Relatório - A9-0032/2022Relatório
A9-0032/2022

RELATÓRIO sobre a redução do espaço reservado à sociedade civil na Europa

22.2.2022 - (2021/2103(INI))

Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos
Relatora: Anna Júlia Donáth

Processo : 2021/2103(INI)
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A9-0032/2022
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Textos aprovados :


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Índice

Página

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO DO PARLAMENTO EUROPEU

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

PARECER DA COMISSÃO DOS ASSUNTOS JURÍDICOS

INFORMAÇÕES SOBRE A APROVAÇÃO NA COMISSÃO COMPETENTE QUANTO À MATÉRIA DE FUNDO

VOTAÇÃO NOMINAL FINAL NA COMISSÃO COMPETENTE QUANTO À MATÉRIA DE FUNDO

 



PROPOSTA DE RESOLUÇÃO DO PARLAMENTO EUROPEU

sobre a redução do espaço reservado à sociedade civil na Europa

(2021/2103(INI))

O Parlamento Europeu,

 Tendo em conta o Tratado da União Europeia (TUE) e o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE),

 Tendo em conta a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»),

 Tendo em conta a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH),

 Tendo em conta o Regulamento (UE) 2021/692 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de abril de 2021, que cria o Programa Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores e que revoga o Regulamento (UE) n.º 1381/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (UE) n.º 390/2014 do Conselho[1],

 Tendo em conta o Regulamento (UE, Euratom) 2020/2092 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de dezembro de 2020 relativo a um regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da União («Regulamento relativo à condicionalidade»)[2],

 Tendo em conta a Comunicação da Comissão, de 20 de julho de 2021, intitulada «Relatório de 2021 sobre o Estado de Direito: Situação na União Europeia» (COM(2021)0700),

 Tendo em conta as Orientações da Comissão sobre a aplicação das regras da UE em matéria de definição e prevenção do auxílio à entrada, ao trânsito e à residência irregulares, de 23 de setembro de 2020[3],

 Tendo em conta o Relatório do Grupo do Comité Económico e Social Europeu para os Direitos Fundamentais e o Estado de Direito, de junho de 2020, intitulado «Desenvolvimentos nacionais do ponto de vista da sociedade civil, 2018‑2019»,

 Tendo em conta o Relatório da Agência dos Direitos Fundamentais da UE (FRA), de 17 de janeiro de 2018, intitulado «Desafios enfrentados pelas organizações da sociedade civil que trabalham no domínio dos direitos humanos na União Europeia», os seus boletins sobre as consequências em matéria de direitos fundamentais da pandemia de COVID‑19 na UE publicados em 2020 e os seus outros relatórios, dados e ferramentas, em particular o Sistema de Informação da União Europeia sobre Direitos Fundamentais (EFRIS),

 Tendo em conta o Relatório da FRA, de 22 de setembro de 2021, intitulado «A proteção do espaço cívico na UE»,

 Tendo em conta as Orientações conjuntas do Gabinete das Instituições Democráticas e dos Direitos Humanos (ODIHR) da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE) e da Comissão de Veneza, de 1 de janeiro de 2015, sobre a liberdade de associação,

 Tendo em conta o relatório do Conselho da Europa, de 11 de fevereiro de 2019, intitulado «Shrinking space for civil society: the impact on young people and their organisations» [Redução do espaço de intervenção da sociedade civil: o impacto nos jovens e nas suas organizações],

 Tendo em conta as Orientações do ODIHR/OSCE e da Comissão de Veneza, de 8 de julho de 2019, sobre a liberdade de reunião pacífica,

 Tendo em conta a nota de orientação das Nações Unidas, de 23 de setembro de 2020, sobre a proteção e a promoção do espaço cívico,

 Tendo em conta a Declaração das Nações Unidas, de 9 de dezembro de 1998, sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos ou Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais Universalmente Reconhecidos,

 Tendo em conta o Comentário Geral n.º 34 do Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas, de 12 de setembro de 2011, sobre o artigo 19.º: liberdades de opinião e de expressão,

 Tendo em conta o Comentário Geral n.º 37 do Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas, de 17 de setembro de 2020, sobre o artigo 21.º: direito de reunião pacífica,

 Tendo em conta a Convenção da Comissão Económica para a Europa das Nações Unidas, de 15 de junho de 1998, sobre o Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em matéria de Ambiente (doravante designada «Convenção de Aarhus») e a Decisão VII/9, de 21 de outubro de 2021, sobre um mecanismo de resposta rápida para resolver casos relacionados com o artigo 3.º, n.º 8, da Convenção de Aarhus,

 Tendo em conta as Resoluções 2250 (2015), 2419 (2018) e 2535 (2020) das Nações Unidas sobre os jovens, a paz e a segurança,

 Tendo em conta a Declaração das Nações Unidas sobre os Defensores de Direitos Humanos, de 1998,

 Tendo em conta a Recomendação, de 10 de outubro de 2007, do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados‑Membros sobre o estatuto jurídico das organizações não governamentais na Europa,

 Tendo em conta a declaração do Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, de 16 de maio de 2019, intitulada «Let’s defend LGBTI defenders» [Vamos defender os defensores dos direitos das pessoas LGBTI],

 Tendo em conta o Parecer do Comité Económico e Social Europeu (CESE), de 20 de março de 2019, intitulado «Uma democracia resiliente graças a uma sociedade civil forte e diversificada»,

 Tendo em conta o Parecer do CESE, de 19 de outubro de 2017, intitulado «O financiamento das organizações da sociedade civil pela UE»,

 Tendo em conta o Relatório anual de 2020 das organizações parceiras da Plataforma do Conselho da Europa para promover a proteção do jornalismo e a segurança dos jornalistas,

 Tendo em conta a Comunicação da Comissão, de 2 de dezembro de 2020, intitulada «Estratégia para reforçar a aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais na UE» (COM(2020)0711),

 Tendo em conta a Comunicação da Comissão, de 3 de dezembro de 2020, sobre o plano de ação para a democracia europeia (COM(2020)0790),

 Tendo em conta a sua Resolução, de 3 de outubro de 2017, sobre «Fazer face à redução do espaço da sociedade civil nos países em desenvolvimento»[4],

 Tendo em conta a sua Resolução, de 19 de abril de 2018, sobre a necessidade de criar um Instrumento de Valores Europeus para apoiar as organizações da sociedade civil que promovem os valores fundamentais na União Europeia a nível local e nacional[5],

 Tendo em conta a sua Resolução, de 14 de novembro de 2018, sobre a necessidade de um mecanismo abrangente da UE para a proteção da democracia, do primado do Direito e dos direitos fundamentais[6],

 Tendo em conta a sua Resolução, de 7 de outubro de 2020, sobre a criação de um mecanismo da UE para a democracia, o Estado de direito e os direitos fundamentais[7],

 Tendo em conta a sua Resolução, de 13 de novembro de 2020, sobre o impacto das medidas de resposta à COVID‑19 na democracia, no Estado de direito e nos direitos fundamentais[8],

 Tendo em conta a sua Resolução, de 25 de novembro de 2020, sobre o reforço da liberdade dos meios de comunicação social: proteção dos jornalistas na Europa, discursos de ódio, desinformação e o papel das plataformas[9],

 Tendo em conta a sua Resolução, de 26 de novembro de 2020, sobre a situação dos direitos fundamentais na União Europeia ‑ Relatório anual para os anos 2018‑2019[10],

 Tendo em conta a sua Resolução, de 24 de junho de 2021, sobre o relatório de 2020, da Comissão, sobre o Estado de Direito[11],

 Tendo em conta a sua Resolução, de 17 de fevereiro de 2022, que contém recomendações à Comissão sobre um estatuto para as associações europeias transfronteiriças e as organizações sem fins lucrativos[12],

 Tendo em conta a sua Resolução, de 11 de novembro de 2021, sobre o reforço da democracia e da liberdade e do pluralismo dos meios de comunicação social na UE: o recurso abusivo a ações civis e penais para silenciar jornalistas, as ONG e a sociedade civil[13],

 Tendo em conta o artigo 54.º do seu Regimento,

 Tendo em conta o parecer da Comissão dos Assuntos Jurídicos,

 Tendo em conta o relatório da Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos (A9‑0032/2022),

A. Considerando que a União assenta nos valores consagrados no artigo 2.º do TUE e que estes valores são comuns aos Estados‑Membros; que o artigo 11.º, n.º 2, do TUE e o artigo 15.º, n.º 1, do TFUE salientam a importância do diálogo civil para a realização dos objetivos da União;

B. Considerando que as organizações da sociedade civil (OSC) são organizações sem fins lucrativos independentes das instituições públicas e dos interesses comerciais, cujas atividades contribuem para a realização dos valores da UE estabelecidos no artigo 2.º do TUE e dos direitos fundamentais; que as OSC podem assumir várias formas, como associações e fundações; que os defensores dos direitos humanos, os ativistas e os grupos informais são também agentes fundamentais da sociedade civil;

C. Considerando que uma abordagem intersetorial é fundamental para compreender e resolver com êxito as vulnerabilidades que os cidadãos enfrentam na sociedade civil;

D. Considerando que muitas OSC lutam pela sobrevivência e enfrentam problemas de financiamento, o que pode prejudicar seriamente a sua eficácia e a sua capacidade de cumprir o seu mandato;

E. Considerando que a expressão espaço cívico se refere ao quadro jurídico e político em que as pessoas e grupos podem participar de forma significativa na vida política, económica, social e cultural da sua sociedade, exercendo o direito de expressarem opiniões, o direito à informação, de se reunirem, de se associarem e de dialogarem entre si e com as autoridades;

F. Considerando que a liberdade de pensamento e a liberdade de expressão, incluindo no espaço em linha, são a pedra angular de todas as sociedades livre e democráticas; que o ativismo cívico representa a pedra basilar de uma democracia verdadeiramente funcional, assegurando que os direitos das minorias são salvaguardados e respeitados; que as OSC devem ter o direito de participar em assuntos de debate político e público, independentemente de a posição adotada estar de acordo com a política governamental ou de defender uma alteração da lei;

G. Considerando que a liberdade de associação é uma das bases essenciais de uma sociedade democrática e pluralista, dado que permite aos cidadãos agirem coletivamente em domínios de interesse mútuo e contribuírem para o bom funcionamento da vida pública; que a liberdade de associação não inclui apenas a capacidade de criar ou dissolver uma associação, também visa a capacidade de tal associação funcionar sem interferência injustificada do Estado; que a capacidade de procurar, assegurar e utilizar recursos é essencial para o funcionamento de qualquer associação; que a proibição ou dissolução de uma associação deve ser sempre uma medida de último recurso e que tais decisões devem ser sujeitas a recurso jurídico;

H. Considerando que o direito de reunião pacífica é uma pedra angular da democracia, crucial para a criação de uma sociedade tolerante e pluralista em que os grupos com diferentes crenças, práticas ou políticas possam coexistir pacificamente; que as restrições e o policiamento de reuniões pacíficas têm de respeitar a legalidade, necessidade, proporcionalidade e não discriminação;

I. Considerando que o direito à informação é uma condição prévia para um debate público informado e para a responsabilização das autoridades e instituições públicas;

J. Considerando que a liberdade de expressão e de acesso à informação foi restringida em alguns Estados‑Membros, muitas vezes, a pretexto de combater a desinformação em relação à COVID‑19; que as medidas de prevenção do terrorismo ou do discurso de ódio não devem resultar em restrições indevidas à liberdade de expressão; que as ações judiciais estratégicas contra a participação pública foram também utilizadas contra as OSC, os defensores dos direitos humanos e os ativistas que trabalham nos domínios do ambiente, do Estado de direito, dos direitos LGBTIQ+ e dos direitos das mulheres, em vários Estados‑Membros; que estas ações têm um forte efeito dissuasor sobre a liberdade de expressão e o ativismo público;

K. Considerando que a liberdade de associação está a ser enfraquecida em alguns Estados‑Membros através de reformas que colocam as OSC em risco de cancelar o registo ou de convergir processos administrativos excessivamente onerosos, designadamente a aplicação abusiva de medidas ou de políticas de combate ao branqueamento de capitais que restrinjam o direito de participar na defesa;

L. Considerando que, em alguns Estados‑Membros, foram impostas restrições com o objetivo deliberado de limitar o espaço cívico, restrições estas a que se juntam o assédio jurídico, administrativo e fiscal, a criminalização e a retórica negativa com o fim de estigmatizar e deslegitimar as OSC e de lhes retirar a sua capacidade para levarem a cabo o seu trabalho legítimo; que o discurso de ódio, em linha e fora de linha, o assédio verbal e físico e os ataques também têm origem em agentes não estatais; que as OSC e os defensores dos direitos humanos que trabalham no domínio do Estado de direito, da transparência e corrupção, dos direitos das mulheres, incluindo a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos, no domínio das questões ambientais, da proteção dos direitos das minorias e das pessoas LGBTIQ+ e da liberdade de imprensa e de expressão, bem como as que prestam assistência aos migrantes e aos requerentes de asilo e as que realizam operações de busca e salvamento, estão particularmente expostas;

M. Considerando que as restrições do espaço cívico nos países vizinhos também têm implicações e impacto na situação da sociedade civil na UE;

N. Considerando que algumas das OSC nacionais que atuam como organismos de vigilância, designadamente através do controlo e da denúncia das violações de direitos e de liberdades, da defesa e dos litígios, são particularmente visadas por restrições, medidas de retaliação e fiscalização;

O. Considerando que a situação dos defensores dos direitos LGBTIQ+ na Europa foi descrita como preocupante pelo Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, que relatou vários casos de assédio em linha e fora de linha, agressões violentas, campanhas de ódio e ameaças de morte nos Estados‑Membros e nos países vizinhos; que esta tendência está interligada ao recurso a bodes expiatórios de outros grupos minoritários e viola o princípio de que todas as pessoas nascem iguais em dignidade e direitos;

P. Considerando que uma boa relação entre o Estado e os seus cidadãos implica que todos os cidadãos, incluindo as crianças e os jovens, devem poder participar no debate e influenciar as políticas públicas; que as democracias só prosperarão se todos acreditarem nos sistemas democráticos e se as instituições forem credíveis para os cidadãos;

Q. Considerando que alguns Estados‑Membros impuseram restrições à capacidade das OSC para participarem em atividades políticas; que, noutros, a acusação de que são organizações políticas que é feita às OSC se tornou um instrumento para as estigmatizar e deslegitimar; que a deslegitimação das OSC em alguns Estados‑Membros pode manifestar‑se como campanhas de difamação do Estado ou geridas pelos meios de comunicação social; que as OSC denunciam práticas de financiamento que são discriminatórias e restritivas em determinados Estados‑Membros;

R. Considerando que foram adotadas em alguns Estados‑Membros políticas e práticas que provocam um efeito dissuasor sobre o espaço cívico, com o objetivo de levar à autocensura e de dissuadir os agentes cívicos de exercerem os seus direitos; que tais políticas combinam frequentemente disposições vagas, com uma ampla margem discricionária para as autoridades públicas e sanções desproporcionadamente pesadas; que a mera perspetiva da sua aplicação pode ser suficientemente forte para a autocensura funcionar, sem a necessidade de as aplicar efetivamente;

S. Considerando que o direito de reunião pacífica foi restringido devido às regras sobre o distanciamento social necessário na maioria dos Estados‑Membros; que alguns Estados‑Membros aprovaram leis que restringem o direito de reunião pacífica nos últimos anos, estabelecendo também requisitos de autorização e de notificação; que, em alguns Estados‑Membros, há um aumento dos poderes das autoridades de segurança, o que é motivo de preocupação por causa da sua necessidade e proporcionalidade;

T. Considerando que, em alguns Estados‑Membros, a legislação de emergência em resposta à crise sanitária foi utilizada como pretexto para restringir arbitrariamente os direitos e as liberdades fundamentais, bem como para reprimir a sociedade civil e outras vozes dissidentes; que, em alguns casos, se concluiu que estas medidas não cumpriram os requisitos de necessidade, de proporcionalidade, de limitações de tempo e de não discriminação, sem os quais quaisquer restrições aos direitos e às liberdades fundamentais decorrentes de tais medidas não podem ser consideradas legítimas e legais; que, apesar do seu papel no terreno, as OSC não foram consultadas sobre o desenvolvimento de medidas de emergência;

U. Considerando que a pandemia de COVID‑19 tem testemunhado um envolvimento sem precedentes das OSC na provisão de soluções para a pandemia e na prestação de apoio às pessoas em situações vulneráveis; que as organizações de jovens tiveram um impacto positivo durante a pandemia no combate à desinformação e no reforço da confiança nas instituições públicas; que o financiamento adequado a longo prazo e o apoio institucional à sociedade civil têm um valor acrescentado em tempos de crise;

V. Considerando que a emergência de organizações não governamentais organizadas pelo Governo destinadas a apoiar sempre a legitimidade política do poder instalado e prestar apoio ao Governo nos debates públicos e nos seus objetivos políticos, apresentando‑se como vozes independentes, constitui uma das formas de ataque mais graves às OSC, que põe a sua existência em perigo ao ser lesiva da cidadania ativa, privando‑as de financiamento público;

W. Considerando que, embora as atividades económicas das OSC e o seu contributo para a economia social sejam cada vez maiores, não foram tomadas medidas legislativas para desbloquear as suas operações a nível da UE; que, apesar da jurisprudência concreta do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), o princípio da não discriminação e da livre circulação de capitais aplicado às doações transfronteiriças ainda não é universalmente aplicado nos Estados‑Membros;

X. Considerando que a participação das OSC no desenvolvimento do direito e das políticas deve ser facilitada por quadros políticos que lhes permitam estabelecer um diálogo com as autoridades públicas; que, embora tenham sido alcançados progressos tanto a nível nacional como da UE, o diálogo civil continua a ser frequentemente um processo ad hoc;

Y. Considerando que o financiamento estrangeiro é atacado jurídica e politicamente em alguns Estados‑Membros; que as restrições impostas às OSC que recebem financiamento estrangeiro são contrárias ao direito da União, nomeadamente ao artigo 63.º do TFUE sobre a livre circulação de capitais e à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia; que, no processo C‑78/18[14], o TJUE decidiu que a lei que lhe era aplicável violava a livre circulação de capitais e a liberdade de associação;

Z. Considerando que a União iniciou num processo através do Pacto Ecológico Europeu e da transformação digital; que este processo exigirá um espaço cívico propício para permitir que os cidadãos e as comunidades afetadas articulem os seus interesses, debatam soluções políticas e celebrem novos contratos sociais;

1. Afirma que o papel desempenhado pelas OSC na realização e proteção dos valores da União estabelecidos no artigo 2.º do TUE e na formulação e aplicação das leis, políticas e estratégias da UE, incluindo o combate às alterações climáticas, a transformação digital e a recuperação da pandemia de COVID‑19, é fundamental; salienta o seu contributo fundamental ao apoiarem um debate público esclarecido, ao exprimirem as aspirações da sociedade, ao darem voz às pessoas vulneráveis e marginalizadas, ao assegurarem acesso a serviços fundamentais, ao disponibilizarem know‑how no âmbito do processo de decisão política, ao promoverem a cidadania ativa e ao serem escolas de democracia e organismos de vigilância indispensáveis, exercendo o controlo democrático sobre as instituições do Estado e assegurando a responsabilização pela ação pública e a utilização de fundos públicos; por conseguinte, reconhece que o espaço cívico constitui um elemento integrante da democracia, do Estado de direito e dos direitos fundamentais; salienta que a União deve, por conseguinte, empenhar‑se na preservação e cultivo do espaço cívico a nível local, regional, nacional e europeu;

2. Sublinha que, para que as OSC cresçam, o ambiente do espaço cívico tem de ser propício e seguro, sem interferências indevidas, sem intimidação, sem assédio e sem efeitos dissuasores por parte dos agentes estatais e não estatais; recorda aos Estados‑Membros a sua obrigação positiva de assegurar um ambiente favorável às OSC, incluindo o acesso a mecanismos transparentes de financiamento e de diálogo civil, em conformidade com as normas internacionais em matéria de direitos humanos e liberdade de associação, expressão e reunião, tal como reafirmado pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia; salienta a importância do pluralismo dos meios de comunicação, a fim de garantir que as OSC alcancem a opinião pública e, por conseguinte, contribuam para o debate público;

3. Alerta para a degradação do espaço cívico na UE com políticas que dificultam as operações das OSC, o seu acesso a um financiamento sustentável e a sua capacidade de participarem no processo de decisão política; condena todas as formas de assédio, de difamação, de estigmatização e de criminalização das OSC e de as transformar em bode expiatório; salienta a forma como estas ações são lesivas da cidadania ativa e da expressão de vozes críticas, prejudicando o debate público e, por conseguinte, os próprios alicerces da democracia;

4. Observa que a pandemia de COVID‑19 acentuou ainda mais muitos dos desafios enfrentados pelas OSC, como ilustrado pelo relatório de 2021 da FRA, que conclui que 57 % das organizações nacionais e locais disseram que a situação se tinha «deteriorado» ou «deteriorado bastante» em comparação com anos anteriores; regista com preocupação que alguns governos tiraram partido da pandemia para reduzir o espaço cívico e aprovar leis controversas e medidas discriminatórias nem sempre relacionadas com a pandemia enquanto a capacidade de mobilização da sociedade era limitada, incluindo a capacidade de participar no debate público e as liberdades de expressão, reunião e associação;

5. Concorda com a Comissão quando considera que se o espaço de ação da sociedade civil diminui, é sinal de que o Estado de direito está em risco; congratula‑se com o facto de a Comissão ter analisado o ambiente para a sociedade civil no âmbito do seu relatório anual sobre o Estado de direito, que indica justamente que o Estado de direito não pode funcionar sem uma sociedade civil dinâmica a funcionar num ambiente seguro e propício; por conseguinte, insta a Comissão a reforçar e estruturar a sua monitorização da situação do espaço cívico nos Estados‑Membros, criando um «índice do espaço cívico europeu» baseado nos quadros existentes para medir o espaço cívico e introduzindo no seu Relatório anual sobre o Estado de direito um capítulo desenvolvido sobre o espaço cívico, que deve incluir recomendações por país e abranger integralmente os direitos fundamentais; insta a Comissão a utilizar sistematicamente os relatórios da FRA e a apelar ao seu apoio para aconselhamento metodológico;

6. Congratula‑se com que a Comissão reconheça a importância da sociedade civil em várias políticas, estratégias e programas de financiamento da UE; salienta, no entanto, que a melhoria efetiva da situação das OSC no terreno com esta abordagem fragmentada é pequena;

7. Insta, por conseguinte, a Comissão a adotar uma estratégia global para a sociedade civil visando a proteção e o desenvolvimento do espaço cívico na União que integre todos os instrumentos existentes, que elimine as lacunas em matéria de monitorização, de apoio e de proteção e que constitua um verdadeiro reconhecimento político do papel crucial das OSC na realização dos valores e políticas democráticos, estabelecendo ao mesmo tempo uma ligação clara entre os instrumentos de controlo e comunicação aos mecanismos de execução da UE, a fim de garantir um acompanhamento atempado e eficaz; exorta a Comissão a explorar iniciativas para reforçar as redes de apoio à disposição das OSC;

8. Considera que a estratégia para a sociedade civil deve delinear um conjunto de medidas concretas que irão proteger e reforçar o espaço cívico, nomeadamente:

a) a introdução de normas mínimas de enquadramento jurídico e administrativo para a sociedade civil;

b) a introdução de um estatuto para as associações e organizações europeias transfronteiriças sem fins lucrativos;

c) a criação de pontos focais entre as instituições europeias e a sociedade civil;

d) a garantia de um acesso consistente aos debates políticos e à definição da agenda a nível da União, em conformidade com os Tratados da UE e as regras de procedimento das instituições da UE;

e) o reforço do acesso ao controlo das políticas da União e da execução do orçamento da União;

f) a expansão do acesso flexível ao financiamento da União;

9. Exorta o Conselho e a Comissão a assegurarem a coerência das políticas internas e externas da União no que diz respeito à proteção e promoção do espaço cívico, nomeadamente através da adoção de orientações internas sobre os defensores dos direitos humanos que reflitam as que se aplicam à ação externa da UE;

Um ambiente normativo e político propício sem efeitos dissuasores, ameaças e ataques

10. Salienta que a capacidade de ação das OSC depende da existência de um ambiente jurídico e político propício, em particular do exercício da liberdade de associação, de reunião pacífica e de expressão, bem como do direito à participação pública; insta os Estados‑Membros a garantirem o exercício destes direitos em conformidade com o direito e as normas europeias e internacionais, incluindo a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a recomendação do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados‑Membros, de 28 de novembro de 2018, sobre a necessidade de reforçar a proteção e a promoção do espaço da sociedade civil na Europa, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, a Declaração das Nações Unidas sobre os Defensores dos Direitos do Homem e a nota de orientação das Nações Unidas sobre a proteção e a promoção do espaço cívico, bem como a aproveitarem a possibilidade de solicitar pareceres sobre a legislação prevista à Comissão de Veneza;

11. Recorda a importância de um jornalismo independente, imparcial, profissional e responsável, tanto nos meios de comunicação social públicos como nos privados, para informar sobre as atividades das OSC, assim como do acesso a informações públicas enquanto pilares fundamentais dos Estados democráticos, que se baseiam no Estado de direito;

12. Lamenta a crescente concentração da propriedade dos meios de comunicação social em detrimento da pluralidade, independência e representação pública justa das ideias e ações das CSO; recorda que o jornalismo independente e responsável e o acesso a informações pluralistas são pilares fundamentais da democracia e que as ações e o contributo da sociedade civil são vitais para a prosperidade de qualquer democracia; insta os Estados‑Membros a garantirem e manterem a independência dos meios de comunicação social face à pressão política e económica, a zelarem pelo pluralismo dos meios de comunicação social e a assegurarem a transparência; insta a Comissão a propor regras relativas à propriedade dos meios de comunicação social a nível da UE, para além das regras em matéria de transparência da propriedade dos meios de comunicação social, como requisitos mínimos no âmbito da próxima Diretiva Liberdade de Imprensa, a fim de reforçar o pluralismo dos meios de comunicação social;

13. Considera que o contributo das OSC para o mercado único e a economia social, bem como o seu papel na realização das políticas da UE e dos valores estabelecidos no artigo 2.º do TUE, é um argumento forte a favor da eliminação dos obstáculos às suas operações a nível da UE; solicita, por conseguinte, que a Comissão responda adequadamente com medidas, nomeadamente propostas legislativas, a fim de alcançar este objetivo; frisa que tal legislação não só proporcionaria uma proteção básica às OSC, como também poderia criar condições de concorrência equitativas que lhes permitiriam explorar todo o seu potencial;

14. Solicita que a Comissão inclua nas suas avaliações de impacto um controlo sistemático ao espaço cívico, fornecendo critérios claros sobre o que constitui um espaço favorável à sociedade civil, com base nas normas internacionais em matéria de direitos humanos e liberdade de associação, expressão e reunião, e tal como reafirmado pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a fim de evitar que as suas propostas legislativas tenham efeitos negativos sobre o espaço cívico; convida a Comissão a introduzir as salvaguardas necessárias e a elaborar orientações para a execução pelos Estados‑Membros sempre que forem identificados riscos, em cooperação com a sociedade civil;

15. Exorta a Comissão a rever e controlar a aplicação da legislação da UE, a fim de garantir que não afeta negativamente o espaço cívico, e a fornecer as soluções necessárias se for o caso; exorta os Estados‑Membros a aplicarem soluções semelhantes a nível nacional;

16. Exorta a Comissão a propor legislação da UE para colmatar lacunas e responder aos desafios que afetam os agentes da sociedade civil em toda a União, prevendo orientações sobre a forma como utilização o direito da UE para assegurar uma melhor proteção da sociedade civil;

17. Entende que um estatuto para associações transfronteiriças e organizações sem fins lucrativos da UE poderia proporcionar um nível adicional de proteção às OSC confrontadas com obstáculos indevidos à sua criação e funcionamento;

18. Solicita que os Estados‑Membros respeitem e facilitem o exercício do direito à reunião pacífica, que só pode ser limitado pelo respeito dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, em conformidade com a legislação aplicável; adverte contra a ampliação, em alguns Estados‑Membros, dos poderes das autoridades responsáveis pela aplicação da lei nas assembleias de policiamento; condena todo a utilização desproporcionada da força contra os manifestantes, bem como a sua criminalização, prossecução e vigilância; apela à revogação imediata pelos Estados‑Membros de leis e regulamentos que aumentem o recurso à violência contra os manifestantes e restrinjam a liberdade de manifestação; solicita que a Comissão emita orientações para a proteção da liberdade de reunião pacífica, tanto em situações de emergência sanitária como em situação normal;

19. Salienta que, desde o início da pandemia, uma parte significativa das atividades da sociedade civil passou a ser desenvolvida em linha; exorta a Comissão e os Estados‑Membros a garantirem a liberdade de expressão, a lutarem contra qualquer forma de discurso de ódio e a promoverem campanhas de sensibilização para o discurso do ódio e para os riscos que este representa para a democracia e para as pessoas, nomeadamente nas redes sociais em linha;

20. Alerta para o impacto negativo das políticas e da retórica que provocam um efeito dissuasor sobre o espaço cívico; insta a Comissão a converter a análise dos efeitos dissuasores num aspeto fundamental do seu Relatório anual sobre o Estado de direito, a basear‑se no processo C‑78/18 para contestar as medidas com um efeito dissuasor sobre o exercício dos direitos da Carta sempre que a abordagem das questões pode ser semelhante e a requerer a aplicação de medidas provisórias para evitar danos irreparáveis enquanto o recurso judicial está a decorrer;

21. Condena que os representantes das OSC em alguns Estados‑Membros sofram ataques físicos e verbais, assédio e intimidação, tanto em linha como fora de linha, em resultado direto do seu trabalho; lamenta ainda que os efeitos na saúde mental sofridos por estes representantes possam incluir esgotamento, depressão, trauma induzido pela ajuda e fadiga por compaixão e que os impactos psicológicos que o seu trabalho pode ter sobre os representantes das OSC continuam por ser devidamente estudados; sublinha que as crianças e os jovens são particularmente vulneráveis, uma vez que podem não denunciar atos de ódio e de assédio devido à falta de conhecimento da definição de assédio e de como abordar o assunto e a quem se dirigir;

22. Condena todas as ameaças e ataques contra as OSC e os defensores dos direitos humanos por parte de agentes do Estado e ligados ao Estado, designadamente a retórica negativa e estigmatizante, os bodes expiatórios, bem como o assédio legal, judicial, administrativo e fiscal, e condena o fracasso dos agentes estatais na proteção das OSC e dos defensores dos direitos humanos contra tais ataques e ameaças; condena igualmente todos os casos de ataques e ameaças por parte de agentes não estatais, designadamente as ações judiciais estratégicas contra a participação pública;

23. Manifesta preocupação face aos baixos níveis de notificação de ataques e ameaças às OSC a nível nacional; insta os Estados‑Membros a condenarem inequivocamente tais atos, a adotarem medidas preventivas e eficazes e a investigarem de forma sistemática, rápida, exaustiva, independente e imparcial todas as alegações a este respeito, investindo em programas de formação das autoridades, a fim de estarem mais bem equipadas para tratar melhor destes casos; convida a Comissão a acompanhar tais processos, fornecendo recomendações e facilitando o intercâmbio das melhores práticas;

24. Frisa que uma boa cooperação entre a sociedade civil, a polícia e as instituições relevantes é fundamental para resolver as vulnerabilidades e encontrar as melhores práticas na proteção dos ativistas, da sociedade civil e da própria democracia;

25. Manifesta profunda preocupação face ao aumento da violência e do ódio contra organizações e ativistas que trabalham nos domínios das minorias religiosas, da luta contra o racismo, do feminismo e dos direitos LGBTIQ+;

26. Recorda que o recurso a OSC que trabalham no domínio dos direitos das mulheres e com minorias e grupos vulneráveis, como as pessoas LGBTI+, como bodes expiatórios não é um acontecimento isolado, pelo que funciona como um desmantelamento premeditado e gradual dos direitos fundamentais, que são protegidos no artigo 2.º do TUE, constituindo parte de uma agenda política mais vasta que foi apelidada de campanha de «antidiscriminação» entre géneros; exorta os Estados‑Membros a serem particularmente prudentes em relação às iniciativas que tentam fazer retroceder os direitos adquiridos, que foram concebidos para prevenir e proteger as pessoas da discriminação, promovendo a igualdade;

27. Insta a Comissão a incluir referências a ataques perpetrados contra defensores dos direitos humanos nos seus relatórios ao abrigo da decisão‑quadro sobre o combate a certas formas e manifestações de racismo e xenofobia, ao acompanhar e avaliar as regras e os instrumentos da UE para proteger os direitos das vítimas da criminalidade, e ao rever as disposições da UE sobre o combate ao discurso de ódio e aos crimes de ódio;

28. Observa que a União carece atualmente de procedimentos eficientes para dar uma resposta adequada quando as OSC informam que as normas democráticas e o espaço cívico nos Estados‑Membros estão sob ameaça; defende a criação de um mecanismo de alerta da UE que permita às OSC e aos defensores dos direitos humanos denunciarem ataques, registarem alertas, identificarem tendências e prestarem apoio atempado e orientado às vítimas; considera que tal mecanismo permitiria igualmente melhorar a elaboração de relatórios a nível da União e contribuiria para a avaliação anual do Estado de direito pela Comissão, bem como para uma melhor partilha de informação com o público europeu em geral;

29. Lamenta profundamente a recusa tanto da Comissão como do Conselho da iniciativa do Parlamento relativa à criação de um mecanismo da UE para a democracia, o Estado de direito e os direitos fundamentais, a ser regido por um acordo interinstitucional entre o Parlamento, a Comissão e o Conselho; recorda que o controlo do espaço cívico está intrinsecamente ligado à democracia e aos direitos fundamentais, e que um mecanismo de controlo dos valores do artigo 2.º do TUE é o melhor instrumento para aplicar uma abordagem holística neste sentido;

30. Exorta a Comissão a utilizar os seus poderes de execução contra os Estados‑Membros que restrinjam indevidamente o espaço cívico em violação da legislação da UE, nomeadamente através de processos por infração, do enquadramento do Estado de direito, do novo regulamento sobre a condicionalidade e do procedimento previsto no artigo 7.º do TUE; insta a Comissão a garantir a participação ativa da sociedade civil e um contributo significativo para estes processos, bem como a assegurar que os interesses legítimos dos destinatários finais e dos beneficiários sejam devidamente salvaguardados;

31. Entende que os Estados‑Membros não devem criminalizar ou afetar negativamente o registo, as operações, o financiamento e os movimentos transfronteiriços das OSC; manifesta preocupação, a este respeito, face à interpretação em alguns Estados‑Membros das disposições da UE, o que poderia conduzir à criminalização das atividades das OSC e dos defensores dos direitos humanos, em particular no domínio da migração, muitas vezes em contradição com as orientações da Comissão; solicita aos Estados‑Membros que ponham termo à criminalização e à perseguição penal injusta das atividades de busca e salvamento e insta a Comissão a acompanhar ativamente e a tomar medidas contra os respetivos Estados‑Membros a este respeito; reitera igualmente que todos os intervenientes que lidam com migrantes por razões humanitárias e participam em atividades de busca e salvamento têm de cumprir os princípios gerais do direito internacional e dos direitos humanos e as leis europeias e nacionais aplicáveis que respeitam esses princípios;

Acesso sustentável e não discriminatório aos recursos

32. Observa que os desafios enfrentados pelas OSC em matéria de financiamento incluem a falta de fontes de financiamento suficientes, procedimentos administrativos onerosos para o acesso ao financiamento, falta de transparência e de equidade na atribuição de financiamento e critérios de elegibilidade restritivos;

33. Salienta as conclusões da Resolução 2535 da ONU (2020), nomeadamente que uma participação acelerada dos jovens é fundamental para criar e preservar sociedades pacíficas;

34. Destaca o contributo importante e positivo que os jovens podem dar, envidando esforços em prol de sociedades democráticas e pacíficas; por conseguinte, convida os Estados‑Membros a aumentarem o investimento na juventude e nas organizações de jovens; apela ainda ao financiamento adequado do programa Erasmus+, realçando a sua importância na criação de uma Europa democrática;

35. Insta a Comissão a identificar os obstáculos existentes e a propor um conjunto abrangente de medidas e recomendações para assegurar o financiamento previsível, adequado e propício a longo prazo das OSC, designadamente o financiamento das suas atividades operacionais relacionadas com a defesa e o acompanhamento; salienta que o financiamento da UE para as OSC deve evitar medidas burocráticas;

36. Considera que a abertura e a transparência são fundamentais para estabelecer a responsabilização e a confiança pública das OSC, contanto que sirvam o objetivo de garantir um escrutínio público legítimo e que os requisitos de informação continuem a ser necessários e proporcionados; condena qualquer abuso das medidas de transparência para estigmatizar determinadas OSC;

37. Salienta a importância de se garantirem fontes de financiamento complementares, designadamente instituições públicas a todos os níveis, doadores privados, filantrópicos e individuais, quotas de adesão e receitas geradas através de atividades económicas, bem como de fontes locais, regionais e nacionais, uma vez que tal poderia ajudar as OSC a demonstrem resiliência contra quaisquer potenciais restrições governamentais ao financiamento externo; insta os Estados‑Membros e a UE a melhorarem o enquadramento jurídico das OSC e a facilitarem as condições de acesso a diversas fontes de financiamento, incluindo financiamento privado e estrangeiro; sublinha que o financiamento público deve cobrir todos os tipos de atividades da sociedade civil, incluindo designadamente atividades de defesa, litígio e vigilância, educação e sensibilização, prestação de serviços, bem como capacitação e criação de coligações, que promovam e protejam os valores da União estabelecidos no artigo 2.º do TUE; insta os Estados‑Membros e a UE a irem além do financiamento de projetos e a disponibilizarem financiamento para infraestruturas de base e ciclos de financiamento plurianuais, visando assegurar a sustentabilidade da sociedade civil;

38. Condena qualquer forma de discriminação com motivação política ou de outra índole na atribuição de fundos públicos e os consequentes efeitos dissuasores; insta os Estados‑Membros a assegurarem procedimentos claros, transparentes e não discriminatórios a este respeito; condena todas as formas de restrições ao acesso ao financiamento, especialmente as que visam as OSC e os ativistas que trabalham para proteger os direitos das mulheres, das pessoas LGBTIQ+, das minorias, dos migrantes e dos refugiados;

39. Realça que as campanhas públicas das OSC não devem ser sujeitas a limitações de financiamento a pretexto de coincidir com eleições ou outras campanhas políticas; observa que muitas das vezes os fundos disponibilizados às OSC podem exigir cofinanciamento, o que, por sua vez, significa que o beneficiário tem de angariar uma percentagem dos fundos necessários a partir de outras fontes, sendo que tal pode prejudicar o projeto ou a operação da organização; entende, por conseguinte, que a percentagem de cofinanciamento exigido deve ser razoavelmente limitada e que devem ser tidos em conta os diferentes meios de monetização;

40. Lamenta a externalização, pelas autoridades públicas, de missões de serviço público a OSC em domínios como a habitação, a saúde, a educação e o asilo, indo além de uma cooperação equilibrada das autoridades públicas com organizações sem fins lucrativos que têm uma boa experiência de trabalho com as pessoas em causa e ao seu serviço, sem que as organizações sejam apoiadas por recursos adicionais suficientes; salienta que essas práticas de externalização utilizam recursos da sociedade civil para o cumprimento de responsabilidades do Estado e não deixam livre o espaço tão necessário para a participação pública das organizações da sociedade civil através de ações de defesa de causas, de ações judiciais estratégicas e da educação do público;

41. Manifesta a sua séria preocupação com a emergência de organizações não governamentais organizadas pelo Governo e de práticas conexas de financiamento público que são discriminatórias e frequentemente opacas; alerta para o seu efeito negativo sobre a democracia e sobre o pluralismo e diversidade na sociedade civil, bem como sobre a perceção da legitimidade das OSC e, consequentemente, sobre a vontade dos cidadãos de se empenharem numa cidadania ativa; exorta os Estados‑Membros a investigarem e a tomarem medidas contra os grupos que instigam o ódio em violação das regras jurídicas aplicáveis; salienta que podem distorcer o debate público, o que pode lesar a própria pedra basilar da democracia;

42. Insta a Comissão a estabelecer condições e procedimentos para assegurar que os fundos da UE afetados à sociedade civil, quer em gestão direta ou partilhada, só sejam atribuídos às organizações estritamente independentes de qualquer governo e que respeitam plenamente os valores da UE estabelecidos no artigo 2.º do TUE; insta a Comissão a abordar as alegações de distribuição discriminatória do financiamento da UE às OSC e a tomar as medidas adequadas para assegurar que o financiamento da UE não apoie as organizações não governamentais organizadas pelo Governo;

43. Congratula‑se com a adoção do Programa Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores com um orçamento reforçado de 1,55 mil milhões de EUR para o período de 2021 a 2027 e reconhece‑o como uma resposta significativa aos desafios enfrentados pela sociedade civil na UE e um primeiro passo para a criação de um quadro mais sistémico de assistência às OSC da UE; solicita que a Comissão consulte ativamente as OSC aquando da definição dos programas de trabalho e dos mecanismos de financiamento para assegurar a transparência, a flexibilidade e a facilidade de utilização; congratula‑se com os mecanismos de concessão de novas subvenções da vertente «valores da União»; realça a importância de assegurar um financiamento suficiente para as atividades de vigilância, defesa e litígio, bem como para o desenvolvimento de capacidades, uma vez que estas aumentam o contributo das OSC para a salvaguarda dos valores e direitos fundamentais da UE; solicita à Comissão que assegure a afetação de fundos para apoiar as OSC na execução das tarefas e funções que lhes são atribuídas nas suas diversas políticas setoriais; solicita financiamento de emergência específico e apoio prático para os agentes cívicos e os defensores dos direitos humanos em risco de verem os seus direitos fundamentais violados;

44. Exorta a Comissão a redobrar esforços para aumentar a participação das OSC no Programa Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores e noutros fundos geridos de forma centralizada, nomeadamente através de uma maior simplificação, critérios de elegibilidade mais flexíveis e informação e formação específicas; insta a Comissão a intensificar o seu acompanhamento das práticas nos Estados‑Membros e a apresentar recomendações sobre formas de reforçar a participação das OSC em programas de gestão partilhada; solicita à Comissão que melhore a participação e a formação das OSC no que respeita ao acompanhamento da aplicação dos fundos da UE a nível dos Estados‑Membros;

45. Considera que o apoio orçamental às OSC não só deve ser planeado, como também promovido e apoiado em todos os programas da UE; lamenta que o pacote de recuperação europeu não vise especificamente as OSC, para além das empresas e pequenas e médias empresas; solicita à Comissão e aos Estados‑Membros que assegurem a participação das OSC em toda a execução e o acompanhamento dos planos nacionais de recuperação e resiliência e de outros fundos em gestão partilhada e que verifiquem se os planos nacionais de recuperação apoiam as necessidades de financiamento das OSC; exorta a Comissão a assegurar que as OSC não sejam negativamente afetadas pela retirada de financiamento ao abrigo do Regulamento relativo à condicionalidade ou nas condições integradas nos fundos e programas ao abrigo do quadro financeiro plurianual ou do mecanismo de recuperação e resiliência que fazem do respeito pelo Estado de direito e pelo princípio da não discriminação um pré‑requisito para receber financiamento, prevendo modalidades específicas para canalizar o financiamento às OSC adaptadas ao ambiente em que atuam;

46. Insta a Comissão a assegurar que os fundos da UE só sejam atribuídos às organizações estritamente independentes de qualquer governo e que respeitam plenamente os valores da UE;

47. Condena a tentativa feita por certos Estados‑Membros para imporem limitações ao financiamento estrangeiro e as narrativas políticas conexas difundidas por estes Estados‑Membros e as medidas por si tomadas com o objetivo de estigmatizarem ou assediar as OSC; recorda que o TJUE concluiu que estas violam a livre circulação de capitais e a liberdade de associação; exorta a Comissão a continuar a iniciar processos por infração a este respeito e a aplicar sistematicamente medidas provisórias; exorta a Comissão a realizar um levantamento das restrições ao financiamento estrangeiro em toda a União, com vista a assegurar que os princípios reafirmados pelo TJUE sejam efetivamente respeitados em todos os Estados‑Membros;

48. Salienta a importância dos incentivos fiscais para impulsionar as doações privadas; incentiva os Estados‑Membros a continuarem a desenvolver esses esquemas; exorta a Comissão a realizar um levantamento das melhores práticas e a apresentar recomendações; reconhece a importância de as OSC cumprirem as regras nacionais no domínio da tributação e da luta contra o branqueamento de capitais, mas salienta que essas regras e a transparência do financiamento em geral não podem ser utilizadas de forma abusiva para obstruir as atividades das OSC ou criar um efeito dissuasor que afete os seus membros e doadores;

49. Recorda que as normas internacionais sobre a liberdade de associação exigem que as autoridades apliquem uma presunção a favor da liberdade das OSC de procurar e receber financiamento de qualquer fonte e da legalidade das suas atividades, sendo que as restrições são possíveis se estiverem previstas na lei, se prosseguirem um ou mais objetivos legítimos e se forem necessárias numa sociedade democrática para a realização dos objetivos em questão;

50. Exorta a Comissão a apresentar orientações sobre o princípio da não discriminação e da livre circulação de capitais aplicados às doações transfronteiras; realça que uma aproximação da definição do conceito de utilidade pública permitiria o reconhecimento mútuo e a igualdade de tratamento em termos de doações e utilidades transfronteiras relacionadas com esse estatuto de utilidade pública; defende uma definição a nível da UE do conceito de utilidade pública, dado que tal aumentaria as doações transfronteiriças na medida em que permitiria o reconhecimento mútuo do estatuto de utilidade pública e a igualdade de tratamento no tocante às vantagens que lhe estão associadas; convida a Comissão a estabelecer medidas para eliminar os obstáculos à filantropia transfronteiriça e para assegurar a igualdade de tratamento das doações transfronteiras, em consonância com os acórdãos do TJUE;

Diálogo civil e participação nas decisões políticas

51. Salienta a importância do diálogo civil para a tomada de decisões políticas informadas e sublinha que as OSC desempenham um papel fundamental como intermediárias entre os cidadãos e as autoridades a todos os níveis, garantindo um diálogo estruturado; salienta o importante papel das OSC no contacto regular com os cidadãos, incluindo os grupos marginalizados ou vulneráveis, e reconhece as suas competências, conferindo‑lhes um papel fundamental no diálogo civil e reforçando o seu papel na capacitação dos mais distantes a participarem e manifestarem as suas preocupações, ao mesmo tempo que exercem um controlo democrático e asseguram a responsabilização pela ação pública;

52. Congratula‑se com as medidas positivas tomadas em alguns Estados‑Membros com novas estratégias de diálogo civil e comités consultivos da sociedade civil; condena, no entanto, as práticas que dificultam deliberadamente a participação das OSC, como a sua exclusão dos processos públicos, o recurso a leis abrangentes muito pouco transparentes e a processos parlamentares acelerados que contornam as obrigações de consulta e deliberação;

53. Recorda que a urgência das medidas relacionadas com a COVID‑19, com frequência, limitou ainda mais o acesso das OSC à tomada de decisões; regista, no entanto, os esforços envidados para contrariar esta situação em vários Estados‑Membros;

54. Lamenta que o diálogo civil continue a ser frequentemente um processo ad hoc; solicita que os Estados‑Membros desenvolvam quadros políticos coerentes que assegurem processos que sejam estruturados, previsíveis e a longo prazo, uma participação inclusiva e um reexame sistemático, atribuindo os recursos adequados, designadamente a formação de funcionários; solicita que a Comissão apresente recomendações preparadas em estreita cooperação com a sociedade civil, com base na análise das práticas existentes;

55. Considera que todas as instituições da UE devem rever os seus termos de compromisso com as OSC, em conformidade com o artigo 11.º do TUE, a fim de assegurar um diálogo aberto, transparente, significativo e regular com as OSC, em pé de igualdade com as outras partes interessadas; convida a Comissão a ponderar a apresentação de um acordo interinstitucional sobre o diálogo civil entre todas as principais instituições, abrangendo todos os domínios da política da União, bem como processos transversais como, por exemplo, o Estado da União ou a Conferência sobre o Futuro da Europa;

56. Considera, a este respeito, que o Presidente do Parlamento Europeu pode nomear um dos seus Vice‑Presidentes para manter um diálogo aberto, transparente e regular com as OSC; incentiva os grupos políticos a conceberem as suas próprias estruturas de diálogo civil;

57. Insta, em particular, a Comissão, nos seus processos de consulta, a restabelecer o equilíbrio entre os representantes dos interesses das empresas e os representantes de outros interesses, como os direitos dos trabalhadores, os direitos sociais e a proteção do ambiente, e a garantir salvaguardas contra práticas desleais de representação de interesses que não sejam compatíveis com um diálogo justo e transparente;

58. Insta os Estados‑Membros, as instituições da UE em geral e a Comissão em particular a assegurarem uma consulta estreita com a sociedade civil durante a preparação ou revisão de legislação que possa afetar o espaço cívico e as respetivas liberdades;

59. Toma nota da atribuição a um Vice‑Presidente da Comissão da responsabilidade de manter um diálogo aberto, transparente e regular com a sociedade civil; salienta que o diálogo civil deve ser mais operacionalizado; convida a Comissão, em particular, a considerar a criação de pontos de contacto específicos em cada Direção‑Geral para permitir à sociedade civil estar em estreito contacto com o Vice‑Presidente da Comissão; considera essencial que um amplo conjunto de OSC tenha um papel proeminente através de um processo de seleção transparente em grupos de especialistas e fóruns consultivos que prestam apoio à Comissão e que seja colocada a tónica nas OSC que falam em nome dos grupos vulneráveis e sub‑representados;

60. Solicita que a Comissão use a sua influência para que a definição dos programas nacionais de execução dos fundos da UE e a execução pelos Estados‑Membros das estratégias e planos de ação da UE incentivem os Estados‑Membros a criarem mecanismos eficazes de participação das OSC e de diálogo civil; apela ao reforço da participação da sociedade civil no âmbito do processo do Semestre Europeu e no acompanhamento do pacote de recuperação europeu;

61. Acolhe com agrado o Ano Europeu da Juventude como uma oportunidade para reforçar a participação cívica e o diálogo numa sociedade democrática;

62. Compromete‑se a assegurar um seguimento verdadeiro deste relatório e exorta a Comissão e o Conselho a assumirem o mesmo compromisso;

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63. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho e à Comissão.



 

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

O tema do presente relatório é o há muito aguardado reconhecimento político a nível da UE de que o papel da sociedade civil no funcionamento das sociedades pluralistas e democráticas é fundamental e os crescentes desafios, bem como ataques, às organizações da sociedade civil e à sociedade civil em geral, incluindo os defensores dos direitos humanos na União Europeia.

Devido ao seu vasto leque de atividades, que as inserem na sociedade, incluindo a educação, a defesa e a representação de causas ou a sua função de prestadoras de serviços e de apoio aos cidadãos, as entidades cívicas desempenham um papel crucial na promoção, monitorização e proteção dos direitos fundamentais e dos princípios das nossas sociedades democráticas, sem aspirarem ao poder político para si próprias. A sua proximidade com as pessoas e as comunidades permite‑lhes observar os efeitos das políticas públicas e do discurso político na vida dos cidadãos e testemunhar a discriminação e a precariedade. Quando os direitos fundamentais, os princípios democráticos ou o Estado de direito são enfraquecidos, ou são alvo de ataques, o papel destas entidades na sensibilização, no apoio à sua proteção e na mobilização para a sua defesa é fundamental.

O papel da sociedade civil na realização dos valores subjacentes aos alicerces da UE consagrados no artigo 2.º do Tratado da União Europeia (TUE) é, pois, fundamental. Este papel é reconhecido pelos Tratados no artigo 11.º do TUE, que prevê que a UE deve estabelecer um diálogo aberto, transparente e regular com a sociedade civil, e pelo artigo 15.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que preconiza que a participação da sociedade civil seja assegurada.

No entanto, ao defenderem, ou desenvolverem estes valores, as organizações da sociedade civil tornam‑se frequentemente alvo de políticas e medidas que tentam limitar o espaço em que lhes é permitido operar. A redução do espaço cívico tem vários níveis, desde o estabelecimento de obstruções administrativas não intencionais a ataques deliberados contra a própria existência da sociedade civil e dos seus representantes. Estes ataques são lesivos do Estado de direito e colidem com os valores europeus. Por conseguinte, a situação do Estado de direito não pode ser completamente analisada sem um exame do espaço cívico na Europa e nos Estados‑Membros.

É possível encontrar sinais de alguma redução do espaço cívico em praticamente todos os Estados‑Membros da União, de acordo com as publicações sucessivas da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA) e uma vasta gama de relatórios de ONG para a defesa dos direitos humanos e de organismos de monitorização dos direitos humanos, mas também de organizações internacionais como a OCDE ou o Conselho da Europa.

Em especial, o último relatório da FRA intitulado «A proteção do espaço cívico na UE», publicado em 22 de setembro de 2021, baseia‑se numa análise exaustiva, bem como em entrevistas e inquéritos realizados em conjunto com organizações da sociedade civil nos últimos anos e fornece uma imagem abrangente e atualizada da situação do espaço cívico e dos seus pilares fundamentais: o quadro institucional global, um ambiente normativo propício, o acesso a recursos e financiamento sustentáveis, a participação no processo legislativo e nas decisões políticas e a manutenção de um espaço seguro para os agentes da sociedade civil. Para cada um destes domínios, são apresentadas pela FRA informações abundantes e documentadas sobre as principais tendências, incluindo a referência das medidas tomadas em Estados‑Membros específicos.

O presente relatório do Parlamento Europeu não pretende duplicar o trabalho da Agência dos Direitos Fundamentais e de outras organizações que monitorizam o estado do espaço cívico e dos direitos fundamentais. Pretende antes aumentar a sensibilização política e apreender os tipos de desafios que os agentes da sociedade civil têm de enfrentar, em vez dos casos concretos de tais desafios, e propor políticas e medidas para estes problemas.

O impacto das medidas que provocam um efeito dissuasor

As políticas e medidas destinadas a terem um efeito dissuasor sobre o espaço cívico são de particular importância, dado que levam à autocensura e desencorajam as organizações da sociedade civil e os cidadãos, mas também certos profissionais (por exemplo, os juízes e os jornalistas), de exercerem os seus direitos cívicos ou de executarem o seu legítimo trabalho.

Embora possam ser de natureza muito diversa, tais políticas combinam frequentemente disposições vagas, com uma ampla margem discricionária para as autoridades públicas, com potenciais sanções desproporcionadamente pesadas. A sua aplicação arbitrária é frequentemente utilizada para reforçar ainda mais o efeito dissuasor desejado. Em certos casos, a mera perspetiva da sua aplicação pode ter um efeito dissuasivo suficientemente forte para a autocensura funcionar, sem a necessidade de as aplicar efetivamente. Para além das medidas meramente legislativas, a retórica negativa, a estigmatização, as campanhas de difamação, o assédio, a intimidação e a criminalização têm também efeitos dissuasores.

O problema dos efeitos dissuasores é já incluído em alguns dos capítulos do relatório da Comissão sobre o Estado de direito relativos aos países, mas um procedimento mais sistemático, em que os efeitos dissuasores sejam um elemento fundamental que tem de ser monitorizado no relatório sobre o Estado de direito, ajudaria a documentar melhor o impacto destas políticas no espaço cívico e as suas características. Por sua vez, poderiam ser iniciados outros procedimentos de infração estratégicos, como o processo C‑78/18, em que o conceito de «efeito dissuasor» teve um papel importante na conclusão do Tribunal de que as medidas em causa violavam a liberdade de associação.

Os ataques, o discurso de ódio e a intimidação são também levados a cabo por agentes privados, nomeadamente sob a forma de ações judiciais estratégicas contra a participação pública, que justificam uma ação decisiva por parte da UE nos moldes preconizados pelo Parlamento.

A emergência de organizações não governamentais organizadas pelo Governo

Um fenómeno menos documentado que o presente relatório pretende evidenciar é a emergência de organizações não governamentais organizadas pelo Governo, destinadas a apoiar a legitimidade política do poder instalado.

Ao apresentarem‑se como vozes independentes, estas organizações exageram o sentimento de apoio popular aos objetivos políticos do poder instalado. Desta maneira, ameaçam pilares básicos da democracia, como o debate e deliberação públicos, e a sua presença na esfera pública é lesiva da cidadania ativa, ameaçando assim o espaço cívico a longo prazo.

Se um estudo e documentação mais aprofundado do fenómeno ajudaria a compreender melhor os impactos destas práticas, é verdade que importa assegurar que sejam definidos mecanismos e estratégias para que os fundos da UE não sejam atribuídos a organizações não governamentais organizadas pelo Governo, ou a organizações que não respeitam os valores da UE.

Uma estratégia global da UE para a sociedade civil

A importância da sociedade civil no apoio aos objetivos da União é visível numa grande variedade de políticas e estratégias da UE. Algumas são políticas horizontais, como a Estratégia para a aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais ou o Plano de Ação para a Democracia Europeia, mas também é visível em várias políticas setoriais, como nos domínios da luta contra o racismo, da igualdade das pessoas LGBTQI+, da inclusão dos ciganos, dos direitos das crianças, da deficiência, dos direitos das vítimas, dos direitos das mulheres e da integração dos migrantes.

O Programa Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores foi adotado com um orçamento mais elevado do que a proposta inicial da Comissão, nomeadamente com uma forte pressão do Parlamento para permitir complementar as três vertentes de importância fundamental com uma quarta vertente relativa aos valores da União.

A Comissão Europeia sublinha também com frequência que as organizações da sociedade civil têm um papel importante na monitorização da situação do Estado de direito, da democracia e dos direitos fundamentais, nomeadamente com o seu contributo para a elaboração do Relatório anual sobre o Estado de direito.

No entanto, embora a Comissão ponha em evidência a sua confiança nas organizações da sociedade civil para a promoção, monitorização e proteção dos valores da UE e para a realização de muitas políticas da UE, a sua resposta para os desafios que têm de ser enfrentados pelas organizações da sociedade civil continua a ser fragmentada e incompleta.

O presente relatório de iniciativa preconiza, pois, uma estratégia da UE para a sociedade civil que deve reconhecer verdadeira e inequivocamente que a UE está empenhada em proteger, fomentar e apoiar a sociedade civil e o espaço cívico. Deve integrar todos os instrumentos existentes e complementá‑los com novos instrumentos para colmatar as lacunas existentes em matéria de monitorização, prevenção, apoio e proteção.

Para ser abrangente, tal estratégia deve incluir o reconhecimento político da sociedade civil como um parceiro fundamental das instituições da UE, deve incluir uma monitorização reforçada e estruturada da situação do espaço cívico nos Estados‑Membros, deve incluir disposições para desenvolver e proteger o ambiente normativo em que operam, incluindo a prevenção e o apoio quando são alvo de ataques, deve incluir um quadro destinado a garantir a sua sustentabilidade financeira e deve incluir medidas para assegurar uma verdadeira participação nos processos de decisão política.

Em especial, a propósito da monitorização, apesar das tendências preocupantes e dos visíveis ataques contra as organizações da sociedade civil, o Relatório anual da Comissão sobre o Estado de direito ainda só inclui um pequeno número de pontos sobre o espaço cívico no seu capítulo sobre «as questões institucionais relacionadas com os equilíbrios de poderes», ao mesmo tempo que reconhece que se o espaço de ação da sociedade civil diminui, é sinal de que o Estado de direito está em risco. Um capítulo desenvolvido sobre o espaço cívico, que deve incluir recomendações específicas por país, não só reconheceria que o papel das organizações da sociedade civil é fundamental, mas também contribuiria para o seu peso político, reforçando assim a voz da UE na proteção da sociedade civil.

A inclusão de recomendações específicas por país em todos os capítulos do Relatório sobre o Estado de direito contribuiria para melhorar a eficácia do relatório, dado que permitiria não só examinar as violações, mas também definir medidas concretas para proteger as principais instituições e agentes que protegem o Estado de direito, a democracia e os direitos fundamentais.

A criação de um índice do espaço cívico europeu que estruture e sistematize a monitorização do espaço cívico nos Estados‑Membros e permita observar a sua evolução ao longo do tempo seria uma medida fundamental neste domínio. Como é assinalado no relatório da FRA, já existem metodologias e quadros para medir a situação do espaço cívico, metodologias e quadros estes que devem ser desenvolvidos. O índice seria então utilizado na elaboração do Relatório anual sobre o Estado de direito.

As medidas e políticas cruciais para proteger o ambiente político e jurídico das organizações da sociedade civil, para prevenir as ameaças e ataques contra estas organizações e as proteger contra tais ameaças e ataques, para garantir um financiamento sustentável e para assegurar o acesso à esfera de decisão política são enumeradas e relacionadas nas três partes interligadas do relatório.


PARECER DA COMISSÃO DOS ASSUNTOS JURÍDICOS (17.1.2022)

dirigido à Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos

sobre a redução do espaço reservado à sociedade civil na Europa

(2021/2103(INI))

Relatora de parecer: Manon Aubry

 


 

SUGESTÕES

A Comissão dos Assuntos Jurídicos insta a Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos, competente quanto à matéria de fundo, a incorporar as seguintes sugestões na proposta de resolução que aprovar:

Observações gerais

1. Regista com profunda preocupação a redução global do espaço reservado à sociedade civil em alguns Estados‑Membros, que representa uma séria ameaça ao Estado de direito, à democracia, aos direitos fundamentais e a outros valores da UE; constata com preocupação que a situação se agravou consideravelmente durante a crise da COVID‑19;

2. Sublinha que 57 % das organizações nacionais e locais da União Europeia que responderam à consulta da Agência dos Direitos Fundamentais em 2020 afirmaram que a situação se tinha «deteriorado» ou «deteriorado bastante» em comparação com anos anteriores[15];

3. Recorda que o espaço cívico é o ambiente que permite à sociedade civil desempenhar um papel na vida política, económica e social das nossas sociedades, nomeadamente acedendo a informação, encetando diálogos, exercendo oposição ou expressando desacordo e reunindo pessoas para expressar pontos de vista[16];

4. Observa que, em muitos Estados‑Membros, as organizações da sociedade civil (OSC) são consideradas interlocutores valiosos dos decisores políticos e prestadores de serviços respeitados; reconhece que um espaço cívico dinâmico e plural exige uma cultura de participação ativa; congratula‑se com a participação da sociedade civil na defesa do interesse público, no ativismo e na vida social ativa; chama a atenção para a importância de criar condições favoráveis ao desenvolvimento da sociedade civil na UE;

A responsabilidade dos Estados‑Membros e as suas obrigações decorrentes do direito da UE e do direito internacional

5. Sublinha que os Estados‑Membros são os principais responsáveis pela criação e manutenção de um ambiente favorável à sociedade civil e à participação pública, com o intuito de garantir a liberdade da sociedade civil, mas, em alguns casos, não o fazem ou restringem deliberadamente esse espaço;

6. Destaca que esta responsabilidade é estabelecida por vários instrumentos do direito internacional como uma obrigação jurídica para os Estados‑Membros de assegurarem que a sociedade civil seja capaz de prosperar e de protegerem as organizações da sociedade civil, os defensores dos direitos humanos e o seu espaço cívico;

7. Recorda que esses instrumentos de direito internacional incluem o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e, mais especificamente, a Declaração das Nações Unidas sobre os Defensores de Direitos Humanos;

8. Frisa, em particular, a obrigação de os Estados‑Membros protegerem e promoverem o direito às liberdades de associação, de reunião pacífica e de expressão, tal como sublinhado na recente nota de orientação das Nações Unidas sobre a proteção e a promoção do espaço cívico;

9. Chama a atenção dos Estados‑Membros para a recomendação do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados‑Membros, de 28 de novembro de 2018, sobre a necessidade de reforçar a proteção e a promoção do espaço da sociedade civil na Europa; reafirma que proteger e promover o espaço da sociedade civil exige que os Estados‑Membros assegurem «um ambiente político e público propício» para as OSC e os defensores dos direitos humanos;

10. Recorda que essas obrigações também estão refletidas na ordem jurídica da União Europeia, em particular através da Carta;

11. Sublinha, por conseguinte, que a principal responsabilidade pelas atuais restrições ao espaço da sociedade civil na UE cabe aos Estados‑Membros;

Legislação e políticas públicas dos Estados‑Membros destinadas a controlar e a censurar a sociedade civil

12. Condena todas as tentativas dos Estados‑Membros de controlar, intimidar e dissuadir os intervenientes da sociedade civil e discriminá‑los por motivos políticos ou por receberem financiamento estrangeiro, nomeadamente através de uma regulamentação excessiva do setor com legislação nacional, da criação de obstáculos ao seu estabelecimento ou funcionamento, da restrição do financiamento, da imposição de requisitos de auditoria espúrios e desnecessários, da tentativa de deslegitimar o setor ou os intervenientes no seu seio, do apoio às ONG organizadas por governos e da adoção de outras medidas que induzam um efeito dissuasor no espaço cívico;

13. Condena a centralização da supervisão da sociedade civil em vários Estados‑Membros, que visa aumentar o controlo governamental sobre as OSC;

14. Manifesta a sua preocupação com a adoção de disposições desproporcionadas que criminalizam o discurso em público e em linha;

15. Condena veementemente a adoção por vários Estados‑Membros, em particular as autoridades húngaras, eslovenas e polacas, de atos que restringem o acesso das organizações não governamentais ao financiamento e que visam, em particular, os ativistas que trabalham para proteger os direitos das mulheres, das pessoas LGBTIQ+, das minorias, dos migrantes e dos refugiados;

16. Apoia as organizações da sociedade civil que lutam pela igualdade de género e pelos direitos das mulheres, em particular na Polónia, onde lutam pelo direito a abortos seguros e legais, e condena veementemente as tentativas governamentais de reduzir o espaço dos ativistas dos direitos das mulheres;

Dificuldades enfrentadas pelos intervenientes da sociedade civil em matéria de financiamento

17. Lamenta os esforços insuficientes de alguns Estados‑Membros e exorta‑os a intensificarem os seus esforços no sentido de facilitar e garantir o acesso dos intervenientes da sociedade civil a um financiamento estável a longo prazo;

18. Observa que os desafios enfrentados pelas OSC em matéria de financiamento incluem a falta de fontes de financiamento suficientes, procedimentos administrativos onerosos para o acesso ao financiamento, falta de transparência e de equidade na atribuição de financiamento e critérios de elegibilidade restritivos;

19. Lamenta a externalização, pelas autoridades públicas, de missões de serviço público a OSC em domínios como a habitação, a saúde, a educação e o asilo, indo além de uma cooperação equilibrada das autoridades públicas com organizações sem fins lucrativos que têm uma boa experiência de trabalho com as pessoas em causa e ao seu serviço, sem que as organizações sejam apoiadas por recursos adicionais suficientes; salienta que essas práticas de externalização utilizam recursos da sociedade civil para o cumprimento de responsabilidades dos Estados e não deixam livre o espaço tão necessário para a participação pública das organizações da sociedade civil através de ações de defesa de causas, de ações judiciais estratégicas e da educação do público;

20. Condena a adoção por alguns Estados‑Membros de leis que restringem o acesso a fontes específicas de financiamento, designadamente financiamento estrangeiro, numa tentativa deliberada de silenciar e deslegitimar seletivamente as OSC e os meios de comunicação social que expressam críticas;

Ameaças não legislativas que restringem o espaço cívico

21. Condena as severas restrições impostas por alguns Estados‑Membros ao direito à liberdade de expressão, à liberdade de reunião e ao direito de manifestação, quer através da proibição de manifestações, nomeadamente através da utilização abusiva de medidas de estado de emergência, quer do uso desproporcionado da violência pelas autoridades públicas ou de detenções arbitrárias de manifestantes por atividades que não constituem infrações penais;

22. Manifesta a sua preocupação pelo facto de, em alguns Estados‑Membros, os jornalistas e os intervenientes da sociedade civil estarem cada vez mais sujeitos a violência direcionada, ameaças, campanhas de difamação, atos de intimidação, discurso de ódio e outras formas de assédio, tanto em linha como fora de linha, designadamente por parte das autoridades públicas;

23. Condena a retórica hostil e as campanhas de difamação levadas a cabo por figuras políticas e meios de comunicação social aliados, destinadas a minar a confiança do público e o apoio às OSC e aos defensores dos direitos humanos, e muitas vezes concebidas para visar grupos minoritários como os migrantes, os refugiados e as pessoas LGBTIQ+;

24. Regista com profunda preocupação a crescente hostilidade de alguns governos e forças políticas contra académicos que realizam investigação científica e produzem análises contrárias à sua ideologia ou agenda política; sublinha que tal constitui uma séria ameaça à liberdade académica e ao direito de acesso à informação e ao conhecimento;

25. Condena a tendência crescente de encerramento do espaço cívico digital e a contínua deterioração dos direitos digitais;

26. Condena a crescente criminalização e assédio judicial dos intervenientes da sociedade civil, em particular os que trabalham com grupos minoritários, refugiados e outros migrantes, os que trabalham contra o racismo e os que trabalham no domínio dos direitos das mulheres, dos direitos em matéria de saúde sexual e reprodutiva e dos direitos das pessoas LGBTIQ+; manifesta a sua preocupação com a crescente utilização de ações judiciais estratégicas contra a participação pública por intervenientes públicos e privados poderosos como forma de silenciar e intimidar meios de comunicação social independentes, jornalistas e intervenientes da sociedade civil; lamenta a utilização pública da violência verbal e do discurso de ódio a nível institucional, político e jornalístico com o intuito de pôr em causa os intervenientes da sociedade civil;

27. Frisa que os Estados têm a obrigação de investigar e proteger as vítimas aquando da ocorrência de campanhas de difamação, ameaças e ataques levados a cabo por representantes individuais do Estado ou por intervenientes não estatais;

28. Manifesta a sua profunda preocupação com a utilização crescente, injustificada e desproporcionada de tecnologias de vigilância no espaço público e sublinha a ameaça que tal representa para o espaço cívico;

29. Expressa preocupação e condena a vigilância em linha e fora de linha dos manifestantes; destaca igualmente os efeitos dissuasores que a vigilância dirigida a jornalistas e intervenientes da sociedade civil pode ter a este respeito;

30. Regista com preocupação o crescente assédio dos defensores dos direitos humanos, em linha e fora de linha, em particular as ameaças e os ataques contra os defensores dos direitos LGBQTI+ e dos direitos das mulheres, bem como contra os espaços físicos das suas organizações; manifesta igualmente preocupação com as recentes propostas legislativas destinadas a impedir que essas organizações façam campanhas públicas;

31. Apela à revogação imediata pelos Estados‑Membros de leis e regulamentos que aumentem o recurso à violência contra os manifestantes e restrinjam a liberdade de manifestação;

Restrição do espaço reservado à sociedade civil durante a crise da COVID‑19

32. Observa que, embora a pandemia de COVID‑19 tenha sublinhado o valor e a necessidade das OSC, estas tiveram frequentemente de superar desafios significativos para prosseguirem o seu trabalho, havendo um maior condicionamento do espaço global da sociedade civil durante a crise;

33. Lamenta a instrumentalização da crise da COVID‑19 por parte de alguns governos que utilizaram medidas de emergência e procedimentos acelerados como uma oportunidade para limitar o debate público e as liberdades de expressão, reunião e associação, bem como para introduzir leis e medidas discriminatórias não relacionadas com a pandemia;

34. Insta os Estados‑Membros a identificarem instrumentos para promover e incentivar a ação da sociedade civil, especialmente no contexto da pandemia de COVID‑19;

Recomendações para o acompanhamento e proteção do espaço da sociedade civil na União Europeia

35. Realça que a responsabilidade pelo desenvolvimento positivo da sociedade civil na UE cabe tanto aos Estados‑Membros como às instituições da UE; entende que a ação da União é necessária, nomeadamente através de legislação de apoio às OSC e às organizações sem fins lucrativos;

36. Salienta que a adoção do programa Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores, com um orçamento de 1,55 mil milhões de EUR, constitui uma resposta significativa aos desafios enfrentados pela sociedade civil na UE;

37. Exorta a UE a dar o exemplo e insta a Comissão a propor uma estratégia abrangente da UE para promover as liberdades de expressão, associação e reunião, com vista a uma sociedade civil forte e a um espaço cívico dinâmico, bem como a fornecer orientações sobre a forma como o direito da UE pode ser utilizado para proteger o espaço cívico, reconhecendo o seu papel vital na promoção e aplicação dos valores da UE; salienta que o objetivo desta estratégia deve consistir em estabelecer uma definição concreta de espaço cívico e democrático, reunir os instrumentos existentes e desenvolver instrumentos claros em matéria de política, proteção e responsabilização para proteger o espaço cívico; defende, além disso, que a estratégia deve permitir um diálogo significativo, aberto, equilibrado, transparente e regular entre as instituições da UE e a sociedade civil, por forma a permitir que os cidadãos e as associações troquem pontos de vista em todos os domínios de ação da União;

38. Insta a Comissão a examinar igualmente, neste contexto, de que forma a definição, interpretação ou aplicação dos regulamentos e diretivas da UE pode conduzir a restrições indevidas do espaço cívico a nível nacional, bem como a fornecer orientações para assegurar que os Estados‑Membros cumpram a Carta ao aplicarem o direito da UE;

39. Insta a Comissão a alargar o Plano de Ação para a Democracia Europeia com uma nova vertente dedicada à intensificação dos esforços para proporcionar educação sobre a cidadania democrática e os direitos humanos em toda a UE;

40. Apoia a Comissão na prossecução do seu trabalho anual de avaliação e comunicação de informações sobre o Estado de direito e insta‑a a reforçar a sua atualidade e eficácia; exorta a Comissão a utilizar de forma estratégica o relatório anual sobre a aplicação da Carta e o ciclo anual de análise do Estado de direito;

41. Insta a Comissão a acompanhar os desafios e os ataques enfrentados pela sociedade civil e a incluir nas suas avaliações uma secção específica e recomendações por país sobre este tema;

42. Incentiva a Comissão, em cooperação com os Estados‑Membros, a identificar instrumentos eficazes de monitorização, apoio e proteção do espaço cívico nos Estados‑Membros;

43. Observa que a União Europeia adotou orientações sobre os defensores dos direitos humanos que apresentam sugestões práticas para reforçar a ação da União Europeia em seu apoio, que devem ser aplicadas de forma exaustiva e em cooperação com os Estados‑Membros;

44. Observa que, com o «OSC Meter», concebido no âmbito do Instrumento Europeu de Vizinhança, e as orientações da Direção‑Geral da Política de Vizinhança e das Negociações de Alargamento da Comissão para o apoio da UE à sociedade civil nos países do alargamento, a União Europeia desenvolveu paradoxalmente normas mais específicas em matéria de respeito da sociedade civil no estrangeiro do que dentro da União Europeia;

45. Exorta a Comissão, em particular, a criar um índice do espaço cívico europeu para monitorizar o espaço cívico nos Estados‑Membros;

46. Apoia a Comissão no acompanhamento atento da situação em todos os Estados‑Membros e na instauração de processos por infração contra os Estados‑Membros que restrinjam arbitrariamente o espaço da sociedade civil, obstruam o seu trabalho ou, de outra forma, restrinjam indevida e desproporcionadamente as liberdades fundamentais de expressão, reunião e associação; incentiva a Comissão a solicitar ao Tribunal de Justiça a adoção de medidas provisórias sempre que exista um risco de danos irreparáveis;

47. Insta a Comissão a fazer pleno uso do Regulamento (UE, Euratom) 2020/2092[17] com caráter de urgência e a assegurar que, ao aplicar este regulamento, os interesses legítimos dos destinatários finais e dos beneficiários sejam devidamente salvaguardados;

48. Reconhece que os ataques ao espaço cívico não podem ser considerados separadamente da tendência mais geral de autocratização que ocorre a nível mundial e nacional; reconhece que é também o produto de tensões sociais associadas às crescentes desigualdades e a um longo processo de degradação da coesão social que gerou profundas clivagens socioeconómicas, culturais e geográficas nas nossas sociedades;

49. Insta a Comissão, concretizando‑se uma retenção de financiamento – nomeadamente ao abrigo do Mecanismo de Recuperação e Resiliência – a Estados‑Membros que não respeitem o Estado de direito ou que utilizem abusivamente os fundos da UE, a garantir que as organizações da sociedade civil não sejam afetadas e que o financiamento lhes seja canalizado diretamente para permitir que prossigam o seu trabalho;

50. Apoia a criação e o funcionamento equilibrado e proporcional de um mecanismo de alerta e resposta da UE para ataques a intervenientes da sociedade civil e defensores dos direitos humanos, destinado a comunicar ataques, registar alertas, identificar tendências, prestar apoio atempado e direcionado às vítimas, propor respostas adequadas às instituições da UE e contribuir para a avaliação anual do Estado de direito pela Comissão; insta, neste contexto, a Comissão e os Estados‑Membros a assegurarem contactos regulares e significativos com os intervenientes da sociedade civil, tanto a nível nacional como da UE;

51. Solicita urgentemente à Comissão que apresente propostas de legislação vinculativa da União em matéria de garantias comuns e eficazes para as vítimas de ações judiciais estratégicas contra a participação pública em toda a União, nomeadamente através de uma diretiva que estabeleça normas mínimas para proteger os intervenientes legitimamente envolvidos na participação pública contra esse tipo de ações judiciais e que permita o acesso à justiça no Estado‑Membro da vítima;

52. Entende que um estatuto para associações transfronteiriças e organizações sem fins lucrativos da UE poderia proporcionar um nível adicional de proteção às OSC confrontadas com obstáculos indevidos à sua criação e funcionamento;

53. Insta os Estados‑Membros e a União Europeia a melhorarem o enquadramento jurídico das OSC e a facilitarem as condições de acesso a diversas fontes de financiamento, incluindo financiamento privado e estrangeiro;

54. Insta os Estados‑Membros e a União Europeia a irem além do financiamento de projetos e a disponibilizarem financiamento para infraestruturas de base e ciclos de financiamento plurianuais, visando assegurar a sustentabilidade da sociedade civil;

55. Observa que o financiamento de organizações sem fins lucrativos implica frequentemente cofinanciamento e que exigir que as organizações sem fins lucrativos disponham de uma percentagem demasiado elevada de recursos próprios pode ser proibitivo; sublinha, por conseguinte, que a parte dos recursos próprios necessária para o cofinanciamento deve ser avaliada;

56. Insta os Estados‑Membros a disponibilizarem recursos suficientes às suas instituições nacionais de direitos humanos, de modo a permitir‑lhes dialogar com os intervenientes da sociedade civil e acompanhar e reagir às restrições do seu espaço cívico;

57. Insta os Estados‑Membros a assegurarem que as infrações penais cometidas contra as OSC e os defensores dos direitos humanos sejam devidamente registadas, investigadas e processadas;

Limitações ao diálogo aberto e transparente entre as instituições públicas e a sociedade civil e recomendações

58. Recorda a importância de um diálogo aberto, transparente e constante entre as instituições da União Europeia e a sociedade civil, bem como o seu contributo para a realização dos valores, objetivos e políticas da União;

59. Recorda que, no que diz respeito às instituições da UE, o artigo 11.º do TUE estabelece que «[a]s instituições, recorrendo aos meios adequados, dão aos cidadãos e às associações representativas a possibilidade de expressarem e partilharem publicamente os seus pontos de vista sobre todos os domínios de ação da União», que «[a]s instituições estabelecem um diálogo aberto, transparente e regular com as associações representativas e com a sociedade civil» e que «[a] fim de assegurar a coerência e a transparência das ações da União, a Comissão Europeia procede a amplas consultas às partes interessadas»;

60. Apela à adoção de um mecanismo inovador baseado no artigo 11.º do TUE, destinado a assegurar uma representação justa e equilibrada das OSC nos processos legislativos e de tomada de decisão da União Europeia; solicita que seja assegurada a igualdade de acesso à informação de interesse público e aos decisores, tanto a nível dos Estados‑Membros como da UE;

61. Insta, em particular, a Comissão, nos seus processos de consulta, a restabelecer o equilíbrio entre os representantes dos interesses das empresas e os representantes de outros interesses, como os direitos dos trabalhadores, os direitos sociais e a proteção do ambiente, e a garantir salvaguardas contra práticas desleais de representação de interesses que não sejam compatíveis com um diálogo justo e transparente;

62. Apela à criação de um organismo de ética independente que possa fornecer orientações sobre questões éticas, controlar o cumprimento das regras éticas e emitir recomendações sobre sanções contra práticas desleais de representação de interesses e outras violações éticas que possam pôr em perigo a independência das instituições da UE;

63. Insta os Estados‑Membros, as instituições da UE em geral e a Comissão em particular a assegurarem uma consulta estreita com a sociedade civil durante a preparação ou revisão de legislação que possa afetar o espaço cívico e as respetivas liberdades;

64. Insta a União Europeia a assegurar que os métodos de trabalho da Conferência sobre o Futuro da Europa garantam a inclusão da sociedade civil;

Concentração dos meios de comunicação social e ameaças à representação justa da sociedade civil

65. Recorda que o jornalismo independente e de elevada qualidade e as OSC desempenham um papel crucial enquanto guardiães da democracia e do Estado de direito, pelo facto de responsabilizarem os poderosos e combaterem a desinformação, a informação incorreta, a ingerência política estrangeira e a manipulação;

66. Lamenta a crescente concentração da propriedade dos meios de comunicação social em detrimento da pluralidade, independência e representação pública justa das ideias e ações das CSO; recorda que o jornalismo independente e responsável e o acesso a informações pluralistas são pilares fundamentais da democracia e que as ações e o contributo da sociedade civil são vitais para a prosperidade de qualquer democracia; insta os Estados‑Membros a garantirem e manterem a independência dos meios de comunicação social face à pressão política e económica, a zelarem pelo pluralismo dos meios de comunicação social e a assegurarem a transparência;

67. Manifesta profunda preocupação com o facto de alguns meios de comunicação social participarem em campanhas de difamação contra intervenientes da sociedade civil, nomeadamente quando essas campanhas de difamação são iniciadas por um governo;

68. Incentiva os Estados‑Membros a adotarem leis que garantam a independência e a pluralidade dos meios de comunicação social, nomeadamente através da criação de salvaguardas democráticas para a governação dos meios de comunicação social, a fim de proteger os jornalistas de acionistas hostis, garantindo uma maior transparência e regulamentação da propriedade dos meios de comunicação social e, se necessário, reformando o financiamento público dos meios de comunicação social, de modo a promover a democracia e a participação dos cidadãos nos processos de financiamento dos meios de comunicação social.


INFORMAÇÕES SOBRE A APROVAÇÃO NA COMISSÃO ENCARREGADA DE EMITIR PARECER

Data de aprovação

10.1.2022

 

 

 

Resultado da votação final

+:

–:

0:

18

4

0

Deputados presentes no momento da votação final

Pascal Arimont, Manon Aubry, Ibán García Del Blanco, Jean‑Paul Garraud, Esteban González Pons, Mislav Kolakušić, Sergey Lagodinsky, Gilles Lebreton, Karen Melchior, Jiří Pospíšil, Franco Roberti, Marcos Ros Sempere, Stéphane Séjourné, Raffaele Stancanelli, Adrián Vázquez Lázara, Axel Voss, Marion Walsmann, Tiemo Wölken, Javier Zarzalejos

Suplentes presentes no momento da votação final

Patrick Breyer, Daniel Buda, Nacho Sánchez Amor, Bettina Vollath

 


 

VOTAÇÃO NOMINAL FINAL

NA COMISSÃO ENCARREGADA DE EMITIR PARECER

18

+

PPE

Pascal Arimont, Geoffroy Didier, Esteban González Pons, Jiří Pospíšil, Axel Voss, Marion Walsmann, Javier Zarzalejos

Renew

Pascal Durand, Karen Melchior, Yana Toom, Adrián Vázquez Lázara

S&D

Franco Roberti, Marcos Ros Sempere, Bettina Vollath, Tiemo Wölken

The Left

Manon Aubry

Verts/ALE

Patrick Breyer, Sergey Lagodinsky

 

4

ECR

Raffaele Stancanelli

ID

Gunnar Beck, Jean‑Paul Garraud, Gilles Lebreton

 

0

0

 

 

 

Chave dos símbolos:

+ : votos a favor

 : votos contra

0 : abstenção

 

 


INFORMAÇÕES SOBRE A APROVAÇÃO NA COMISSÃO COMPETENTE QUANTO À MATÉRIA DE FUNDO

Data de aprovação

15.2.2022

 

 

 

Resultado da votação final

+:

–:

0:

53

10

6

Deputados presentes no momento da votação final

Magdalena Adamowicz, Abir Al‑Sahlani, Konstantinos Arvanitis, Malik Azmani, Katarina Barley, Pietro Bartolo, Nicolas Bay, Vladimír Bilčík, Vasile Blaga, Ioan‑Rareş Bogdan, Patrick Breyer, Saskia Bricmont, Joachim Stanisław Brudziński, Jorge Buxadé Villalba, Damien Carême, Caterina Chinnici, Clare Daly, Marcel de Graaff, Anna Júlia Donáth, Lena Düpont, Lucia Ďuriš Nicholsonová, Cornelia Ernst, Laura Ferrara, Nicolaus Fest, Jean‑Paul Garraud, Maria Grapini, Sylvie Guillaume, Andrzej Halicki, Evin Incir, Sophia in ‘t Veld, Patryk Jaki, Marina Kaljurand, Assita Kanko, Fabienne Keller, Peter Kofod, Łukasz Kohut, Moritz Körner, Alice Kuhnke, Jeroen Lenaers, Juan Fernando López Aguilar, Lukas Mandl, Nuno Melo, Nadine Morano, Javier Moreno Sánchez, Maite Pagazaurtundúa, Emil Radev, Paulo Rangel, Karlo Ressler, Diana Riba i Giner, Ralf Seekatz, Birgit Sippel, Sara Skyttedal, Vincenzo Sofo, Martin Sonneborn, Tineke Strik, Ramona Strugariu, Annalisa Tardino, Tomas Tobé, Yana Toom, Milan Uhrík, Tom Vandendriessche, Bettina Vollath, Elissavet Vozemberg‑Vrionidi, Jadwiga Wiśniewska, Elena Yoncheva, Javier Zarzalejos

Suplentes presentes no momento da votação final

Malin Björk, Tanja Fajon, Daniel Freund

 


 

VOTAÇÃO NOMINAL FINAL NA COMISSÃO COMPETENTE QUANTO À MATÉRIA DE FUNDO

53

+

PPE

Magdalena Adamowicz, Vladimír Bilčík, Vasile Blaga, Ioan‑Rareş Bogdan, Lena Düpont, Andrzej Halicki, Jeroen Lenaers, Lukas Mandl, Nuno Melo, Emil Radev, Paulo Rangel, Karlo Ressler, Ralf Seekatz, Sara Skyttedal, Tomas Tobé, Elissavet Vozemberg‑Vrionidi, Javier Zarzalejos

S&D

Katarina Barley, Pietro Bartolo, Caterina Chinnici, Tanja Fajon, Sylvie Guillaume, Evin Incir, Marina Kaljurand, Łukasz Kohut, Juan Fernando López Aguilar, Javier Moreno Sánchez, Birgit Sippel, Bettina Vollath, Elena Yoncheva

Renew

Abir Al‑Sahlani, Malik Azmani, Anna Júlia Donáth, Lucia Ďuriš Nicholsonová, Sophia in 't Veld, Fabienne Keller, Moritz Körner, Maite Pagazaurtundúa, Ramona Strugariu, Yana Toom

Verts/ALE

Patrick Breyer, Saskia Bricmont, Damien Carême, Daniel Freund, Alice Kuhnke, Diana Riba i Giner, Tineke Strik

The Left

Konstantinos Arvanitis, Malin Björk, Clare Daly, Cornelia Ernst

NI

Laura Ferrara, Martin Sonneborn

 

10

PPE

Nadine Morano

ID

Nicolas Bay, Nicolaus Fest, Jean‑Paul Garraud, Marcel de Graaff, Peter Kofod, Annalisa Tardino, Tom Vandendriessche

ECR

Jorge Buxadé Villalba

NI

Milan Uhrík

 

6

0

S&D

Maria Grapini

ECR

Joachim Stanisław Brudziński, Patryk Jaki, Assita Kanko, Vincenzo Sofo, Jadwiga Wiśniewska

 

Chave dos símbolos:

+ : votos a favor

 : votos contra

0 : abstenção

 

 

Última actualização: 2 de Março de 2022
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