Relatório - A8-0182/2017Relatório
A8-0182/2017

RELATÓRIO sobre os casos de apatridia na Ásia do Sul e no Sudeste Asiático

4.5.2017 - (2016/2220(INI))

Comissão dos Assuntos Externos
Relator: Amjad Bashir

Processo : 2016/2220(INI)
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A8-0182/2017
Textos apresentados :
A8-0182/2017
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PROPOSTA DE RESOLUÇÃO DO PARLAMENTO EUROPEU

sobre os casos de apatridia na Ásia do Sul e no Sudeste Asiático

(2016/2220(INI))

O Parlamento Europeu,

–  Tendo em conta o disposto nos instrumentos das Nações Unidas relativos aos direitos humanos e, nomeadamente, ao direito à nacionalidade, como a Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, os Pactos Internacionais dos Direitos Cívicos e Políticos, a Convenção sobre os Direitos da Criança, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas de 1954, a Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia de 1961, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e o seu Protocolo Opcional, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias,

–  Tendo em conta outros instrumentos das Nações Unidas sobre a apatridia e o direito a uma nacionalidade, tais como a Conclusão n.º 106 do Comité Executivo do Alto‑Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) sobre Identificação, Prevenção e Redução da Apatridia e Proteção dos Apátridas[1], aprovada pela Resolução n.º 61/137 da Assembleia-Geral das Nações Unidas de 2006,

–  Tendo em conta a Campanha do ACNUR para erradicar a apatridia até 2024[2] e a Campanha Mundial por direitos de nacionalidade iguais, apoiada pelo ACNUR, pela ONU Mulheres e outros, e aprovada pelo Conselho de Direitos do Homem da ONU,

–  Tendo em conta a resolução do Conselho dos Direitos do Homem das Nações Unidas, de 15 de julho de 2016, sobre os direitos humanos e a privação arbitrária da nacionalidade[3],

–  Tendo em conta a Declaração e o Programa de Ação de Viena[4], adotados pela Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos, realizada em 25 de junho de 1993,

–  Tendo em conta a recomendação geral n.º 32 do Comité para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres sobre as dimensões de género do estatuto de refugiado, do asilo, da nacionalidade e da apatridia das mulheres[5],

–  Tendo em conta a Declaração sobre os Direitos Humanos da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN)[6],

–  Tendo em conta o artigo 3.º, n.º 5, do Tratado da União Europeia (TUE), que afirma que, «nas suas relações com o resto do mundo», a UE deve contribuir para «a erradicação da pobreza e a proteção dos direitos do Homem, em especial os da criança, bem como para a rigorosa observância e o desenvolvimento do direito internacional, incluindo o respeito dos princípios da Carta das Nações Unidas»,

–  Tendo em conta as conclusões do Conselho, de 20 de julho de 2015, sobre o Plano de Ação para os Direitos Humanos e a Democracia (2015-2019)[7],

–  Tendo em conta o Quadro Estratégico e o Plano de Ação da UE para os Direitos Humanos e a Democracia, de 25 de junho de 2012[8],

–  Tendo em conta as conclusões do Conselho, de 4 de dezembro de 2015, sobre a apatridia[9],

–  Tendo em conta as conclusões do Conselho, de 20 de junho de 2016, sobre a estratégia da UE relativamente a Mianmar/Birmânia[10],

–  Tendo em conta a resolução do Parlamento Europeu, de 25 de outubro de 2016, sobre direitos humanos e migração nos países terceiros[11],

–  Tendo em conta a resolução, de 7 de julho de 2016, sobre Mianmar/Birmânia, em particular a situação dos Rohingya[12],

–  Tendo em conta a sua resolução, de 12 de março de 2015, sobre o Relatório Anual sobre os Direitos Humanos e a Democracia no Mundo em 2013 e a política da União Europeia nesta matéria[13],

–  Tendo em conta o estudo da Direção-Geral das Políticas Externas, de novembro de 2014, intitulado «Addressing the Human Rights impact of statelessness in the EU’s external action» (Abordar o impacto da apatridia em matéria de direitos humanos na ação externa da UE),

–  Tendo em conta o artigo 52.º do seu Regimento,

–  Tendo em conta o relatório da Comissão dos Assuntos Externos e o parecer da Comissão do Desenvolvimento (A8-0182/2017),

A.  Considerando que a região da Ásia do Sul e do Sudeste Asiático é constituída pelos seguintes países – Afeganistão, Bangladeche, Brunei, Butão, Camboja, Filipinas, Índia, Indonésia, Laos, Malásia, Maldivas, Mianmar/Birmânia, Nepal, Paquistão, Singapura, Sri Lanca, Tailândia, Timor-Leste e Vietname – que são todos membros, ou possuem o estatuto de observadores, da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) ou da Associação da Ásia do Sul para a Cooperação Regional (SAARC);

B.  Considerando que a Declaração Universal dos Direitos do Homem afirma que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos; que o direito a uma nacionalidade e o direito a não ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade estão consagrados no artigo 15.º da mesma declaração, assim como noutros instrumentos internacionais em matéria de direitos humanos; que, no entanto, os instrumentos jurídicos internacionais ainda não atingiram o seu principal objetivo de proteger o direito de todas as pessoas a uma nacionalidade;

C.  Considerando que todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados; que os direitos humanos e as liberdades fundamentais são direitos adquiridos à nascença por todos os seres humanos e que a sua proteção e promoção são a primeira responsabilidade dos governos;

D.  Considerando que a Convenção sobre os Direitos da Criança, que foi ratificada por todos os países da Ásia do Sul e do Sudeste Asiático, estipula que uma criança deve ser registada imediatamente após o nascimento e ter o direito de adquirir uma nacionalidade; que se estima que metade dos apátridas do mundo é constituída por crianças e que muitas destas são apátridas desde o nascimento;

E  Considerando que a Declaração da ASEAN sobre os Direitos Humanos afirma que todas as pessoas têm direito a uma nacionalidade conforme previsto na lei e que nenhum indivíduo «pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade»;

F.  Considerando que o termo apátrida é definido na Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas de 1954 como «toda a pessoa que não seja considerada por qualquer Estado, segundo a sua legislação, como seu nacional»; que as causas da apatridia podem variar e incluem, nomeadamente, a sucessão e a dissolução de Estados, nalguns casos provocando a fuga forçada, a migração e o tráfico de seres humanos, bem como mudanças e lacunas nas leis da nacionalidade, termo do prazo de validade da nacionalidade por residência fora do país de origem durante um longo período de tempo, privação arbitrária da cidadania, discriminação com base no género, na raça, na etnicidade ou noutros motivos, obstáculos administrativos e burocráticos, incluindo à obtenção ou ao registo de certidões de nascimento; que a maioria das causas, se não mesmo todas, se encontra nos casos de apatridia na Ásia do Sul e no Sudeste Asiático;

G.  Considerando que é importante salientar que ser apátrida é diferente de ser refugiado; que a maioria dos apátridas nunca saiu do local onde nasceu ou nunca atravessou uma fronteira internacional;

H.  Considerando que a apatridia é um problema multifacetado e conduz a um amplo leque de violações dos direitos humanos que incluem, nomeadamente, problemas relacionados com as certidões de nascimento e outros documentos relativos ao estado civil, bem como outros problemas relacionados com os direitos de propriedade, a exclusão de programas de saúde infantil e do sistema escolar público, a propriedade empresarial, a representação política e a participação em votações, o acesso à segurança social e aos serviços públicos; que a apatridia pode contribuir para o tráfico de seres humanos, a detenção arbitrária, a violação da liberdade de circulação, a exploração e o abuso de crianças e a discriminação contra as mulheres;

I.  Considerando que a apatridia continua a receber atenção internacional limitada, apesar das suas repercussões muito preocupantes, a nível mundial e regional, no plano dos direitos humanos, e continua a ser considerada um assunto interno dos Estados; que a redução e, finalmente, a abolição da apatridia devem tornar-se uma prioridade no domínio dos direitos humanos a nível internacional;

J.  Considerando que a discriminação legislativa em função do género, por exemplo na aquisição ou transmissão da nacionalidade a um filho ou cônjuge, ainda está presente em países da Ásia do Sul e do Sudeste Asiático, tais como o Nepal, a Malásia e o Brunei;

K.  Considerando que o ACNUR estimou que 135 milhões de crianças com menos de 5 anos em toda a região não foram registadas quando do seu nascimento e se encontram em risco de se tornar apátridas;

L.  Considerando que o fim da apatridia também dará origem a mais democracia, pois os antigos apátridas serão incluídos e poderão contribuir para o processo democrático;

M.  Considerando que o problema complexo da apatridia continua a ser relegado para o plano mais periférico do direito e da política internacionais, embora não se trate de uma questão marginal;

N.  considerando que a apatridia põe em causa as perspetivas de desenvolvimento das populações afetadas, bem como a aplicação efetiva da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável;

O.  Considerando que o Plano de ação global do ACNUR para 2014-2024 com vista a acabar com a apatridia pretende apoiar os governos na resolução das principais situações de apatridia existentes, prevenir a emergência de novos casos e identificar e proteger melhor as populações apátridas; que a ação 10 do Plano de ação salienta igualmente a necessidade de melhorar os dados qualitativos e quantitativos sobre a apatridia; que a UE está empenhada em apoiar ativamente o Plano de ação;

P.  Considerando que as conclusões do Conselho sobre o Plano de Ação para os Direitos Humanos e a Democracia (2015-2019) afirmam a importância de abordar a questão da apatridia nas relações com os países prioritários e de envidar esforços para prevenir o aparecimento de populações apátridas na sequência de conflitos, deslocações e desmantelamento de Estados;

Q.  Considerando que o Relatório Anual da UE sobre os Direitos Humanos e a Democracia no Mundo – Questões de âmbito nacional e regional, de 20 de setembro de 2016, afirma o objetivo da UE de aumentar a coerência, a eficácia e a visibilidade dos direitos humanos na política externa da UE, bem como o objetivo de intensificar o envolvimento da UE com as Nações Unidas e com os mecanismos regionais de direitos humanos, de modo a fomentar a apropriação regional e a promover a universalidade dos direitos humanos, e menciona especificamente que tal inclui o lançamento de um primeiro diálogo político sobre os direitos humanos com os mecanismos de direitos humanos da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN);

R.  Considerando que a UE determinou que colocará os direitos humanos no centro das suas relações com os países terceiros;

S.  Considerando que a apatridia fomenta movimentos populacionais, a emigração e o tráfico de seres humanos, destabilizando sub-regiões inteiras;

T.  Considerando que muitos dos 10 milhões de apátridas do mundo residem na Ásia do Sul e no Sudeste Asiático, sendo os Rohingya de Mianmar/Birmânia o maior grupo apátrida do mundo, com mais de 1 milhão de pessoas sob o mandato de apatridia do ACNUR, mas também se encontram grandes comunidades de apátridas na Tailândia, na Malásia, no Brunei, no Vietname, nas Filipinas e noutras zonas; que os tibetanos apátridas vivem em países como a Índia e o Nepal; que alguns destes grupos se inserem no mandato de apatridia do ACNUR, mas outros não; que a cobertura e a informação em termos estatísticos relativas às populações apátridas existentes no mundo estão incompletas, dado que nem todos os países possuem estatísticas sobre esta questão; que tanto a Ásia do Sul como o Sudeste Asiático têm casos que se prolongam e não resolvidos, bem como casos em que se registaram progressos efetivos;

U.  Considerando que, nos últimos anos, se registaram alguns progressos na Ásia do Sul e no Sudeste Asiático, com alterações às leis da nacionalidade que introduziram disposições adequadas para impedir a apatridia e permitir que os apátridas obtenham a nacionalidade; que estes esforços precisam de ser reforçados e a legislação adotada também deve ser cumprida na prática;

V.  Considerando que os Rohingya são uma das minorias mais perseguidas no mundo, constituem um dos maiores grupos de apátridas e têm sido oficialmente apátridas desde que a lei da cidadania birmanesa de 1982 foi aprovada; que os Rohingya são indesejáveis para as autoridades de Mianmar/Birmânia e os países vizinhos, embora alguns destes acolham grandes populações de refugiados; que existem confrontos em curso no Estado de Rakhine; que milhares de refugiados que conseguiram atravessar a fronteira para o Bangladeche necessitam urgentemente de assistência humanitária e estão a ser forçados a regressar, em violação do Direito Internacional; que os Rohingya estão a fugir de uma política de punição coletiva no Estado de Rakhine, onde as forças de segurança infligem represálias indiscriminadas, alegadamente disparando contra os habitantes a partir de helicópteros de combate, incendiando habitações, efetuando detenções arbitrárias e violando mulheres e raparigas; que as respostas nacionais e internacionais à deterioração dos direitos humanos e à crise humanitária dos Rohingya têm sido manifestamente insuficientes e que muitos instrumentos para resolver esta questão ainda não foram explorados;

W.  Considerando que as centenas de milhares dos chamados «Biharis» não foram tratados como cidadãos do Bangladeche após a guerra de independência do Bangladeche, quando o Paquistão recusou a sua repatriação; que, no entanto, várias decisões judiciais, desde 2003, confirmaram que os Biharis são cidadãos do Bangladeche; que um grande número de Biharis ainda não está completamente integrado na sociedade e nos programas de desenvolvimento do Bangladeche e não tem podido exercer plenamente os seus direitos reconfirmados;

X.  Considerando que existem muitos outros grupos apátridas na Ásia do Sul e no Sudeste Asiático; que, contudo, foram registados alguns desenvolvimentos positivos nos últimos anos, por exemplo na Indonésia, que aboliu a discriminação de género nos seus procedimentos de aquisição da nacionalidade e reformou a sua lei da nacionalidade em 2006 para que os migrantes indonésios que passem mais de cinco anos no estrangeiro já não possam ser privados da sua cidadania se essa perda resultar em apatridia; no Camboja, onde o registo de nascimento passou a ser realizado gratuitamente nos primeiros 30 dias após o nascimento; no Vietname, que em 2008 facilitou a naturalização de qualquer pessoa que fosse residente apátrida e vivesse há mais de 20 anos no Vietname; e na Tailândia, onde, após a reforma das leis da nacionalidade e do registo civil, 23 000 apátridas adquiriram a nacionalidade desde 2011;

Y.  Considerando que é da maior importância que os governos e as autoridades pertinentes de todos os países da região cumpram plenamente o princípio da não repulsão e protejam os refugiados, em conformidade com as suas obrigações internacionais e as normas internacionais em matéria de direitos humanos;

Z.  Considerando que os grupos de apátridas devem ter acesso a programas humanitários que prestem assistência a nível de saúde, educação alimentar e nutrição;

1.  Manifesta preocupação perante os milhões de casos de apatridia existentes em todo o mundo, em particular na Ásia do Sul e no Sudeste Asiático, e expressa a sua solidariedade para com os apátridas;

2.  Manifesta a sua apreensão perante a situação da minoria Rohingya em Mianmar/Birmânia; está consternado com os relatos de violações em massa dos direitos humanos e da contínua repressão, discriminação e não reconhecimento dos Rohingya como parte da sociedade de Mianmar/Birmânia, naquilo que parece uma campanha coordenada de limpeza étnica; salienta que os Rohingya vivem no território de Mianmar/Birmânia há muitas gerações e que têm todo o direito à cidadania do país, tal como o tiveram no passado, e a todos os direitos e obrigações que isso implica; insta o governo e as autoridades de Mianmar/Birmânia a restabelecerem a cidadania do país para a minoria Rohingya; insta, além disso, a abertura imediata do Estado de Rakhine a organizações humanitárias, observadores internacionais, ONG e jornalistas; crê que serão necessárias investigações imparciais, com vista a responsabilizar os autores de violações dos direitos humanos; crê ainda que são necessárias medidas urgentes para impedir novos atos de discriminação, hostilidade e violência contra minorias ou instigação a tais atos; espera que a laureada com o Prémio Nobel da Paz e o Prémio Sakharov, Suu Kyi, utilize os seus diversos cargos no Governo de Mianmar/Birmânia para chegar a uma solução;

3.  Lamenta que o estatuto de apátrida seja, em alguns casos, instrumentalizado para marginalizar comunidades específicas e privá-las dos seus direitos; considera que a inclusão jurídica, política e social das minorias constitui um elemento fundamental de uma transição democrática e que a resolução das questões relacionadas com a apatridia contribuiria para uma melhor coesão social e estabilidade política;

4.  Chama a atenção para o facto de a apatridia poder originar uma crise humanitária significativa e reitera que os apátridas devem ter acesso a programas humanitários; salienta que a apatridia implica, muitas vezes, a falta de acesso a educação, serviços de saúde, trabalho, liberdade de circulação e segurança;

5.  Manifesta a sua preocupação perante a ausência de dados sobre a apatridia na Ásia do Sul e no Sudeste Asiático, com poucos ou nenhuns dados disponíveis sobre o Butão, a Índia, o Nepal e Timor-Leste, por exemplo; manifesta ainda a sua preocupação pelo facto de, mesmo quando estão disponíveis números totais, não existirem dados desagregados sobre as mulheres, as crianças e outros grupos vulneráveis, por exemplo; realça que este défice de informação dificulta ainda mais a formulação de ações específicas, inclusive no quadro da campanha do ACNUR para erradicar a apatridia até 2024; incentiva vivamente os países da Ásia do Sul e do Sudeste Asiático a produzirem dados desagregados fiáveis e públicos sobre a apatridia;

6.  Congratula-se pelo facto de existirem também exemplos positivos, como a iniciativa das Filipinas, em maio de 2016, de abordar a necessidade de dados sobre a escala e a situação das crianças apátridas na região; apela à UE para que ofereça a sua cooperação e o seu apoio, a fim de fazer um levantamento abrangente da apatridia e identificar projetos que possam pôr fim à apatridia na região;

7.  Manifesta a sua extrema preocupação pelo facto de os Estados do Brunei, da Malásia e do Nepal possuírem legislação discriminatória com base no género; salienta a necessidade de rever, especificamente, as disposições relacionadas com a legislação sobre a nacionalidade na Convenção sobre os Direitos da Criança e na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW);

8.  Congratula-se com a evolução positiva na região e os esforços nas Filipinas, no Vietname e na Tailândia, e incentiva os países da região a trabalharem em conjunto e a partilharem bons exemplos e esforços, a fim de porem fim à apatridia em toda a região;

9.  Relembra a situação pós-apatridia na região e o princípio de participação dos direitos humanos; promove a inclusão das comunidades afetadas pela apatridia e das pessoas anteriormente apátridas nos projetos e planos de desenvolvimento; incentiva os governos e os projetos de desenvolvimento a abordarem a discriminação pós-apatridia, inspirados pelo artigo 4.º, n.º 1, da CEDAW, que visa acelerar a igualdade de facto;

10.  Embora reconhecendo a soberania nacional em relação a questões como a cidadania, exorta os países com populações apátridas a tomarem medidas concretas no sentido de resolver esta questão, em conformidade com os princípios consagrados nas convenções internacionais que todos assinaram e, em particular, na Convenção sobre os Direitos da Criança; regista a quantidade de desenvolvimentos positivos ocorridos na região;

11.  Insta o Governo do Bangladeche a comprometer-se a um roteiro claro que permita a aplicação total do Acordo de Paz de Chittagong Hill Tracts, de 1997, permitindo, desta forma, a reabilitação da população Jumma deslocada, que vive atualmente na Índia e é apátrida;

12.  Incentiva vivamente os Estados a aplicarem a salvaguarda, igualmente consagrada na Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia, de 1961, de que é concedida a nacionalidade do Estado em que a pessoa nasceu se, de outro modo, ficar apátrida;

13.  Destaca a relação entre apatridia e vulnerabilidade social e económica; exorta os governos dos países em desenvolvimento a prevenirem a negação, a perda ou a privação da nacionalidade por motivos discriminatórios, a adotarem leis nacionais equitativas em matéria de nacionalidade e a estabelecerem procedimentos de documentação da nacionalidade acessíveis, a preços razoáveis e não discriminatórios;

14.  Congratula-se com o compromisso assumido pelo Conselho, nas suas conclusões sobre o Plano de Ação para os Direitos Humanos e a Democracia (2015-2019), de abordar a questão da apatridia nas relações com os países prioritários e, além disso, saúda o compromisso do Conselho de reforçar as suas relações com a ASEAN; recomenda que a ênfase dos esforços se estenda para além do aparecimento de populações apátridas provocado por um conflito, uma deslocação e o desmembramento de Estados, a fim de incluir, igualmente, outros aspetos relevantes, tais como a apatridia resultante da discriminação e devida à falta de registo de nascimento e civil;

15.  Relembra a ação prometida no Plano de Ação da UE para os Direitos Humanos e a Democracia (2015-2019) no sentido de desenvolver um quadro comum entre a Comissão e o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), a fim de levantar questões de apatridia junto de países terceiros; salienta que a elaboração e a divulgação de um quadro formal teriam um papel fundamental no apoio da União Europeia ao objetivo do ACNUR de erradicar a apatridia no mundo até 2024;

16.  Solicita à UE que promova a criação de soluções mundiais para a apatridia, juntamente com estratégias locais ou regionais específicas, visto que uma abordagem de «tamanho único» não será suficientemente eficaz para resolver a apatridia;

17.  Considera que a UE deve realçar, com mais firmeza, o importante impacto da apatridia em questões de âmbito mundial, tais como a erradicação da pobreza, a aplicação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), a promoção dos direitos da criança e a necessidade de resolver as questões da migração ilegal e do tráfico de seres humanos;

18.  Congratula-se com a adoção do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 16.9, que prevê a concessão de identidade jurídica e registo de nascimento a todos; lamenta, contudo, que a apatridia não seja referida explicitamente na Agenda 2030, nem como motivo de discriminação nem como meta de redução da pobreza; insta a UE e os seus Estados-Membros a considerarem a inclusão de indicadores de apatridia nos seus mecanismos de monitorização e de comunicação, quando da aplicação dos ODS;

19.  Salienta a importância de uma estratégia de comunicação eficaz sobre a apatridia, a fim de sensibilizar para esta questão; insta a UE a comunicar mais e melhor sobre a apatridia, em cooperação com o ACNUR e através das suas delegações nos países terceiros em causa, e a concentrar-se nas violações dos direitos humanos que ocorreram como consequência da apatridia;

20.  Apela à UE para que desenvolva uma estratégia abrangente relativa à apatridia que tenha por base dois conjuntos de medidas; considera que o primeiro conjunto deve lidar com situações urgentes e o segundo deve definir medidas a longo prazo para pôr fim à apatridia; crê que a estratégia se deve concentrar num número limitado de prioridades e que a UE deve assumir a liderança em caso de situações urgentes, a fim de sensibilizar para a apatridia a nível internacional;

21.  Salienta que a estratégia abrangente da UE sobre a apatridia deve ser adaptável às situações específicas que os apátridas enfrentam; realça que, para definir medidas adequadas, é necessário distinguir entre a apatridia que resulta da falta de capacidades administrativas e a apatridia que resulta de políticas estatais discriminatórias contra determinadas comunidades ou minorias;

22.  Recomenda que os Estados-Membros atribuam prioridade ao apoio aos desenvolvimentos positivos na resolução da apatridia na Ásia do Sul e no Sudeste Asiático, e propõe uma nova abordagem política abrangente que inclua:

–  incentivar os Estados a aderirem às convenções em matéria de apatridia, realçando os seus benefícios nos contactos bilaterais entre parlamentos e ministérios;

  apoiar os organismos setoriais da ASEAN e a SAARC no apoio aos respetivos Estados membros, a fim de intensificar a aplicação do direito a uma nacionalidade e de pôr fim à apatridia;

–  destacar o valor das convenções em matéria de apatridia nos fóruns multilaterais;

–  defender junto dos Estados os benefícios da recolha de dados nacionais intersetoriais, desagregados e verificáveis sobre apátridas e sobre aqueles com nacionalidade indeterminada, pois a identificação dos apátridas é o primeiro passo para os Estados em questão tomarem as medidas necessárias para pôr fim à apatridia; os dados recolhidos serão, então, utilizados para efeitos de registo, documentação, prestação de serviços públicos, manutenção da ordem pública e planeamento do desenvolvimento;

–  salientar, de forma consistente, que o registo de nascimento deve ser gratuito, facilmente acessível e realizado numa base não discriminatória;

  realçar, de forma consistente, que os regimes de gestão da identidade nacional devem incluir e proporcionar documentos de identificação a todas as pessoas do território, incluindo grupos de difícil acesso e marginalizados que possam estar em risco de apatridia ou sem nacionalidade;

  apoiar os países da Ásia do Sul e do Sudeste Asiático na garantia do acesso à educação a todas as pessoas, incluindo as crianças apátridas, pois a apatridia constitui um obstáculo significativo que impede as crianças de terem acesso a igualdade de oportunidades no domínio da educação;

  incentivar o importante papel da tecnologia inovadora, utilizando programas de registo digital dos nascimentos para melhorar o registo e o arquivamento;

  resolver a questão do teor e da aplicação das leis da nacionalidade e da privação arbitrária ou recusa do direito a uma nacionalidade por motivos étnicos, o que constitui uma importante causa de apatridia na região;

  incentivar os Estados da região a responder às necessidades das mulheres e às questões relacionadas com a violência sexual e com base no género, através de abordagens de direitos humanos e baseadas na comunidade, nomeadamente para as vítimas de tráfico;

  abordar a questão das leis da nacionalidade e da discriminação em função do género, uma vez que alguns países tornam difícil, ou mesmo impossível, que as mães transmitam a sua cidadania aos filhos;

–  assegurar que todos os projetos de desenvolvimento e toda a ajuda humanitária aos quais a UE concede financiamento sejam definidos de modo a que a abordagem da apatridia seja incluída, sempre que pertinente;

–  reforçar a capacidade dos intervenientes e das instituições da UE pertinentes de compreenderem, avaliarem, programarem e apresentarem relatórios sobre as questões da apatridia; efetuar relatórios regulares sobre as realizações da UE no âmbito da luta contra a apatridia, nomeadamente através da integração de uma secção sobre a apatridia no Relatório Anual da UE sobre os Direitos Humanos e a Democracia no Mundo;

–  assegurar que a apatridia, a nacionalidade e a cidadania são devidamente incluídas nas estratégias de direitos humanos e democracia dos países, e que estas se baseiem no princípio de que todos, independentemente do género, da raça, da cor, da pele, da fé ou da religião, da origem nacional ou da pertença a uma minoria nacional ou étnica, têm direito à nacionalidade; abordar a questão da apatridia em todos os diálogos sobre política e direitos humanos com os países em questão;

  estabelecer diretrizes da UE em matéria de direitos humanos sobre a apatridia, a fim de proporcionar objetivos concretos e mensuráveis aos esforços da UE para eliminar a apatridia em todo o mundo;

  intensificar o diálogo sobre a apatridia na Ásia do Sul e no Sudeste Asiático, tanto com as organizações regionais e internacionais pertinentes como com os vizinhos dos países da Ásia do Sul e do Sudeste Asiático e outros países ativos na região;

  assegurar que os participantes nas missões de observação eleitoral estão conscientes das questões de apatridia, sempre que pertinente;

–  salientar a necessidade de dotar os órgãos regionais de defesa dos direitos humanos de capacidades para poderem desempenhar um papel mais ativo na identificação e na eliminação da apatridia;

–  reservar fundos adequados nos orçamentos do Instrumento de Cooperação para o Desenvolvimento, do Fundo Europeu de Desenvolvimento e do Instrumento Europeu para a Democracia e os Direitos Humanos para as ONG e outras organizações que trabalhem no sentido de chegar às comunidades apátridas; promover parcerias entre as organizações da sociedade civil e as comunidades apátridas, a fim de dotar estas de capacidades para lutar pelos seus direitos;

–  incentivar a coordenação entre os países para enfrentar a apatridia, em particular quando esta tem efeitos transfronteiriços, incluindo o intercâmbio das melhores práticas na aplicação das normas internacionais relacionadas com a luta contra a apatridia;

–  assegurar o acompanhamento, nomeadamente a sensibilização e o apoio técnico às administrações públicas como reforço das capacidades, incluindo a nível local, para quando tiverem ocorrido desenvolvimentos positivos que precisem de ser executados na prática, como na Tailândia, nas Filipinas, no Vietname e no Bangladeche, onde foi restabelecido o direito à cidadania dos Biharis, incluindo o direito de voto;

23.  Insta os Governos do Brunei Darussalã, da Malásia e do Nepal a combaterem as formas de discriminação com base no género presentes nas respetivas leis da nacionalidade e a promoverem o direito das crianças a uma nacionalidade;

24.  Assinala a relação existente entre apatridia e deslocações forçadas, nomeadamente em regiões afetadas por conflitos; recorda que, pelo menos, 1,5 milhões de apátridas no mundo são refugiados ou antigos refugiados, incluindo muitas mulheres jovens e raparigas;

25.  Relembra que a apatridia no mundo não está, em grande parte, cartografada nem é suficientemente denunciada, e que os dados existentes se baseiam em definições diferentes; exorta a comunidade internacional a adotar uma definição comum e a colmatar as lacunas existentes na recolha de dados para a aferição da apatridia nos países em desenvolvimento, nomeadamente através da prestação de assistência às autoridades locais no que respeita à definição de métodos adequados para a quantificação, a identificação e o registo de apátridas, bem como para o reforço das suas capacidades estatísticas;

26.  Convida a Comissão a promover o intercâmbio de boas práticas entre os Estados‑Membros, incentiva a coordenação ativa dos pontos de contacto nacionais para apátridas e acolhe com agrado a campanha #IBelong;

27  Destaca o papel fundamental da Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas de 1954 e da Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia de 1961, que requerem o estabelecimento de quadros jurídicos para a identificação e a proteção dos apátridas e a prevenção da apatridia e que podem funcionar como um importante primeiro passo para os Estados que queiram progredir na resolução do problema da apatridia;

28.  Congratula-se com o apoio prestado pela UE aos apátridas da Ásia do Sul e do Sudeste Asiático através de vários instrumentos e incentiva a União a prosseguir os seus esforços no sentido de dar resposta às consequências da apatridia no desenvolvimento, na paz e na estabilidade enquanto parte integrante dos seus programas de cooperação para o desenvolvimento e, de forma mais ampla, da sua ação externa;

29.  Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho e à Comissão, bem como aos Governos dos Estados-Membros.

  • [1]  http://www.unhcr.org/excom/exconc/453497302/conclusion-identification-prevention-reduction-statelessness-protection.html
  • [2]  http://www.unhcr.org/protection/statelessness/54621bf49/global-action-plan-end-statelessness-2014-2024.html
  • [3]  http://www.refworld.org/docid/57e3dc204.html
  • [4]  http://www.ohchr.org/Documents/ProfessionalInterest/vienna.pdf
  • [5]  http://www.refworld.org/docid/54620fb54.html
  • [6]  http://www.asean.org/wp-content/uploads/images/ASEAN_RTK_2014/6_AHRD_Booklet.pdf
  • [7]  https://ec.europa.eu/anti-trafficking/sites/antitrafficking/files/council_conclusions_on_the_action_plan_on_human_rights_and_democracy_2015_-_2019.pdf
  • [8]  https://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/EN/foraff/131181.pdf
  • [9]  http://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2015/12/04-council-adopts-conclusions-on-statelessness/
  • [10]  http://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2016/06/20-fac-conclusions-myanmar-burma/
  • [11]  Textos Aprovados, P8_TA(2016)0404.
  • [12]  Textos Aprovados, P8_TA(2016)0316.
  • [13]  Textos Aprovados, P8_TA(2015)0076.

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

Apesar de o direito à nacionalidade estar consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem há quase 70 anos, para milhões de pessoas ainda se trata de uma fantasia aparentemente inatingível.

A definição internacional de apátrida é «toda a pessoa que não seja considerada por qualquer Estado, segundo a sua legislação, como seu nacional».

É importante ter em mente que a maioria dos apátridas não são refugiados. Por outras palavras, não deixaram o lugar de nascimento voluntariamente. Contudo, alguns apátridas tornaram-se refugiados depois de terem sido forçados a fugir do país onde nasceram.

Entre as causas da apatridia incluem-se algumas menos nefastas, embora problemáticas, como o termo do prazo de validade da nacionalidade por residência fora do país de origem durante um longo período de tempo.

No entanto, existem mais causas que são motivo de séria preocupação.

É o caso das leis da nacionalidade que são exploradas para discriminar os apátridas (como acontece com os Rohingya em Mianmar/Birmânia, onde foram excluídos da lista de 135 grupos étnicos oficialmente reconhecidos pelo Governo). A discriminação em função do género, em que as mulheres não têm o direito de transmitir a nacionalidade aos seus descendentes nas mesmas condições que os homens ou que perdem a nacionalidade através do casamento, constitui também um grande obstáculo. Além disso, existem obstáculos administrativos e burocráticos que decorrem do facto de pessoas que vivem em áreas remotas não terem recursos para registar os nascimentos, o que conduz posteriormente a problemas.

Existem preocupações mais amplas em torno da apatridia, uma vez que esta cria barreiras injustas no local de trabalho, pode impedir as pessoas de se casarem, impossibilitar o acesso aos cuidados de saúde e à educação, bem como obstruir o direito à propriedade. Além disso, contribui para o tráfico de seres humanos, tornando as crianças especialmente vulneráveis.

Infelizmente, a apatridia é uma situação que afeta cerca de dez milhões de pessoas em todo o mundo. Contudo, para efeitos de clareza, o relator gostaria de destacar dois grupos em particular, os Rohingya e os Biharis, que em muitos aspetos passaram a simbolizar a situação das pessoas apátridas a nível mundial.

O relator sublinha a forma como as organizações internacionais e a cooperação podem ajudar a promover o acesso à nacionalidade por parte dos apátridas e a evitar no futuro novos casos de apatridia em grande escala.

O papel da UE na luta contra a apatridia deve ser analisado, nomeadamente quais os programas que foram financiados e se tiveram ou não êxito, incluindo exemplos de envolvimento multilateral.

Por último, o relator salienta exemplos de boas práticas para mostrar que países terceiros (Indonésia, Camboja, Vietname) podem aplicar medidas que conduzem na direção certa.

Exemplos de boas práticas

A Indonésia reformou a sua lei da nacionalidade em 2006, por forma a que os migrantes indonésios que passem mais de cinco anos no estrangeiro não percam a cidadania.

O Camboja tornou gratuito o registo de nascimento efetuado nos primeiros 30 dias após o nascimento. Há muito que a UNICEF trabalha na melhoria do registo de nascimento e dos registos civis.

O Vietname aprovou a lei da nacionalidade vietnamita em 2008, a fim de resolver o problema dos residentes apátridas de longo prazo, tendo concedido a nacionalidade a qualquer pessoa que fosse residente apátrida e vivesse há mais de 20 anos no Vietname.

Exemplos específicos

Mianmar/Birmânia

As sementes de tensão no país são profundas e de longa data, remontando, no mínimo, a 1826 e ao fim da Primeira Guerra Anglo-Birmanesa. Os britânicos venceram a guerra e adquiriram o controlo do Arracão, tendo incentivado as pessoas de Bengala, incluindo os Rohingya, a mudarem-se da Índia britânica para o Arracão. Esse influxo súbito de muçulmanos Rohingya causou tensão no Arracão budista. Mianmar, anteriormente Birmânia, tornou-se uma nação independente em 1948. Até ser derrubado pelo golpe militar e tornar-se uma ditadura em 1962, o novo Estado de Mianmar/Birmânia era democrático. Os Rohingya são um grupo de pessoas originárias do estado do Arracão na Birmânia, na fronteira entre a Birmânia e o Bangladeche. Constituem uma minoria em Mianmar/Birmânia em termos de religião, uma vez que seguem o culto, a cultura e a língua islâmicos. A religião maioritária em Mianmar/Birmânia é o budismo. Entre a Segunda Guerra Mundial e o golpe de Estado de 1962, os Rohingya defendiam a existência da sua própria nação do Arracão. Com o golpe, o novo ditador reprimiu os Rohingya e estes tornaram-se oficialmente apátridas pela lei da cidadania birmanesa de 1982.

Estima-se que residem em Mianmar/Birmânia entre 800 mil e 1,2 milhões de apátridas Rohingya, que representam cerca de 80 % a 98 % da população no estado de Rakhine, em Mianmar/Birmânia. No entanto, ainda continuam sem nacionalidade e são referidos pelo Governo como «Bengalis apátridas». Os Rohingya são considerados uma das minorias mais perseguidas do mundo, sendo forçados a trabalhar essencialmente como escravos e sendo-lhes negado os direitos humanos básicos.

Muitos migraram, fugindo da perseguição e das dificuldades que enfrentavam em Mianmar/Birmânia. Estabeleceram-se como refugiados no vizinho Bangladeche entre 200 mil e 400 mil Rohingya – ainda sem ajuda humanitária e reconhecimento do Governo do Bangladeche e, portanto, continuam sem nacionalidade. Vivem em acampamentos, sendo apenas 33 mil apoiados pelo Bangladeche em campos registados onde existe alguma, mas pouca, ajuda humanitária, como, por exemplo, sabão para as crianças se lavarem. Os acampamentos são fortemente policiados, sendo impossível viver sem o medo de serem mortos pelos guardas. Mais de 200 mil apátridas Rohingya vivem em condições deploráveis no restante território do Bangladeche, em acampamentos não registados.

As eleições em Mianmar/Birmânia em 2015 trouxeram uma breve esperança, uma vez que terminara a ditadura militar e foi eleita Aung San Suu Kyi. No entanto, o novo Governo não apresentou medidas sobre este assunto, apesar de ser conhecido por defender os direitos das minorias.

Em 2015, a Primeira-Ministra do Bangladeche, Sheikh Hasina, anunciou planos para deslocar os acampamentos Rohingya para uma ilha na Baía de Bengala, devido ao receio de o turismo estar a ser prejudicado pela presença de Rohingya, afirmando que «não podemos continuar a acolhê-los». Nem Mianmar/Birmânia nem o Bangladeche querem declarar os Rohingya como parte do seu país e conceder-lhes a cidadania, já para não falar dos outros países para os quais os Rohingya têm fugido, tais como a Tailândia e a Malásia.

A forma como os Rohingya são tratados tem sido alvo de atenção acrescida nos meios de comunicação social após os motins de Rakhine em 2012 e a crise dos refugiados Rohingya em 2015. Em 2012, o estado de Rakhine sofreu uma enorme perturbação, com o desencadear de uma luta entre os muçulmanos Rohingya e os budistas Rakhine, que provocou 88 mortos e em que milhares de casas ficaram completamente queimadas. As ONG têm criticado Mianmar/Birmânia, argumentando que os motins são provocados por décadas de discriminação em relação ao povo Rohingya. No verão de 2015, os Rohingya voltaram a receber atenção por parte dos meios de comunicação social como «boat people» («pessoas dos barcos»), uma vez que muitos foram traficados de Mianmar/Birmânia e do Bangladeche para países como a Indonésia e a Tailândia e vendidos para trabalhar essencialmente como escravos em navios de pesca. Na Tailândia, foram descobertas valas comuns de Rohingya. Mianmar/Birmânia ainda está a tentar fazer com que os Rohingya se identifiquem como bengalis, essencialmente para eliminar a raça. Investigadores em universidades e iniciativas contra o crime alegam que o Governo de Mianmar/Birmânia está a planear uma ação sistemática semelhante ao genocídio para erradicar os Rohingya. De acordo com o ACNUR, no primeiro trimestre de 2015, 25 mil Rohingya fugiram de suas casas (principalmente de Mianmar/Birmânia) em barcos de tráfico.

Porquê destacar os Rohingya em Mianmar/Birmânia?

São a maior população a nível mundial de povos apátridas. Representam quase 20 % da apatridia mundial, uma vez que existem 2 milhões de Rohingya e 10 milhões de apátridas em todo o mundo. Além disso, são uma das minorias mais perseguidas do mundo.

Houve alguma comunicação ou cooperação entre o Governo de Mianmar/Birmânia e as organizações internacionais que procuram ajudar os Rohingya?

Em junho de 2015, foi realizada uma reunião, que contou com a presença de 17 países, para abordar a crise do Sudeste Asiático. Não teve participação a nível ministerial e durou apenas um dia. O representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Mianmar/Birmânia, o Diretor-Geral Htin Lynn, afirmou que não se podia destacar o seu país em matéria de migração ilegal das «boat people», numa resposta severa a um apelo do ACNUR para resolver as causas da crise migratória em curso, incluindo a questão da apatridia.

«The National» de 18 de junho de 2015 – Um modelo europeu?

No entanto, não é impossível uma solução duradoura que acabe com a fuga dos Rohingya de Mianmar/Birmânia. Na Europa, onde os países enfrentam uma crise migratória de proporções muito superiores, a Comissão Europeia elaborou um plano para reinstalar os refugiados que distribui os migrantes com base na prosperidade do Estado-Membro da UE, no número de refugiados já acolhidos, na taxa de desemprego e noutros fatores. Os países do Sudeste Asiático poderiam criar uma fórmula semelhante, baseada no PIB, na taxa de desemprego e noutros fatores, para determinar quantos refugiados deveriam ser reinstalados.

Este plano ainda tem muitos pormenores que precisam de ser trabalhados e os líderes europeus enfrentam muitos grupos políticos nacionais que se opõem à reinstalação de migrantes; no entanto, é um plano que pode funcionar, o que é muito mais do que o Sudeste Asiático tem. As potências internacionais também poderiam comprometer-se a reinstalar um determinado número de Rohingya por ano durante a próxima década, promessas públicas às quais estariam vinculados. Embora os Rohingya pudessem levar algum tempo a habituarem-se aos Estados Unidos, Washington acolheu no passado um grande número de migrantes de culturas muito diferentes – os Hmong nas décadas de 1970 e 1980 ou os Butaneses nos últimos 10 anos.

Bangladeche

História da situação no Bangladeche

O Bangladeche tornou-se independente em 1971 após o Paquistão Oriental se separar do Paquistão Ocidental, criando o novo Estado do Bangladeche. O Paquistão separou-se da Índia em 1947. Muitos muçulmanos de língua urdu, da região indiana de Bihar, mudaram-se para o Paquistão Oriental, nomeadamente os Biharis. No entanto, durante o movimento de independência apoiaram o Paquistão Ocidental, pois identificavam-se mais com os seus valores. Após a independência do Bangladeche em 1971, os Biharis não ficaram a ser cidadãos do Bangladeche nem do Paquistão. Além disso, não tinham apoio no Bangladeche, pois eram considerados como uma minoria que apoiava o inimigo. O nome «Bihari» significa «paquistanês isolado». Na altura do movimento de independência em 1971, os Biharis foram submetidos a muitas atrocidades: assassinatos, violações, saques. Ainda hoje são tratados de forma terrível no Bangladeche, forçados a viver em condições exíguas em acampamentos com milhares de pessoas, com péssimas condições de saneamento. Muitos estão impossibilitados de trabalhar, abrir uma conta bancária, ter um passaporte, as crianças Biharis são impedidas de receber educação nas escolas públicas caso vivam nos acampamentos, pelo que muitos são forçados a mudar de identidade. As doenças são comuns, não existem cuidados de saúde e as taxas de natalidade e de mortalidade são elevadas.

Corrigir a apatridia: muitos Biharis queriam voltar ao Paquistão. Após 1971, foram repatriados para o Paquistão 170 mil Biharis. No entanto, representavam apenas um terço. As autoridades paquistanesas impuseram condições para o repatriamento, o que é inconstitucional e imoral. Alegaram que não queriam a deslocação em massa de um grupo de pessoas que regressasse ao Paquistão e perturbasse o equilíbrio. No entanto, muitos, cerca de 100 mil, voltaram ao Paquistão sem o apoio do Governo e agora vivem como apátridas. Contudo, ainda existiam 250 mil apátridas Biharis no Bangladesh em 2006.

O ano de 2008 foi um ponto de viragem. Uma decisão do Supremo Tribunal determinou que o Governo deveria conceder a cidadania a todos os Biharis de língua urdu. Agora todos os residentes dos acampamentos têm cartões de identificação e direito de voto. Esta decisão fez com que deixasse de haver quase 300 mil apátridas no Bangladeche.

No entanto, os Biharis ainda enfrentam lutas diárias. Viver no acampamento significa que milhares não podem obter um passaporte. Como estão sujeitos a taxas administrativas, não conseguem ter acesso a muitos serviços no país. Milhares ainda vivem na pobreza.

PARECERDA COMISSÃO DO DESENVOLVIMENTO (31.1.2017)

dirigido à Comissão dos Assuntos Externos

sobre os casos de apatridia na Ásia do Sul e no Sudeste Asiático
(2016/2220(INI))

Relatora de parecer: Maria Heubuch

SUGESTÕES

A Comissão do Desenvolvimento insta a Comissão dos Assuntos Externos, competente quanto à matéria de fundo, a incorporar as seguintes sugestões na proposta de resolução que aprovar:

A.  Considerando que as pessoas apátridas – cujo número é calculado entre 10 e 15 milhões, embora as estatísticas do ACNUR só registem 3,5 milhões – estão distribuídas de forma desigual à escala mundial; considerando que 5 dos 20 Estados com mais de 10 000 pessoas identificadas como apátridas se situam na Ásia do Sul e no Sudeste Asiático;

B.  Considerando que a apatridia tem consequências desconcertantes nos direitos humanos – incluindo os direitos civis, políticos e económicos –, o desenvolvimento e a estabilidade internacional, bem como repercussões importantes nos deveres cívicos, no direito de propriedade, no acesso à terra, à segurança social e a serviços como os cuidados de saúde e a educação, para além de que também enfraquece o estatuto social das pessoas; considerando que a apatridia põe em causa as perspetivas de desenvolvimento das populações afetadas, bem como a aplicação efetiva da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável;

C.  Considerando que o problema complexo da apatridia continua a ser relegado para o plano mais periférico da política e do direito internacionais, ainda que não se trate de uma questão marginal;

1.  Destaca a relação entre apatridia e vulnerabilidade económica e social; exorta os governos dos países em desenvolvimento a prevenirem a negação, a perda ou a privação da nacionalidade por motivos discriminatórios, a adotarem leis nacionais equitativas em matéria de nacionalidade e a estabelecerem procedimentos de documentação da nacionalidade acessíveis, a preços razoáveis e não discriminatórios;

2.  Congratula-se com a adoção do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16.9, que prevê a concessão de identidade jurídica e registo de nascimento a todos; lamenta, contudo, que a apatridia não seja referida explicitamente na Agenda 2030, nem como motivo de discriminação nem como meta de redução da pobreza; insta a UE e os seus Estados-Membros a considerarem a inclusão de indicadores de apatridia nos seus mecanismos de monitorização e de comunicação, aquando da implementação dos ODS;

3.  Insta os Governos do Brunei Darussalã, da Malásia e do Nepal a combaterem as formas de discriminação com base no género presentes nas respetivas leis em matéria de nacionalidade e a promoverem o direito das crianças a uma nacionalidade;

4.  Assinala a relação existente entre apatridia e deslocações forçadas, nomeadamente em regiões afetadas por conflitos; recorda que, pelo menos, 1,5 milhões de pessoas apátridas no mundo são refugiados ou antigos refugiados, incluindo muitas mulheres jovens e raparigas;

5.  Relembra que a apatridia no mundo não está, em grande parte, cartografada nem é suficientemente denunciada, e que os dados existentes se baseiam em definições diferentes; exorta a comunidade internacional a adotar uma definição comum e a colmatar as lacunas existentes na recolha de dados para a aferição da apatridia nos países em desenvolvimento, nomeadamente através da prestação de assistência às autoridades locais no que respeita à definição de métodos adequados para a quantificação, a identificação e o registo de apátridas, bem como a reforçar as suas capacidades estatísticas;

6.  Convida a Comissão a promover o intercâmbio de boas práticas entre os Estados-Membros, incentiva a coordenação ativa dos pontos de contacto nacionais para apátridas e acolhe com agrado a campanha #IBelong;

7.  Convida os Estados-Membros a concederem o estatuto de proteção aos migrantes apátridas;

8.  Congratula-se com o apoio prestado pela UE aos apátridas da Ásia do Sul e do Sudeste Asiático através de vários instrumentos e incentiva a União a prosseguir os seus esforços no sentido de dar resposta às consequências da apatridia no desenvolvimento, na paz e na estabilidade enquanto parte integrante dos seus programas de cooperação para o desenvolvimento e, de forma mais ampla, da sua ação externa.

RESULTADO DA VOTAÇÃO FINAL NA COMISSÃO ENCARREGADA DE EMITIR PARECER

Data de aprovação

25.1.2017

 

 

 

Resultado da votação final

+:

–:

0:

19

0

2

Deputados presentes no momento da votação final

Doru-Claudian Frunzulică, Enrique Guerrero Salom, Heidi Hautala, Maria Heubuch, György Hölvényi, Stelios Kouloglou, Arne Lietz, Linda McAvan, Norbert Neuser, Maurice Ponga, Cristian Dan Preda, Lola Sánchez Caldentey, Elly Schlein, Eleni Theocharous, Paavo Väyrynen, Bogdan Brunon Wenta, Anna Záborská, Joachim Zeller

Suplentes presentes no momento da votação final

Agustín Díaz de Mera García Consuegra, Adam Szejnfeld, Jan Zahradil

INFORMAÇÕES SOBRE A APROVAÇÃONA COMISSÃO COMPETENTE QUANTO À MATÉRIA DE FUNDO

Data de aprovação

11.4.2017

 

 

 

Resultado da votação final

+:

–:

0:

54

2

3

Deputados presentes no momento da votação final

Lars Adaktusson, Francisco Assis, Amjad Bashir, Bas Belder, Mario Borghezio, Elmar Brok, Fabio Massimo Castaldo, Lorenzo Cesa, Javier Couso Permuy, Andi Cristea, Arnaud Danjean, Georgios Epitideios, Knut Fleckenstein, Eugen Freund, Michael Gahler, Sandra Kalniete, Karol Karski, Tunne Kelam, Janusz Korwin-Mikke, Eduard Kukan, Arne Lietz, Barbara Lochbihler, Sabine Lösing, Ulrike Lunacek, Andrejs Mamikins, Alex Mayer, David McAllister, Francisco José Millán Mon, Javier Nart, Pier Antonio Panzeri, Demetris Papadakis, Ioan Mircea Paşcu, Alojz Peterle, Tonino Picula, Kati Piri, Julia Pitera, Cristian Dan Preda, Jozo Radoš, Jordi Solé, Charles Tannock, László Tőkés, Ivo Vajgl, Elena Valenciano, Geoffrey Van Orden, Anders Primdahl Vistisen, Boris Zala

Suplentes presentes no momento da votação final

María Teresa Giménez Barbat, Andrzej Grzyb, Antonio López-Istúriz White, Norica Nicolai, Urmas Paet, José Ignacio Salafranca Sánchez-Neyra, Helmut Scholz, Igor Šoltes, Marie-Christine Vergiat

Suplentes (art. 200.º, n.º 2) presentes no momento da votação final

Ramona Nicole Mănescu, Josef Weidenholzer, Jaromír Štětina, Dubravka Šuica