PROPOSTA DE RESOLUÇÃO
14.10.2008
por Nirj Deva, Maria Martens, Alain Hutchinson, Thijs Berman, Thierry Cornillet, Johan Van Hecke, Frithjof Schmidt, Feleknas Uca, Luisa Morgantini e Ryszard Czarnecki
em nome da Comissão do Desenvolvimento
sobre a acusação e o julgamento de Joseph Kony no Tribunal Penal Internacional
B6‑0536/2008
Resolução do Parlamento Europeu sobre a acusação e o julgamento de Joseph Kony no Tribunal Penal Internacional
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI), em particular o seu artigo 86.º e a sua entrada em vigor em 1 de Julho de 2002,
– Tendo em conta a ratificação do Estatuto de Roma pelo Uganda em 14 de Junho de 2002,
– Tendo em conta a queixa apresentada ao TPI pelo presidente do Uganda, Yoweri Museveni, em 2003, sobre a situação respeitante ao Exército de Resistência do Senhor (LRA), tendo esta sido a primeira queixa apresentada por um Estado-Parte ao TPI desde o seu estabelecimento,
– Tendo em conta a decisão do Procurador do TPI, de 29 de Julho de 2004, de abrir um inquérito sobre a situação no Norte do Uganda,
– Tendo em conta o mandado de detenção de Joseph Kony emitido pelo TPI em 8 de Julho de 2005, tal como modificado em 27 de Setembro de 2005[1],
– Tendo em conta o Acordo de Parceria entre os Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico (ACP) e a Comunidade Europeia e os seus EstadosMembros, assinado em Cotonu, em 23 de Junho de 2000[2], tal como alterado pelo Acordo que altera o Acordo de Parceria, assinado no Luxemburgo, em 25 de Junho de 2005[3] (“Acordo de Cotonu”), em particular o seu artigo 8.º relativo ao diálogo político e o n.º 6 do seu artigo 11.º sobre a promoção e o reforço da paz e da justiça a nível internacional,
– Tendo em conta a Decisão do Conselho 2002/494/JAI, de 13 de Junho de 2002, relativa à criação de uma rede europeia de pontos de contacto relativa a pessoas responsáveis por genocídios, crimes contra a humanidade e crimes de guerra[4] e a sua Resolução legislativa de 9 de Abril de 2002,
– Tendo em conta a Decisão do Conselho 2003/335/JAI, de 8 de Maio de 2003, relativa à Investigação e perseguição penal em caso de genocídios, crimes contra a humanidade e crimes de guerra[5] e a sua Resolução legislativa de 17 de Dezembro de 2002,
– Tendo em conta a Posição Comum do Conselho 2003/444/PESC, de 16 de Junho de 2003, relativa ao Tribunal Penal Internacional[6] e ao Plano de acção de acompanhamento do Conselho,
– Tendo em conta o Acordo de cooperação e assistência entre o TPI e a UE, assinado em 10 de Abril de 2006 e em vigor desde 1 de Maio de 2006,
– Tendo em conta o relatório complementar, de 23 de Junho de 2008, apresentado pelo Secretário-Geral da ONU ao Conselho de Segurança da ONU sobre a participação de crianças em conflitos armados no Uganda,
– Tendo em conta as directrizes da UE em matéria de direitos humanos sobre a participação de crianças em conflitos armados,
– Tendo em conta as suas anteriores resoluções, em particular de 22 de Maio de 2008 sobre o Sudão e o TPI, de 3 de Julho de 2003 sobre a violação dos direitos humanos no Uganda, e de 6 de Julho de 2001 sobre o rapto de crianças pelo Exército de Resistência do Senhor (LRA),
– Tendo em conta a decisão de 1 de Setembro de 2008 do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos que impõe novas sanções a Joseph Kony, adicionando-o à sua lista negra de terroristas,
– Tendo em conta a troca de pontos de vista sobre o TPI efectuada durante a reunião da Comissão do Desenvolvimento do Parlamento Europeu de 15 de Setembro de 2008,
– Tendo em conta o artigo 91.º e o n.º 4 do artigo 90.º do seu Regimento,
A. Considerando que, em Setembro de 2005, o TPI emitiu um mandado de detenção de Joseph Kony, presidente e comandante do LRA, acusado da prática de 33 alegados crimes contra a Humanidade e crimes de guerra; considerando que foram igualmente emitidos mandados de detenção contra os outros principais comandantes do LRA, nomeadamente Vincent Otti, Okot Odhiambo e Domic Ongwen,
B. Considerando que as 33 acusações penais contra Joseph Kony incluem 12 acusações de crimes de guerra e crimes contra a Humanidade, nomeadamente homicídio, violação, escravidão, escravidão sexual e actos desumanos causadores de danos e sofrimentos físicos graves, e 21 acusações de crimes de guerra, que incluem assassinatos, o tratamento cruel de civis, um ataque visando intencionalmente uma população civil, a pilhagem e a incitação à violação e ao recrutamento forçado de crianças,
C. Considerando que a luta do LRA perdura ostensivamente na região, desde 1986, contra o Governo do Uganda,
D. Considerando que o norte do Uganda tem sido avassalado, desde 1986, por rebeldes armados sob a designação de LRA,
E. Considerando que, em Agosto de 2006, o Governo do Uganda e o LRA assinaram um Acordo de Cessação das Hostilidades,
F. Considerando que o pico da violência no Norte do Uganda, em 2005, obrigou cerca de 1,6 milhões de pessoas desalojadas a viver em campos de refugiados internos e dezenas de milhares de crianças a passar as noites em centros urbanos, em busca de protecção; considerando que, embora desde 2006 metade das Pessoas Deslocadas Internamente (PDI) tenham podido regressar às suas casas ou para perto das mesmas, a situação permanece crítica para muitas PDI que se mostram relutantes em regressar na ausência de um Acordo Final de Paz,
G. Manifesta-se profundamente preocupado com as consequências desastrosas deste conflito, que deu origem ao rapto de mais de 20 000 crianças e causou um terrível sofrimento humano, especialmente entre os civis, bem como graves violações dos direitos humanos, a deslocação maciça de populações e a ruptura das estruturas sociais e económicas; considerando que o rapto de crianças e a sua conversão em escravas sexuais ou soldados constituem crimes de guerra e crimes contra a Humanidade,
H. Considerando que, apenas em 2008, o LRA alegadamente cometeu entre 200 e 300 raptos na República Centro-Africana (RCA), no Sul do Sudão e na República Democrática do Congo (RDC), cometendo assim os mesmos actos de violência contra uma nova geração de vítimas,
I. Considerando que, em Julho de 2008, o LRA atacou o Exército de Libertação do Sudão em Nabanga e assassinou 22 dos seus soldados,
J. Considerando que Joseph Kony nunca compareceu em Juba e recusa-se, até à data, a assinar o Acordo Final de Paz enquanto os mandados de detenção e outras questões constantes do Acordo não forem esclarecidas pelo grupo de ligação comum; considerando que o Acordo Final de Paz foi negociado pelo enviado especial do Conselho de Segurança da ONU junto do LRA, o antigo Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano,
K. Considerando que Joseph Kony aproveitou o período de trégua durante o processo de paz para reagrupar e reorganizar as suas forças do LRA na RDC,
L. Considerando que, devido à incapacidade dos Estados-Partes de deter Kony e os outros comandantes do LRA, este tem actualmente expandido as suas forças por meio de raptos;
M. Considerando que, em Setembro de 2008, de acordo com a UNICEF, o LRA alegadamente raptou 90 alunos congoleses nas cidades Kiliwa e Duru, na RDC, e atacou muitas outras localidades, causando uma deslocação maciça de populações nessa zona,
N. Considerando que o TPI desempenha um papel fundamental no sentido de prevenir e limitar a perpetração dos crimes graves abrangidos pela sua jurisdição, e que constitui um meio essencial de promover o respeito pelo direito humanitário internacional e pelos direitos humanos, contribuindo assim para a liberdade, segurança, justiça e para o Estado de direito, bem como para a preservação da paz e para o reforço da segurança internacional,
O. Considerando que a jurisdição do TPI abrange os crimes mais graves que afectam a comunidade internacional, em particular o genocídio, os crimes contra a Humanidade e os crimes de guerra cometidos após 1 de Julho de 2002,
P. Considerando que os Estados assumiram o compromisso de julgar os crimes desta natureza nas suas jurisdições nacionais e de apoiar a intervenção do TPI nos casos em que os Estados não cumpram as suas obrigações,
Q. Considerando que todos os Estados-Membros da UE, com excepção da República Checa, ratificaram o Estatuto de Roma,
R. Considerando que a UE assinou um acordo de cooperação com o TPI, em 10 de Abril de 2006, nos termos do qual, a fim de, inter alia, facilitar a obrigação de cooperação e assistência, as partes acordaram em estabelecer contactos regulares adequados entre o Tribunal e o ponto de contacto para o Tribunal da União Europeia,
S. Considerando que a União e os seus Estados-Membros deveriam envidar todos os esforços para assegurar que o maior número possível de Estados participem no Tribunal Penal Internacional, tendo em conta o seu objectivo durante as negociações (tanto bilaterais como multilaterais) e no diálogo político com países terceiros e organizações regionais,
T. Considerando que o TPI deveria ocupar um lugar de destaque nas relações externas da UE e que a ratificação e aplicação do Estatuto de Roma deveriam ser integradas nos diálogos políticos e em matéria de direitos humanos (nomeadamente durante cimeiras e outras reuniões de alto nível) com países terceiros, no contexto da cooperação para o desenvolvimento, bem como no quadro do Acordo de Cotonou,
1. Convida o Governo do Uganda e os governos dos países vizinhos, em particular a RDC, a cooperar plenamente com o TPI nas suas investigações e processos; solicita, em particular, que cooperem no sentido de deter e entregar sem demora Joseph Kony e outras pessoas acusadas pelo Tribunal,
2. Lamenta profundamente que tenham sido interrompidos os esforços no sentido de deter Joseph Kony e outras pessoas acusadas pelo Tribunal; relembra ao Governo do Uganda que, na qualidade de Estado-Parte no Estatuto de Roma do TPI, tem a obrigação de cooperar plenamente com o TPI;
3. Observa que o Estatuto de Roma prevê que, uma vez entregues as pessoas em questão ao TPI, o Governo do Uganda pode posteriormente solicitar o reenvio dos seus processos aos tribunais do Uganda, sob a condição de o TPI concluir que os tribunais do Uganda podem e tencionam investigar e julgar os suspeitos do LRA visados pelos mandados;
4. Insta o Governo do Uganda a abster-se de concluir quaisquer acordos com o LRA que possam constituir uma violação do direito internacional;
5. Exorta os Estados-Membros da UE, a União Africana (UA) e, em particular, os países vizinhos do Uganda a abordarem a execução dos mandados de detenção de forma coerente;
6. Exige a libertação incondicional e imediata de todas as pessoas raptadas pelo LRA, principalmente das crianças, as quais correm o risco de se tornar escravas sexuais ou de ser forçadas a combater pelo LRA;
7. Convida a comunidade internacional a investigar os recentes abusos alegadamente cometidos pelo LRA na RCA, na RDC e no Sul do Sudão, e os inquéritos não publicados das Nações Unidas relativos a abusos cometidos na RCA, e a apresentar um relatório sobre os respectivos resultados;
8. Solicita aos governos na região, à MONUC (Missão da Organização das Nações Unidas na República Democrática do Congo) e a outros governos internacionais presentes nas negociações de paz com estatuto de observadores a seguir e a divulgar os movimentos do LRA, através do controlo reforçado das fronteiras regionais, e a supervisionar e a interditar o fluxo de armas e outros fornecimentos destinados ao LRA; exorta à concepção de planos eficazes que permitam executar os mandados de detenção emitidos pelo TPI, reduzindo simultaneamente ao mínimo o risco de vida para os civis e evitando recorrer ao uso excessivo da força, incluindo no âmbito da MONUC;
9. Convida os Estados-Membros da UE, em particular aqueles associados ao Uganda e ao processo de paz de Juba, a coordenar os seus esforços em conjunto com os governos regionais e com o secretariado e as forças de manutenção da paz das Nações Unidas, tendo em vista a execução dos mandados de detenção dos líderes do LRA emitidos pelo TPI;
10. Chama a atenção para o facto de a justiça constituir um objectivo comum que deve ser partilhado entre a UE e a UA;
11. Recorda que, ao abrigo do Estatuto de Roma, os Estados comprometeram-se a pôr termo à impunidade pelos crimes mais graves que afectam a comunidade internacional e a contribuir para a prevenção dos mesmos; está convencido de que o TPI e os tribunais ad hoc contribuirão para o processo de reconciliação e de paz;
12. Manifesta-se preocupado com a ausência de esforços explícitos no sentido de evitar o desvio da ajuda internacional em favor do LRA, permitindo assim que Joseph Kony se rearme; exige o corte das redes de abastecimento do LRA e insta o Governo do Sudão a interromper o seu apoio financeiro e militar ao LRA;
13. Solicita à UE e aos doadores internacionais que contribuam para o desarmamento, a desmobilização e a reintegração de ex-combatentes do LRA, para o regresso das PDI e a indemnização das vítimas;
14. Saúda os contactos estreitos e regulares entre os altos funcionários do TPI e a UE; observa que a UE apoia vivamente a participação no Estatuto de Roma e a sua aplicação; salienta que o papel de liderança da UE é essencial para a execução do mandato do TPI;
15. Está fortemente convencido de que, numa perspectiva a longo prazo, o TPI contribuirá para a prevenção de novas atrocidades; salienta que a não detenção de Joseph Kony resulta na perpetuação de atrocidades e da violação dos direitos humanos e realça que a paz e a reconciliação não podem ser alcançadas sem que seja feita justiça para as vítimas;
16. Recomenda à Assembleia Parlamentar Paritária ACP-UE que acompanhe de perto a situação no Norte do Uganda e a violação dos direitos humanos pelo LRA;
17. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, ao Representante Especial da UE para a região dos Grandes Lagos, ao Representante Especial da UE para a União Africana, ao Governo do Uganda, aos governos dos Estados-Membros e aos membros do Conselho de Segurança da ONU, às instituições da União Africana e ao Procurador do TPI.