimento do emprego faz aumentar o consumo e quando se criam condições para fazer emergir a economia subterrânea, um processo que seria prejudicado por um aumento das taxas do IVA;
15. Reitera o seu apoio à aplicação experimental de taxas inferiores de IVA aos serviços de forte intensidade de mão-de-obra, enquanto elemento estrutural do sistema do IVA, dando flexibilidade aos Estados-Membros para aplicarem essas taxas nos sectores de serviços de proximidade que são principalmente locais e não distorcem a concorrência transfronteiras;
16. Apoia os esforços da Comissão no sentido de centrar a política fiscal em objectivos ambientais mais ambiciosos; entende que essa acção pode promover uma maior investigação e aplicação das tecnologias ambientais, desenvolvendo assim o potencial competitivo da União Europeia neste domínio;
17. Considera que há necessidade duma abordagem completamente nova no que respeita à política relativa aos impostos especiais de consumo; realça que uma linha política orientada para a determinação da taxa do imposto mínimo a nível da UE deve ser rejeitada e que, em vez disso, deve ser aprovado um código de conduta genérico, com o objectivo de encorajar os Estados-Membros a aproximarem mais as taxas dos seus impostos especiais de consumo, que são muito díspares;
18. É de opinião que a política fiscal deve, em geral, contribuir para que a indústria internalize os custos externos mas considera adequado manter ou introduzir incentivos fiscais e outros em prol de fontes de energia alternativas, limpas e não fósseis;
19. Considera que um aumento dos impostos sobre os combustíveis teria um impacto ambiental positivo se estivessem disponíveis meios de transporte públicos económicos e atractivos;
20. Considera que os países que estão em processo de recuperação enfrentam custos externos mais elevados, pelos quais não devem ser penalizados;
21. Realça a necessidade de continuar a reduzir os impostos sobre o trabalho, sendo esta a melhor forma de alcançar o objectivo de Lisboa de uma taxa de emprego de 70%;
22. Considera que é importante, para a realização do mercado interno, simplificar a legislação aduaneira e racionalizar os procedimentos aduaneiros, com vista a reduzir os custos administrativos suportados pelas empresas que efectuam transacções transfronteiriças, continuando a simplificar as obrigações de conformidade transfronteiriças impostas às empresas; é favorável a medidas que vão no sentido de um sistema simplificado de cobrança do IVA sobre as vendas transfronteiriças na União Europeia, por exemplo aplicando o mecanismo de inversão do ónus;
Matéria colectável comum do imposto sobre as sociedades
23. Apoia os esforços da Comissão no sentido de criar uma matéria colectável comum consolidada do imposto sobre as sociedades (MCCCIS) a nível europeu; faz notar que o MCCCIS irá provocar uma transparência acrescida, ao permitir que as empresas operem segundo as mesmas normas tanto no estrangeiro como no seu país, ao aumentar o comércio e o investimento transfronteiras e reduzir significativamente os custos administrativos e a possibilidade de fraude e evasão fiscais; considera que convém tomar medidas destinadas especificamente a reduzir os custos relativos ao cumprimento fiscal suportados pelas PME, como no caso do regime de imposição do Estado de residência;
24. Recorda que a MCCCIS envolve normas comuns relativas à matéria colectável e de forma alguma afecta a liberdade dos Estados-Membros de continuarem a definir as suas próprias taxas fiscais;
25. Regozija-se com a intenção da Comissão de lançar o MCCCIS mesmo no âmbito da cooperação reforçada; porém, salienta que esta não é a melhor solução já que, na ausência de um sistema global à escala comunitária, o alcance das vantagens que decorrem da transparência e da redução dos custos administrativos corre o risco de ser parcialmente reduzido;
26. Saúda a abordagem da Comissão segundo a qual a nova matéria colectável deve ser uniforme e representar uma simplificação, e preconiza, paralelamente à definição de um quadro de normas comuns, o desenvolvimento de um mecanismo que permita repartir as receitas fiscais entre os Estados-Membros em causa;
27. Regozija-se com a comunicação da Comissão intitulada "Para uma utilização mais eficaz dos incentivos fiscais em favor da investigação e do desenvolvimento (I&D)" e realça a necessidade de partilhar as boas práticas e de clarificar ao máximo a compatibilidade destes incentivos com a legislação comunitária;
28. Realça que a “fiscalidade ecológica” é um instrumento político flexível que permite alcançar um determinado objectivo em matéria de poluição, proporcionar incentivos à inovação tecnológica e reduzir ainda mais as emissões de poluentes;
29. Encoraja a Comissão a abordar as questões relativas à consolidação das contas, à tributação e à administração fiscal dos grandes grupos que operam a nível transfronteiras;
Utilização mais eficaz dos incentivos fiscais em favor da investigação e do desenvolvimento (I&D)
30. É de opinião que os incentivos fiscais às actividades de investigação e desenvolvimento se revestem de grande importância para alcançar os objectivos da Estratégia de Lisboa, como o aumento das despesas na I&D na Europa, particularmente para melhorar o acesso das PME às actividades de R&D+i; assinala contudo que estes estímulos fiscais não devem ser usados como subvenções indirectas às empresas nacionais;
31. Está convicto de que a política fiscal deve ser elaborada de tal forma que favoreça o crescimento orientado para a produtividade em todos os sectores da economia, permitindo ao contribuinte deduzir ou reclamar uma amortização fiscal relativamente às despesas em I&D;
32. Considera que o fosso tecnológico entre os Estados-Membros se traduz em diferenças de política fiscal e que só devem ser tomadas medidas a nível comunitário quando a acção ao nível dos Estados-Membros não puder proporcionar uma solução eficaz; considera que a promoção das boas práticas na concepção de iniciativas fiscais de I&D e uma melhor coordenação da política fiscal ajudariam os Estados-Membros a cumprir os objectivos de Lisboa;
Tributação à saída
33. Exorta a Comissão a adoptar uma estratégia mais voluntarista no que respeita aos centros financeiros “offshore”;
34. Subscreve o ponto de vista da Comissão de que, em caso de transferência de activos para um país terceiro, a ausência de cooperação administrativa justifica uma cobrança imediata do imposto no momento da saída;
Tratamento fiscal dos prejuízos incorridos num contexto transfronteiras
35. Constata que frequentemente são apresentados ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias casos na área da tributação, o que se deve principalmente a uma falta de transparência e a um grau elevado de complexidade dos sistemas fiscais da Europa; por isso, solicita uma simplificação dos códigos fiscais em toda a Europa; considera que a jurisprudência do TJCE no processo Marks & Spencer confere aos Estados‑Membros o direito de preservarem os seus sistemas fiscais; é de opinião que, nas situações que implicam perdas transfronteiriças sofridas por filiais estrangeiras, é necessário evitar a dupla tributação da empresa-mãe, repartir de forma equilibrada o poder tributário entre os Estados‑Membros, evitar a dupla contabilização dos prejuízos e impedir a evasão fiscal;
36. Faz notar que, sem modalidades de dedução de prejuízos transfronteiras, os grupos económicos procurarão assegurar que os seus lucros sejam tributados em países cujo mercado interno tem uma dimensão suficiente para gerar lucros suficientes para compensar os eventuais prejuízos no estrangeiro;
37. Considera que é necessário trabalhar com vista a um sistema de dedução de prejuízos transfronteiras, tanto para as empresas como para os grupos com filiais no estrangeiro; congratula-se com a Comunicação da Comissão intitulada “O tratamento fiscal dos prejuízos num contexto transfronteiras”;
38. Considera que a comunicação da Comissão sobre o tratamento fiscal dos prejuízos num contexto transfronteiras constitui uma base adequada para prosseguir o debate, especialmente no que respeita às soluções possíveis, na expectativa da aplicação do MCCCIS, identificadas na comunicação relativa à aplicação dum sistema de dedução de prejuízos e recuperação pelo Estado-Membro de acolhimento;
39. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho e à Comissão.
- [1] JO C 102 E de 28 de Abril de 2004, p. 569.
- [2] Textos Aprovados, P6_TA(2005)0511.
- [3] "European Tax Survey", Documento de trabalho n.º 3/2004 (SEC (2004)1128/2).
- [4] Textos aprovados, P6_TA(2007)0098.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
Objectivos da política fiscal
A política fiscal pode contribuir de três formas para o crescimento, a prosperidade e a coesão social. O requisito mais elementar é que o sistema de tributação tem de ser capaz de gerar receitas suficientes para financiar serviços públicos e transferências sociais com um nível qualitativo elevado. Em segundo lugar, a tributação deve proporcionar incentivos para influenciar as decisões económicas a favor de mais emprego e de um uso eficiente e sustentável dos recursos naturais. Em terceiro lugar, a tributação implica sempre uma redistribuição dos rendimentos e deve fazê‑lo de uma forma que fortaleça a procura efectiva e o equilíbrio social através da colmatação de disparidades na distribuição de rendimentos.
As comunicações da Comissão referem explicitamente as duas primeiras metas, mas negligenciam completamente o aspecto distributivo da tributação. Ora foi precisamente aí que nos últimos anos se processaram as maiores transformações nos sistemas fiscais dos Estados‑Membros da UE. Uma política fiscal que amplifica as desigualdades e jugula a procura não contribuirá certamente para uma região económica com um crescimento dinâmico como pede a Estratégia de Lisboa.
Consequências da concorrência fiscal
A relatora subscreve a preocupação da Comissão de que "a falta de coordenação entre os sistemas de fiscalidade directa pode também levar à não tributação involuntária ou a abusos e, por conseguinte, à erosão das receitas fiscais" (COM(2006) 823). Com efeito, sem uma coordenação dos sistemas de fiscalidade directa ao nível da UE dificilmente será possível recuperar espaço de manobra com vista à execução da política fiscal.
A eliminação dos controlos sobre os capitais e o surgimento de paraísos fiscais começaram já na década de setenta a colocar sob pressão os países onde a tributação dos lucros das empresas era mais elevada. A existência de 27 sistemas de tributação diferentes num mercado interno com plena liberdade de circulação de capitais contribui ainda mais para que as empresas com actividades transfronteiras tenham um rol de possíveis estratégias de evasão fiscal ao seu dispor. De entre as práticas mais apetecíveis neste contexto figura a aplicação de preços de transferência dentro do grupo, através dos quais os lucros contabilísticos são transferidos dos países onde as taxas de imposto são mais elevadas para aqueles onde as taxas são mais baixas. Outra prática consiste na constituição de sociedades de financiamento em paraísos fiscais que são depois utilizadas para financiar a crédito projectos de investimento em todo o mundo.
Estas e outras manobras causam enormes perdas de receita aos países onde a tributação das empresas é mais elevada. Quando, para além dos lucros contabilísticos, os grupos económicos transferem também os investimentos produtivos por motivos fiscais, aumenta ainda mais a pressão no sentido de nivelar por baixo as taxas de imposto. Este processo, denominado de "concorrência fiscal", não se limita apenas ao domínio da tributação das empresas. Uma vez que o património financeiro é ainda muito mais móvel do que os capitais investidos de forma produtiva, este processo afecta de igual modo a tributação do património e dos rendimentos de capitais detidos por pessoas singulares.
O trabalho é geralmente menos móvel do que o capital e, dentro do trabalho, as actividades mais bem remuneradas tendem a ser mais móveis do que a grande maioria das relações de trabalho normais. Uma fonte de receitas fiscais particularmente imóvel é o consumo, sobretudo o consumo de bens e serviços essenciais. Assim sendo, é lógico que a existência de sistemas de tributação divergentes num mercado interno liberalizado leva a uma mudança fundamental na estrutura dos sistemas fiscais nacionais. Ao passo que os factores móveis possuem suficiente potencial de chantagem para forçarem uma redução cada vez maior dos impostos a que estão sujeitos, as receitas públicas são asseguradas através de uma crescente tributação das fontes de receita menos móveis. Os impostos são, portanto, transferidos dos lucros empresariais para os rendimentos das pessoas singulares, depois, dos rendimentos de capitais para os rendimentos do trabalho, e aí, por sua vez, dos rendimentos de quem aufere salários elevados para os rendimentos de quem aufere salários baixos e, de um modo geral, dos rendimentos e do património para o consumo.
Evolução dos impostos na UE
A evolução dos sistemas fiscais nas últimas décadas comprova que foi exactamente este o processo que se verificou. Assim, registou‑se uma forte quebra na taxa média de tributação dos lucros empresariais. Só desde 1995, esta taxa caiu quase dez pontos percentuais, de 38,0% para 29,5%, nos antigos Estados‑Membros da UE (UE‑15). Também os países da Europa de Leste, cujo nível de tributação das empresas já em 1995 era baixo, continuaram a reduzir sistematicamente as suas taxas (Figura 1).
Figura 1. Fonte: Comissão da UE (2006)
Este processo está longe de terminar. A Alemanha está actualmente a preparar a próxima reforma da tributação de empresas, empurrando a sua taxa de impostos para um valor inferior a 30%. A Dinamarca planeia reduzir a sua taxa de 28 para 22%. Estas medidas irão certamente intensificar a pressão sobre outros países e, uma vez que a designação "localização com elevada tributação" é um termo relativo, não é improvável uma corrida até ao fundo da tabela.
Embora se argumente frequentemente que as reduções nas taxas de impostos têm sido compensadas por medidas que alargam a base tributária, o que acontece é que não só as taxas oficiais de imposto, mas também as taxas efectivas de imposto têm evoluído no sentido descendente desde meados da década de oitenta.
A Comissão Europeia calcula, desde 1995, as denominadas taxas implícitas de imposto (ITR – implicit tax rate) sobre o capital, o trabalho e o consumo para todos os países da UE. Em 2003, a taxa implícita de imposto sobre o capital rondava, em média, 29,9% na antiga UE, situando‑se claramente abaixo da taxa implícita de imposto sobre o trabalho que ascendia a 36%. No entanto, se efectuarmos uma comparação a nível europeu, verificamos diferenças substanciais na ITR sobre o capital. No topo da tabela encontram‑se países como a França e a Dinamarca com uma taxa implícita de imposto sobre o capital de 37 e 35%, respectivamente. Bastante abaixo da média encontra‑se a Alemanha, onde a tributação dos capitais se fica pelos 21%. Nos novos Estados‑Membros da Europa de Leste, o capital é tributado a uma taxa de apenas 14%. A figura 3 apresenta a evolução da ITR na UE‑15, na UE‑25, nos novos Estados‑Membros e na Alemanha.
Figura 3. Fonte: Comissão da UE (2006)
Esta taxa implícita de imposto sobre o capital apurado pela Comissão deve, no entanto, ser interpretada com prudência. Ela serve de orientação geral numa comparação entre países. Mas a sua evolução no tempo pode dar azo a conclusões erradas, uma vez que a ITR sobrevaloriza demasiado a tributação real dos capitais nos períodos de maior pujança das bolsas de valores e dos mercados financeiros.
Para além dos lucros empresariais, também os rendimentos de capitais auferidos por pessoas singulares beneficiam crescentemente de um desagravamento fiscal. A comprová‑lo está a tendência verificada a nível europeu no sentido da introdução de um sistema dual de tributação de rendimentos. Neste sistema, os rendimentos de juros e dividendos deixam de ser tributados de forma progressiva, passando‑lhes a ser aplicada uma taxa fixa (flat tax) muito menor do que as taxas mais elevadas de tributação dos rendimentos do trabalho. Dado que os rendimentos dos capitais se encontram muito mais concentrados do que os rendimentos do trabalho, a introdução de um semelhante sistema dual de tributação corresponde a um grande desagravamento fiscal em prol dos mais ricos.
Mas também no domínio da tributação dos rendimentos do trabalho assistimos a mudanças significativas no interior da União Europeia. Muito embora a taxa média de imposto sobre o trabalho se tenha mantido basicamente inalterada ao longo dos últimos dez anos, tem‑se verificado um desvio na contribuição das diferentes categorias de rendimento para estas receitas fiscais. Em muitos países, as taxas marginais máximas baixaram nos últimos anos, em média 4,7 pontos percentuais desde 1998 na UE‑15. Estas reduções de impostos comprovam a transferência da carga fiscal dos rendimentos elevados para os rendimentos mais baixos. Em vários países da Europa de Leste foi introduzida uma taxa fixa aplicável a todos os níveis de rendimentos.
A categoria de impostos que mais cresceu em toda a UE desde meados da década de noventa é a dos impostos indirectos, liderados pelo imposto sobre o valor acrescentado. Foram sobretudo os Estados‑Membros com uma taxa abaixo da média que aproveitaram o intervalo de 15 a 25% estabelecido na legislação para aproximarem a sua taxa do limite máximo (Figura 4).
Figura 4. Fonte: Comissão da UE (2006)
Para além do imposto sobre o valor acrescentado, a maioria dos países da UE introduziu ou aumentou as denominadas ecotaxas sobre electricidade, gás, gasolina e gasóleo de aquecimento. Na medida em que tais impostos encarecem o consumo energético da indústria, é possível atribuir‑lhes um efeito ecológico positivo. No entanto, o que se verifica é que precisamente as empresas industriais foram, em regra, beneficiadas com amplas derrogações, enquanto os agregados familiares têm de pagar as taxas na íntegra. Nestas circunstâncias, as chamadas taxas "verdes" não têm qualquer outro efeito senão sobrecarregar especialmente os trabalhadores menos bem pagos, uma vez que os agregados familiares mais pobres despendem uma percentagem mais elevada dos seus rendimentos com as contas de energia e aquecimento. De igual forma, uma tributação pesada da gasolina apenas tem um efeito ecológico positivo se estiverem disponíveis transportes públicos baratos e atractivos, pois caso contrário é apenas o consumo que é tributado com o habitual efeito regressivo.
Assim sendo, a posição da Comissão de que uma "substituição da tributação do trabalho por um agravamento dos impostos sobre o consumo e/ou a poluição poderia... revelar‑se útil... (para) ...aumentar os níveis de emprego"(COM(2005) 532) não se afigura convincente.
Por conseguinte, a concorrência fiscal na UE não resulta tanto num declínio no total de receitas fiscais, mas antes numa mudança estrutural no sistema de fiscalidade, e esta mudança envolve primariamente o impacto distributivo da fiscalidade. Todas as mudanças analisadas abrandam a pressão sobre os trabalhadores com elevados rendimentos, ao passo que aumentam a sobrecarga fiscal dos trabalhadores com rendimentos mais baixos que surgem no fim da escala. É esse o efeito da redução dos impostos sobre as sociedades, do corte nas taxas marginais máximas e da transição para um sistema dual de tributação dos rendimentos, assim como da reorientação generalizada dos impostos directos para os impostos indirectos. Em vez de atenuar os contrastes sociais, o sistema fiscal aumenta ainda mais o desfasamento entre ricos e pobres.
Assim sendo, não se justifica uma distinção entre concorrência fiscal "nociva" e "saudável". Uma redistribuição de rendimentos que parta da base para o topo é nociva em qualquer caso, subvertendo o equilíbrio social, diminuindo a procura efectiva e conduzindo ao não aproveitamento de capacidades, ao abrandamento do crescimento e a níveis elevados de desemprego.
A longo prazo, uma reestruturação regressiva do sistema de fiscalidade pode diminuir as receitas do Estado. Na realidade, o total das receitas fiscais tem registado um declínio desde o final da década de noventa (Figura 5). A manter‑se esta tendência, o financiamento de serviços públicos essenciais e do investimento público ficará em risco.
Figura 5. Fonte: Base de dados Ameco, Comissão da UE
A soberania nacional nas questões fiscais não é, contudo, apenas minada pelas forças de mercado. O Tratado UE, embora não abranja a fiscalidade directa, ainda restringe as políticas fiscais dos Estados‑Membros através das suas cláusulas. Aproveitando este facto, nos últimos anos, as empresas têm cada vez mais recorrido aos tribunais alegando que os Estados possuem legislações fiscais nacionais que violam o direito comunitário. Através dos seus acórdãos, o TJCE tem vindo a criar uma legislação fiscal negativa a nível europeu que considera ilegais as disposições nacionais em matéria fiscal e contribui, assim, para a erosão das receitas fiscais nacionais.
Um sistema de fiscalidade que contribua efectivamente para o crescimento, o emprego e o equilíbrio social requer uma coordenação entre os Estados‑Membros da UE e a inversão das tendências verificadas nas últimas duas décadas.
RESULTADO DA VOTAÇÃO FINAL EM COMISSÃO
Data de aprovação |
9.10.2007 |
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Resultado da votação final |
+: –: 0: |
25 8 7 |
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Deputados presentes no momento da votação final |
Mariela Velichkova Baeva, Zsolt László Becsey, Pervenche Berès, Sharon Bowles, Udo Bullmann, David Casa, Christian Ehler, Elisa Ferreira, José Manuel García-Margallo y Marfil, Jean-Paul Gauzès, Robert Goebbels, Donata Gottardi, Benoît Hamon, Gunnar Hökmark, Karsten Friedrich Hoppenstedt, Sophia in 't Veld, Othmar Karas, Piia-Noora Kauppi, Wolf Klinz, Christoph Konrad, Guntars Krasts, Astrid Lulling, Gay Mitchell, Cristobal Montoro Romero, John Purvis, Alexander Radwan, Bernhard Rapkay, Dariusz Rosati, Heide Rühle, Eoin Ryan, Antolín Sánchez Presedo, Olle Schmidt, Peter Skinner, Cristian Stănescu, Margarita Starkevičiūtė y Sahra Wagenknecht |
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Suplente(s) presente(s) no momento da votação final |
Katerina Batzeli, Harald Ettl, Ján Hudacký, Werner Langen, Maria Petre, Bilyana Ilieva Raeva y Andreas Schwab |
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Suplente(s) (nº 2 do art. 178º) presente(s) no momento da votação final |
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