PROPOSTA DE RESOLUÇÃO sobre os desequilíbrios da cadeia de abastecimento alimentar (2011/2904(RSP))
16.1.2012
nos termos do n.º 5 do artigo 115.º do Regimento
Alfreds Rubiks, Patrick Le Hyaric, João Ferreira, Nikolaos Chountis, Kartika Tamara Liotard, Marisa Matias, Willy Meyer, Jean‑Luc Mélenchon em nome do Grupo GUE/NGL
Ver igualmente a proposta de resolução comum RC-B7-0006/2012
B7‑0013/2012
Resolução do Parlamento Europeu sobre os desequilíbrios da cadeia de abastecimento alimentar (2011/2904(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta as suas Resoluções, respetivamente, de 8 de julho de 2010, sobre o futuro da Política Agrícola Comum após 2013[1], de 18 de janeiro de 2011, sobre o reconhecimento da agricultura como setor estratégico no contexto da segurança alimentar[2], e de 23 de junho de 2011, sobre a PAC no horizonte 2020: Responder aos desafios do futuro em matéria de alimentação, recursos naturais e territoriais[3],
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão intitulada: "Melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na Europa" (COM(2009)0591) e os diversos documentos de trabalho anexos a essa Comunicação, assim como a sua Resolução, de 7 de setembro de 2010, sobre rendimentos justos para os agricultores: melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na Europa[4],
– Tendo em conta a Decisão da Comissão, de 30 de julho de 2010, que institui o Fórum de Alto Nível para a Melhoria do Funcionamento da Cadeia de Abastecimento Alimentar (2010/C 210/03).
– Tendo em conta as Recomendações finais do Grupo de Alto Nível sobre a Capacidade Concorrencial da Indústria Agroalimentar, de 17 de março de 2009, assim como as Conclusões do Conselho, de 29 de março de 2010, sobre a melhoria do funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na Europa,
– Tendo em conta os dados do Eurostat sobre os índices de preços dos meios de produção agrícolas (custos dos fatores de produção) e os índices de preços dos produtos agrícolas (preços dos bens produzidos)[5],
– Tendo em conta a sua Declaração, de 19 de fevereiro de 2008, sobre a necessidade de investigar e solucionar o abuso de poder por parte dos grandes supermercados que operam na União Europeia[6] e a sua Resolução, de 26 de março de 2009, sobre os preços dos géneros alimentícios na Europa[7],
– Tendo em conta o Relatório do CCI de 2008, intitulado ‘Sistemas agrícolas com baixo consumo de fatores de produção: uma oportunidade para desenvolver a agricultura sustentável[8],
– Tendo em conta o n.º 5 do artigo 115.º e o n.º 2 do artigo 110.º do seu Regimento,
A. Considerando que os problemas do rendimento dos agricultores continuam a agravar-se e que os preços dos produtos pagos pelos consumidores não refletem os preços pagos aos agricultores pela sua produção;
B. Considerando que os sistemas alimentares são dominados por um modelo de agricultura industrializada controlado por um pequeno conjunto de empresas transnacionais do setor da produção alimentar, juntamente com um pequeno grupo de muito grandes retalhistas; considerando que este modelo, concebido para gerar lucros, falha completamente na oferta de alimentos saudáveis e a preços acessíveis, assim como na retribuição de rendimentos justos aos agricultores, concentrando-se cada vez mais na produção de produtos de base como os biocombustíveis, as rações para animais ou culturas de produtos em rama;
C. Considerando que tal constitui uma perda progressiva do poder de negociação dos produtores agrícolas e das agroindústrias perante o poder dos grandes retalhistas na UE ao tratar-se da fixação do nível de preços ao longo da cadeia de valor – desde a produção primária, passando pela transformação, até ao consumidor final;
D. Considerando que a soberania alimentar dá às populações o direito de definirem a sua própria política agrícola e alimentar com base nas suas necessidades e o seu ambiente, e não nas regras do comércio internacional provenientes da OMC;
E. Considerando que existe um número crescente de desequilíbrios entre os Estados‑Membros, com diferentes sistemas produtos em diferentes fases de desenvolvimento, conduzindo a crescentes défices e a uma maior dependência alimentar nos países com sistemas produtivos mais frágeis;
F. Considerando que não é garantido um preço justo aos agricultores, o que encoraja muitos deles a abandonarem o setor;
G. Considerando que a Comissão não trata a questão dos abusos dos “grandes compradores” na cadeia de abastecimento alimentar;
H. Considerando que a relação entre retalhistas de produtores de bens alimentares e os fornecedores está claramente desequilibrada, fazendo com que estes últimos assumam a maior parte de qualquer recessão, enquanto os primeiros mantêm as suas margens;
1. Opõe-se fortemente à atual concentração de poder nas mãos dos retalhistas e grandes indústrias, e solicita medidas para suster e inverter esta situação, nomeadamente através de uma regulação adequada da cadeia de fornecimento alimentar;
2. Recorda que a cadeia de abastecimento alimentar, a agricultura, a indústria agroalimentar e a distribuição representam 7% do emprego total na UE e vale 1.400 mil milhões € por ano – um montante superior ao de qualquer outro setor transformador na UE;
3. Solicita uma remuneração justa e digna para os agricultores, o que deverá constituir uma prioridade da UE, assim como um aumento significativo do poder de negociação dos agricultores e das suas organizações;
4. Solicita equidade e transparência na cadeia de abastecimento alimentar, a fim de evitar abusos por parte dos grandes compradores, e insta a Comissão a criar possibilidades para que os agricultores sejam plenamente informados sobre os preços propostos pelos produtores e pelos revendedores;
5. Solicita veementemente uma definição clara, rigorosa e objetiva de práticas abusivas e desleais;
6. Solicita que a produção de bens alimentares seja relocalizada tanto quanto possível e que se ponha termo à apropriação da cadeia de abastecimento alimentar por parte de grandes retalhistas e indústrias;
7. Defende o estabelecimento de mecanismos de regulação efetivos na cadeia de abastecimento alimentar, a fim de defender os produtores, introduzir relações contratuais claras, especialmente para os pequenos e médios produtores, favorecer o emprego agrícola e reduzir as importações, tanto a nível nacional, como da UE;
8. Solicita urgentemente preços justos e remunerados para a produção das explorações agrícolas, assim como o reforço de uma rede de segurança multiníveis, inluindo um mecanismo de proteção “em casos de crise”, a fim de reduzir a volatilidade dos preços de venda da produção provocadas pela especulação financeira sobre produtos agrícolas de base;
9. Solicita a descentralização das cadeias de bens alimentares, promovendo mercados diversificados e baseados na solidariedade e em preços justos, assim como de cadeias de bens alimentares curtas e relações intensificadas entre produtores e consumidores em sítios web locais, a fim de contrariar a expansão e o poder dos departamentos centrais de compras;
10. Solicita à Comissão que mantenha o sistema de quotas de produção para os setores do leite ou do açúcar, entre outros; considera que o sistema de quotas deve ser adaptado às necessidades de cada país e à fase de desenvolvimento relativa do seu sistema produtivo, permitindo o desenvolvimento relativo dos Estados‑Membros com défices mais elevados;
11. Defende o estabelecimento de máximos para as margens de lucro da negociação, particularmente para os grandes supermercados e empresas de retalho, tendo por referência o preço pago aos produtores, assim como a promoção da distribuição justa do valor acrescentado ao longo de toda a cadeia de abastecimento alimentar;
12. Defende a concessão de apoio ao estabelecimento e ao funcionamento de sistemas nacionais para a monitorização da formação de preços e da evolução destes últimos nos retalhistas e supermercados;
13. Denuncia a prática da manipulação e combinação de preços por parte de grandes setores da distribuição e solicita medidas urgentes para pôr termo a esta situação e tornar transparente o processo de formação de preços ao consumidor final;
14. Considera que a segurança alimentar, a segurança dos alimentos, a preservação do ecossistema e o reforço do tecido económico e social no setor primário dos diferentes Estados‑Membros exige a rejeição da liberalização comercial e uma mudança de orientação do comércio internacional para uma lógica de complementaridades, e não de concorrência;
15. Salienta a importância de cadeias de abastecimento alimentar curtas e considera que a UE deveria apoiar ativamente a produção local e regional e os mercados locais e regionais, assim como promover a redução dos circuitos de produção-consumo enquanto pré‑requisito para a sustentabilidade social, económica e ambiental;
16. Defende a aprovação imediata de medias destinadas a terminar com as operações de dumping entre Estados-Membros, como está a acontecer, por exemplo, no setor do leite;
17. Recorda que a política agrícola deve permitir aos pequenos e médios agricultores, incluindo as explorações familiares, ganharem um rendimento justo para produzir bens alimentares com qualidade e em quantidade suficientes, a preços acessíveis para os consumidores, para criar postos de trabalho, promover o desenvolvimento rural e assegurar a proteção e a sustentabilidade ambiental;
18. Solicita o estabelecimento de formas de enquadramento legal que: garantam preços estáveis e justos aos produtores de bens alimentares, promovam uma agricultura respeitadora do ambiente, internalizem os custos externos e implementem a reforma agrária;
19. Critica fortemente a proposta da Comissão Europeia para a reforma da PAC e os seus objetivos em matéria de perspetivas de desregulamentação; considera que tal intensificará os enormes desequilibrios atuais da cadeia de abastecimento alimentar; defende uma política agrícola dotada dos seguintes princípios:
– o direito à segurança alimentar e à soberania alimentar, satisfazendo as necessidades de cada país e tendo em conta as suas necessidades,
– a existência de instrumentos de regulação do mercado destinados a tratar da questão da instabilidade dos setores produtivos devida a flutuações da produção e do consumo, assim como a assegurar preços justos aos agricultores,
– uma redistribuição justa das subvenções entre os agricultores, produções e Estados‑Membros, assim como um regime de ajudas à produção devidamente modulado a nível nacional, regional e sectorial;
20. Solicita à Comissão que ponha termo imediatamente às especulações financeiras no setor alimentar e no domínio dos preços dos produtos agrícolas de base, assim como no setor dos biocombustíveis, que influenciam a cadeia de abastecimento alimentar mais do que nunca;
21. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho e à Comissão.
- [1] Textos Aprovados, P7_TA(2010)0286.
- [2] Textos Aprovados, P7_TA(2011)0006.
- [3] Textos Aprovados, P7_TA(2010)0297.
- [4] Textos Aprovados, P7_TA(2010)0302.
- [5] http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/statistics/search_database
- [6] Textos Aprovados, P6_TA(2010)0054.
- [7] Textos Aprovados, P6_TA(2010)0191.
- [8] http://agrienv.jrc.ec.europa.eu/publications/pdfs/LIFS_final.pdf