RELATÓRIO sobre a elisão e a evasão fiscais como desafios à governação, à proteção social e ao progresso nos países em desenvolvimento
9.6.2015 - (2015/2058(INI))
Comissão do Desenvolvimento
Relatora: Elly Schlein
Relator de parecer (*):
Hugues Bayet, Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários
(*) Comissão associada – Artigo 54.° do Regimento
PROPOSTA DE RESOLUÇÃO DO PARLAMENTO EUROPEU
sobre a elisão e a evasão fiscais como desafios à governação, à proteção social e ao progresso nos países em desenvolvimento
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta a Declaração de Monterrey (2002), a Conferência sobre o Financiamento do Desenvolvimento, realizada em Doa (2008), a Declaração de Paris (2005) e o Programa de Ação de Acra (2008),
– Tendo em conta as resoluções 68/204 e 68/279 da Assembleia-Geral das Nações Unidas sobre a Terceira Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento, que decorrerá em Adis Abeba, na Etiópia, de 13 a 16 de julho de 2015,
– Tendo em conta o trabalho do Comité de Peritos das Nações Unidas sobre Cooperação Internacional em Matéria Fiscal[1],
– Tendo em conta o Modelo de Convenção sobre Dupla Tributação das Nações Unidas entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento[2],
– Tendo em conta a Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo[3],
– Tendo em conta a comunicação da Comissão de 21 de abril de 2010 intitulada «Fiscalidade e desenvolvimento – Cooperação com os países em desenvolvimento a fim de promover a boa governação em questões fiscais» (COM(2010)0163),
– Tendo em conta a comunicação da Comissão de 5 de fevereiro de 2015 intitulada «Uma parceria global para a erradicação da pobreza e o desenvolvimento sustentável pós-2015» (COM(2015)0044),
– Tendo em conta a comunicação da Comissão de 18 de março de 2015 sobre a transparência fiscal para combater a evasão e elisão fiscais (COM(2015)0136),
– Tendo em conta a sua resolução de 21 de maio de 2013 sobre a luta contra a fraude fiscal, a evasão fiscal e os paraísos fiscais[4],
– Tendo em conta a sua resolução de 8 de março de 2011 sobre fiscalidade e desenvolvimento – cooperação com os países em desenvolvimento a fim de promover a boa governação em questões fiscais[5],
– Tendo em conta a sua resolução de 10 de fevereiro de 2010 sobre a promoção da boa governação em questões fiscais[6],
– Tendo em conta a sua resolução de 8 de outubro de 2013 sobre a corrupção nos setores público e privado: o impacto nos direitos humanos em países terceiros[7],
– Tendo em conta a sua resolução de 26 de fevereiro de 2014 sobre a promoção do desenvolvimento através de práticas empresariais responsáveis, incluindo o papel das indústrias extrativas nos países em desenvolvimento[8].
– Tendo em conta a sua resolução de 25 de novembro de 2014 sobre a UE e o quadro de desenvolvimento global após 2015[9],
– Tendo em conta a sua resolução de 13 de março de 2014 sobre o Relatório da UE de 2013 sobre a Coerência das Políticas para o Desenvolvimento[10],
– Tendo em conta o artigo 208.º do TFUE, que estabelece a erradicação da pobreza como o objetivo principal da política da UE em matéria de cooperação para o desenvolvimento e o princípio da coerência entre políticas numa perspetiva de desenvolvimento,
– Tendo em conta o artigo 52.º do seu Regimento,
– Tendo em conta o relatório da Comissão do Desenvolvimento e o parecer da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários (A8-0184/2015),
A. Considerando que os fluxos financeiros ilícitos (FFI) – isto é, todos os fluxos financeiros privados não registados que envolvam capital obtido, transferido ou utilizado de forma ilegal – resultam normalmente de atividades de elisão e evasão fiscais, como os preços de transferência abusivos, o que é contrário ao princípio da tributação dos lucros no local em que são realizados, e que a evasão e a elisão fiscais foram identificadas em todos os grandes textos e conferências internacionais sobre o financiamento do desenvolvimento como os principais obstáculos à mobilização de receitas internas para o desenvolvimento;
B. Considerando que, de acordo com o relatório de 2014 sobre a Integridade Financeira Global, o investimento direto estrangeiro (IDE) e a ajuda pública ao desenvolvimento (APD) combinados entre 2003 e 2012 representam ligeiramente menos do que os fluxos ilícitos; considerando que os FFI equivalem a um montante aproximadamente dez vezes superior ao da ajuda recebida pelos países em desenvolvimento que devia destinar-se à erradicação da pobreza, ao bem-estar social e ao desenvolvimento sustentável, representando uma fuga anual de capital ilícito dos países em desenvolvimento na ordem de um bilião de dólares americanos;
C. Considerando que a geração de receitas públicas a partir das indústrias extrativas é essencial para as estratégias de desenvolvimento de muitos países em desenvolvimento, em especial dos países menos desenvolvidos, mas que o potencial oferecido pelas indústrias extrativas para aumentar as receitas fiscais não é, regra geral, bem explorado devido à inadequação das regras fiscais ou a dificuldades na sua aplicação, uma vez que os acordos entre os governos dos países em desenvolvimento e as empresas de extração são geralmente "ad hoc" e negociados sem transparência e orientações claras;
D. Considerando que a existência de grandes setores informais nas economias dos países em desenvolvimento torna quase impossível aplicar uma tributação de base alargada e que, nos países onde uma grande percentagem da população vive em situação de pobreza, uma parte considerável do PIB não é tributável;
E. Considerando que um regime fiscal justo, equilibrado, eficiente e transparente permite aos governos acederem a financiamento essencial para manter o direito de acesso dos cidadãos a serviços públicos básicos, tais como cuidados de saúde e educação para todos, e que uma política fiscal redistributiva eficaz contribui para atenuar os efeitos das crescentes desigualdades nas pessoas mais necessitadas;
F. Considerando que, segundo a CNUCED, cerca de 30% das ações de investimento das empresas transfronteiras foram encaminhadas através de países interpostos antes de chegarem ao seu destino como ativos produtivos;
G. Considerando que as receitas do imposto sobre as sociedades constituem uma parte significativa do rendimento nacional dos países em desenvolvimento, o que faz com que sejam particularmente atingidos pela evasão fiscal das empresas, e que, nos últimos anos, estes países têm continuamente baixado as taxas do imposto sobre as sociedades;
H. Considerando que os paraísos fiscais e as jurisdições com sigilo que permitem manter informações bancárias ou financeiras em privado, em combinação com regimes de «taxa zero» para atrair capitais e receitas que noutros países deveriam ser tributados, criam uma concorrência fiscal prejudicial, põem em causa a justiça do sistema fiscal e distorcem o comércio e o investimento, afetando, em especial, os países em desenvolvimento e causando uma perda de receitas fiscais anuais avaliada em cerca de 189 mil milhões de dólares;
I. Considerando que a fiscalidade pode ser uma fonte fiável e sustentável de receita nos países em desenvolvimento e apresenta a vantagem da estabilidade em comparação com os mecanismos tradicionais de financiamento do desenvolvimento, como os empréstimos em condições preferenciais, apenas se houver um regime fiscal justo, equilibrado, eficiente e transparente e uma administração fiscal eficaz e eficiente para fomentar o cumprimento das obrigações fiscais e uma utilização responsável das receitas públicas;
J. Considerando que os potenciais benefícios de políticas fiscais e orçamentais eficazes e transparentes não se resumem a um acréscimo dos recursos disponíveis para promover o desenvolvimento, tendo igualmente um efeito positivo direto na boa governação e na consolidação do Estado, ao reforçarem as instituições democráticas, o Estado de Direito e o contrato social entre o governo e os cidadãos, a fim de criar um elo recíproco entre os impostos, os serviços públicos e sociais e os esforços para promover a estabilidade dos orçamentos das administrações, fomentando assim a independência a longo prazo relativamente à ajuda externa e permitindo que os países em desenvolvimento reajam e sejam responsabilizados relativamente aos objetivos nacionais e se apropriem das suas escolhas políticas;
K. Considerando que a necessidade de um aumento das receitas internas se tornou mais premente em resposta à crise económica e financeira;
L. Considerando que o montante dos recursos obtidos pelos países em desenvolvimento através da mobilização das receitas internas tem vindo a aumentar de forma constante e que se realizaram progressos importantes neste domínio com a ajuda dos doadores internacionais;
M. Considerando que os países em desenvolvimento enfrentam condicionalismos políticos, administrativos e técnicos de grande envergadura para aumentar as receitas fiscais, nomeadamente devido à insuficiência de recursos humanos e financeiros para cobrar impostos, à falta de capacidade administrativa para gerir o complexo processo de tributação das empresas multinacionais, à falta de capacidades e infraestruturas para a cobrança de impostos, à fuga do pessoal qualificado das administrações fiscais, à corrupção, à falta de legitimidade do sistema político, à falta de participação na cooperação internacional em matéria fiscal, à distribuição injusta do rendimento e à má governação no domínio fiscal;
N. Considerando que, embora o atual contexto global de liberalização do comércio e a eliminação gradual dos obstáculos ao comércio ao longo das últimas décadas tenham aumentado o montante de bens comercializados a nível transfronteiriço, também criaram dificuldades para os países em desenvolvimento que dependem fortemente dos impostos sobre o comércio, em especial os países menos desenvolvidos, para compensar a descida dos impostos sobre o comércio e para passar a outros tipos de recursos nacionais, em particular a uma combinação fiscal bem equilibrada;
O. Considerando que nos últimos anos se tem verificado um aumento do número de convenções fiscais entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento que têm sido utilizadas para reduzir a tributação nas transferências financeiras transfronteiriças, reduzindo as capacidades de mobilização de recursos nacionais dos países em desenvolvimento e criando eventuais vias através das quais as empresas multinacionais podem evitar a tributação; considerando que uma recente avaliação de impacto realizada pelas autoridades neerlandesas concluiu que o sistema fiscal neerlandês facilitou a evasão da retenção na fonte, conduzindo à perda de juros e dividendos de receitas fiscais da retenção na fonte em torno de 150-550 milhões de euros por ano nos países em desenvolvimento[11];
P. Considerando que, de um ponto de vista comparativo, os países em desenvolvimento geram muito menos receitas do que as economias avançadas (com um rácio impostos/PIB de 10 a 20%, em comparação com 30 a 40% nas economias da OCDE) e são caracterizados por reduzidas bases tributáveis; considerando que existe um potencial importante para alargar as bases tributáveis e aumentar o montante das receitas fiscais com vista a providenciar os meios necessários para cumprir as responsabilidades públicas essenciais;
Q. Considerando que os países em desenvolvimento têm procurado atrair o investimento essencialmente oferecendo diferentes incentivos e isenções fiscais que não são transparentes e não se baseiam numa análise de custo-benefício adequada, não conseguindo frequentemente atrair investimentos reais e sustentáveis, colocando as economias em desenvolvimento em concorrência entre si para oferecer o tratamento fiscal mais favorável e conduzindo a resultados insatisfatórios em termos de sistemas fiscais eficazes e eficientes e a uma concorrência fiscal nociva;
R. Considerando que os Estados-Membros já se comprometeram a atribuir 0,7% do seu RNB à APD, que o montante do auxílio em apoio da mobilização de recursos nacionais é ainda reduzido – representando menos de 1% do total da APD em 2011 – e que apenas cerca de 0,1% (118,4 milhões de dólares) da APD tenha sido consagrado ao reforço das capacidades em matéria fiscal em 2012;
S. Considerando que muitos países em desenvolvimento não conseguem sequer atingir um nível de tributação suficiente para financiar o seu próprio funcionamento, os seus serviços públicos e os seus esforços de combate à pobreza;
T. Considerando que o Banco Europeu de Investimento (BEI), o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD) e as instituições financeiras de desenvolvimento dos Estados-Membros apoiam empresas privadas nos países em desenvolvimento, quer diretamente através da concessão de empréstimos, quer indiretamente através do apoio a intermediários financeiros, como os bancos comerciais e os fundos de investimento de capitais privados, os quais, em seguida, emprestam a empresas ou nelas investem;
U. Considerando que os países em desenvolvimento deveriam estar mais bem representados nas estruturas e nos procedimentos da cooperação fiscal internacional, a fim de participarem em pé de igualdade na elaboração e na reforma das políticas fiscais globais;
V. Considerando que o Comité de Peritos das Nações Unidas sobre Cooperação Internacional em Matéria Fiscal é um órgão subsidiário do Conselho Económico e Social, que presta especial atenção aos países em desenvolvimento e aos países com economias em transição;
W. Considerando que a cobrança de níveis suficientes de recursos públicos pode desempenhar um papel decisivo na promoção de sociedades mais equitativas que rejeitem a discriminação entre homens e mulheres e que prestem um apoio específico às crianças e a outros grupos vulneráveis;
1. Solicita à Comissão que proponha rapidamente um plano de ação ambicioso, sob a forma de uma comunicação, para apoiar a luta dos países em desenvolvimento contra a elisão e a evasão fiscais e para os ajudar a criar sistemas fiscais justos, equilibrados, eficientes e transparentes, tendo em devida consideração o trabalho realizado pelo Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da OCDE antes da Conferência sobre Financiamento do Desenvolvimento, que decorrerá em Adis Abeba, na Etiópia, de 13 a 16 de julho de 2015, e o impacto das convenções fiscais internacionais nos países em desenvolvimento;
2. Reitera que a mobilização eficaz de recursos internos e o reforço dos sistemas fiscais serão um fator indispensável para a consecução do quadro pós-2015 que irá suceder aos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), que representa uma estratégia viável para eliminar a dependência da ajuda externa a longo prazo, e que sistemas fiscais eficazes e justos são essenciais para a erradicação da pobreza, a luta contra as desigualdades, a boa governação e a consolidação do Estado; recorda que algumas atividades económicas transnacionais afetaram a capacidade dos países para gerarem receitas públicas nacionais e escolherem a sua estrutura fiscal, ao passo que o aumento da mobilidade de capitais, combinado com uma utilização intensiva dos paraísos fiscais, alterou em larga medida as condições de tributação; manifesta igualmente a sua preocupação com os níveis de corrupção e a falta de transparência que se verifica na administração pública, que impedem que as receitas fiscais sejam investidas na consolidação do Estado, nos serviços públicos ou nas infraestruturas públicas;
3. Verifica que as receitas fiscais permanecem baixas, em percentagem do PIB, na maioria dos países em desenvolvimento, o que os torna particularmente vulneráveis às atividades de evasão e elisão fiscais por parte de contribuintes individuais e de empresas; salienta que tal representa uma perda financeira substancial para os países em desenvolvimento que encoraja a corrupção e prejudica a política da UE para o desenvolvimento, e que a adoção de medidas adequadas a nível nacional, internacional e da UE para combater estas práticas deve figurar entre as principais prioridades da UE e dos seus Estados-Membros, tendo em conta as necessidades e restrições enfrentadas pelos países em desenvolvimento para terem acesso às suas receitas fiscais; considera que a UE deve assumir um papel de liderança na promoção dos esforços internacionais para combater os paraísos fiscais, a elisão e a evasão fiscais, dando o exemplo, e deve colaborar com os países em desenvolvimento na luta contra as práticas de planeamento fiscal agressivo por parte de certas empresas transnacionais, bem como na procura de formas de os ajudar a suportar as pressões no sentido de praticarem a concorrência fiscal;
Plano de ação de combate à elisão e à evasão fiscais nos países em desenvolvimento
4. Exorta a Comissão a tomar medidas concretas e efetivas para apoiar os países em desenvolvimento e os quadros das administrações fiscais regionais – como o Fórum Africano da Administração Fiscal e o Centro Interamericano das Administrações Fiscais – na luta contra a elisão e a evasão fiscais, no desenvolvimento de políticas fiscais justas, equilibradas, eficientes e transparentes, na promoção de reformas administrativas e no aumento da proporção da ajuda financeira e técnica às autoridades fiscais nacionais dos países em desenvolvimento, tanto em termos de assistência, como de desenvolvimento; considera que este apoio deve contribuir para reforçar as instituições judiciais e as agências de combate à corrupção nestes países; solicita a congregação de competências do setor público dos Estados-Membros e dos países beneficiários com o objetivo de reforçar as atividades de cooperação e, ao mesmo tempo, gerar resultados operacionais concretos para os países beneficiários; apoia a organização de seminários, ações de formação, missões de peritos e visitas de estudo, bem como a prestação de aconselhamento;
5. Insta a Comissão a colocar a boa governação em matéria fiscal e a fiscalidade justa, equilibrada, eficiente e transparente num lugar de destaque da agenda do seu diálogo sobre políticas (nas suas vertentes política, de desenvolvimento e de comércio) e de todos os acordos de cooperação para o desenvolvimento com países parceiros, reforçando a apropriação e a responsabilização nacional através da promoção de um ambiente em que os parlamentos nacionais possam contribuir significativamente para a formulação e supervisão dos orçamentos nacionais, inclusivamente no que diz respeito às receitas internas e questões fiscais, e apoiando o papel da sociedade civil na tarefa de assegurar o controlo público da governação fiscal e do acompanhamento dos casos de fraude fiscal, nomeadamente através da criação de sistemas eficazes de proteção dos denunciantes e das fontes jornalísticas;
6. Apela com urgência a que as informações sobre a propriedade efetiva de empresas, fundos e outras instituições sejam disponibilizadas ao público em formatos de acesso livre, de modo a evitar que empresas sem existência económica e estruturas jurídicas comparáveis sejam utilizadas para o branqueamento de dinheiro, para financiar atividades ilegais ou terroristas, dissimular a identidade de corruptos e criminosos, ocultar o furto de fundos públicos e os lucros do tráfico ilegal e da evasão fiscal; considera, além disso, que todos os países devem, no mínimo, adotar e aplicar plenamente as recomendações contra o branqueamento de capitais do Grupo de Ação Financeira (GAFI);
7. Solicita à UE e aos seus Estados-Membros que garantam a aplicação do princípio segundo o qual as empresas multinacionais cotadas ou não cotadas de todos os países e setores – em especial, as empresas de extração dos recursos naturais – têm de adotar como norma a elaboração de relatórios por país, exigindo-lhes que publiquem, no âmbito do seu relatório anual, e por cada país em cujo território operem, os nomes de todas as filiais e os respetivos resultados financeiros, informações fiscais pertinentes, os ativos e o número de empregados, e assegurem que estas informações sejam disponibilizadas ao público, minimizando simultaneamente os encargos administrativos ao isentarem as microempresas desta obrigação; insta a Comissão a apresentar uma proposta legislativa destinada a alterar em conformidade a Diretiva Contabilística; recorda que a transparência constitui um elemento essencial para corrigir o atual sistema fiscal e fomentar a confiança do público; insta a OCDE a recomendar que o modelo de apresentação de relatórios por país por si proposto seja tornado público por todas as empresas multinacionais com vista a garantir que todas as autoridades fiscais de todos os países possam ter acesso a informações exaustivas, a fim de poderem avaliar os riscos em matéria de preços de transferência e determinar a forma mais eficaz de utilizar os recursos de auditoria; sublinha que as isenções fiscais e as vantagens concedidas aos investidores estrangeiros através de convenções fiscais bilaterais concedem às empresas multinacionais uma vantagem concorrencial indevida em relação às empresas nacionais, em especial às PME;
8. Solicita uma revisão das condições e regulamentações fiscais em que operam as indústrias extrativas; exorta a UE a intensificar a sua assistência nos países em desenvolvimento em apoio ao objetivo de tributar de forma adequada a extração de recursos naturais, reforçar a posição negocial dos governos dos países de acolhimento para obterem um melhor retorno da sua base de recursos naturais e estimular a diversificação da sua economia; apoia a Iniciativa para a Transparência das Indústrias Extrativas (EITI) e o seu alargamento às empresas produtoras e às sociedades de comércio de produtos de base;
9. Congratula-se com a adoção de um mecanismo de intercâmbio automático de informações, que constitui uma ferramenta essencial para aumentar a transparência e a cooperação a nível global na luta contra a elisão e a evasão fiscais; reconhece, no entanto, que é necessário um apoio permanente em termos de financiamento, competências técnicas e tempo para que os países em desenvolvimento possam reforçar as capacidades necessárias para enviar e tratar informações; salienta, por isso, a importância de assegurar que a nova norma global da OCDE para a troca automática de informações inclua um período de transição para os países em desenvolvimento, reconhecendo que – ao tornar esta norma recíproca – os países que não têm os recursos e capacidades para criar a infraestrutura necessária para recolher, gerir e partilhar as informações exigidas podem ser efetivamente excluídos; considera, além disso, que deve ser ponderada uma norma única em matéria de confidencialidade;
10. Apela ao estabelecimento, até ao final de 2015, de uma definição mundialmente aceite de paraísos fiscais, de sanções para os operadores que a eles recorram e de uma lista negra de países que não combatam a evasão fiscal ou que a aceitem; solicita à UE que apoie a reconversão económica dos países em desenvolvimento que funcionem como paraísos fiscais; insta os Estados-Membros com dependências e territórios que não fazem parte da União a colaborarem com as administrações dessas regiões com vista à adoção dos princípios da transparência fiscal e a assegurarem que nenhuma delas funcione como um paraíso fiscal;
11. Solicita à União Europeia e aos seus Estados-Membros que garantam, nas negociações de convenções fiscais ou tratados de investimento com países em desenvolvimento, que os rendimentos ou lucros resultantes de atividades transfronteiriças sejam tributados no país de origem em que o valor é extraído ou criado; salienta, neste contexto, que o Modelo de Convenção Fiscal das Nações Unidas assegura uma distribuição equitativa dos direitos de tributação entre os países de origem e de residência; realça que, na negociação de convenções fiscais, a União Europeia e os seus Estados-Membros devem respeitar o princípio de coerência das políticas numa perspetiva de desenvolvimento estabelecido no artigo 208.º do TFUE;
12. Exorta a Comissão e os Estados-Membros a seguirem o exemplo de certos Estados-Membros, procedendo à avaliação do impacto das políticas fiscais europeias nos países em desenvolvimento e à partilha das boas práticas, a fim de reforçar a coerência entre as políticas para o desenvolvimento e melhorar as práticas existentes, bem como tendo devidamente em conta as repercussões negativas nos países em desenvolvimento e as necessidades especiais desses países; congratula-se, neste contexto, com a revisão do Plano de Ação da Comissão sobre a evasão e a elisão fiscais, a apresentar em 2015, e solicita aos Estados-Membros que cheguem rapidamente a acordo no tocante a uma matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades;
13. Apoia firmemente o leque de iniciativas internacionais existentes que visam a reforma global do sistema, incluindo a iniciativa da OCDE sobre a Erosão da base tributável e transferência de lucros (BEPS), com destaque para o aumento da participação dos países em desenvolvimento nas estruturas e processos de cooperação fiscal a nível internacional; exorta a UE e os Estados-Membros a garantirem que o Comité de Peritos das Nações Unidas sobre Cooperação Internacional em Matéria Fiscal seja convertido num verdadeiro organismo intergovernamental, mais bem equipado e com recursos suplementares suficientes, no quadro do Conselho Económico e Social das Nações Unidas, garantindo que todos os países possam participar em pé de igualdade na elaboração e na reforma das políticas fiscais globais; salienta que devem ser previstas sanções aplicáveis tanto às jurisdições não cooperantes, como às instituições financeiras que operam em paraísos fiscais;
14. Realça que níveis suficientes de financiamento público podem contribuir para a redução das desigualdades entre géneros e proporcionar meios para prestar um melhor apoio às crianças e aos grupos vulneráveis da sociedade, e reconhece que, embora tenha impacto no bem-estar das pessoas, a evasão fiscal é especialmente prejudicial para os pobres e as famílias de mais baixos rendimentos, em muitas das quais as mulheres estão desproporcionadamente representadas;
15. Regista com preocupação que muitos países em desenvolvimento se encontram numa posição negocial muito fraca relativamente a alguns investidores diretos estrangeiros; considera que as empresas devem ser obrigadas a assumir compromissos concretos no que se refere aos efeitos positivos dos respetivos investimentos em matéria de desenvolvimento socioeconómico a nível local e/ou nacional no país de acolhimento; solicita à Comissão e ao Conselho, bem como os governos parceiros, que garantam que os incentivos fiscais não constituam opções adicionais para a elisão fiscal; salienta que os incentivos devem ser tornados mais transparentes e, idealmente, orientados para a promoção do investimento no desenvolvimento sustentável;
16. Solicita ao BEI, ao BERD e às instituições financeiras de desenvolvimento dos Estados-Membros que controlem e garantam que as empresas ou outras entidades jurídicas que recebam assistência não pratiquem a elisão ou evasão fiscais interagindo com intermediários financeiros estabelecidos em centros offshore e paraísos fiscais ou facilitando os fluxos de capitais ilícitos, e que aumentem a sua política de transparência, por exemplo, disponibilizando ao público todos os seus relatórios e inquéritos; exorta o BEI a aplicar o dever de diligência, exigindo a apresentação anual de relatórios por país, obtendo informações sobre a propriedade efetiva das empresas e verificando os preços de transferência a fim de garantir a transparência dos investimentos e prevenir a evasão e a elisão fiscais;
17. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão e aos governos e parlamentos dos Estados-Membros.
- [1] http://www.un.org/esa/ffd/tax/
- [2] http://www.un.org/esa/ffd/tax/unmodel.htm
- [3] JO L 309 de 25.11.2005, p. 15.
- [4] Textos Aprovados, P7_TA(2013)0205.
- [5] JO C 199 E de 7.7.2012, p. 37.
- [6] JO C 341 E de 16.12.2010, p. 29.
- [7] Textos aprovados, P7_TA(2013)0394.
- [8] Textos aprovados, P7_TA(2014)0163.
- [9] Textos Aprovados, P8_TA(2014)0059.
- [10] Textos Aprovados, P7_TA(2014)0251.
- [11] "Evaluation issues in financing for development - Analysing effects of Dutch corporate tax policy on developing countries", estudo encomendado pelo Departamento de Avaliação de Políticas e Operações (IOB) do Ministério dos Negócios Estrangeiros dos Países Baixos, novembro de 2013.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
I. Compreender a mobilização de receitas dos recursos internos nos países em desenvolvimento
Por que motivo é importante a mobilização de receitas?
Os recursos internos são e continuarão a ser a maior fonte de financiamento para os países em desenvolvimento. Apesar de terem aumentado em percentagem do PIB durante a última década, o rácio dos impostos em relação ao PIB, em média, é ainda muito reduzido: em termos comparativos, os países em desenvolvimento obtêm substancialmente menos receitas do que as economias avançadas. O rácio dos impostos em relação ao PIB em países de baixo rendimento (PBR) situa-se entre os 10 e os 20%, estando mesmo abaixo dos 15% em muitos desses países (o que é geralmente considerado o limite mínimo a partir do qual se torna difícil para os governos financiar o seu funcionamento e serviços básicos). Para as economias da OCDE, este rácio encontra-se entre os 30 e os 40%. Os especialistas estão de acordo quanto ao considerável potencial para aumentar a cobrança de impostos: cálculos realizados pela organização Oxfam em 52 países em desenvolvimento mostraram que, se a cobrança de impostos fosse significativamente melhorada, poderiam ser mobilizados 269 mil milhões de dólares suplementares para financiar os serviços públicos. Por conseguinte, é essencial assegurar que a cobrança de impostos a nível interno se torna mais previsível, estável e sólida e que todos os integrantes da sociedade - tanto indivíduos como empresas - pagam de acordo com as suas possibilidades.
Quais os problemas identificados nos sistemas vigentes?
· Comércio: nos países em desenvolvimento, uma percentagem desproporcionada dos recursos públicos advêm do comércio, que é facilmente taxado, mas expõe os orçamentos à volatilidade dos preços das matérias-primas e não fornece espaço suficiente para aumentar as receitas fiscais. Os países em desenvolvimento estão a ter dificuldades em compensar o decréscimo de impostos sobre as trocas comerciais, resultante do atual contexto global de liberalização do comércio, e em voltar-se para outros tipos de recursos internos.
· Informalidade: a informalidade representa um limite à mobilização de receitas, particularmente nos países em desenvolvimento, onde constitui um fenómeno generalizado, tanto nas zonas urbanas, como rurais. Os custos administrativos de abranger o setor informal são potencialmente elevados, uma vez que este, por natureza, escapa aos funcionários dos serviços fiscais e que, por outro lado, um vasto setor informal torna praticamente impossível a tributação mais alargada dos rendimentos.
· Condicionantes políticas: os grupos de interesses socioeconómicos exercem provavelmente pressão junto dos governos para obterem benefícios fiscais e manterem uma influência contínua sobre os funcionários que trabalham no domínio da política e administração fiscais, promovendo assim a corrupção.
· Condicionantes administrativas: as administrações fiscais possuem capacidades diferentes no que diz respeito à aplicação da lei e à garantia do seu cumprimento. Em particular, quando os países necessitam de impor taxas às empresas multinacionais, a complexidade do desafio coloca um sério obstáculo aos países em desenvolvimento. A fuga de pessoal de qualidade das administrações fiscais para organizações internacionais e empresas do setor privado, a falta de infraestruturas para a cobrança de impostos e a necessidade de atualizar sistemas informáticos são outros exemplos dos desafios que os países em desenvolvimento enfrentam.
· Condicionantes económicas: muitas vezes, os países em desenvolvimento apenas podem contar com uma base tributável reduzida. Nos países onde uma grande parte da população vive na pobreza, uma percentagem considerável do PIB não é tributável. Devido ao fraco desenvolvimento económico, o setor industrial, cujos impostos são normalmente mais fáceis de cobrar, está, em geral, subdesenvolvido, enquanto o setor agrícola tem uma dimensão considerável.
· «Nivelamento por baixo»: nos últimos anos, os governos dos países em desenvolvimento reduziram continuamente as taxas de impostos sobre as empresas e ofereceram vários incentivos e isenções fiscais com o objetivo de atrair investidores e de fomentar o crescimento económico. No entanto, ficou comprovado que estas iniciativas não funcionam enquanto motor de investimento estrangeiro relevante. Tais práticas colocam, portanto, as economias umas contra as outras, em competição para oferecer o regime fiscal mais favorável. Este «nivelamento por baixo» beneficia mais as empresas multinacionais do que os países em desenvolvimento.
· Indústrias extrativas: as questões relativas à forma como as receitas provenientes dos recursos são partilhadas entre investidores e governos são cruciais para os países em desenvolvimento. O regime fiscal dos investimentos mineiros varia consideravelmente entre países e as disposições são com frequência ad hoc e pouco transparentes, negociadas diretamente entre políticos e empresas fora do sistema fiscal e sem diretrizes claras. Existe um grande potencial para a corrupção e para uma percentagem de receitas mais reduzida.
Quais são as consequências?
Os fluxos financeiros ilícitos são todos os fluxos financeiros privados não registados que envolvam capital ilegalmente recebido, transferido ou utilizado. Em 2011, os recursos internos perdidos por países em desenvolvimento para estes fluxos ilícitos atingiram mais de 620 mil milhões de dólares, o que equivale a 4,3% do PIB de um país em desenvolvimento (com os países de baixo rendimento a serem particularmente afetados). Os fluxos ilícitos constituem apenas uma forma de os países em desenvolvimento perderem receitas fiscais das empresas. A elisão fiscal - na qual as empresas tentam escapar aos impostos através de estruturas internas complexas e encontrando lacunas na legislação fiscal - constitui outro problema significativo. Os impostos sobre os lucros empresariais têm vindo a decrescer em todo o mundo. Tal afeta particularmente os países em desenvolvimento, pois estes estão fortemente dependentes da tributação das empresas: as receitas provenientes dos impostos sobre as empresas constituem uma percentagem significativa do seu rendimento nacional.
A literatura e os dados sobre esta matéria são escassos e tal deve-se, em parte, ao facto de a magnitude da evasão e da elisão fiscais serem difíceis de medir. De um modo geral, estima-se que pelo menos 1 bilião de dólares seja retirado de países em desenvolvimento todos os anos através de uma rede de atividades corruptas que envolvem acordos obscuros para a obtenção de recursos naturais, a utilização de empresas-fantasma anónimas, a lavagem de dinheiro e a evasão fiscal ilícita. O organismo para a Integridade Financeira Global (Global Financial Integrity) estimou que, de 2003 a 2012, o mundo em desenvolvimento perdeu 6,6 biliões de dólares em resultado de fluxos financeiros ilícitos. A Oxfam concluiu que o valor dos impostos por pagar imputável a empresas em países em desenvolvimento está estimado em 104 mil milhões de dólares por ano. A organização Actionaid calculou que o desvio típico em relação à cobrança fiscal sobre as empresas nos países em desenvolvimento (a diferença entre os impostos efetivamente cobrados e os impostos que se esperava cobrar) é de cerca de 20%, devido à elisão e à evasão fiscais.
Principais modalidades de evasão fiscal nos países em desenvolvimento
· A declaração incorreta e a não declaração de rendimentos pessoais ou de lucros empresariais para evitar a tributação direta dos rendimentos ou as obrigações fiscais.
· A avaliação incorreta das operações comerciais, através de faturas falsas entre exportadores e importadores oportunistas, é uma forma comum de transferir dinheiro ilegalmente de países em desenvolvimento para contas financeiras no estrangeiro, tendo como objetivo fugir aos impostos.
· A fraude ao IVA, que implica a realização de declarações falsas sobre as transações comerciais sujeitas a IVA.
· O suborno de funcionários dos serviços fiscais.
Principais modalidades de elisão fiscal nos países em desenvolvimento
· A transferência de lucros refere-se à exploração legal das lacunas existentes no código fiscal legislativo. Tipicamente, as filiais das empresas multinacionais são tratadas como entidades separadas pelas autoridades fiscais. A transferência de lucros é conseguida através da manipulação dos preços de transferência ou da exploração dos empréstimos dentro do grupo. Para além disso, as empresas multinacionais podem distorcer os preços de transferência a fim de reduzirem a carga fiscal total do grupo, manipulando a distribuição dos lucros entre determinadas jurisdições com impostos mais elevados ou mais reduzidos.
· A escolha deliberada da localização para certos ativos intangíveis (patentes, marcas comerciais e direitos de autor) oferece às empresas multinacionais uma oportunidade de otimizarem a sua responsabilidade fiscal global ao abrigo do quadro jurídico.
· Os incentivos e as isenções fiscais constituem, em determinadas circunstâncias (nepotismo, corrupção, transparência duvidosa), «evasão fiscal com um carimbo oficial». Os incentivos fiscais não só podem permitir que as empresas estrangeiras evitem a tributação, como podem também dar azo a atividades ilegais de evasão fiscal das empresas nacionais, através de uma nova rotulagem dos investimentos internos enquanto IDE («utilização de circuitos complexos») ou da venda de negócios a filiais disfarçadas de novos investidores, como meio de se tornarem elegíveis para isenções fiscais temporárias que são concedidas exclusivamente a novos investidores («duplas comissões»).
II. Analisar as soluções existentes a nível global
Tratados fiscais entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento
As receitas fiscais perdidas podem também ser agravadas por tratados fiscais, um elemento fundamental da regulamentação fiscal internacional. Com o objetivo de evitar a tributação dupla, os tratados bilaterais dividem os direitos de tributação entre os dois países signatários. No que diz respeito aos tratados fiscais bilaterais entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, existe uma preocupação generalizada de que os países desenvolvidos consigam proteger os seus interesses melhor do que os países em desenvolvimento. Por outro lado, uma vez que os tratados fiscais têm sido utilizados para reduzir a tributação nas transferências financeiras transfronteiriças, tornaram-se uma ferramenta-chave para as empresas transnacionais transferirem os seus lucros dos países onde estes foram adquiridos para jurisdições em que conseguem pagar poucos ou nenhuns impostos.
A maioria dos tratados fiscais do mundo baseia-se no Modelo de Convenção Fiscal da OCDE, que estabelece um quadro para a divisão dos direitos de tributação entre os governos no caso das empresas que estão sediadas num país (o país de residência, muitas vezes um país desenvolvido) e que operam noutro país (o país de origem, frequentemente um país em desenvolvimento). Uma vez que se constatou que o Modelo de Convenção Fiscal da OCDE favorece os países de residência (nomeadamente, os países da OCDE), foi desenvolvido outro Modelo de Convenção Fiscal, sob os auspícios da ONU, a fim de assegurar uma abordagem mais equilibrada à distribuição dos direitos fiscais. Contudo, muitos países desenvolvidos ainda insistem em utilizar o Modelo da OCDE nas suas negociações com países em desenvolvimento.
Ação à escala global: o Plano de Ação BEPS da OCDE
O plano de ação contra a erosão da base tributável e a transferência de lucros («BEPS»), proposto pela OCDE e aprovado pelo G20, procura redefinir as normas fiscais internacionais tendo em vista limitar as atividades de transferência de lucros e garantir que as empresas pagam os impostos no local em que desenvolvem a sua atividade económica e onde o valor é criado. Tendo em conta a forte dependência dos países em desenvolvimento da tributação sobre as empresas, o processo poderia ser-lhes extremamente vantajoso. Porém, este processo, no seu estado atual, não produzirá um resultado conducente a sistemas fiscais mais benéficos ao progresso em todo o mundo, ou não beneficiará os países em desenvolvimento, e isto por várias razões:
· O plano de ação BEPS tem um âmbito demasiado limitado e concentra-se excessivamente nos interesses dos países ricos (países da OCDE). O seu plano de 15 ações não trata uma série de preocupações fundamentais (o problema dos incentivos fiscais, por exemplo) e os progressos realizados ao nível das ações mais relevantes para os países em desenvolvimento são ainda lentos.
· Tendo sido concebido especialmente para países desenvolvidos, os países em desenvolvimento não possuem as medidas legislativas necessárias para resolver a erosão da base tributável e a transferência de lucros. Enfrentam, por isso, dificuldades na construção das capacidades necessárias para implementar normas altamente complexas, bem como para desafiar as empresas multinacionais, e a sua ação é frequentemente prejudicada pela falta de informação.
Em termos de governação, a OCDE é apenas responsável pelos seus membros e o processo BEPS não garante uma representação e responsabilização adequadas. Os países em desenvolvimento foram consultados, mas as consultas conduzidas à margem do processo não podem compensar a falta de oportunidade de participar em pé de igualdade.
A necessidade de um plano de ação na luta contra a elisão e a evasão fiscais nos países em desenvolvimento
Dada a importância de uma melhor mobilização dos recursos internos e os problemas que os países em desenvolvimento enfrentam para resolver a evasão e a elisão fiscais, o relator sugere uma lista de sérias recomendações que o PE deve apoiar, tendo em vista a Conferência sobre o Financiamento do Desenvolvimento (FdD), que terá lugar em Adis Abeba, assim como o conjunto de iniciativas internacionais para reformar o sistema fiscal a nível mundial.
Entre estas, incluem-se o reforço da assistência financeira e técnica aos países em desenvolvimento e dos quadros de administração fiscal regional; a adoção de soluções sólidas para melhorar a transparência e a cooperação na luta contra a fraude fiscal, tais como um mecanismo de intercâmbio automático de informação e a apresentação de relatórios por país, tendo em consideração as necessidades e limitações dos países em desenvolvimento; a elaboração de uma avaliação de impacto, a nível da UE e dos Estados-Membros, sobre as políticas fiscais nos países em desenvolvimento; a preservação dos direitos fiscais dos países de origem nas negociações de tratados fiscais e a criação de um organismo genuinamente intergovernamental, no qual os países em desenvolvimento possam participar, em pé de igualdade, na reforma global das normas fiscais em vigor a nível internacional.
PARECER da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários (8.5.2015)
dirigido à Comissão do Desenvolvimento
sobre a elisão e a evasão fiscais como desafios à governação, à proteção social e ao progresso nos países em desenvolvimento
(2015/2058(INI))
Relator de parecer (*): Hugues Bayet
Comissão associada – artigo 54.º do Regimento
SUGESTÕES
A Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários insta a Comissão do Desenvolvimento, competente quanto à matéria de fundo, a incorporar as seguintes sugestões na proposta de resolução que aprovar:
1. Recorda a necessidade premente, tanto para os países em desenvolvimento como para os países desenvolvidos, de tributar os lucros no local em que ocorre a atividade económica; salienta que este princípio se aplica igualmente às negociações de convenções fiscais com países em desenvolvimento;
2. Saúda os esforços já envidados, em especial no âmbito da OCDE, para apoiar os países em desenvolvimento no sentido de reforçar os seus regimes fiscais e combater a fraude fiscal, a evasão fiscal e os fluxos financeiros ilícitos;
3. Manifesta a sua preocupação perante os níveis de corrupção e a falta de transparência na administração pública em muitos países em desenvolvimento, o que impede que as receitas fiscais sejam investidas na construção do Estado, nos serviços públicos ou nas infraestruturas públicas;
4. Exorta os Estados-Membros a definirem rapidamente uma matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades (MCCCIS), que seria obrigatória, numa primeira fase, para as empresas europeias e para as sociedades cooperativas europeias e, ulteriormente, para as restantes empresas, exceto as microempresas e as pequenas e médias empresas, tal como previsto na resolução legislativa do Parlamento, de 19 de abril de 2012, sobre a proposta de diretiva do Conselho relativa a uma matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades (MCCCIS)[1];
5. Salienta a necessidade de elaborar, até ao final de 2015, uma lista negra dos paraísos fiscais e dos países que distorcem a concorrência através da concessão de condições fiscais favoráveis, incluindo os que se situam na UE; entende que a definição de «paraíso fiscal» deve incluir, pelo menos, os critérios estabelecidos pela OCDE, assim como os seguintes critérios: «a concessão de medidas fiscais que impliquem a ausência de impostos ou apenas impostos nominais, a ausência de um intercâmbio efetivo de informações com as autoridades fiscais estrangeiras e uma falta de transparência das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas, ou a concessão de vantagens mesmo sem uma verdadeira atividade económica ou sem uma presença económica substancial no país que oferece essas vantagens»; apela, além disso, à elaboração de uma definição a nível internacional (nomeadamente, a nível das Nações Unidas);
6. Insta os Estados-Membros a colaborarem com as suas dependências e os seus territórios que não façam parte da União para que adotem princípios de transparência fiscal e a garantirem que estas entidades não funcionem como paraísos fiscais;
7. Solicita à Comissão que estabeleça um programa de ajuda aos países em desenvolvimento, semelhante aos programas Fiscalis e Hercules, que assista estes países na criação de capacidades para lutar contra a fraude fiscal, a corrupção, a evasão fiscal e o planeamento fiscal agressivo e que preveja, nomeadamente, assistência técnica em matéria de formação em recursos humanos e de desenvolvimento das estruturas administrativas; salienta a necessidade de esta assistência ser prestada de forma transparente;
8. Exorta a Comissão a prosseguir o desenvolvimento de iniciativas destinadas a promover a boa governação em questões fiscais nos países terceiros, a combater o planeamento fiscal agressivo, a dar resposta à questão da dupla (não) tributação e a combater os regimes fiscais artificiais; considera que os acordos sobre a dupla (não) tributação entre os Estados-Membros da UE e os países terceiros devem basear-se em normas comuns; destaca que não devem ser concluídos acordos sobre a dupla (não) tributação com paraísos fiscais ou com jurisdições não cooperantes;
9. Insta os organismos da UE a não colaborarem com jurisdições consideradas não cooperantes em matéria fiscal ou com empresas condenadas por fraude fiscal, evasão fiscal ou planeamento fiscal agressivo, nomeadamente assegurando que as instituições como o Banco Europeu de Investimento (BEI) e o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD) cessem de cooperar, através dos respetivos intermediários financeiros, com jurisdições fiscais não cooperantes cujas medidas fiscais impliquem a ausência de impostos ou apenas impostos nominais, a ausência de um intercâmbio efetivo de informações com as autoridades fiscais estrangeiras e uma falta de transparência das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas, e comprometendo-se a não conceder financiamento da UE a empresas condenadas por fraude fiscal, evasão fiscal ou planeamento fiscal agressivo;
10. Recorda o compromisso assumido pelos Estados-Membros no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio no sentido de consagrar o mais rapidamente possível 0,7 % do respetivo PIB à ajuda pública para o desenvolvimento;
11. Solicita à Comissão que coopere plenamente com a OCDE, o G20 e os países em desenvolvimento, a fim de dar resposta à questão da erosão da base tributável e da transferência de lucros, e que mantenha o Parlamento e o Conselho informados sobre os progressos realizados; acolhe com agrado a futura revisão, em 2015, do Plano de Ação da Comissão sobre a evasão e a elisão fiscais e exorta a Comissão a apresentar uma proposta de diretiva da UE relativa à luta contra a erosão da base tributável e a transferência de lucros;
12. Apela à realização de projetos-piloto no domínio do intercâmbio automático de informações fiscais com os países em desenvolvimento durante um período não recíproco de transição, no âmbito da aplicação da nova norma global;
13. Insta, para além disso, a Comissão a propor alterações ao Direito das sociedades da UE no sentido de proibir efetivamente as empresas sem existência económica e outras entidades semelhantes, nomeadamente através da introdução de requisitos de substância e da limitação do número de cargos diretivos;
14. Saúda a iniciativa «Tax Inspectors Without Frontiers» e solicita à Comissão e aos Estados-Membros que participem neste projeto;
15. Realça a necessidade premente de realizar, com base nos princípios e na metodologia aplicados nos estudos anteriormente realizados pelo Fundo Monetário Internacional, uma avaliação do impacto das convenções fiscais internacionais e uma «análise das repercussões» do impacto quer dos regimes de tributação das sociedades vigentes nos Estados-Membros, quer das suas convenções fiscais bilaterais com países em desenvolvimento; apela, igualmente, a que se efetue uma avaliação de impacto das políticas fiscais nacionais, bem como das entidades de finalidade especial e de estruturas jurídicas semelhantes;
16. Exorta os países membros da OCDE a criarem um código deontológico destinado aos respetivos governos, a fim de garantir uma gestão eficaz dos regimes fiscais, com base numa análise do trabalho efetuado pelo atual grupo do código de conduta da UE no domínio da fiscalidade das empresas;
17. Salienta que é possível restringir as possibilidades de as empresas procederem a um planeamento fiscal criativo, nomeadamente através da imposição de normas globais vinculativas, em virtude das quais as práticas como a transferência de lucros e a redução artificial de lucros cessariam de ser proveitosas;
18. Insta todos os Estados-Membros a apoiarem a inclusão da luta contra a fraude fiscal na Agenda para o Desenvolvimento pós-2015;
19. Exorta os Estados-Membros a defenderem o intercâmbio obrigatório e automático de informações entre as autoridades fiscais nacionais em todo o mundo;
20. Apela à UE e aos seus Estados-Membros para que garantam a aplicação do princípio segundo o qual as empresas multinacionais têm de adotar como norma a elaboração de relatórios por país em todos os setores e para todos os países (a publicar no âmbito do respetivo relatório anual), minimizando, em simultâneo, os encargos administrativos ao isentarem as PME desta obrigação;
21. Insta à criação de um organismo fiscal intergovernamental, sob a égide das Nações Unidas, com o objetivo de garantir que os países em desenvolvimento possam participar em pé de igualdade na elaboração e na reforma das políticas fiscais globais;
22. Solicita a rápida aplicação da diretiva relativa à luta contra o branqueamento de capitais e do regulamento relativo às transferências de fundos; considera, no entanto, que existe ainda margem para melhorias e insta os Estados-Membros a tirarem proveito da flexibilidade existente, nomeadamente tal como previsto na diretiva relativa à luta contra o branqueamento de capitais, no que se refere à consulta de registos públicos livremente acessíveis que permitam aceder a informações sobre os verdadeiros proprietários de empresas, fundos fiduciários, fundações e outras entidades jurídicas;
23. Saúda o facto de o pacote de medidas da Comissão sobre transparência fiscal incluir um compromisso no sentido de efetuar uma avaliação de impacto quanto à possibilidade de tornar públicos os relatórios por país em todos os setores económicos; salienta a necessidade de ter em conta os custos da divulgação dos relatórios específicos por país, mas também os benefícios para os países europeus e para os países em desenvolvimento; recorda que a transparência constitui um elemento essencial para reparar o atual sistema fiscal e fomentar a confiança do público; encoraja vivamente a Comissão a garantir que estas informações estejam acessíveis ao público.
RESULTADO DA VOTAÇÃO FINAL EM COMISSÃO
Data de aprovação |
6.5.2015 |
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Resultado da votação final |
+: –: 0: |
43 2 5 |
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Deputados presentes no momento da votação final |
Burkhard Balz, Hugues Bayet, Pervenche Berès, Esther de Lange, Fabio De Masi, Markus Ferber, Jonás Fernández, Sven Giegold, Neena Gill, Roberto Gualtieri, Brian Hayes, Gunnar Hökmark, Cătălin Sorin Ivan, Petr Ježek, Othmar Karas, Georgios Kyrtsos, Alain Lamassoure, Bernd Lucke, Olle Ludvigsson, Ivana Maletić, Fulvio Martusciello, Marisa Matias, Costas Mavrides, Bernard Monot, Luděk Niedermayer, Stanisław Ożóg, Dimitrios Papadimoulis, Dariusz Rosati, Alfred Sant, Molly Scott Cato, Peter Simon, Theodor Dumitru Stolojan, Paul Tang, Michael Theurer, Ramon Tremosa i Balcells, Marco Valli, Tom Vandenkendelaere, Cora van Nieuwenhuizen, Miguel Viegas, Jakob von Weizsäcker, Marco Zanni |
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Suplentes presentes no momento da votação final |
Isabella De Monte, Marian Harkin, Eva Joly, Eva Kaili, Barbara Kappel, Verónica Lope Fontagné, Jacek Saryusz-Wolski, Romana Tomc, Beatrix von Storch |
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- [1] JO C 258 E de 7.9.2013, p. 134.
RESULTADO DA VOTAÇÃO FINAL EM COMISSÃO
Data de aprovação |
1.6.2015 |
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Resultado da votação final |
+: –: 0: |
24 0 0 |
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Deputados presentes no momento da votação final |
Beatriz Becerra Basterrechea, Ignazio Corrao, Charles Goerens, Enrique Guerrero Salom, Heidi Hautala, Maria Heubuch, Teresa Jiménez-Becerril Barrio, Arne Lietz, Linda McAvan, Norbert Neuser, Maurice Ponga, Cristian Dan Preda, Elly Schlein, Pedro Silva Pereira, Davor Ivo Stier, Paavo Väyrynen, Bogdan Brunon Wenta, Rainer Wieland, Anna Záborská |
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Suplentes presentes no momento da votação final |
Bernd Lucke, Louis-Joseph Manscour, Paul Rübig |
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Suplentes (art. 200.º, n.º 2) presentes no momento da votação final |
Miguel Urbán Crespo, Dennis de Jong |
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