RELATÓRIO sobre o pedido de defesa da imunidade e privilégios de Viktor Uspaskich
25.11.2011 - (2011/2162(IMM))
Comissão dos Assuntos Jurídicos
Relator: Bernhard Rapkay
PROPOSTA DE DECISÃO DO PARLAMENTO EUROPEU
sobre o pedido de defesa da imunidades e privilégios de Viktor Uspaskich
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta o pedido apresentado por Viktor Uspaskich de defesa da sua imunidade, de 5 de Abril de 2011, comunicado em sessão plenária a 9 de Maio de 2011, e o seu pedido de 11 de Abril de 2011, comunicado em sessão plenária a 4 de Julho de 2011, de revisão da decisão do Parlamento de 7 de Setembro de2010 no sentido do levantamento da sua imunidade[1],
– Tendo ouvido Viktor Uspaskich em 10 de Outubro de 2011, nos termos do n.º 3 do artigo 7.º do seu Regimento,
– Tendo em conta os artigos 7.º e 9.º do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia, de 8 de Abril de 1965, bem como o n.º 2 do artigo 6.º do Acto relativo à Eleição dos Deputados ao Parlamento Europeu por Sufrágio Universal Directo, de 20 de Setembro de 1976,
– Tendo em conta os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia de 12 de Maio de 1964, 10 de Julho de 1986, 15 e 21 de Outubro de 2008 e 19 de Março de 2010[2],
– Tendo em conta o artigo 62.º da Constituição da República da Lituânia,
– Tendo em conta a decisão do Parlamento de 7 de Setembro de 2010 de levantar a imunidade de Viktor Uspaskich[3],
– Tendo em conta o n.º 3 do artigo 6.º e o artigo 7.º do seu Regimento,
– Tendo em conta o relatório da Comissão dos Assuntos Jurídicos (A7-0413/2011),
A. Considerando que é conveniente tratar conjuntamente os pedidos feitos por Viktor Uspaskich a 5 e 11 de Abril de 2011, uma vez que se relacionam com o mesmo processo judicial;
B. Considerando que foram instaurados processos penais contra Viktor Uspaskich, Deputado ao Parlamento Europeu, que se encontra acusado por infracções penais no processo pendente no Tribunal Regional de Vilnius, nos termos do n.º 4 do artigo 24.º, em conjugação com o n.º 1 do artigo 222.º, o n.º 1 do artigo 220.º, o n.º 4 do artigo 24.º, em conjugação com o n.º 1 do artigo 220.º, o n.º 1 do artigo 205.º e o n.º 4 do artigo 24.º, em conjugação com o n.º 1 do artigo 205.º do Código Penal lituano;
C. Considerando que, nos termos do artigo 9.º do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia, enquanto durarem as sessões do Parlamento Europeu, os seus membros beneficiam, no seu território nacional, das imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento do seu país; que a imunidade não pode ser invocada em caso de flagrante delito e que tal não pode constituir obstáculo ao direito de o Parlamento Europeu levantar a imunidade de um dos seus membros;
D. Considerando que, nos termos do artigo 62.º da Constituição da República da Lituânia, um deputado ao Parlamento Nacional ("Seimas") não pode ser responsabilizado penalmente, não pode ser detido, nem pode, de qualquer outra forma, ver a sua liberdade restringida sem a anuência do Seimas,
E. Considerando que o artigo 62.º prevê igualmente que um Deputado ao "Seimas" não pode ser importunado pela maneira como vota ou pelos seus discursos em sede parlamentar, embora possa ser responsabilizado nos termos do processo geral aplicável ao insulto pessoal ou à calúnia,
F. Considerando que Viktor Uspaskich enfrenta acusações de crimes ligados, essencialmente, à falsificação de operações contabilísticas relativas ao financiamento de um partido político durante um período anterior à sua eleição para o Parlamento Europeu,
G. Considerando que a 7 de Setembro de 2010 o Parlamento levantou a imunidade de Viktor Uspaskich, considerando que não foi apresentada qualquer prova convincente da existência de fumus persecutionis e que os ilícitos de que Viktor Uspaskich é acusado nada têm a ver com suas actividades como deputado ao Parlamento Europeu.
H. Considerando que a 28 de Outubro de 2010 Viktor Uspaskich interpôs uma acção de anulação da decisão do Parlamento de 7 de Setembro de 2010 no Tribunal Geral, apenas para dela desistir em Julho de 2011,
I. Considerando que na sua carta de 5 de Abril de 2011 na qual solicita a defesa da sua imunidade Viktor Uspaskich argumenta que o processo-crime promovido pelas autoridades lituanas impede, ou torna difícil, a execução das suas funções parlamentares, ao restringir a sua liberdade de circulação contrariando o disposto no artigo 7.º do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades,
J. Considerando que o artigo 7.º do Protocolo tem a função de proteger os deputados contra restrições à sua liberdade de circulação de natureza não judicial, e consequentemente não contém uma imunidade mas sim um privilégio, e não oferece protecção contra restrições judiciais à liberdade de circulação dos deputados[4],
K. Considerando que é por conseguinte impossível ao Parlamento deferir o pedido de Viktor Uspaskich de 5 de Abril de 2011 no sentido da defesa da sua imunidade com base no artigo 7.º do Protocolo,
L. Considerando que na sua carta de 11 de Abril de 2011 Viktor Uspaskich solicita a revisão da decisão do Parlamento de 7 de Setembro de 2010 com fundamento em factos alegadamente novos suscitados pela WikiLeaks, que segundo mantém demonstram que foi vítima de fumus persecutionis,
M. Considerando que esta pretensão deve ser rejeitada com fundamento em que não se estabeleceu um nexo suficiente entre os alegados novos factos e o início do processo contra Viktor Uspaskich por contabilidade falsificada,
N. Considerando que a isto acresce – o que se aplica também ao argumento de Viktor Uspaskich de que o seu direito fundamental à defesa e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia terão sido violadas com a decisão de 7 de Setembro de 2010 – o pedido de revisão da decisão do Parlamento de 7 de Setembro de 2010 não constitui um pedido de defesa da sua imunidade e privilégios na acepção dos artigos 6.º e 7.º do Regimento,
1. Decide não defender a imunidade e privilégios de Viktor Uspaskich;
2. Encarrega o seu Presidente de transmitir de imediato a presente decisão, bem como o relatório da sua comissão competente, às autoridades competentes da República da Lituânia.
- [1] Textos Aprovados, P7_TA(2010)0296.
- [2] Processo 101/63 Wagner v. Fohrmann e Krier, Colectânea[1964 195; Processo 149/85 Wybot v. Fauree outros, Colectânea 1986 2391; Processo T- 345/05, Mote v. Parlamento, Colectânea 2008 II-2849; Processos apensos C-200/07 e C-201/07 Marra v. De Gregorio e Clemente Colectânea 2008-7929, Processo T-42/06. Gollnisch v. Parlamento.
- [3] Textos Aprovados, P7_TA(2010)0296.
- [4] Processo T- 345/05, Mote v. Parlamento [2008] ECR II-2849, par. 48-52.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
Os factos
Em 14 de Julho de 2009 o Procurador-Geral da República da Lituânia solicitou o levantamento da imunidade parlamentar de Viktor Uspaskich.
Na sessão de 7 de Outubro de 2009 o Presidente comunicou, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do Regimento, que recebera uma carta enviada pelas autoridades judiciais lituanas em 14 de Julho de 2009, solicitando o levantamento da imunidade parlamentar de Viktor Uspaskich.
O Presidente enviou o pedido à Comissão dos Assuntos Jurídicos nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do Regimento.
O Procurador-Geral da República da Lituânia recebeu instruções, por decisão do Tribunal Regional de Vilnius de 29 de Junho de 2009, para solicitar ao Parlamento Europeu o levantamento da imunidade do seu membro Viktor Uspaskich, contra quem teve início um processo-crime, Processo n.º 1-38/2009, a fim de que a acção penal contra ele pudesse avançar e que a caução que lhe fora aplicada pelo tribunal como medida preventiva pudesse ser executada.
Viktor Uspaskich é acusado num processo pendente perante o Tribunal Regional de Vilnius de crimes nos termos do n.º 4 do artigo 24.º conjugado com o n.º 1 do artigo 222.º, do n.º 1 do artigo 220.º, do n.º 4 do artigo 24.º conjugado com o n.º 1 do artigo 220.º, do n.º 1 do artigo 205.º e do n.º 4 do artigo 24.º conjugado com o n.º 1 do artigo 205.º do Código Penal lituano.
O caso contra Viktor Uspaskich consiste em que, em Vilnius, entre 13 de Julho de 2004 e 17 de Maio de 2006, enquanto presidente do Partido Trabalhista, agindo em concertação com outros com o objectivo de (a) tentar financiar um partido político – designadamente o Partido Trabalhista – ilegalmente e (b) evitar a supervisão adequada do financiamento do partido e das suas campanhas políticas, dirigiu um grupo organizado criado por eles para cometer um certo número de crimes. Para esse efeito, de 2004 a 2006, em Vilnius, instruiu pessoal no sentido de manterem contas ilícitas falsas em nome do Partido Trabalhista, com o resultado de que não é possível estabelecer plenamente a extensão do património e das dívidas do partido nem a estrutura do partido durante os anos 2004, 2005 e 2006.
Viktor Uspaskich – que era responsável, nos termos do artigo 21.º da Lei da Contabilidade da República da Lituânia, pela organização das contas do partido e que actuava em benefício e no interesse do Partido Trabalhista enquanto entidade jurídica – é acusado pelas autoridades lituanas de haver instruído uma pessoa para manter uma contabilidade “dupla” para o Partido Trabalhista na Primavera de 2004. Além disso, alega-se que as transacções e actividades comerciais que eram obrigatoriamente registadas nas contas, bem como a recepção e pagamento não-oficial de dinheiro e de património em conexão com as actividades do Partido Trabalhista, eram registadas em livros não oficiais. É também acusado de ter dado instruções específicas no sentido de certas operações comerciais e financeiras serem executadas sem que fossem registadas na contabilidade do Partido.
Em 9 de Dezembro de 2008 o Parlamento lituano (Seimas) decidiu levantar a imunidade de Viktor Uspaskich relativamente a este processo. Note-se ainda que Viktor Uspaskich não era membro do Parlamento Europeu no momento em que os delitos de que é acusado terão alegadamente sido cometidos.
Em 27 de Janeiro de 2010 Viktor Uspaskich foi ouvido em conformidade com o artigo 7.º do Regimento do Parlamento.
Em resultado dessa audição, o Presidente da Comissão do Assuntos Jurídicos escreveu ao Presidente do Parlamento a 2 de Fevereiro de 2010 solicitando-lhe que esclarecesse as seguintes questões junto das autoridades lituanas:
● Parece que a decisão do Tribunal Regional de Vilnius de 29 de Junho de 2009 que deu instruções ao Procurador-Geral da Lituânia para solicitar o levantamento da imunidade foi adoptada por um juiz único. Este facto é compatível como direito lituano?
● Em 29 de Abril de 2008 o Tribunal Regional de Vilnius ordenou a Viktor Uspaskich que pagasse uma caução no montante de 1.500.000 LTL (aproximadamente 436.000 euros) como medida preventiva. Viktor Uspaskich argumentou perante a comissão que a sanção que lhe poderia ser imposta caso perdesse o processo é uma multa de apenas 14.000 euros. Argumentou que a caução era desproporcionada e ilegal nos termos do direito lituano.
As autoridades lituanas responderam detalhadamente em 27 de Abril de 2010.
Em 2 de Setembro de 2009 a Comissão dos Assuntos Jurídicos ouviu Viktor Uspaskich pela segunda vez.
Em 7 de Setembro de 2010 o Parlamento Europeu decidiu levantar a imunidade de Viktor Uspaskich (P7_TA(2010)0296) com os seguintes fundamentos:
"A. Considerando que foram instaurados processos penais contra Viktor Uspaskich, deputado ao Parlamento Europeu, que se encontra acusado por infracções penais no processo pendente no Tribunal Regional de Vilnius, nos termos do n.º 4 do artigo 24.º, em conjugação com o n.º 1 do artigo 222.º, o n.º 1 do artigo 220.º, o n.º 4 do artigo 24.º, em conjugação com o n.º 1 do artigo 220.º, o n.º 1 do artigo 205.º e o n.º 4 do artigo 24.º, em conjugação com o n.º 1 do artigo 205.º, do Código Penal lituano,
B. Considerando que, nos termos do artigo 9.º do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia, enquanto durarem as sessões do Parlamento Europeu, os seus membros beneficiam, no seu território nacional, das imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento do seu país; que a imunidade não pode ser invocada em caso de flagrante delito e que tal não pode constituir obstáculo ao direito de o Parlamento Europeu levantar a imunidade de um dos seus membros,
C. Considerando que as acusações proferidas contra Viktor Uspaskich não se relacionam com opiniões ou votos expressos no exercício das suas funções de deputado ao Parlamento Europeu,
D. Considerando que, nos termos do artigo 62.º da Constituição da República da Lituânia, um deputado ao Parlamento Nacional ("Seimas") não pode ser responsabilizado penalmente, não pode ser detido, nem pode, de qualquer outra forma, ver a sua liberdade restringida sem a anuência do Seimas,
E. Considerando que o artigo 62.º prevê igualmente que um Deputado ao "Seimas" não pode ser importunado pela maneira como vota ou pelos seus discursos em sede parlamentar, embora possa ser responsabilizado nos termos do processo geral aplicável ao insulto pessoal ou à calúnia,
F. Considerando que Viktor Uspaskich enfrenta acusações de crimes ligados, essencialmente, à falsificação de operações contabilísticas relativas ao financiamento de um partido político durante um período anterior à sua eleição para o Parlamento Europeu,
G. Considerando que não foi apresentada qualquer prova convincente da existência de fumus persecutionis e que os ilícitos de que Viktor Uspaskich é acusado nada têm a ver com suas actividades como deputado ao Parlamento Europeu”.
Subsequentemente, na sessão plenária de 9 de Setembro de 2010, o Parlamento declarou que um pedido feito por Viktor Uspaskich para a defesa da sua imunidade era ineficaz, com o fundamento de que o pedido se relacionava com o mesmo processo penal para o qual a imunidade fora levantada. Viktor Uspaskich foi informado por carta de 20 de Setembro de 2010.
Em 28 de Outubro de 2010 Viktor Uspaskich interpôs no Tribunal Geral uma acção de anulação da decisão do Parlamento de 7 de Setembro de 2010, comportando um pedido de indemnização de 10.000 euros por danos não patrimoniais, que foi inscrito no rol como processo T-507/2010[1]. No decurso do processo, a 17 de Dezembro de 2010, o Presidente do Tribunal Geral rejeitou um pedido de medidas provisórias (ou seja, de suspensão da aplicação da decisão do Parlamento de 7 de Setembro de 2010)[2]. Viktor Uspaskich recorreu do despacho do Presidente (Processo C-66/11 P (R)).
Na sessão de 9 de Maio de 2011 o Presidente do Parlamento comunicou, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Regimento, que recebera um pedido de Viktor Uspaskich a 5 de Abril de 2011 solicitando que a sua imunidade e privilégios fossem defendidos relativamente ao artigo 7.º do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades (doravante “o pedido de 5 de Abril de 2011”).
O Presidente enviou o pedido à Comissão dos Assuntos Jurídicos nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Regimento por carta de 27 de Maio de 2011.
Subsequentemente, a 1 de Junho de 2011, o Presidente do Parlamento transmitiu à Comissão dos Assuntos Jurídicos uma segunda carta de Viktor Uspaskich de 11 de Abril relativa à revisão da Decisão do Parlamento de 7 de Setembro de 2010 n.º PT7_TA 2010/0296 que levantara a sua imunidade. O Presidente solicitou à Comissão que tivesse “este documento em consideração logo que lhe for possível e que me informe posteriormente acerca dos resultados dos debates na Comissão dos Assuntos Jurídicos”.
Na reunião dos coordenadores de 20 de Junho de 2011 o deputado Rapkay comunicou que recebera uma mensagem de Viktor Uspaskich informando-o de que este decidira desistir da sua acção contra o Parlamento Europeu no Tribunal Geral pela seguinte razão:
“Solicitei ao Parlamento Europeu, isto é, aos coordenadores JURI, que reconsiderasse a decisão de levantamento da imunidade no meu caso. Em 9 de Abril de 2011 a Wikileaks revelou uma nota secreta da Embaixada dos EUA em Vilnius, em que se declara que o Secretário de Estado do Governo da Lituânia informou os diplomatas americanos de que o Governo da Lituânia havia “manobrado” a minha expulsão da Lituânia com o fundamento na minha origem étnica (russo étnico significa espião russo).
A partir de hoje, já não há qualquer processo meu contra o Parlamento, e nada impede o Parlamento de considerar a questão mais uma vez. Envio 2 documentos em anexo: a minha carta que desiste do pedido dirigida ao Presidente do Tribunal Geral da UE, e a confirmação dos correios de que a carta foi enviada”.
Consequentemente, os coordenadores da comissão decidiram solicitar ao Presidente do Parlamento que este assunto fosse comunicado ao Parlamento e a questão enviada à comissão nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Regimento. O Presidente do Parlamento fez a comunicação em 4 de Julho de 2011 (doravante “o pedido de 11 de Abril de 2011”).
No mesmo dia o Serviço Jurídico foi notificado pelo Tribunal de que o pedido de Viktor Uspaskich havia sido retirado (desta vez correctamente, em lituano, (a língua do processo) e pelo seu advogado). O processo foi removido do registo por ordem do Tribunal Geral de 3 de Agosto de 2011. O recurso contra a decisão que rejeitava o pedido de Viktor Uspaskich de medidas provisórias deixou consequentemente de ter propósito.
Viktor Uspaskich foi ouvido nos termos do n.º 3 do artigo 7.º do Regimento a 10 de Outubro de 2011.
Os pedidos de defesa da imunidade
a) O pedido de 5 Abril de 2011
No seu pedido de 5 de Abril de 2011 Viktor Uspaskich solicita que a sua imunidade seja defendida nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Regimento do Parlamento.
Acusa a República da Lituânia de conduzir um ataque coordenado contra ele e contra o Partido Trabalhista da Lituânia. Acusa a República da Lituânia de conduzir um ataque coordenado contra ele e contra o Partido Trabalhista da Lituânia que resultou na "violação de um aspecto da [sua] imunidade enquanto deputado ao Parlamento Europeu, o privilégio da liberdade de circulação, que é garantida pelo artigo 7.º do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades”.
Mais especificamente, defende que o calendário das audiências adoptado pelo Tribunal Regional de Vilnius o impede de assistir a reuniões do Parlamento Europeu “por exemplo à segunda-feira de manhã” (na realidade resulta claro de documentos posteriormente apresentados por Viktor Uspaskich que este argumenta que as audiências estão marcadas para cada quinta-feira, o que o faz perder a quarta, a quinta e a sexta como dias de trabalho no Parlamento Europeu. Preferiria que as audiências fossem marcadas para segunda-feira de manhã cada semana).
Viktor Uspaskich, citando o despacho do Presidente do Tribunal Geral de 16 de Março de 2007 no Processo T-345/05 R V. v Parlamento[3], declara que o tribunal lituano está a infringir o artigo 7º do Protocolo ao estabelecer o seu calendário de audiências.
Viktor Uspaskich mantém ainda que não teve oportunidade de apresentar o seu ponto de vista efectivamente antes de o Parlamento adoptar a decisão de levantamento da sua imunidade. Do seu ponto de vista, tal constitui uma violação do artigo 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia[4] e uma violação do seu direito fundamental à defesa. Queixa-se que a Comissão dos Assuntos Jurídico não lhe deu oportunidade para ver ou tecer observações sobre o projecto de decisão antes de esta ser aprovada, e que foram enviadas perguntas ao Procurador-Geral da Lituânia sem o seu conhecimento.
Mais detalhadamente, Viktor Uspaskich queixa-se que o Parlamento levantou a sua imunidade no quadro da impressão errónea de que, nos termos do direito lituano, a imunidade teria que ser levantada devido a os alegados crimes terem sido cometidos antes de ser eleito para o Parlamento Europeu e não se encontrarem relacionados com as suas actividades como deputado europeu. Queixa-se ainda de que o Parlamento ignorou as suas alegações de perseguição política e não aplicou neste caso o fumus persecutionis.
b) O pedido de 11 Abril de 2011
Na sua segunda carta de 11 de Abril de 2011 Viktor Uspaskich declara que a 9 de Abril a WikiLeaks tornou pública uma nota diplomática da Embaixada dos Estados Unidos em Vilnius de Outubro de 2006 dirigida ao "State Department" dos EUA, na qual se menciona aparentemente que o Secretário de Estado do Ministério dos Negócios Estrangeiros lituano confirmou que a perseguição contra o Partido Trabalhista lituano era organizada pelo Governo lituano, devido à suspeita de que Viktor Uspaskich tinha relações com o Serviço de Informações Estrangeiras russo. Viktor Uspaskich argumenta que esta nota prova que ele é vítima de perseguição política e que, ao levantar a sua imunidade, o Parlamento Europeu cometeu um erro ao não aplicar o fumus persecutionis.
Com estes fundamentos Viktor Uspaskich solicita a revisão da decisão do Parlamento de 7 de Setembro de 2010 com base no n.º 2 do artigo 6.º ou, em alternativa, com base no n.º 3 do artigo 6.º[5].
Análise jurídica
a) O pedido de 5 Abril de 2011
No que respeita ao pedido feito pela carta de 5 de Abril de 2011 de defesa da sua imunidade com o fundamento de que o processo-crime promovido pelas autoridades lituanas o impede de executar as suas funções parlamentares, ou torna essa execução difícil, e restringe a sua liberdade de circulação, garantida pelo artigo 7.º do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia[6], há que remeter para o acórdão de 15 de Outubro de 2008 no Processo T345/05 Mote v. Parlamento[7].
O n.ºs 48 e seguintes desse acórdão merecem uma citação in extenso;
“O artigo 8.º, 1.º parágrafo, do protocolo [actualmente artigo 7.º] tem por efeito proibir os Estados-Membros de criarem, nomeadamente através das suas práticas em matéria de tributação, restrições administrativas à liberdade de deslocação dos membros do Parlamento (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 1981, Bruce of Donington, 208/80, Colectânea página 2205 n.º 14). Como essa disposição esclarece, o privilégio destina-se a garantir o exercício, pelos membros do Parlamento, da sua liberdade de se dirigir para e regressar do local de reunião do Parlamento.
49 Importa sublinhar, porém, que embora não sejam enumeradas taxativamente pelo artigo 8.º, 1.º parágrafo, do protocolo, que se refere às restrições administrativas ou de qualquer outra natureza, essas restrições não incluem as resultantes de processos judiciais, uma vez que estas estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 10.º [actualmente artigo 9.º], que define o regime jurídico das imunidades fora do âmbito específico dos votos ou opiniões emitidos pelos parlamentares no exercício das suas funções, previstos no artigo 9.º [actualmente artigo 8.º]. Com efeito, os processos judiciais são expressamente mencionados pelo artigo 10.º, 1.º parágrafo, alínea b) do protocolo entre as medidas de que um membro do Parlamento está isento no território de qualquer outro Estado-Membro diferente do seu, durante as sessões do Parlamento. Da mesma forma, segundo o artigo 10.º, 1.º parágrafo, alínea a), do Protocolo, o membro do Parlamento beneficia, durante o mesmo período, no seu território nacional, das imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento do seu país, algumas das quais protegem os deputados aos Parlamentos nacionais dos processos judiciais de que possam ser alvo. Por último o artigo 10.º, 2.º parágrafo, prevê que os membros do Parlamento beneficiam igualmente de imunidade, quando se dirigem para ou regressam do local de reunião do Parlamento. A existência dessa disposição, que, como o artigo 8.º, 1.º parágrafo, do protocolo, protege os membros do Parlamento contra as violações da sua liberdade de deslocação, confirma que as restrições mencionadas por esta última disposição não abrangem todas as violações possíveis da liberdade de deslocação dos Membros do Parlamento e que, como revelam as disposições do artigo 10.º antes examinadas, se deve considerar que os processos judiciais estão abrangidos pelo regime jurídico instituído por este último artigo.
50 O artigo 10.º do protocolo visa, assim, assegurar a independência dos deputados, impedindo que pressões, consubstanciadas em ameaças de detenção ou de processos judiciais, sejam exercidas sobre eles durante as sessões do Parlamento (despacho do Presidente do Tribunal de 1.ª instância de 2 de Maio de 2000, Rothley e Outros v Parlamento, T17/00 R Colectânea pág. II-2085, n.º 90).
51 O artigo 8.º do protocolo tem por função proteger os Membros do Parlamento contra as restrições, diferentes das judiciais, da sua liberdade de deslocação.
52 Uma vez que não foi alegado que os riscos de prejuízo para o exercício por A N Mote das suas funções de parlamentar consistiam em restrições de natureza diversa das resultantes do exercício da acção penal pelas autoridades judiciárias do seu Estado de origem, há que concluir que o Parlamento não cometeu nenhum erro de direito quando decidiu levantar a imunidade de A N Mote sem se pronunciar sobre o privilégio que lhe tinha sido concedido enquanto membro do Parlamento, nem decidir que o artigo 8.º tinha sido violado no caso vertente”[8].
Note-se que o despacho do Presidente do Tribunal Geral de 16 de Março de 2007 no Processo T-345/05 R V. v Parlamento[9], citado por Viktor Uspaskich, foi proferido no mesmo processo. Nos parágrafos citados, o Tribunal Geral fez meramente a constatação de facto que o julgamento do deputado Mote como previsto não interferiria com a sessão do Parlamento.
Em Mote v. Parlamento, o Tribunal Geral pronunciou-se com clareza no sentido de que o artigo 7.º do Protocolo não contém uma imunidade mas sim um privilégio e não oferece protecção contra restrições judiciais à liberdade de deslocação dos Membros.
Por consequência, é impossível ao Parlamento deferir o pedido de Viktor Uspaskich de 5 de Abril de 2011 de que a sua imunidade seja defendida com base no artigo 7.º do Protocolo.
Em qualquer caso, a causa próxima da alegada incapacidade de Viktor Uspaskich assistir às sessões do Parlamento às quartas, quintas e sextas não é o facto do Parlamento ter levantado a sua imunidade, mas a decisão do Tribunal lituano. A sede correcta para atacar essa decisão será nos tribunais na Lituânia ou no Luxemburgo. Não obstante, o relator propõe que se solicite ao Presidente do Parlamento que escreva às autoridades lituanas requerendo-lhes que garantam que o julgamento de Viktor Uspaskich seja organizado, na medida do possível, de maneira a não interferir com o seu trabalho enquanto deputado ao Parlamento Europeu.
Viktor Uspaskich argumenta ainda que, ao adoptar a Decisão n.º P7-TA(2010)0296, a Comissão dos Assuntos Jurídicos violou o seu “direito à defesa – o direito de apresentar o seu ponto de vista antes de ser tomada uma decisão a seu respeito que lhe pode causar prejuízo”. Queixa-se que a Comissão dos Assuntos Jurídicos não lhe deu oportunidade para ver ou tecer observações sobre o projecto de decisão antes de esta ser aprovada, e que foram enviadas perguntas ao Procurador-Geral da Lituânia sem o seu conhecimento. Consequentemente, não pôde fazer observações sobre as mesmas. A recusa de lhe permitir ver o projecto de decisão não só violou o seu direito fundamental à defesa e o n.º 1 e as alíneas a) e b)[10] do n.º 2 do artigo 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, mas deu também origem a que o PE não respeitasse a substância da Constituição lituana:
Todos estes argumentos têm a ver com a legalidade da decisão do Parlamento de levantar a imunidade de Viktor Uspaskich e, em última análise, com a legalidade do Regimento do Parlamento, o qual não prevê que ele possa inspeccionar e comentar o projecto de relatório da comissão competente. A sede correcta para levantar estas questões é o Tribunal de Justiça, e não a Comissão dos Assuntos Jurídicos, que não tem competência nos termos do Regimento para rever as suas próprias decisões.
O relator observa que a audição de Viktor Uspaskich a 10 de Outubro de 2011 não revelou quaisquer factos novos a este propósito.
b) O pedido de 11 Abril de 2011
Com este pedido Viktor Uspaskich solicita a revisão da decisão do Parlamento de 7 de Setembro de 2010 com base no n.º 2 do artigo 6.º do Regimento ou, em alternativa, com base no n.º 3 do artigo 6.º[11] com fundamento em alegados novos factos suscitados pela WikiLeaks, que segundo mantém demonstram que foi vítima de fumus persecutionis.
O seu fundamento para a revisão é que em 9 de Abril de 2011 a WikiLeaks tornou pública uma nota diplomática da Embaixada dos Estados Unidos em Vilnius de Outubro de 2006 dirigida ao "State Department" dos EUA na qual se declara que o Secretário Albinas Januska do Ministério dos Negócios Estrangeiros lituano “argumentou que o Governo da Lituânia (e por extensão ele próprio), haviam manobrado a partida do líder do Partido Trabalhista Viktor Uspaskich da Lituânia devido às sua ligações com o SVR (Serviços de Informações Estrangeiras) russo.”
Em primeiro lugar, não há qualquer conexão entre a declaração alegadamente feita por um ex-funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros lituano após a sua demissão em 2006 e o processo judicial que teve início em 2009, susceptível de justificar a pretensão de que existe um fumus persecutionis. Ainda que houvesse provas de que o Governo da Lituânia e Albinas Januska manobraram a partida de Viktor Uspaskich da Lituânia devido às suas ligações com o SVR russo, que não há, não existiria nexo entre esse facto e o início de um processo contra Viktor Uspaskich por contabilidade falsificada.
Em segundo lugar, independentemente do facto de o Regimento não prever que a comissão competente reveja as decisões tomadas pelo Parlamento – afinal é para isso que existe o Tribunal de Justiça – uma vez que o Parlamento tenha levantado a imunidade de um Membro em determinado caso, esse Membro já não tem qualquer imunidade para levantar no mesmo caso. Não obstante este facto, no caso vertente, uma vez que a Comissão dos Assuntos Jurídicos havia sido informada da decisão de Viktor Uspaskich de desistir perante o Tribunal de Justiça, efectuou uma avaliação jurídica e factual aprofundada das alegações do deputado, e realizou uma audição ao mesmo a fim de verificar se justificavam a defesa da sua imunidade.
Note-se ainda que as autoridades lituanas solicitaram o levantamento da imunidade de Viktor Uspaskich em Julho de 2009 e que o tratamento deste pedido levou mais de dois anos. Viktor Uspaskich teve oportunidade de contestar a decisão do Parlamento perante o Tribunal de Justiça. Desistiu do pedido. . Tem agora a oportunidade de se pronunciar sobre o fundo da causa perante os tribunais lituanos, estando-lhe abertas todas as vias de recurso – incluindo pedidos de decisão prejudicial para o Luxemburgo e recursos para Estrasburgo.
O relator observa que a audição de Viktor Uspaskich a 10 de Outubro de 2011 não revelou quaisquer factos novos a este propósito.
Conclusão
Com base nas considerações precedentes e nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do Regimento e tendo em conta o facto de nada de novo ter surgido na audição do deputado em 10 de Outubro de 2011, a Comissão dos Assuntos Jurídicos, depois de ponderar as razões que militam a favor e contra a defesa da imunidade do deputado, recomenda que o Parlamento Europeu não defenda a imunidade parlamentar de Viktor Uspaskich.
- [1] JO C 13, 15. 01.2011, p.28, corrigendum no JO C 72, 05.03.2011, p.38.
- [2] JO C 55 de 19.02.2011, p. 24.
- [3] Colectânea 2007 II-25 n.ºs 87 e 88.
- [4] 1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições e órgãos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.
2. Este direito compreende, nomeadamente:
a) O direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente;
b) O direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial;
c) a obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões. - [5] 2. Qualquer pedido dirigido ao Presidente pelas autoridades competentes de um Estado-Membro e cujo objecto seja o levantamento da imunidade de um deputado será comunicado ao Parlamento reunido em sessão plenária e enviado à comissão competente.
- [6] O artigo 7º prevê que:"As deslocações dos membros do Parlamento Europeu que se dirijam para o local de reunião do Parlamento ou dele regressem não ficam sujeitas a restrições administrativas ou de qualquer outra natureza.
Em matéria aduaneira e de controlo de divisas, são concedidas aos membros do Parlamento Europeu:
a) Pelo seu próprio Governo, as mesmas facilidades que são concedidas aos altos funcionários que se deslocam ao estrangeiro em missão oficial temporária; b) Pelos Governos dos outros Estados-Membros, as mesmas facilidades que são concedidas aos representantes de Governos estrangeiros em missão oficial temporária. - [7] Colectânea 2008 II-2849.
- [8] Sublinhado nosso.
- [9] Colectânea 2007 II-25 n.ºs 87 e 88.
- [10] 1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.
2. Este direito compreende, nomeadamente:
a) O direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente;
b) O direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial;
a obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões. ... - [11] 2. Qualquer pedido dirigido ao Presidente pelas autoridades competentes de um Estado-Membro e cujo objecto seja o levantamento da imunidade de um deputado será comunicado ao Parlamento reunido em sessão plenária e enviado à comissão competente.
RESULTADO DA VOTAÇÃO FINAL EM COMISSÃO
Data de aprovação |
21.11.2011 |
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Resultado da votação final |
+: –: 0: |
9 5 0 |
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Deputados presentes no momento da votação final |
Raffaele Baldassarre, Luigi Berlinguer, Françoise Castex, Klaus-Heiner Lehne, Alajos Mészáros, Bernhard Rapkay, Alexandra Thein, Diana Wallis, Cecilia Wikström, Zbigniew Ziobro |
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Suplente(s) presente(s) no momento da votação final |
Kurt Lechner, Eva Lichtenberger, Dagmar Roth-Behrendt |
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Suplente(s) (nº 2 do art. 187º) presente(s) no momento da votação final |
Jaroslav Paška |
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