PROPOSTA DE RESOLUÇÃO sobre as lacunas nos domínios da protecção dos direitos humanos e da justiça na República Democrática do Congo
15.9.2010
apresentada nos termos do n.° 2 do artigo 110.º do Regimento
Véronique De Keyser, Richard Howitt, Corina Creţu, Ana Gomes, Patrizia Toia, Vilija Blinkevičiūtė em nome do Grupo S&D
Ver igualmente a proposta de resolução comum RC-B7-0524/2010
B7‑0525/2010
Resolução do Parlamento Europeu sobre as lacunas nos domínios da protecção dos direitos humanos e da justiça na República Democrática do Congo
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta as conclusões do Conselho, de 27 de Outubro de 2009, sobre a Região dos Grandes Lagos,
– Tendo em conta as conclusões do Conselho em matéria de Política Europeia de Segurança e Defesa, de 17 de Novembro de 2009,
– Tendo em conta a Resolução da Assembleia Parlamentar Paritária ACP-UE, de 22 de Novembro de 2007, sobre a situação na República Democrática do Congo, especialmente na zona oriental, e o seu impacto na região[1],
– Tendo em conta a conta a sua Resolução, de 17 de Dezembro de 2009, sobre a violência na República Democrática do Congo,
– Tendo em conta a sua Resolução, de 17 de Janeiro de 2008, sobre a situação na República Democrática do Congo e a violação como crime de guerra[2],
– Tendo em conta a Declaração do Conselho, de 10 de Outubro de 2008, sobre a situação no Leste da República Democrática do Congo,
– Tendo em conta a Resolução 1925 (2010) do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em que é especificado o mandato da missão das Nações Unidas na RDC (MONUSC0 (ex MONUC),
– Tendo em conta a sua Resolução, de 7 de Maio de 2009, sobre a integração da dimensão de género nas relações externas da UE e na consolidação da paz/construção do Estado (2008/2198(INI)),
– Tendo em conta as resoluções 1325 e 1820 do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre as mulheres, a paz e a segurança, ambas adoptadas em 2000,
– Tendo em conta o documento do Conselho sobre a aplicação da Resolução reforçada pela Resolução 1820 do Conselho de Segurança das Nações Unidas no contexto da PESD, em 2008,
– Tendo em conta o Plano de Acção do Conselho da UE sobre a Igualdade dos Géneros na Cooperação para o Desenvolvimento, que deverá garantir a integração da dimensão do género em todas as actividades desenvolvidas entre a UE e países parceiros, a todos os níveis,
– Tendo em conta a nomeação, em Março de 2010, de uma representante especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a violência sexual em conflitos armados,
– Tendo em conta n.º 2 do artigo 110.º do seu Regimento,
A. Considerando que Atul Khare, Subsecretário-Geral da ONU responsável pelas operações de manutenção da paz, informou o Conselho de Segurança das Nações Unidas que, entre 30 de Julho e 4 de Agosto, mais de 500 pessoas foram vítimas de violações colectivas, incluindo raparigas, mulheres com 75 anos de idade e bebés de ambos os sexos, na região mineira situada no Leste do Congo e que estes actos são imputados tanto a rebeldes, como à milícia e ao exército congolês,
B. Considerando que estes ataques sexuais tiveram lugar nas imediações do acampamento das forças de manutenção da paz da ONU, que se encontra a apenas 20 milhas da cidade de Luvungi,
C. Considerando que os colaboradores da ONU tiveram supostamente conhecimento de que os rebeldes tinham ocupado a cidade de Luvungi e as aldeias circundantes, no Leste do Congo, um dia a seguir ao início dos ataques em 30 de Julho, embora a sede das Nações Unidas em Nova York só tivesse tido conhecimento dessas violações a 12 de Agosto,
D. Considerando que a Missão das Nações Unidas na RDC (MONUSCO) obteve o mandato, ao abrigo do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, para utilizar todos os meios necessários para levar a cabo o seu mandato de protecção, incluindo a protecção eficaz de civis, pessoal humanitário e de defensores dos direitos humanos que se encontrem sob a ameaça iminente de actos de violência física por parte de um grupo armado, congolês ou estrangeiro, e apoiar os esforços do governo para combater a impunidade e garantir a protecção da população civil contra violações dos direitos humanos e do Direito humanitário internacional, incluindo todas as formas de violência sexual e baseada no género,
E. Considerando que o conflito que afecta a RDC custou a vida a 6 milhões pessoas desde 1998 e que continua a ser a causa, directa ou indirecta, de milhares de mortes e de pessoas internamente deslocadas todos os meses,
F. Considerando que a guerra civil na RDC provocou a deslocação interna de um grande número de pessoas para o Leste do Congo, relativamente mais seguro, onde agora se encontram mais de 1 600 000 refugiados,
G. Considerando que a situação nos campos de refugiados continua a deteriorar-se,
H. Considerando que os combates entre o exército congolês, a milícia Mai Mai, os combatentes das Forças Democráticas para a Libertação do Ruanda (FDLR), a Frente Popular para a Justiça no Congo (FPJC) e as tropas do Exército de Resistência do Senhor do Uganda (LRA) continuam a provocar um sofrimento insuportável à população civil da RDC,
I. Considerando que soldados do exército congolês estiveram implicados na morte e violação de centenas de civis e que prosseguem as violações, os recrutamentos forçados de civis e crianças-soldados, bem como as graves violações dos direitos humanos nas regiões orientais da RDC, tanto por parte das tropas rebeldes do LRA, como dos combatentes das FDLR e do próprio exército congolês,
J. Considerando que o governo congolês, invocando a soberania, solicitou que a retirada da missão das Nações Unidas (MONUSCO) fique concluída até ao Verão de 2011 e anunciou que se encarregará de organizar as eleições gerais, alegando que falhou no seu mandato fundamental de proteger a população civil e em virtude de a MONUSCO ter sido acusada de apoiar as unidades do exército responsáveis por graves atrocidades,
K. Considerando que, tradicionalmente, as mulheres são vítimas de guerra e de comportamentos bárbaros de forma desproporcionada,
L. Considerando que, segundo dados da ONU, 1 244 mulheres foram violadas na RDC durante os primeiros três meses deste ano; que, desde 1996, foram registados na RDC pelo menos 200 000 casos de violência sexual e que este número pode ser consideravelmente superior uma vez que se verifica uma falta de notificação de todos os casos; considerando que estas violações são essencialmente cometidas nas regiões do Kivu, ricas em minerais, onde os grupos armados estão implicados na extracção ilegal,
M. Considerando que o exército congolês continua a não dispor dos recursos humanos, técnicos e financeiros suficientes para levar a cabo a sua missão nas províncias orientais da RDC, o que, em conjugação com a falta de disciplina nas suas fileiras, continua a comprometer o desempenho do papel que lhe cabe de proteger a população e restabelecer a paz,
N. Considerando que o comércio ilegal de minerais na RDC permite que muitos intervenientes continuem a comprar minerais em zonas controladas por grupos rebeldes, contribuindo assim para o financiamento destes grupos, o que constitui um dos factores que alimentam e agravam o conflito,
O. Considerando que vários grupos armados, incluindo o exército regular, utilizam as violações sistemáticas como parte de uma guerra táctica de terror e como meio para alcançar fins militares e económicos; considerando que as mulheres são deliberadamente violadas na frente das suas famílias ou de todos os membros da sua aldeia, com o objectivo de aterrorizar a sociedade; considerando que estes actos de violência amiúde custam às mulheres o seu lugar na sociedade, a capacidade de cuidar dos seus filhos e frequentemente até as suas vidas por serem contagiadas com o vírus da SIDA,
P. Considerando que a violação como arma de guerra se divulgou assustadoramente no Leste do Congo, onde no ano passado foram reportadas, segundo as Nações Unidas, pelo menos 8 300 violações, sendo que muitas mais nem sequer foram registadas; de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, pelo menos 1 244 mulheres declararam que foram violadas no primeiro trimestre de 2010, o que corresponde a uma média de 14 violações por dia,
Q. Considerando que as violações colectivas e os ataques sexuais já são tão comuns para o povo congolês que isto gerou um tipo de "aceitação" das violações dos direitos humanos nas zonas sob "vigilância" das Nações Unidas, que já nem sequer desperta uma atenção particular por parte da comunidade internacional nem exige uma intervenção urgente,
R. Considerando que o criminoso de guerra Bosco Ntaganda ainda não foi detido e que, pelo contrário, foi nomeado para um cargo de responsabilidade nas operações militares conjuntas das forças congolesas e ruandesas no Leste da RDC,
S. Considerando que, recentemente, as Nações Unidas suspenderam a assistência logística e o apoio operacional a certas unidades do exército congolês devido a acusações de que as suas tropas tinham morto dezenas de civis, nomeadamente mulheres e crianças, na zona do Kivu Setentrional, entre Maio e Setembro de 2009,
T. Considerando que a missão EUSEC RD Congo é a única estrutura que se dedica totalmente à reforma do sector da segurança militar na RDC e à identificação, desenvolvimento, aplicação e controlo dos projectos financiados ou iniciados pelos Estados-Membros e pela UE; considerando que a missão EUPOL na RDC é a primeira operação civil europeia da Política Europeia de Segurança e de Defesa (PESD) em África para apoiar a Unidade de Polícia Nacional Integrada da RDC (IPU),
U. Considerando que com a nova lei adoptada pelos Estados Unidos sobre os "minerais de conflito" se tenciona evitar que os consumidores americanos adquiram telemóveis, computadores e outros produtos de alta tecnologia fabricados por empresas americanas que utilizem minerais provenientes das minas controladas pelos rebeldes; esta lei insta igualmente as empresas dos Estados Unidos, incluindo os fabricantes de marcas de consumo no sector electrónico e da transformação de minerais, bem como os joalheiros, a elaborarem um relatório anual destinado à Securities Exchange Commission, informando se os seus produtos contêm ouro, tântalo ou cassiterita que tenha sido directamente importado da República Democrática do Congo ou obtido através de contrabando por um dos nove países vizinhos,
1. Insta a que seja imediatamente posto cobro à violência e aos atentados contra os direitos humanos no Leste da RDC; sublinha a necessidade de redobrar os esforços para pôr termo à actividade dos grupos armados locais e estrangeiros no Leste da RDC;
2. Condena firmemente as violações colectivas de, pelo menos 500 mulheres, e outras violações dos direitos humanos cometidas entre 30 de Julho e 3 de Agosto na província do Kivu Setentrional pelas Forças Democráticas para a Libertação do Ruanda (FDLR), um grupo rebelde hutu, e pela milícia Mai Mai;
3. Deplora, tão veementemente quanto possível, os massacres da população civil, o recrutamento de crianças-soldados e os actos de violência sexual contra mulheres e crianças e exorta todos os intervenientes a reforçarem a luta contra a impunidade; exorta o Governo da RDC a garantir que os responsáveis pelas violações dos direitos humanos e do Direito internacional humanitário, o grupo rebelde do Ruanda FDLR - liderado pelos autores do genocídio no Ruanda que fugiram para o Congo - e a milícia congolesa Mai Mai sejam responsabilizados e processados pelo Tribunal Penal Internacional;
4. Congratula-se com a política de tolerância zero promovida pelo Presidente Kabila contra os actos de violência sexual e outros abusos cometidos pelas forças armadas e encoraja o Governo da RDC a aplicar, o mais rapidamente possível e com a ajuda da MONUSCO, a sua nova estratégia contra a violência baseada no género;
5. Salienta que a reabilitação e a reforma do sistema judicial (integrando uma dimensão de prevenção e de protecção e combatendo a impunidade no domínio da violência sexual), bem como a assistência e a reinserção das vítimas, devem estar no cerne dos programas de ajuda objecto de financiamento; exorta, neste contexto, a que os crimes de violação em massa praticados no Leste da RDC sejam submetidos ao Tribunal Penal Internacional;
6. Solicita às autoridades da RDC que detenham, de imediato, Bosco Ntanganda e que o entreguem urgentemente ao TPI para que seja processado;
7. Manifesta a sua especial preocupação com as insuficiências, por parte da MONUSCO, em matéria de capacidade de prevenção e de comunicação com a população local; reconhece, porém, que a sua presença continua a ser necessária e exorta ao desenvolvimento dos esforços que lhe permitam levar plenamente a efeito o seu mandato de protecção de quantos estejam ameaçados;
8. Solicita ao CSNU que implemente efectivamente o novo "código de conduta" da MONUSCO e crie um grupo de acompanhamento dedicado à supervisão dos direitos humanos;
9. Insta o Conselho de Segurança das Nações Unidas a tomar urgentemente todas as medidas susceptíveis de impedir efectivamente novos ataques contra a população civil nas províncias orientais da RDC e a prestar ajuda médica, humanitária e de outro tipo às vítimas;
10. Salienta a necessidade de combater a corrupção e sublinha o papel fundamental da MONUSCO neste sentido, nomeadamente através do planeamento e do desenvolvimento das operações e de mecanismos adequados de responsabilização pelos abusos;
11. Salienta que a prioridade fundamental em termos humanitários na RDC consiste na criação de um verdadeiro exército nacional; reitera a necessidade de formação e salários condignos para reformar o exército congolês e melhorar a sua disciplina;
12. Solicita que seja retomado o diálogo que deu lugar à criação do programa Amani para a segurança, pacificação, estabilização e reconstrução do Kivu Setentrional e do Kivu Meridional;
13. Congratula-se com a criação, em 30 de Julho, da Nova Comissão Nacional Eleitoral Independente tendo em vista a preparação das eleições gerais de 2011 e a aprovação do calendário eleitoral 2011-2013; exorta o Conselho e a Comissão a envidarem todos os esforços para apoiar o processo eleitoral, concedendo apoio à procura de uma solução para os problemas de governação, de falta de transparência e das violações dos direitos civis e políticos, em cooperação com as autoridades congolesas;
14. Insta o Parlamento da RDC a criar uma Comissão Nacional para os Direitos Humanos, conforme previsto na Constituição, como primeiro passo para a adopção de legislação sobre a protecção das vítimas e das testemunhas de violações dos direitos humanos, bem como de activistas dos direitos humanos, colaboradores de organizações humanitárias e jornalistas;
15. Apela aos países da região dos Grandes Lagos a manterem um elevado nível de compromisso no sentido de promoverem conjuntamente a paz e a estabilidade na região com os mecanismos regionais existentes e a redobrarem os seus esforços tendo em vista o desenvolvimento económico da região, concedendo especial atenção à reconciliação, à segurança das pessoas, a uma maior responsabilização judicial, bem como ao regresso e à integração dos refugiados e das pessoas deslocadas no interior do território;
16. Insta a União Europeia e os Estados-Membros a prorrogarem, atempadamente, as actividades da missão EUSEC RD e a manterem o seu apoio à EUPOL RD Congo, a fim de ajudar as autoridades da RDC com a reforma da polícia; insta à plena integração da perspectiva do género nas operações comuns de segurança e defesa; a este respeito, solicita o reforço da perspectiva do género nas missões civis e militares tendo em vista aumentar a sua eficácia operacional, uma vez que a UE pode trazer um "valor acrescentado" considerável enquanto principal agente na resposta à problemática das mulheres em conflitos armados e na prevenção de conflitos;
17. Congratula-se com o papel de gestão de crises da UE no contexto da aplicação das resoluções 1325 e 1820 do CSNU no âmbito da Política Comum de Segurança e Defesa, destacando assessores especializados em questões do género ou criando pontos de contacto em cada missão de gestão de crises pelo mundo fora;
18. Congratula-se com o Plano de Acção do Conselho da UE para a igualdade dos géneros na cooperação para o desenvolvimento, que deverá garantir a integração da dimensão do género em todas as actividades desenvolvidas entre a UE e países parceiros, a todos os níveis; neste sentido, apela a uma estratégia de comunicação sólida;
19. Deplora o recrudescimento dos actos de violência contra colaboradores de organizações humanitárias e presta homenagem ao trabalho extremamente difícil realizado pelas organizações humanitárias no terreno em condições de grande insegurança;
20. Assinala que continua extremamente preocupado com a degradação da situação humanitária no Leste da RDC e insta as autoridades a lançarem uma investigação exaustiva sobre todo e qualquer incidente e apela ao reforço imediato das medidas de protecção;
21. Continua extremamente preocupado com o comércio ilegal de minerais e outros recursos naturais por grupos rebeldes no Leste da RDC;
22. Insta o Conselho e a Comissão a insistirem, nas suas conversações com os governos da RDC e dos países vizinhos, na implementação de sistemas eficazes de rastreabilidade e de prova da origem dos recursos naturais, e a intensificarem a luta contra a corrupção; apela igualmente ao reforço do processo de Kimberley;
23. Congratula-se com a aprovação pelos Estados Unidos da nova lei sobre os "minerais de conflito" e solicita à Comissão e ao Conselho que examinem a apresentação de uma iniciativa legislativa neste sentido; solicita ao governo da RDC que aplique e cumpra plenamente a Iniciativa para a Transparência das Indústrias Extractivas (ITIE), a fim de reforçar a transparência e a boa governação no sector da indústria extractiva;
24. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, à Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, aos governos e parlamentos dos Estados-Membros, às instituições da União Africana, ao Secretário-Geral das Nações Unidas, à Representante Especial das Nações Unidas para a violência sexual e os conflitos armados, ao Subsecretário-Geral para os Assuntos Humanitários e Coordenador da Ajuda de Emergência, ao Conselho de Segurança das Nações Unidas e ao Conselho dos Direitos do Homem das Nações Unidas.