Proposta de resolução - B6-0536/2008Proposta de resolução
B6-0536/2008

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO

14.10.2008

nos termos do artigo 91.º do Regimento
por Nirj Deva, Maria Martens, Alain Hutchinson, Thijs Berman, Thierry Cornillet, Johan Van Hecke, Frithjof Schmidt, Feleknas Uca, Luisa Morgantini e Ryszard Czarnecki
em nome da Comissão do Desenvolvimento
sobre a acusação e o julgamento de Joseph Kony no Tribunal Penal Internacional

Processo : 2008/2637(RSP)
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B6‑0536/2008

Resolução do Parlamento Europeu sobre a acusação e o julgamento de Joseph Kony no Tribunal Penal Internacional

O Parlamento Europeu,

–  Tendo em conta o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI), em particular o seu artigo 86.º e a sua entrada em vigor em 1 de Julho de 2002,

–  Tendo em conta a ratificação do Estatuto de Roma pelo Uganda em 14 de Junho de 2002,

–  Tendo em conta a queixa apresentada ao TPI pelo presidente do Uganda, Yoweri Museveni, em 2003, sobre a situação respeitante ao Exército de Resistência do Senhor (LRA), tendo esta sido a primeira queixa apresentada por um Estado-Parte ao TPI desde o seu estabelecimento,

–  Tendo em conta a decisão do Procurador do TPI, de 29 de Julho de 2004, de abrir um inquérito sobre a situação no Norte do Uganda,

–  Tendo em conta o mandado de detenção de Joseph Kony emitido pelo TPI em 8 de Julho de 2005, tal como modificado em 27 de Setembro de 2005[1],

–  Tendo em conta o Acordo de Parceria entre os Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico (ACP) e a Comunidade Europeia e os seus Estados­Membros, assinado em Cotonu, em 23 de Junho de 2000[2], tal como alterado pelo Acordo que altera o Acordo de Parceria, assinado no Luxemburgo, em 25 de Junho de 2005[3] (“Acordo de Cotonu”), em particular o seu artigo 8.º relativo ao diálogo político e o n.º 6 do seu artigo 11.º sobre a promoção e o reforço da paz e da justiça a nível internacional,

–  Tendo em conta a Decisão do Conselho 2002/494/JAI, de 13 de Junho de 2002, relativa à criação de uma rede europeia de pontos de contacto relativa a pessoas responsáveis por genocídios, crimes contra a humanidade e crimes de guerra[4] e a sua Resolução legislativa de 9 de Abril de 2002,

–  Tendo em conta a Decisão do Conselho 2003/335/JAI, de 8 de Maio de 2003, relativa à Investigação e perseguição penal em caso de genocídios, crimes contra a humanidade e crimes de guerra[5] e a sua Resolução legislativa de 17 de Dezembro de 2002,

–  Tendo em conta a Posição Comum do Conselho 2003/444/PESC, de 16 de Junho de 2003, relativa ao Tribunal Penal Internacional[6] e ao Plano de acção de acompanhamento do Conselho,

–  Tendo em conta o Acordo de cooperação e assistência entre o TPI e a UE, assinado em 10 de Abril de 2006 e em vigor desde 1 de Maio de 2006,

–  Tendo em conta o relatório complementar, de 23 de Junho de 2008, apresentado pelo Secretário-Geral da ONU ao Conselho de Segurança da ONU sobre a participação de crianças em conflitos armados no Uganda,

–  Tendo em conta as directrizes da UE em matéria de direitos humanos sobre a participação de crianças em conflitos armados,

–  Tendo em conta as suas anteriores resoluções, em particular de 22 de Maio de 2008 sobre o Sudão e o TPI, de 3 de Julho de 2003 sobre a violação dos direitos humanos no Uganda, e de 6 de Julho de 2001 sobre o rapto de crianças pelo Exército de Resistência do Senhor (LRA),

–  Tendo em conta a decisão de 1 de Setembro de 2008 do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos que impõe novas sanções a Joseph Kony, adicionando-o à sua lista negra de terroristas,

–  Tendo em conta a troca de pontos de vista sobre o TPI efectuada durante a reunião da Comissão do Desenvolvimento do Parlamento Europeu de 15 de Setembro de 2008,

–  Tendo em conta o artigo 91.º e o n.º 4 do artigo 90.º do seu Regimento,

A.  Considerando que, em Setembro de 2005, o TPI emitiu um mandado de detenção de Joseph Kony, presidente e comandante do LRA, acusado da prática de 33 alegados crimes contra a Humanidade e crimes de guerra; considerando que foram igualmente emitidos mandados de detenção contra os outros principais comandantes do LRA, nomeadamente Vincent Otti, Okot Odhiambo e Domic Ongwen,

B.  Considerando que as 33 acusações penais contra Joseph Kony incluem 12 acusações de crimes de guerra e crimes contra a Humanidade, nomeadamente homicídio, violação, escravidão, escravidão sexual e actos desumanos causadores de danos e sofrimentos físicos graves, e 21 acusações de crimes de guerra, que incluem assassinatos, o tratamento cruel de civis, um ataque visando intencionalmente uma população civil, a pilhagem e a incitação à violação e ao recrutamento forçado de crianças,

C.  Considerando que a luta do LRA perdura ostensivamente na região, desde 1986, contra o Governo do Uganda,

D.  Considerando que o norte do Uganda tem sido avassalado, desde 1986, por rebeldes armados sob a designação de LRA,

E.  Considerando que, em Agosto de 2006, o Governo do Uganda e o LRA assinaram um Acordo de Cessação das Hostilidades,

F.  Considerando que o pico da violência no Norte do Uganda, em 2005, obrigou cerca de 1,6 milhões de pessoas desalojadas a viver em campos de refugiados internos e dezenas de milhares de crianças a passar as noites em centros urbanos, em busca de protecção; considerando que, embora desde 2006 metade das Pessoas Deslocadas Internamente (PDI) tenham podido regressar às suas casas ou para perto das mesmas, a situação permanece crítica para muitas PDI que se mostram relutantes em regressar na ausência de um Acordo Final de Paz,

G.  Manifesta-se profundamente preocupado com as consequências desastrosas deste conflito, que deu origem ao rapto de mais de 20 000 crianças e causou um terrível sofrimento humano, especialmente entre os civis, bem como graves violações dos direitos humanos, a deslocação maciça de populações e a ruptura das estruturas sociais e económicas; considerando que o rapto de crianças e a sua conversão em escravas sexuais ou soldados constituem crimes de guerra e crimes contra a Humanidade,

H.  Considerando que, apenas em 2008, o LRA alegadamente cometeu entre 200 e 300 raptos na República Centro-Africana (RCA), no Sul do Sudão e na República Democrática do Congo (RDC), cometendo assim os mesmos actos de violência contra uma nova geração de vítimas,

I.  Considerando que, em Julho de 2008, o LRA atacou o Exército de Libertação do Sudão em Nabanga e assassinou 22 dos seus soldados,

J.  Considerando que Joseph Kony nunca compareceu em Juba e recusa-se, até à data, a assinar o Acordo Final de Paz enquanto os mandados de detenção e outras questões constantes do Acordo não forem esclarecidas pelo grupo de ligação comum; considerando que o Acordo Final de Paz foi negociado pelo enviado especial do Conselho de Segurança da ONU junto do LRA, o antigo Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano,

K.  Considerando que Joseph Kony aproveitou o período de trégua durante o processo de paz para reagrupar e reorganizar as suas forças do LRA na RDC,

L.  Considerando que, devido à incapacidade dos Estados-Partes de deter Kony e os outros comandantes do LRA, este tem actualmente expandido as suas forças por meio de raptos;

M.  Considerando que, em Setembro de 2008, de acordo com a UNICEF, o LRA alegadamente raptou 90 alunos congoleses nas cidades Kiliwa e Duru, na RDC, e atacou muitas outras localidades, causando uma deslocação maciça de populações nessa zona,

N.  Considerando que o TPI desempenha um papel fundamental no sentido de prevenir e limitar a perpetração dos crimes graves abrangidos pela sua jurisdição, e que constitui um meio essencial de promover o respeito pelo direito humanitário internacional e pelos direitos humanos, contribuindo assim para a liberdade, segurança, justiça e para o Estado de direito, bem como para a preservação da paz e para o reforço da segurança internacional,

O.  Considerando que a jurisdição do TPI abrange os crimes mais graves que afectam a comunidade internacional, em particular o genocídio, os crimes contra a Humanidade e os crimes de guerra cometidos após 1 de Julho de 2002,

P.  Considerando que os Estados assumiram o compromisso de julgar os crimes desta natureza nas suas jurisdições nacionais e de apoiar a intervenção do TPI nos casos em que os Estados não cumpram as suas obrigações,

Q.  Considerando que todos os Estados-Membros da UE, com excepção da República Checa, ratificaram o Estatuto de Roma,

R.  Considerando que a UE assinou um acordo de cooperação com o TPI, em 10 de Abril de 2006, nos termos do qual, a fim de, inter alia, facilitar a obrigação de cooperação e assistência, as partes acordaram em estabelecer contactos regulares adequados entre o Tribunal e o ponto de contacto para o Tribunal da União Europeia,

S.  Considerando que a União e os seus Estados-Membros deveriam envidar todos os esforços para assegurar que o maior número possível de Estados participem no Tribunal Penal Internacional, tendo em conta o seu objectivo durante as negociações (tanto bilaterais como multilaterais) e no diálogo político com países terceiros e organizações regionais,

T.  Considerando que o TPI deveria ocupar um lugar de destaque nas relações externas da UE e que a ratificação e aplicação do Estatuto de Roma deveriam ser integradas nos diálogos políticos e em matéria de direitos humanos (nomeadamente durante cimeiras e outras reuniões de alto nível) com países terceiros, no contexto da cooperação para o desenvolvimento, bem como no quadro do Acordo de Cotonou,

1.  Convida o Governo do Uganda e os governos dos países vizinhos, em particular a RDC, a cooperar plenamente com o TPI nas suas investigações e processos; solicita, em particular, que cooperem no sentido de deter e entregar sem demora Joseph Kony e outras pessoas acusadas pelo Tribunal,

2.  Lamenta profundamente que tenham sido interrompidos os esforços no sentido de deter Joseph Kony e outras pessoas acusadas pelo Tribunal; relembra ao Governo do Uganda que, na qualidade de Estado-Parte no Estatuto de Roma do TPI, tem a obrigação de cooperar plenamente com o TPI;

3.  Observa que o Estatuto de Roma prevê que, uma vez entregues as pessoas em questão ao TPI, o Governo do Uganda pode posteriormente solicitar o reenvio dos seus processos aos tribunais do Uganda, sob a condição de o TPI concluir que os tribunais do Uganda podem e tencionam investigar e julgar os suspeitos do LRA visados pelos mandados;

4.  Insta o Governo do Uganda a abster-se de concluir quaisquer acordos com o LRA que possam constituir uma violação do direito internacional;

5.  Exorta os Estados-Membros da UE, a União Africana (UA) e, em particular, os países vizinhos do Uganda a abordarem a execução dos mandados de detenção de forma coerente;

6.  Exige a libertação incondicional e imediata de todas as pessoas raptadas pelo LRA, principalmente das crianças, as quais correm o risco de se tornar escravas sexuais ou de ser forçadas a combater pelo LRA;

7.  Convida a comunidade internacional a investigar os recentes abusos alegadamente cometidos pelo LRA na RCA, na RDC e no Sul do Sudão, e os inquéritos não publicados das Nações Unidas relativos a abusos cometidos na RCA, e a apresentar um relatório sobre os respectivos resultados;

8.  Solicita aos governos na região, à MONUC (Missão da Organização das Nações Unidas na República Democrática do Congo) e a outros governos internacionais presentes nas negociações de paz com estatuto de observadores a seguir e a divulgar os movimentos do LRA, através do controlo reforçado das fronteiras regionais, e a supervisionar e a interditar o fluxo de armas e outros fornecimentos destinados ao LRA; exorta à concepção de planos eficazes que permitam executar os mandados de detenção emitidos pelo TPI, reduzindo simultaneamente ao mínimo o risco de vida para os civis e evitando recorrer ao uso excessivo da força, incluindo no âmbito da MONUC;

9.  Convida os Estados-Membros da UE, em particular aqueles associados ao Uganda e ao processo de paz de Juba, a coordenar os seus esforços em conjunto com os governos regionais e com o secretariado e as forças de manutenção da paz das Nações Unidas, tendo em vista a execução dos mandados de detenção dos líderes do LRA emitidos pelo TPI;

10.  Chama a atenção para o facto de a justiça constituir um objectivo comum que deve ser partilhado entre a UE e a UA;

11.  Recorda que, ao abrigo do Estatuto de Roma, os Estados comprometeram-se a pôr termo à impunidade pelos crimes mais graves que afectam a comunidade internacional e a contribuir para a prevenção dos mesmos; está convencido de que o TPI e os tribunais ad hoc contribuirão para o processo de reconciliação e de paz;

12.  Manifesta-se preocupado com a ausência de esforços explícitos no sentido de evitar o desvio da ajuda internacional em favor do LRA, permitindo assim que Joseph Kony se rearme; exige o corte das redes de abastecimento do LRA e insta o Governo do Sudão a interromper o seu apoio financeiro e militar ao LRA;

13.  Solicita à UE e aos doadores internacionais que contribuam para o desarmamento, a desmobilização e a reintegração de ex-combatentes do LRA, para o regresso das PDI e a indemnização das vítimas;

14.  Saúda os contactos estreitos e regulares entre os altos funcionários do TPI e a UE; observa que a UE apoia vivamente a participação no Estatuto de Roma e a sua aplicação; salienta que o papel de liderança da UE é essencial para a execução do mandato do TPI;

15.  Está fortemente convencido de que, numa perspectiva a longo prazo, o TPI contribuirá para a prevenção de novas atrocidades; salienta que a não detenção de Joseph Kony resulta na perpetuação de atrocidades e da violação dos direitos humanos e realça que a paz e a reconciliação não podem ser alcançadas sem que seja feita justiça para as vítimas;

16.  Recomenda à Assembleia Parlamentar Paritária ACP-UE que acompanhe de perto a situação no Norte do Uganda e a violação dos direitos humanos pelo LRA;

17.  Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, ao Representante Especial da UE para a região dos Grandes Lagos, ao Representante Especial da UE para a União Africana, ao Governo do Uganda, aos governos dos Estados-Membros e aos membros do Conselho de Segurança da ONU, às instituições da União Africana e ao Procurador do TPI.