Relatório - A8-0052/2016Relatório
A8-0052/2016

RELATÓRIO sobre regras comuns tendo em vista a aplicação da dimensão externa da PCP, incluindo os acordos de pesca

10.3.2016 - (2015/2091(INI))

Comissão das Pescas
Relatora: Linnéa Engström

Processo : 2015/2091(INI)
Ciclo de vida em sessão
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A8-0052/2016

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO DO PARLAMENTO EUROPEU

sobre regras comuns tendo em vista a aplicação da dimensão externa da PCP, incluindo os acordos de pesca

(2015/2091(INI))

O Parlamento Europeu,

–  Tendo em conta o Regulamento (UE) n.º 1380/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, relativo à política comum das pescas, que altera os Regulamentos (CE) n.º 1954/2003 e (CE) n.º 1224/2009 do Conselho e revoga os Regulamentos (CE) n.º 2371/2002 e (CE) n.º 639/2004 do Conselho e a Decisão 2004/585/CE do Conselho[1],

–  Tendo em conta o Regulamento (UE) n.º 508/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, relativo ao Fundo Europeu para os Assuntos do Mar e das Pescas, que revoga os Regulamentos (CE) n.º 2328/2003, (CE) n.º 861/2006, (CE) n.º 1198/2006 e (CE) n.º 791/2007 do Conselho e o Regulamento (UE) n.º 1255/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho[2],

–  Tendo em conta o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE),

–  Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 10 de dezembro de 1982,

–  Tendo em conta o Acordo de 1995 relativo à aplicação das disposições da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 10 de dezembro de 1982, respeitantes à conservação e gestão das populações de peixes transzonais e das populações de peixes altamente migradores,

–  Tendo em conta o Código de Conduta para uma Pesca Responsável, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, adotado em outubro de 1995, e os instrumentos e orientações conexos,

–  Tendo em conta o conceito de ecossistema marinho vulnerável (EMV) que emergiu das discussões na Assembleia-Geral das Nações Unidas (AGNU) e adquiriu uma nova dinâmica após a adoção da Resolução 61/105 da AGNU de 2006, e que os referidos ecossistemas constituem áreas que podem ser vulneráveis aos impactos decorrentes das atividades de pesca,

–  Tendo em conta a publicação «Orientações e critérios científicos para a identificação de zonas marinhas de relevância ecológica ou biológica e a conceção de redes representativas de zonas marinhas protegidas nas águas oceânicas abertas e nos habitats de profundidade», da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), Açores, 2009,

–  Tendo em conta a sua resolução de 22 de novembro de 2012 sobre a dimensão externa da política comum das pescas[3],

–  Tendo em conta as conclusões da conferência do Conselho Consultivo para a Frota de Longa Distância, realizada em 16 e 17 de setembro de 2015,

–  Tendo em conta o Relatório Especial n.º 11/2015 do Tribunal de Contas, de 20 de outubro de 2015, intitulado «Os acordos de parceria no domínio da pesca são bem geridos pela Comissão?»,

–  Tendo em conta o artigo 52.º do seu Regimento,

–  Tendo em conta o relatório da Comissão das Pescas e o parecer da Comissão do Desenvolvimento (A8-0052/2016),

A.  Considerando que, de acordo com o relatório da Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), de 2014, intitulado «Estado das pescarias e da aquicultura no mundo», o número de unidades populacionais de peixes sobre-exploradas tem aumentado continuamente desde 2008, mas diminuiu ligeiramente em 2011;

B.  Considerando que a UE é um dos principais intervenientes mundiais no setor das pescas, contando com uma forte presença histórica e atividades significativas em todos os oceanos do mundo, nomeadamente devido à articulação entre as atividades da sua frota, os investimentos privados por parte de nacionais da UE, a sua rede de acordos de pesca bilaterais, as suas regiões ultraperiféricas e a participação em todas as mais importantes organizações regionais de gestão das pescas (ORGP), e que a UE fomenta as boas práticas e o respeito dos direitos humanos;

C.  Considerando que a gestão sustentável dos recursos em peixe mundiais passará imperativamente pelo multilateralismo e a cooperação internacional, incluindo a cooperação bilateral; considerando que a UE tem um papel fundamental a desempenhar na governação mundial dos mares e oceanos, e que a PCP deve basear-se numa visão ambiciosa que seja coerente com a dimensão interna prevista no regulamento de base sobre esta matéria;

D.  Considerando que recentemente a FAO publicou orientações voluntárias para garantir uma pequena pesca sustentável, que incluem objetivos concernentes à pequena pesca, nomeadamente nos países em desenvolvimento;

E.  Considerando que a UE constitui um mercado importante para os produtos da pesca (incluindo o peixe capturado por frotas da UE e as importações) e o maior importador destes produtos, que consome 11 % da produção de peixe mundial, em termos de volume, e importa 24 % dos produtos da pesca, em termos de valor, embora efetue apenas 8 % das capturas mundiais; considerando que a UE possui uma vasta indústria de transformação com uma importante dimensão social que deve ser preservada;

F.  Considerando que a dimensão externa da nova PCP abrange acordos internacionais e pescas nas zonas fora da jurisdição nacional (ZFJN), que a Convenção sobre a Diversidade Biológica e a FAO defendem a identificação de zonas marinhas importantes do ponto de vista ecológico ou biológico (ZIEB) e de ecossistemas marinhos vulneráveis (EMV), respetivamente, e que as zonas marinhas protegidas são instrumentos essenciais para a gestão ecossistémica, facto reconhecido pelas organizações regionais de gestão das pescas (ORGP);

G.  Considerando que as quotas das ORGP se baseiam, essencialmente, em capturas históricas, fazendo com que os países desenvolvidos beneficiem de um acesso preferencial às unidades populacionais de peixes a nível mundial; considerando que os critérios de atribuição de quotas estabelecidos por algumas ORGP devem ser utilizados para ter em conta a atividade pesqueira por parte dos países em desenvolvimento costeiros, que dependem há gerações dos recursos haliêuticos das águas adjacentes, facto este que tem de continuar a ser respeitado pela UE;

H.  Considerando que é essencial fazer a distinção entre os acordos com os países do norte com a Noruega, a Islândia e as ilhas Faroé e os acordos de parceria no domínio da pesca sustentável (APPS) envolvendo outros países;

I.  Considerando que a UE tem de promover a coerência das suas políticas com a política em matéria de desenvolvimento, nos termos do artigo 208.º, n.º 1, do TFUE, que estabelece que «na execução das políticas suscetíveis de afetar os países em desenvolvimento, a União tem em conta os objetivos da cooperação para o desenvolvimento»;

J.  Considerando que, em alguns casos, não existem dados suficientes sobre as unidades populacionais capturadas pela UE em águas de países terceiros ou destinadas ao mercado da UE, em termos de estatuto e de capturas totais realizadas por frotas locais e de países terceiros, o que dificulta a avaliação do nível de excedentes em acordos mistos, conforme exigido ao abrigo da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM); considerando que seria conveniente alargar o âmbito e a transparência desses dados;

K.  Considerando que a UE deve fazer todos os possíveis para assegurar que os acordos de pesca sustentável celebrados com países terceiros tragam benefícios mútuos à UE e aos países terceiros em causa, incluindo as suas populações locais e o seu setor das pescas;

L.  Considerando que o problema da pirataria tem também um impacto negativo nas regiões onde se realizam operações de pesca reguladas no âmbito de acordos de pesca bilaterais e multilaterais;

1.  Congratula-se com o facto de, pela primeira vez, o regulamento de base da PCP integrar um capítulo dedicado à dimensão externa, que prevê condições mínimas a respeitar no âmbito dos acordos bilaterais, o dever de promover a cooperação entre ORGP e a coerência entre as medidas por elas adotadas, refere explicitamente normas comuns aplicáveis quer no interior quer no exterior das águas da UE, e indica que as medidas a adotar têm de se basear nos melhores pareceres científicos disponíveis;

2.  Sublinha a importância de garantir a coerência entre a política das pescas, a política ambiental, a política comercial e a cooperação no desenvolvimento;

3.  Reconhece a importância de manter e reforçar a coerência e a compatibilidade do quadro jurídico em vigor;

4.  Apela ao reforço da cooperação entre os organismos da Comissão relevantes em matéria de pesca, a saber: DG MARE, DG DEVCO e DG TRADE;

5.  Insiste em que a promoção, pela UE e os parceiros com quem tem acordos bilaterais ou de outra natureza, da pesca sustentável em termos ambientais, sociais e económicos, baseada na transparência e na participação de interessados não-governamentais, em particular profissionais cujo sustento depende das pescas, é essencial para assegurar o futuro das comunidades costeiras e do meio marinho, o desenvolvimento da indústria local, o emprego gerado pela pesca, a transformação e o comércio, e o contributo da pesca para a segurança alimentar;

6.  Insiste na importância de promover a proteção dos ecossistemas e de manter as unidades populacionais de peixes acima de níveis capazes de gerar um rendimento máximo sustentável, uma vez que a existência de unidades populacionais mais abundantes é um requisito importante para permitir o desenvolvimento das comunidades de pesca costeira dos países terceiros, em conformidade com as orientações voluntárias da FAO para a pesca artesanal sustentável;

7.  Acentua a necessidade de apoiar o desenvolvimento das comunidades locais cuja subsistência depende sobretudo da pesca e das atividades relacionadas com a indústria pesqueira; sublinha a necessidade de apoiar medidas que visem promover a transferência de tecnologias e de saber-fazer, a gestão das capacidades, as parcerias multilaterais e outros investimentos em benefício da indústria da pesca;

8.  Recorda que as normas ambientais também de aplicação obrigatória às pescas fora da UE incluem a aplicação da abordagem ecossistémica da gestão das pescas e a abordagem de precaução, a fim de restabelecer e manter as unidades populacionais exploradas em níveis superiores aos suscetíveis de garantir o rendimento máximo em 2015, sempre que possível, e o mais tardar em 2020 relativamente a todas as unidades populacionais;

9.  Assinala que todos os aspetos da dimensão externa da PCP devem ter por base relações equitativas e mutuamente benéficas entre a UE, os Estados-Membros e os seus parceiros a nível mundial, sejam estas bilaterais (APPS) ou multilaterais (ORGP), com vista a promover o desenvolvimento sustentável da indústria da pesca local; acentua que esta equidade deve também refletir-se nos acordos comerciais da UE com países terceiros, em consonância com o requisito de coerência das suas políticas em prol do desenvolvimento;

10.  Exorta a Comissão a incluir, na dimensão externa da PCP, as regiões ultraperiféricas, incluindo os acordos bilaterais assinados com países terceiros, a fim de assegurar que a pesca local nas regiões ultraperiféricas seja beneficiada;

11.  Reconhece o trabalho realizado pelo Conselho Consultivo para a Frota de Longa Distância no âmbito do desenvolvimento da sua posição relativa à dimensão externa da PCP revista e à sua aplicação, em colaboração com as partes interessadas dos países terceiros;

12.  Insiste em que, nas atividades relacionadas com as pescas (captura, transformação e comercialização) realizadas no exterior das suas fronteiras, a UE deve promover as mais exigentes normas ambientais e sociais e implementar medidas de controlo e inspeção rigorosas e eficazes, garantindo, ao mesmo tempo, a transparência em todas as suas atividades, com vista a assegurar a igualdade das condições de concorrência no mercado da UE;

13.  Reconhece o papel da dimensão externa da PCP na criação de emprego (tanto na UE como fora dela), no fornecimento de peixe aos mercados da UE (e, em algumas circunstâncias, aos mercados locais) e como veículo através do qual a UE pode prestar assistência técnica, financeira e científica aos países terceiros, nomeadamente através de apoio a melhorias na investigação científica, nos regimes de controlo e vigilância e no desenvolvimento de infraestruturas portuárias;

14.  Congratula-se com as melhorias significativas na forma como a UE tem gerido a dimensão externa da PCP nos últimos anos, tanto em termos de APPS como da sua implementação, fazendo com que as frotas da UE figurem, em geral, entre as frotas de pesca em águas longínquas mais progressivas no cumprimento de normas sociais e ambientais exigentes; considera que a UE deve promover essas normas ambientais e sociais no contexto internacional através das ORGP e da sua rede de APPS;

15.  Reconhece que, quando a frota da UE deixa de operar em determinadas pescarias, os seus direitos de pesca podem ser redistribuídos entre outras frotas com padrões de conservação, gestão e sustentabilidade muito inferiores aos preconizados e defendidos pela UE;

16.  Considera que a prestação de apoio setorial ao setor da pesca nos países parceiros dos APPS é essencial para dar resposta às suas necessidades crescentes relacionadas com a gestão da pesca, a capacidade de investigação científica, a construção e manutenção de infraestruturas e a formação de inspetores da pesca e de membros da tripulação, e para aumentar o fornecimento e a disponibilidade de peixe com vista à segurança alimentar das populações nos países parceiros dos APPS através da prestação de apoio ao trabalho realizado pelas mulheres no setor da pesca;

17.  Apela, portanto, a uma melhor articulação entre o apoio setorial prestado no âmbito dos acordos de pesca e os instrumentos disponíveis no âmbito da cooperação para o desenvolvimento, designadamente o Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED), e numa total transparência no financiamento dos projetos da pesca e na utilização do apoio setorial, a fim de assegurar uma utilização adequada dos fundos da UE;

18.  Reitera a necessidade de melhorar a qualidade das informações científicas sobre o estado dos recursos e dos dados sobre capturas/esforço de pesca nas águas fora da UE, em particular nas águas de certos Estados costeiros em desenvolvimento, utilizando para este efeito os fundos disponíveis ao abrigo do Fundo Europeu para os Assuntos do Mar e das Pescas e do FED;

19.  Observa que, de acordo com o recente relatório do Tribunal de Contas sobre os acordos de parceria no domínio da pesca (APP), embora um dos principais objetivos dos APP seja limitar a pesca às unidades populacionais excedentárias, isto revelou-se muito difícil de aplicar na prática, «devido à falta de informações fiáveis sobre as unidades populacionais de peixe e sobre o esforço de pesca das frotas nacionais ou de outras frotas estrangeiras às quais os países parceiros facultaram acesso»; salienta, neste contexto, a importância de dados científicos fiáveis e de avaliações ex post independentes sobre a eficácia dos APP;

20.  Insiste em que a UE deve promover, através dos respetivos APPS e do seu trabalho nas ORGP, a harmonização das condições que regem o acesso das frotas estrangeiras a águas africanas para a pesca de atum e de pequenas espécies pelágicas e demersais, com vista à criação de condições favoráveis para os pescadores que trabalham de forma sustentável e responsável;

21.  Apela ao alargamento dos programas de observação independentes que contribuem para o controlo das pescas e a recolha de dados científicos;

22.  Está convicto de que só uma gestão das pescas a nível regional, incluindo programas de observação e de inspeção (no porto e no mar) e sistemas de controlo a nível regional, poderá garantir a exploração sustentável e equitativa das unidades populacionais altamente migradoras e transzonais e das unidades populacionais partilhadas, em conformidade com o estipulado pela CNUDM e pelo Acordo das Nações Unidas relativo às populações de peixes;

23.  Nota que existe um quadro jurídico que regulamenta a gestão regional de espécies altamente migradoras e de muitas outras unidades populacionais no âmbito das ORGP, nomeadamente no que diz respeito ao atum, embora algumas pescarias permaneçam fora do quadro de ação das ORGP, e insta a Comissão a trabalhar no sentido de assegurar que todas as pescarias relevantes sejam geridas, o mais rapidamente possível, por uma ORGP;

24.  Insta a Comissão a atribuir mais recursos orçamentais às ORGP, visto que estas desempenham um papel fundamental na luta contra a pesca ilícita, não declarada e não regulamentada (INN);

25.  Manifesta a sua preocupação com o facto de outras pescarias, em especial as unidades populacionais partilhadas e não presentes em alto mar, ainda não disporem de uma instância de cooperação e gestão regional eficaz; considera que este é um problema sério, em especial para as unidades populacionais de pequenos pelágicos na África Ocidental, dada a sua importância estratégica para a segurança alimentar, como ficou patente num recente parecer consultivo do Tribunal Internacional do Direito do Mar[4];

26.  Exorta a UE a usar a sua influência para assegurar que todas as pescarias com uma dimensão regional sejam geridas por uma ORGP; exorta particularmente a UE a exercer pressão no sentido de que o Comité das Pescas do Atlântico Centro-Este (COPACE) se torne uma ORGP de pleno direito, com poderes decisórios, em vez de ser um mero organismo consultivo de pesca regional da FAO;

27.  Está convicto de que, enquanto as frotas da UE tiverem acesso a outras pescas (de espécies demersais, por exemplo), a UE deve promover medidas aplicáveis na generalidade para assegurar a harmonia entre as frotas de pesca industrial e artesanal, o que pode exigir um sistema de zonas que permita proteger o setor de pesca artesanal local;

28.  Solicita mais estudos e maior proteção das espécies e habitats de profundidade, em particular dos especialmente sensíveis ou fundamentais para a sustentabilidade a longo prazo do ecossistema;

29.  Encoraja a Comissão a promover uma distribuição equilibrada das possibilidades de pesca no quadro das ORGP, que tenha em consideração o impacto ambiental e social, as necessidades em matéria de segurança alimentar e as aspirações dos países em desenvolvimento a desenvolverem as suas próprias pescas; faz notar que qualquer reatribuição deve envolver todas as frotas, as que operam em águas distantes e as nacionais, e basear-se nos critérios de atribuição adequados desenvolvidos pela ORGP relevante;

30.  Congratula-se com a disposição do regulamento de base, que prevê que todas as frotas estrangeiras a operar num país com o qual a UE tenha um Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável (APPS) estejam subordinadas a condições de acesso semelhantes que promovam a sustentabilidade das pescas, sendo esta uma medida importante para garantir que outras frotas de pesca de águas longínquas respeitem as mesmas normas que a UE, em vez de as pôr em causa; encoraja a Comissão a garantir vigorosamente a observância desta disposição;

31.  Insta a UE a utilizar a sua rede de APPS e as negociações no âmbito das ORGP para assegurar que os nossos países parceiros limitem o acesso de todas as frotas de pesca de águas longínquas às unidades populacionais excedentárias, como exigido pela CNUDM e a PCP, e como a UE faz, e para proporcionar um acesso preferencial às frotas que respeitem as práticas mais sustentáveis a nível ambiental e social para a zona e as unidades populacionais em causa;

32.  Expressa a sua inquietação ante a possível interrupção das atividades de pesca entre dois protocolos, sempre que as negociações sobre um novo protocolo se prolonguem; solicita à Comissão que garanta a segurança jurídica e económica dos operadores, assegurando a continuidade das operações de pesca entre dois protocolos;

33.  Reconhece a importância da criação de um quadro mais alargado com os países em desenvolvimento que englobe não só as pescas, mas também os domínios precedentes e subsequentes da cadeia de abastecimento;

34.  Incentiva a UE a evitar a negociação de APPS com países onde a corrupção seja aceite;

35.  Reconhece a importância da criação de um quadro mais alargado com os países em desenvolvimento que englobe as pescas, em combinação com outros temas relacionados com o desenvolvimento;

36.  Considera importante o reconhecimento das licenças de pesca através de canais diplomáticos;

37.  Reconhece a importância da pesca, sobretudo da pesca artesanal, para os países em desenvolvimento, tendo em conta o seu contributo para a segurança alimentar, a economia local e o emprego de homens e mulheres, sem prejuízo do papel desempenhado pelas atividades de pesca industrial que têm lugar num quadro responsável e transparente, para assegurar o desenvolvimento socioeconómico das zonas costeiras e o aprovisionamento de produtos da pesca;

38.  Sublinha a necessidade de a UE respeitar a sua obrigação de promover, a nível ambiental e social, a pesca sustentável nos países em desenvolvimento através de todas as políticas da UE que afetam a pesca nesses países (ajuda, comércio, pesca);

39.  Salienta a importância de incluir as mulheres em toda a cadeia de valor, desde o financiamento até à transformação e/ou comercialização dos produtos da pesca; considera que a promoção do acesso das mulheres a essas atividades reforçaria a sua emancipação económica e social, desempenhando um papel importante na redução das disparidades entre homens e mulheres; insiste em que se dê mais atenção às prioridades referentes à igualdade no âmbito das relações da UE com os países em desenvolvimento;

40.  Sublinha a necessidade de promover o desenvolvimento local através do apoio setorial, aumentando a autonomia das pescas dos países parceiros, em particular por meio do reforço da aquacultura sustentável, do desenvolvimento e preservação da pesca artesanal, da melhoria dos conhecimentos científicos sobre o estado das unidades populacionais de peixes e do reforço das iniciativas privadas por parte de agentes locais; solicita à UE que, através de APPS, promova a boa governação, em particular a gestão adequada das receitas públicas provenientes do setor da pesca e da contrapartida financeira;

41.  Considera que a UE deve incentivar os países terceiros, a começar pelos países com quem negoceia APPS, a estabelecer um quadro regulamentar aplicável às empresas conjuntas criadas por intervenientes da UE e outras partes interessadas nos setores da captura, transformação e comercialização; é de opinião que um quadro deste tipo constitui a melhor forma de garantir que a criação e o funcionamento de empresas conjuntas observem elevadas normas de transparência e de sustentabilidade, tal como preconizado pela reforma da PCP, e de assegurar também, por conseguinte, que os interesses da UE beneficiem de uma maior estabilidade jurídica, no que diz respeito ao apoio e ao desenvolvimento de uma pesca sustentável em países terceiros;

42.  Insiste em que a transparência, a responsabilidade e o envolvimento das partes interessadas devem ser considerados elementos chave das relações da UE com os países terceiros no domínio da pesca;

43.  Acentua que os investimentos europeus na pesca de países terceiros sob a forma de empresas comuns devem ser abrangidos pela PCP; sublinha que, através dos seus APPS, a UE deve promover um diálogo com os países parceiros para criar um quadro regulamentar com vista a assegurar que as empresas comuns nos setores da captura, transformação e comercialização, constituídas por parceiros da UE ou de outros países, operem de forma transparente, não concorram com o setor artesanal local e contribuam para os objetivos de desenvolvimento do país em questão;

44.  Toma em consideração o relatório do Tribunal de Contas, que acentua que a subutilização das tonelagens de referência adotadas em alguns protocolos recentes gera custos elevados; convida, portanto, a Comissão a evitar, tanto quanto possível, custos desnecessários para o orçamento da UE neste domínio;

45.  Considera que o Parlamento deve ter um papel mais ativo do que o atual processo de aprovação, e insiste em que seja imediata e integralmente informado em todas as fases dos processos relativos à conclusão ou renovação dos APP, em prol de uma maior transparência e responsabilização democrática dos protocolos;

46.  Reconhece a importância da dimensão externa da PCP para a criação de emprego tanto na UE como nos países parceiros, inclusive através da contratação de tripulações locais no contexto dos APPS; encoraja, sempre que possível, os navios da UE a desembarcar as suas capturas nos países parceiros para a sua primeira transformação; exige que instrumentos de proteção dos trabalhadores e condições de trabalho condignas sejam incluídos nos regulamentos europeus relativos a assuntos de pesca (em particular na Convenção n.º 188 da Organização Internacional do Trabalho) e nos APPS para garantir as mesmas condições de trabalho, remuneração, proteção dos direitos dos trabalhadores e níveis de formação para os nacionais da UE e de países terceiros;

47.  Congratula-se com as disposições em matéria de transparência que constam do mais recente protocolo com a Mauritânia, no qual este país se compromete a publicar todos os acordos celebrados com Estados ou entidades privadas que permitam o acesso de navios estrangeiros à sua zona económica exclusiva (ZEE), e solicita que estas disposições em matéria de transparência sejam incluídas em todos os APPS;

48.  Congratula-se igualmente com o facto de o protocolo com a Mauritânia privilegiar o acesso da frota da UE à produção de pesca excedentária deste país, e incentiva a Comissão a seguir este exemplo nas negociações dos protocolos com outros países terceiros, tendo em conta os elevados requisitos de sustentabilidade que a frota da UE deve cumprir;

49.  Exorta vivamente a Comissão a garantir a inclusão de disposições em matéria de transparência noutros protocolos futuros, o que contribuirá para melhorar de forma significativa a transparência relativamente ao esforço total de pesca e às condições de acesso; solicita que se disponibilizem ao público informações sobre as capturas agregadas dos navios de todas as frotas autorizadas a pescar nas águas da Mauritânia e as respetivas condições de acesso;

50.  Insta a Comissão, no âmbito dos organismos internacionais em que participa, a encorajar outros países terceiros a publicarem igualmente as condições previstas noutros acordos que celebrem com outros Estados ou entidades privadas, como informações relativas à identificação dos navios autorizados a pescar e as respetivas atividades e capturas; encoraja ainda os países terceiros a cumprirem as resoluções das ORGP que promovem a transparência dos acordos de pesca;

51.  Incentiva outros países terceiros a terem em consideração as recomendações, resoluções e decisões das ORGP que promovam a transparência dos acordos de pesca nas ZEE em causa;

52.  Considera que a Comissão deve, o mais brevemente possível, melhorar a transparência através da criação de uma base de dados que contenha informações sobre todos os acordos privados estabelecidos entre ou em nome de armadores da UE e organismos ou autoridades locais ou regionais ou países terceiros que envolvam o acesso à pesca em países terceiros, como as condições de acesso, a capacidade autorizada das frotas, a identificação dos navios e das atividades de pesca, e que essa base de dados deve ser do domínio público, com a exceção de partes que contenham informações comercialmente sensíveis;

53.  Observa que os armadores assinam acordos privados com governos de países terceiros, fora do âmbito da PCP; manifesta a sua preocupação pelo facto de a Comissão não ser sistematicamente informada sobre estes acordos; expressa a sua inquietação ante a possibilidade de tal dar origem, em determinadas circunstâncias, a uma concorrência desleal com as comunidades piscatórias locais dos países em desenvolvimento, bem como com os armadores da UE que exercem a sua atividade ao abrigo de acordos bilaterais;

54.  Entende que os navios que pescam no âmbito das disposições de um APPS, sem, porém, cumprir a obrigação de transmitir ao seu Estado-Membro e à Comissão as informações solicitadas nos termos da respetiva autorização de pesca, devem estar sujeitos às sanções previstas no regulamento relativo ao controlo das pescas e no Regulamento INN, incluindo, se for caso disso, a recusa de uma autorização de pesca;

55.  Lamenta que as estimativas anteriores sobre a dimensão da «frota externa» tenham utilizado definições variáveis relativamente aos tipos de navios a considerar, o que torna impossível qualquer comparação e análise da dimensão da frota e da sua evolução ao longo do tempo, o que reduz drasticamente a transparência; exorta a Comissão a desenvolver uma definição de «frota externa» que tenha em conta todas as embarcações a operar fora das águas da UE, dando a devida atenção às especificidades relevantes dos acordos com os países do norte, de molde a permitir a comparação histórica;

56.  Observa que, apesar do papel desempenhado pela Comissão Geral das Pescas do Mediterrâneo (CGPM), a diversidade de regras aplicadas às frotas da UE e às frotas dos países terceiros que operam nas mesmas zonas de pesca tem causado sérios problemas aos pescadores da UE; considera necessário que a UE concentre mais esforços na bacia do Mediterrâneo através de uma cooperação mais estreita com organismos locais, organizações regionais, instituições científicas, observatórios e grupos de pesca por país; considera que a UE tem um papel a desempenhar na resolução de conflitos entre navios no Mediterrâneo, e solicita à Comissão que aprecie a possibilidade de apoiar e assistir os pescadores frequentemente sujeitos a confrontos com embarcações de países terceiros e que estabeleça uma cooperação mais estreita com os países da costa sul do Mediterrâneo;

57.  Congratula-se com a recente publicação do nome dos navios que arvoram pavilhão de um Estado-Membro e que estão autorizados a pescar fora das águas da UE, e insiste na necessidade de a Comissão publicar sistematicamente estas informações, nomeadamente os dados sobre as respetivas atividades e capturas;

58.  Observa que a transparência constitui um requisito prévio de consulta e participação consciente dos interessados do setor das pescas, em particular dos profissionais cujo sustento depende das pescas; considera que essa consulta e participação devem ser promovidas nos APPS, incluindo a negociação de acordos e protocolos e respetiva aplicação, a atribuição e utilização de apoio setorial, o trabalho realizado nas ORGP, a execução de projetos de cooperação para o desenvolvimento, etc.;

59.  Observa que o regulamento de base inclui uma disposição que exige que os navios que retirem a sua inscrição do ficheiro da frota de pesca da UE comuniquem informações sobre as suas atividades antes de voltarem a integrar o ficheiro; considera que este requisito deve ser reforçado de forma a que a Comissão receba o histórico completo dos pavilhões arvorados pelos navios e que estas informações sejam incluídas na base de dados do ficheiro da frota de pesca da UE antes que os navios sejam aceites no ficheiro;

60.  Reconhece o trabalho realizado pela UE no âmbito da luta contra a pesca INN, que constitui uma ameaça para as unidades populacionais de peixes e concorrência desleal para os pescadores legítimos; reconhece o contributo do Regulamento INN para a promoção da pesca sustentável no mundo; considera que, graças ao papel decisivo da UE como principal mercado de peixe do mundo, esta tem a capacidade de obter o apoio de outros Estados, incluindo aqueles com os quais tem APPS, e de agentes internacionais para assegurar uma abordagem comum e um regime global eficaz com vista a combater a pesca INN;

61.  Promove o desenvolvimento de um sistema internacional único para registo de todos os navios que navegam em águas internacionais;

62.  Insiste em que o Regulamento INN deve ser aplicado com rigor, objetividade e transparência, de forma não discriminatória e harmonizada, a fim de promover condições equitativas entre frotas e países, e encoraja a Comissão e os Estados-Membros a fazê-lo; considera, além disso, que, para garantir o êxito do regulamento, este não deve estar sujeito às necessidades da política comercial da UE a curto prazo nem ser utilizado pelo setor das pescas da UE como instrumento de distorção da concorrência;

63.  Solicita à Comissão que analise a possibilidade de incluir considerações relativas às condições de trabalho no Regulamento INN;

64.  Realça que, também no quadro dos APPS, deve ser assegurada a rastreabilidade total dos produtos de pesca marítima;

65.  Entende que os acordos comerciais bilaterais e multilaterais negociados pela UE devem promover condições sustentáveis do ponto de vista ambiental e justas do ponto de vista social para a produção no setor da pesca nos países terceiros em causa, aplicando, para tal, restrições quantitativas e qualitativas adaptadas para permitir o acesso ao mercado da UE, a fim de não comprometer os progressos alcançados contra a pesca INN através do presente regulamento; considera ainda que se deve exigir que todos os produtos da pesca ou derivados da pesca que sejam comercializados no mercado europeu cumpram estas condições, bem como se deve impedir a entrada no mercado europeu dos produtos da pesca ou derivados da pesca que não apresentem garantias de que respeitam estas condições ou os requisitos de proteção do consumidor;

66.  Considera que as condições económicas, sociais e ambientais prevalecentes na captura e transformação de peixe devem ser claras para os consumidores;

67.  Sugere que as disposições que constam dos acordos comerciais bilaterais e multilaterais devem incluir uma referência explícita ao Regulamento INN, incluindo as respetivas normas; recomenda à Comissão que proponha a interrupção das relações comerciais com um país terceiro que tenha sido identificado no artigo 31.º do Regulamento INN;

68.  Exorta a Comissão a introduzir no Regulamento INN um sistema semelhante ao sistema informático veterinário integrado (TRACES) para que se possam verificar e cruzar dados relativos aos certificados de captura e aos navios ou estabelecer uma percentagem mínima de verificação no âmbito das importações de produtos transformados;

69.  Considera importante dispor de orientação pormenorizada e controlo dos esforços envidados pelos países que foram alvo de cartões amarelos ou vermelhos;

70.  Congratula-se com a inclusão dos navios de pesca como vulneráveis no âmbito da atuação da Operação Atalanta e solicita que se continue a apoiar e a proteger a atividade da frota da UE;

71.  Considera que as negociações no quadro da ONU de um novo sistema de governação internacional dos oceanos nas zonas fora da jurisdição nacional devem ter como objetivo o estabelecimento de um regime que permita o estudo e a utilização equitativa, sustentável e preventiva dos recursos das águas dos oceanos internacionais, incluindo o trabalho contínuo de identificação de zonas marinhas importantes do ponto de vista ecológico ou biológico com vista a implementar uma rede coerente de zonas marinhas protegidas;

72.  Recorda o dever da Comissão, enquanto guardiã dos Tratados, de garantir que os Estados‑Membros cumpram as suas obrigações de diligência devida no que respeita às atividades externas dos seus cidadãos e frotas, e solicita à UE que tenha em conta o recente parecer consultivo do Tribunal Internacional do Direito do Mar, que a identifica como Estado de pavilhão no contexto dos acordos bilaterais;

73.  Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho e à Comissão.

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

Na década de 1980, primeiros anos de vigência da PCP, relativamente poucos Estados praticavam a pesca em águas longínquas, longe das suas águas costeiras: a UE, a União Soviética, o Japão, os EUA, para a pesca do atum, e alguns outros, ainda que em menor escala. Hoje em dia, três décadas depois, a situação mudou radicalmente e a forte concorrência que se faz sentir em todas as zonas oceânicas afeta a maioria das espécies.

A China, a Coreia e Taiwan são alguns dos intervenientes cada vez mais relevantes neste domínio, tendo todos adotado políticas agressivas para obterem acesso a recursos limitados. Embora em graus diferentes, as frotas destes países operam de acordo com normas ambientais, sociais e de segurança geralmente menos rigorosas e beneficiam de subsídios elevados e de níveis de tributação muitas vezes inferiores. Muitos destes países que praticam a pesca em águas longínquas não cumprem as suas responsabilidades enquanto Estados de pavilhão, de porto ou de comercialização, nem respeitam os direitos humanos fundamentais, o que lhes confere uma vantagem económica concorrencial em relação aos navios da UE.

É evidente que a melhor estratégia para atingir o objetivo da UE de promover uma pesca sustentável passa por utilizar a influência da UE na cena internacional, com vista a melhorar a gestão e as normas de transparência no domínio das pescas e promover um nivelamento «por cima» e não «por baixo».

A UE representa, ainda hoje, o maior mercado mundial de produtos da pesca, detém uma das maiores frotas que arvoram o seu pavilhão e figura, geralmente, entre as três principais potências mundiais em termos de capacidades de captura. A comercialização de produtos da pesca na UE está sujeita a medidas rigorosas no plano da rastreabilidade, da verificação das capturas e da luta contra a pesca INN. Estas regras, ao contribuírem para melhorar a pesca em termos de sustentabilidade ambiental e social, ao aplicarem de forma rigorosa as convenções internacionais e regulamentarem o mercado, ajudam a criar condições que conferem à UE uma vantagem competitiva.

Em setembro deste ano, o Conselho Consultivo para a Frota de Longa Distância organizou uma conferência de dois dias sobre a implementação da dimensão externa da PCP, para a qual convidou um vasto leque de partes interessadas da UE e de países terceiros, nomeadamente da África Ocidental e do Oceano Índico. As recomendações resultantes da conferência[5] preconizam, entre outros, os seguintes aspetos:

•  A melhoria da transparência nas atividades de pesca;

•  A adoção de uma abordagem regional em matéria de gestão das pescas, que promova a harmonização das condições de acesso das frotas estrangeiras às ZEE de países terceiros;

•  O desenvolvimento de um quadro de sustentabilidade para empresas conjuntas, no quadro da aplicação dos APPS;

•  A necessidade de os Estados de bandeira e os Estados costeiros se empenharem profundamente, a nível político, na luta contra a pesca INN;

•  A melhoria da oferta de pescado para assegurar a segurança alimentar, apoiando, para tal, o trabalho das mulheres no setor das pescas.

O presente relatório baseia-se em grande medida nas recomendações que emanaram da conferência.

Transparência

Ao publicar os textos dos seus acordos e as avaliações dos APPS, a UE apresenta uma vantagem em relação a outros países costeiros longínquos na promoção de uma pesca mais sustentável. As novas disposições da PCP reformada exigem que a UE tente obter informações relativas às atividades de pesca levadas a cabo por outros operadores em países terceiros com os quais tenha celebrado um acordo, o que se traduzirá por uma maior transparência no que respeita ao esforço total de pesca e à identificação dos diversos intervenientes na pesca.

Contudo, os acordos privados celebrados entre armadores da UE e países terceiros são uma componente da dimensão externa que requer maior transparência. Estes acordos podem abranger navios que pertencem a empresas da UE, mas que arvoram pavilhão de um país terceiro e que operam nos termos de um acordo celebrado com um país terceiro, ou ainda navios que arvoram pavilhão da UE e que operam em países com os quais a UE não tenha celebrado qualquer acordo bilateral (a cláusula de exclusividade impede-os de operar nos países APPS). De acordo com uma investigação realizada há alguns anos[6], uma única associação reunia, na altura, 118 empresas que exploravam 321 navios de pesca que, por sua vez, arvoravam pavilhão de 24 países diferentes, incluindo alguns países com os quais a UE tinha ou havia recentemente celebrado acordos bilaterais. As capturas atingiam então cerca de 450 mil toneladas por ano e destinavam-se essencialmente ao mercado da UE.

Graças às informações reunidas pela Comissão, foi recentemente criada uma base de dados consultável que inclui todos os navios autorizados a pescar fora das águas da UE[7]. Esta base de dados contém muitas informações úteis.

A UE e os Estados-Membros devem procurar encontrar mecanismos que permitam aplicar às atividades de todas as empresas e embarcações de origem europeia que pesquem fora das águas da UE normas de sustentabilidade ambiental e social semelhantes. A UE e os Estados-Membros devem igualmente reforçar as suas responsabilidades, enquanto Estados de pavilhão e Estados de comercialização, e assumir cada vez mais responsabilidades pelas atividades de pesca levadas a cabo pelos seus nacionais fora das águas da UE. Alguns Estados-Membros, como a Espanha, adotaram recentemente legislação neste domínio e a Suécia condenou duas das suas empresas por desrespeito da cláusula de exclusividade ao abrigo do acordo com Marrocos[8].

Nos termos das novas disposições do Tratado de Lisboa[9], a proteção dos investimentos privados da UE em países terceiros passou a ser uma competência da UE, e não dos Estados-Membros. Se a UE quer assumir esta responsabilidade, deve, antes de mais, ter uma ideia clara sobre os investimentos abrangidos pelo setor das pescas. No entanto, atualmente não existe uma lista sistemática destes acordos privados que inclua os navios que arvoram pavilhão da UE ou outros pavilhões, mas que pertencem e são explorados por empresas da UE.

Neste contexto, o novo protocolo com a Mauritânia é digno de registo - o Governo deste país terá de publicar informações sobre as condições de acesso e os acordos financeiros que se aplicam a todas as frotas industriais que não pertençam à Mauritânia, bem como os textos dos acordos, quer sejam de natureza pública ou privada. O Governo deverá igualmente apresentar à Comissão informações relativas ao número de navios autorizados a pescar, às capturas e às modalidades técnicas e financeiras que garantem o acesso à sua ZEE.

É claramente necessário criar uma base de dados à escala da UE que inclua os acordos privados celebrados entre armadores da UE e países terceiros e o registo de empreendimentos conjuntos entre sociedades da UE e sociedades estabelecidas em países terceiros. Essa transparência é fundamental no quadro da proteção de investimentos: se a UE não dispuser das informações relativas aos acordos privados, a Comissão não poderá ajudar o investidor a verificar se até mesmo a autorização de pesca que adquiriu é válida.

Em suma, as empresas da UE e os Estados-Membros têm de ser tão transparentes como a Mauritânia no último protocolo.

As empresas da UE que investem no setor das pescas em países terceiros beneficiam de vantagens significativas ao operar sob a alçada da UE, em particular em países em desenvolvimento com sistemas jurídicos, judiciais e financeiros pouco sólidos. Paralelamente, a UE deve encontrar formas de assegurar que estes investimentos respeitem as mesmas normas previstas na PCP reformada, designadamente no que respeita à boa governação e à sustentabilidade: os investimentos dos operadores da UE no setor das pescas em países terceiros devem ser transparentes, não devem contribuir para a sobrepesca, nem provocar o aumento da concorrência com as comunidades locais de pequena escala, devendo, pelo contrário, garantir a longo prazo, benefícios sociais e económicos para as economias locais. Os países terceiros serão, por conseguinte, obrigados a colaborar para pôr em prática um quadro adequado, que pode ser inicialmente concebido no âmbito do diálogo político previsto nos APPS.

Para assegurar a coerência das políticas para o desenvolvimento, importa reconhecer a importância das mulheres e dos homens que vivem da pesca artesanal nos países em desenvolvimento, tendo em conta o seu papel na criação de emprego, na segurança alimentar e o seu contributo para a economia local. A UE tem tido em atenção este aspeto ao instaurar novas regras que limitam o acesso às unidades populacionais excedentárias, mas é necessário ir mais longe, nomeadamente no quadro da política de ajuda ao desenvolvimento.

Em particular, a política de ajuda ao desenvolvimento deveria ajudar os países terceiros a aplicar as diretrizes da FAO para garantir a pesca artesanal sustentável. Estas diretrizes insistem na questão do género, dedicando uma secção especial à importância das mulheres no setor das pescas. Por exemplo, no setor da pesca artesanal nos países africanos, as mulheres estão presentes em todas as fases da cadeia de valor, desde o pré-financiamento e a preparação de campanhas de pesca até à comercialização, tanto nos mercados locais, como regionais. As mulheres estão organizadas em cooperativas, em grupos de interesses, entre outras estruturas, no âmbito das quais defendem as suas prioridades, nomeadamente, o acesso mais fácil ao crédito, a melhoria das condições de trabalho e das políticas de apoio às famílias nas comunidades costeiras. É necessário conferir maior atenção a estas prioridades no quadro das relações da UE com os países em desenvolvimento.

Mudança de pavilhão

Os navios inscrevem-se no ficheiro da frota da UE e retiram a sua inscrição por diversas razões, sendo muitos os que, de forma permanente, retiram a inscrição deste ficheiro. No entanto, alguns voltam a inscrever-se após um determinado período. A PCP atribui um número de identificação único a cada navio de pesca (designado número de identificação «CFR»), que é apenas válido enquanto o navio consta do ficheiro da frota da UE. Caso o navio volte a integrar o ficheiro, pode ser-lhe atribuído um número CFR diferente. Além disso, como o número CFR não se aplica aos navios que tenham abandonado o ficheiro da UE, é difícil acompanhar o historial completo destes navios.

Uma das práticas que se desenvolveu foi a seguinte: os armadores da UE operam com um navio que arvora pavilhão da UE no quadro de um APPS ou de uma ORGP até atingir o limite das suas possibilidades de pesca ao abrigo da UE e, de seguida, procedem à transferência do pavilhão do navio para tirar partido de outras possibilidades. De seguida, pode voltar a inscrever-se no ficheiro da frota de pesca da UE. Esta prática pode ser utilizada para contornar a obrigação relativa aos «excedentes», inscrita na nova PCP, que depende do esforço total de pesca e da situação das unidades populacionais nas ZEE onde o navio operou. Cumpre impedir esta prática, uma vez que contraria o espírito da cláusula de exclusividade, podendo ser mesmo considerada concorrência desleal em relação aos navios que continuam a arvorar pavilhão da UE e que respeitam as condições estabelecidas nos acordos bilaterais e nas quotas internas da UE Este comportamento não é tão-pouco do interesse da tripulação, uma vez que as normas laborais podem variar em função dos pavilhões. Além disso, a UE perde o controlo das atividades dos navios quando estes arvoram outros pavilhões. Por conseguinte, a seguinte questão tem de ser colocada: devem os navios que recorrem a estas práticas para contornar os limites negociados pela UE beneficiar de acordos financiados pelos contribuintes?

Conclusões

A nova PCP da UE inclui progressos significativos e, se corretamente implementada, contribuirá para melhorar as normas aplicáveis à pesca da UE em águas longínquas. Face à exigência prevista pelo Tratado de promover a coerência das políticas para o desenvolvimento, só nos podemos congratular com esta tendência.

A influência da UE no mundo da pesca, enquanto Estado de pavilhão e Estado de comercialização, em particular, permite-lhe exercer influência sobre outros intervenientes, tanto Estados costeiros como Estados que operem em águas distantes, para que melhorem as suas próprias políticas de pesca, não só em teoria, como também na prática.

O êxito notável com que o Regulamento INN permitiu melhorar a legislação e as atividades de pesca de muitos países de todo o mundo é revelador de que o nivelamento «por cima» pode funcionar se a UE demonstrar vontade política, liderança e objetividade suficientes e se ajudar os países em desenvolvimento a responder às novas exigências. Como tal, os recentes sinais de enfraquecimento da determinação da UE na luta contra a pesca INN, nomeadamente com a supressão da Coreia da lista, são preocupantes.

11.11.2015

PARECER da Comissão do Desenvolvimento

dirigido à Comissão das Pescas

sobre regras comuns tendo em vista a aplicação da dimensão externa da política comum das pescas, incluindo os acordos de pesca

(2015/2091(INI))

Relatora de parecer: Maria Heubuch

SUGESTÕES

A Comissão do Desenvolvimento insta a Comissão das Pescas, competente quanto à matéria de fundo, a incorporar as seguintes sugestões na proposta de resolução que aprovar:

1.  Saúda a inclusão de um capítulo sobre a dimensão externa na recente reforma do regulamento relativo à política comum das pescas, em que os acordos de parceria no domínio da pesca sustentável (APPS) e a pesca ao abrigo das ORGP são formalmente regulados pela primeira vez;

2.  Sublinha a necessidade de a UE respeitar a sua obrigação de promover, a nível ambiental e social, a pesca sustentável nos países em desenvolvimento através de todas as políticas da UE que afetam a pesca nesses países (ajuda, comércio, pesca);

3.  Insiste em que a transparência, a responsabilidade e o envolvimento das partes interessadas devem ser considerados elementos chave das relações da UE com os países terceiros no domínio da pesca;

4.  Insiste na importância de promover a proteção dos ecossistemas e de manter as unidades populacionais de peixes acima de níveis capazes de gerar um rendimento máximo sustentável, uma vez que a existência de unidades populacionais mais abundantes é um requisito importante para permitir o desenvolvimento das comunidades de pesca costeira dos países terceiros, em conformidade com as orientações voluntárias da FAO para a pesca artesanal sustentável;

5.  Acentua a necessidade de apoiar o desenvolvimento das comunidades locais cuja subsistência depende sobretudo da pesca e das atividades relacionadas com a indústria pesqueira; sublinha a necessidade de apoiar medidas que visem promover a transferência de tecnologias e de saber-fazer, a gestão das capacidades, as parcerias multilaterais e outros investimentos em benefício da indústria da pesca;

6.  Observa que os armadores assinam acordos privados com governos de países terceiros, fora do âmbito da política comum das pescas; manifesta a sua preocupação pelo facto de a Comissão não ser sistematicamente informada sobre estes acordos; expressa a sua inquietação ante a possibilidade de tal dar origem, em determinadas circunstâncias, a uma concorrência desleal com as comunidades piscatórias locais dos países em desenvolvimento, bem como com os armadores da UE que exercem a sua atividade ao abrigo de acordos bilaterais.

7.  Acentua que os investimentos europeus na pesca de países terceiros sob a forma de empresas comuns devem ser abrangidos pela PCP; sublinha que, através dos seus acordos de parceria no domínio da pesca sustentável, a UE deve promover um diálogo com os países parceiros para criar um quadro regulamentar com vista a assegurar que as empresas comuns nos setores da captura, transformação e comercialização, constituídas por parceiros da UE ou de outros países, operem de forma transparente, não concorram com o setor artesanal local e contribuam para os objetivos de desenvolvimento do país em questão.

RESULTADO DA VOTAÇÃO FINALNA COMISSÃO ENCARREGADA DE EMITIR PARECER

Data de aprovação

10.11.2015

 

 

 

Resultado da votação final

+:

–:

0:

21

1

1

Deputados presentes no momento da votação final

Beatriz Becerra Basterrechea, Ignazio Corrao, Doru-Claudian Frunzulică, Nathan Gill, Charles Goerens, Enrique Guerrero Salom, Heidi Hautala, Maria Heubuch, Teresa Jiménez-Becerril Barrio, Linda McAvan, Norbert Neuser, Cristian Dan Preda, Lola Sánchez Caldentey, Elly Schlein, Pedro Silva Pereira, Davor Ivo Stier, Paavo Väyrynen, Bogdan Brunon Wenta, Rainer Wieland, Anna Záborská

Suplentes presentes no momento da votação final

Marina Albiol Guzmán, Louis-Joseph Manscour, Joachim Zeller

RESULTADO DA VOTAÇÃO FINAL NA COMISSÃO COMPETENTE QUANTO À MATÉRIA DE FUNDO

Data de aprovação

17.2.2016

 

 

 

Resultado da votação final

+:

–:

0:

22

2

0

Deputados presentes no momento da votação final

Marco Affronte, Clara Eugenia Aguilera García, Alain Cadec, David Coburn, Richard Corbett, Diane Dodds, Raymond Finch, Ian Hudghton, Carlos Iturgaiz, Werner Kuhn, António Marinho e Pinto, Gabriel Mato, Norica Nicolai, Liadh Ní Riada, Ulrike Rodust, Remo Sernagiotto, Isabelle Thomas, Ruža Tomašić, Peter van Dalen, Jarosław Wałęsa

Suplentes presentes no momento da votação final

José Blanco López, Anja Hazekamp

Suplentes (art. 200.º, n.º 2) presentes no momento da votação final

Peter Eriksson, Liliana Rodrigues