PROPOSTA DE RESOLUÇÃO
28.1.2009
- –Sarah Ludford, Ignasi Guardans Cambó, Marco Cappato e Anneli Jäätteenmäki, em nome do Grupo ALDE
- –Monica Frassoni, Daniel Cohn-Bendit, Kathalijne Maria Buitenweg, Jean Lambert, Raül Romeva i Rueda, Cem Özdemir e Hélène Flautre, em nome do Grupo Verts/ALE
- –Giusto Catania, Sylvia-Yvonne Kaufmann, Miguel Portas, Vittorio Agnoletto, Jens Holm e Willy Meyer Pleite, em nome do Grupo GUE/NGL
Ver igualmente a proposta de resolução comum RC-B6-0066/2009
B6‑0070/2009
Resolução do Parlamento Europeu sobre Guantânamo
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta os instrumentos internacionais, europeus e nacionais em matéria de direitos humanos e liberdades fundamentais, proibição de detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados e da tortura, como o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e a Convenção contra a Tortura e Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 10 de Dezembro de 1984,
– Tendo em conta a cooperação transatlântica entre os Estados Unidos e a União Europeia e os seus Estados-Membros, nomeadamente no domínio da luta contra o terrorismo,
– Tendo em conta:
- ∙a sua resolução de 13 de Junho de 2006 sobre a situação dos prisioneiros em Guantânamo[1],
- ∙a sua resolução de 16 de Fevereiro de 2006 (P6_TA(2006)0070) sobre Guantânamo[2],
- ∙a sua recomendação ao Conselho, de 10 de Março de 2004, sobre o direito dos prisioneiros de Guantânamo a um julgamento justohttp://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+TA+P6-TA-2006-0254+0+DOC+XML+V0//EN&language=EN#def_1_2,
- ∙a sua resolução de 7 de Fevereiro de 2002 sobre os detidos na Baía de Guantânamohttp://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+TA+P6-TA-2006-0254+0+DOC+XML+V0//EN&language=EN#def_1_1,
- ∙as resoluções parlamentares do Conselho da Europa,
- ∙o relatório de 15 de Fevereiro de 2006 da Comissão dos Direitos do Homem das Nações Unidas,
- ∙as declarações dos relatores especiais das Nações Unidas,
- ∙as conclusões e recomendações sobre os Estados Unidos da Comissão das Nações Unidas contra a Tortura,
- ∙a declaração de 20 de Janeiro de 2009 do Presidente do Parlamento Europeu,
- ∙a declaração de 19 de Janeiro de 2009 do Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa,
- ∙a declaração do coordenador antiterrorismo da União Europeia,
- ∙as declarações do Comissário responsável pelo pelouro da Liberdade, Segurança e Justiça e da Presidência da UE,
– Tendo em conta a resolução do Parlamento Europeu de 14 de Fevereiro de 2007 sobre a alegada utilização de países europeus pela CIA para o transporte e a detenção ilegal de prisioneiros (relatório Fava), bem como as actividades do Conselho da Europa no mesmo contexto,
– Tendo em conta o n.º 4 do artigo 103.º do seu Regimento,
A. Considerando que, na sequência dos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001, os Estados Unidos criaram, em Janeiro de 2002, na Baía de Guantânamo (Cuba), instalações de detenção de alta segurança onde suspeitos de terrorismo foram detidos, e considerando que os Estados Unidos têm mantido suspeitos de terrorismo em instalações de detenção secretas por todo o mundo, incluindo em Estados-Membros da UE,
B. Considerando que os prisioneiros mantidos na Baía de Guantânamo e em instalações de detenção secretas viram negados os seus direitos humanos fundamentais, nomeadamente o direito a um julgamento justo, e que foram torturados,
C. Considerando que, numa série de acórdãos emitidos pelos tribunais dos Estados Unidos, inclusive o Supremo Tribunal, foram reconhecidos direitos parciais e limitados, incluindo a possibilidade de acesso aos tribunais civis americanos,
D. Considerando que quatro detidos cometeram suicídio na Baía de Guantânamo, após serem submetidos a técnicas de interrogatório violentas, como o "waterboarding", que equivalem a tortura e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes,
E. Considerando que o ex-director da CIA, Michael Hayden, declarou que a Agência manteve quase 100 suspeitos da Al-Qaida em instalações de detenção secretas, que um terço desses detidos foram submetidos a interrogatórios coercivos e três, incluindo Khalid Sheikh Mohammed, acusado de ser o cérebro dos atentados do 11 de Setembro, foram submetidos ao "waterboarding",
F. Considerando que os prisioneiros de Guantânamo foram para aí transportados pelas autoridades americanas, em aviões militares e da CIA, que muitas vezes sobrevoaram o território da UE e, em alguns casos, também fizeram escala em Estados-Membros da UE; considerando que, em alguns casos, os prisioneiros de Guantânamo foram raptados em Estados-Membros ao abrigo do programa de entregas extraordinárias, enquanto outros foram levados para países terceiros e submetidos a tortura em prisões locais,
G. Considerando que alguns Estados-Membros efectuaram diligências junto das autoridades americanas, solicitando a libertação e repatriação dos prisioneiros nacionais do Estado‑Membro em questão ou anteriormente residentes no seu território; considerando que representantes de alguns Estados-Membros tiveram acesso aos prisioneiros de Guantânamo e que os interrogaram para verificar as acusações contra eles imputadas pelas autoridades dos Estados Unidos,
H. Considerando que uma lista publicada pelas autoridades americanas inclui 759 antigos e actuais prisioneiros de Guantânamo; que 525 prisioneiros foram libertados, enquanto 5 morreram sob custódia; considerando que há neste momento cerca de 250 reclusos em Guantânamo, dos quais:
I.
- ∙vários detidos foram considerados aptos para ser libertados, uma vez que não chegaram a ser acusados nem devem vir a ser acusados de quaisquer crimes, 30 dos quais os Estados Unidos já reconheceram terem sido ilibados de quaisquer suspeitas, não podendo, porém, ser repatriados para os seus países de origem por correrem o risco de ser perseguidos ou torturados ou em virtude de os seus governos se recusarem a readmiti-los (incluindo 17 uigures, muçulmanos da China cuja libertação foi decretada nos Estados Unidos por um juiz americano em Outubro; o governo apresentou recurso contra a decisão) (potencial para reinstalação),
- ∙vários detidos os EUA decidiram não levar a tribunal, considerando, no entanto, que devem ser detidos ou vigiados de perto pelos respectivos governos por serem potenciais ameaças (potencial para reinstalação),
- ∙vários detidos que são considerados "perigosos" pelas autoridades americanas,
I. Considerando que a anterior Administração norte-americana declarou que, durante anos, solicitou informalmente a colaboração dos Estados-Membros da UE para encontrar uma solução comum para o problema dos prisioneiros de Guantânamo que não foram acusados ou que foram absolvidos e não podem ser repatriados para o seu país, e considerando que o Ministro português dos Negócios Estrangeiros pediu aos seus homólogos da UE que tomem uma decisão política para a sua reinstalação nos Estados-Membros da UE e manifestou a disponibilidade de Portugal nesse sentido,
J. Considerando que o uso da tortura e de outros métodos ilegais significa que as "provas" reunidas são inadmissíveis em tribunal, impossibilitando as acusações e condenações por terrorismo, e considerando que Guantânamo se transformou num problema global, já que a sua mera existência tem minado a credibilidade da comunidade internacional na luta contra o terrorismo,
1. Recorda os seus repetidos apelos no sentido do encerramento das instalações de detenção da Baía de Guantânamo e de quaisquer outras instalações de detenção similares, directa ou indirectamente administradas pelas autoridades americanas, onde quer que estejam situadas, e, por conseguinte, acolhe entusiasticamente as declarações do Presidente americano, Barack Obama, e as suas ordens executivas para suspender as comissões militares e encerrar Guantânamo no prazo de 12 meses; acolhe com agrado o empenhamento da sua Administração no sentido de rever a utilização de técnicas de interrogatório e de proibir práticas como o "waterboarding";
2. Recorda que a luta contra o terrorismo internacional, que representa uma ameaça para os direitos humanos básicos e fundamentais de que as nossas sociedades desfrutam, é uma das prioridades da União Europeia e dos Estados Unidos e só pode assentar em valores partilhados, como o respeito pelo Direito Internacional Humanitário, a democracia e o Estado de direito, e insta a União Europeia e os Estados Unidos a reforçarem o diálogo transatlântico sobre uma nova abordagem comum na luta contra o terrorismo, com base nestes valores comuns;
3. Convida as autoridades americanas a reconhecerem os direitos humanos e as liberdades fundamentais dos prisioneiros de Guantânamo, com base no direito constitucional internacional e norte-americano, a fim de que cada indivíduo seja tratado em conformidade com o direito internacional e o direito humanitário e, se for acusado, seja julgado imediatamente, numa audição pública justa, por um tribunal nacional ou internacional competente, independente e imparcial; exorta as autoridades americanas a abolir as comissões militares e a não aprovar uma lei sobre a detenção indefinida nos Estados Unidos;
4. Considera que, uma vez que foram as autoridades americanas quem criou o problema, são elas as principais responsáveis por encontrar uma solução que assegure que os prisioneiros de Guantânamo vejam reconhecidos os seus direitos humanos e liberdades fundamentais, com base no direito constitucional internacional e norte-americano, e que garanta que:
- ∙sejam julgados de forma adequada e imediata, numa audição pública justa, por um tribunal competente, independente e imparcial, e sejam condenados e detidos nos Estados Unidos se forem responsáveis pelos crimes de que os EUA os acusaram,
- ∙os que não foram acusados ou foram absolvidos tenham a possibilidade de escolher entre a residência nos EUA, a cidadania americana ou a repatriação, bem como a concessão de asilo ou protecção humanitária pelos Estados Unidos, ou num país terceiro, caso corram o risco de perseguição no seu próprio país, devendo ser-lhes dado acesso a um mecanismo de reparação e compensação, nos termos do artigo 14.º da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura;
5. Salienta que vários Estados-Membros da UE estiveram envolvidos ou colaboraram, activa ou passivamente, com as autoridades americanas no transporte ilegal, e/ou detenção, de prisioneiros pela CIA e as forças militares dos EUA para Guantânamo e para as "prisões secretas" cuja existência o Presidente Bush reconheceu – como demonstram algumas informações recentemente divulgadas sobre a autorização pelos governos dos pedidos dos EUA para sobrevoar o seu território e as informações governamentais sobre as prisões secretas – e que os Estados-Membros da UE têm uma quota-parte de responsabilidade política na detenção dos indivíduos presos em Guantânamo e em instalações de detenção secretas;
6. Considera que a União Europeia e os Estados-Membros devem manifestar a sua disponibilidade para acolher os detidos que não foram acusados ou que foram absolvidos e corram o risco de perseguição no seu próprio país, bem como conceder-lhes asilo ou protecção humanitária se os Estados Unidos se recusarem a fazê-lo;
7. Congratula-se com o facto de o Conselho, os Estados-Membros da UE e a Comissão terem discutido a questão de Guantânamo na reunião do Conselho Assuntos Gerais, em 26 de Janeiro, e solicita que acordem numa posição comum sobre a necessidade de os Estados‑Membros da UE acolherem os detidos que não serão acusados de qualquer crime, mas também não podem ser repatriados para os seus países de origem por receio de tortura ou outras violações graves dos direitos humanos; ao mesmo tempo, devem igualmente prever o acompanhamento continuado do processo de encerramento de Guantânamo e do destino dos prisioneiros de Guantânamo e dos detidos em prisões secretas, a fim de assegurar que lhes sejam garantidos os seus direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como a análise de eventuais pedidos das autoridades americanas; acolhe com agrado a visita de Jacques Barrot e da Presidência checa aos Estados Unidos para discutir a questão de Guantânamo;
8. Exorta a União Europeia, os Estados-Membros e as autoridades dos EUA a investigar e esclarecer totalmente os abusos e violações do direito internacional e nacional em matéria de direitos humanos, liberdades fundamentais, proibição da tortura e de maus tratos, desaparecimentos forçados e direito a um julgamento justo, abusos esses cometidos no âmbito da "guerra contra o terrorismo", com vista a apurar responsabilidades, inclusive em relação a Guantânamo, aos centros de detenção secretos e ao programa de entregas extraordinárias, e a fim de assegurar que tais violações não se repitam no futuro e que a luta contra o terrorismo seja prosseguida sem violar os direitos humanos, as liberdades fundamentais, a democracia e o Estado de direito;
9. Solicita às instituições da UE e aos Estados-Membros que apliquem as recomendações incluídas na sua resolução de 14 de Fevereiro de 2007 sobre a alegada utilização de países europeus pela CIA para o transporte e a detenção ilegal de prisioneiros;
10. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, ao Alto Representante para a PESC, aos parlamentos dos Estados-Membros, ao Secretário‑Geral da NATO, ao Secretário-Geral e ao Presidente da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, ao Secretário-Geral das Nações Unidas e ao Presidente e ao Congresso dos Estados Unidos da América.