PROPOSTA DE RESOLUÇÃO sobre a aplicação do Acordo de Parceria Económica Provisório entre a Comunidade Europeia e os Estados da África Oriental e Austral, à luz da situação atual no Zimbabué
14.1.2013 - (2013/2515(RSP))
nos termos do artigo 110.º, n.º 2, do Regimento
Judith Sargentini, Franziska Keller em nome do Grupo Verts/ALE
B7‑0026/2013
Resolução do Parlamento Europeu sobre a aplicação do Acordo de Parceria Económica Provisório entre a Comunidade Europeia e os Estados da África Oriental e Austral, à luz da situação atual no Zimbabué
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta a Decisão do Conselho, de 13 de julho de 2009, relativa à assinatura e à aplicação, a título provisório, do acordo provisório que estabelece um quadro para um Acordo de Parceria Económica entre os Estados da África Oriental e Austral, por um lado, e a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por outro (2012/196/CE)[1],
– Tendo em conta o Acordo de Cotonu, assinado em junho de 2000, em particular os seus artigos 96.º e 97.º relativos aos direitos humanos,
– Tendo em conta o artigo 21.º do TUE e o artigo 208.º do TFUE, por força dos quais a União é obrigada a respeitar a coerência das suas políticas, nomeadamente nos domínios da sua ação externa, política para o desenvolvimento e política comercial,
– Tendo em conta as suas inúmeras resoluções precedentes sobre o Zimbabué,
– Tendo em conta a sua Resolução de 5 de fevereiro de 2009 sobre o impacto em matéria de desenvolvimento dos Acordos de Parceria Económica (APE)[2],
– Tendo em conta a recomendação da Comissão do Comércio Internacional, de 18 de dezembro de 2012 (A7-0431/2012),
– Tendo em conta o parecer da Comissão do Desenvolvimento, de 6 de dezembro de 2012 (A7-0431/2012),
– Tendo em conta a sua Resolução, de 15 de dezembro de 2010, sobre o futuro da Parceria Estratégica África-União Europeia depois da terceira cimeira UE-África[3],
– Tendo em conta a Declaração Universal sobre os Direitos do Homem e outros instrumentos internacionais fundamentais em matéria de direitos do Homem em que o Zimbabué é Parte,
– Tendo em conta a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, que o Zimbabué ratificou,
– Tendo em conta as inúmeras resoluções em que expressou sérias preocupações sobre a situação no Zimbabué,
– Tendo em conta o artigo 115.º, n.º 5, e o artigo 110.°, n.º 2, do seu Regimento,
Os Acordos de Parceria Económica e o Acordo de Parceria Económica Provisório
A. Considerando que Madagáscar, a Maurícia, as Seicheles e o Zimbabué são signatários do Acordo de Cotonu; considerando que o respeito pelos direitos humanos é um elemento essencial do acordo de cooperação para o desenvolvimento celebrado entre a União Europeia e os países ACP;
B. Considerando que, embora estes países tenham estado sujeitos a sanções por violações dos direitos humanos, a União Europeia defende energicamente a assinatura de um acordo de liberalização do comércio com Madagáscar e o Zimbabué apesar de se ter recusado a ratificar o Acordo de Parceria e Cooperação (APC) e o Acordo provisório assinado com a Bielorrússia, em 1995;
C. Considerando que Madagáscar, a Maurícia, as Seicheles e o Zimbabué têm procedido provisoriamente à aplicação do acordo provisório desde maio de 2012; considerando que este é o primeiro Acordo de Parceria Económica provisório com uma região africana que entra em vigor a partir do início das negociações, em 2002, sobre os Acordos de Parceria Económica;
D. Considerando que a Comissão vê este Acordo de Parceria Económica como um passo em direção a um Acordo de Parceria Económica de pleno direito, que será aberto a outros países que desejem aderir, numa fase posterior;
E. Considerando que o grupo inicial de países da África Oriental e Austral que, em 7 de fevereiro de 2004, lançou as negociações sobre os acordos de parceria económica (APE) com a UE incluía 16 países: ilhas do Oceano Índico (Comores, Madagáscar, Maurícia e Seicheles), países do Corno de África (Djibuti, Etiópia, Eritreia e Sudão), membros da Comunidade da África Oriental (Burundi, Quénia, Ruanda, Tanzânia e Uganda) e alguns países da África Austral (Malaui, Zâmbia e Zimbabué); considerando que apenas seis deles rubricaram o Acordo de Parceria Económica provisório concluído com os Estados da África Oriental e do Sul, dois decidiram não assinar (Comores e Zâmbia), dois notificaram uma aplicação provisória (Madagáscar e Ilhas Maurícias) e dois ratificaram o acordo (Zimbabué e Seicheles);
F. Considerando que os países ACP têm manifestado regularmente, desde 2007, preocupações com diversas disposições dos Acordos de Parceria Económica provisórios que não atendem às suas necessidades de desenvolvimento; que as negociações dos últimos cinco anos foram dedicadas, em grande medida, à busca de uma formulação mais satisfatória destas disposições; considerando que algumas melhorias foram acordadas, mas não inseridas nos Acordos de Parceria Económica provisórios, devido à recusa da Comissão de os modificar; considerando, por conseguinte, que o Acordo de Parceria Económica provisório concluído com os Estados da África Oriental e Austral, agora apresentado ao Parlamento, ainda está na versão inalterada que contém disposições insatisfatórias e contestadas;
G. Considerando que o Acordo de Parceria Económica provisório concluído com os Estados da África Oriental e Austral não contém um capítulo sobre o desenvolvimento sustentável;
H. Considerando que se espera que as Seicheles e a Maurícia liberalizem e removam, no total, mais de 95% das tarifas que aplicam às importações provenientes da União Europeia, e o Zimbabué 79,9%; considerando que Madagáscar deveria liberalizar, a partir de 1 de janeiro, 37% dos seus direitos aduaneiros sofrendo, portanto, uma perda que representa 42% da sua receita fiscal; considerando que o Governo de Madagáscar pediu uma moratória de cinco anos antes da aplicação do Acordo;
I. Considerando que, em 2010, as importações totais da UE provenientes do grupo de Estados de África Oriental e Austral no seu conjunto atingiram cerca de 2,88 mil milhões de euros, ou 0,2 % de todas as importações da UE, consistindo principalmente em atum transformado, café, açúcar de cana, têxteis, tabaco, produtos de floricultura e ligas de ferro;
J. Considerando que, de acordo com estudos realizados pela Comissão Económica para a África das Nações Unidas (UNECA), a visão da Comissão Europeia sobre os APE é passível de provocar a deterioração da qualidade de vida, comprometer a integração regional e prejudicar os esforços de industrialização dos africanos; considerando que 75% da população da África Oriental e Austral vive em países menos desenvolvidos;
K. Considerando que, segundo o Centro Europeu de Gestão da Política de Desenvolvimento (ECDPM), existe um baixo grau de coerência entre os Acordos de Parceria Económica provisórios celebrados e a integração regional em África;
L. Considerando que a ratificação e aplicação provisória pelos países da África Oriental e Austral do Acordo de Parceria Económica provisório tornarão mais difícil a sua substituição por um acordo de parceria económica regional que fariam seu todos os países ACP da região;
Zimbabué
M. Considerando que o Presidente Mugabe detém o poder no Zimbabué há 33 anos; que em 2009 foi formado um governo de coligação, após um acordo sobre a partilha do poder entre a ZANU-PF e o MDC (Movimento para a Mudança Democrática), numa tentativa de superar o impasse político resultante das eleições legislativas e presidenciais de 2008;
N. Considerando que estará em preparação um referendo constitucional, seguido de eleições legislativas, mas cujas datas exatas ainda não foram definidas;
O. Considerando que, na ausência de reformas jurídicas fundamentais, a eventual realização de eleições em março de 2013 é suscetível de conduzir a violações generalizadas dos direitos humanos antes, durante e depois das eleições e que, portanto, é inútil esperar uma votação credível, livre e justa;
P. Considerando que a União Europeia impôs em 2004 sanções contra o país, que tem renovado desde então, por causa das ameaças, assédio, prisões, assassinatos e outras formas de violência e violações dos direitos humanos cometidos, nos últimos anos, em conflitos relacionados com as minas de diamantes;
Q. Considerando que, em 5 de novembro de 2012, a polícia deteve arbitrariamente Fidelis Mudimu, Zacarias e Tafadzwa Gochi Geza, funcionários seniores da Unidade de Serviços de Aconselhamento (Counselling Services Unit - CSU), uma clínica médica de Harare que presta serviços médicos e de aconselhamento a vítimas do crime organizado e de tortura; que os detidos foram acusados de danos intencionais à propriedade, em violação do artigo 140.º da Lei (de codificação e reforma) relativa ao direito penal;
R. Considerando que, em novembro de 2012, 56 pessoas no Zimbabué aguardam a execução da sua condenação à morte;
Observações gerais
1. Insta a UE a garantir a coerência das políticas para o desenvolvimento em todas as áreas, incluindo a coerência entre a política comercial e o respeito dos direitos do Homem; não concorda com a política da União Europeia de assinar um acordo de liberalização do comércio com o Zimbabué e Madagáscar, apesar de esses países estarem sujeitos a sanções da União por causa de violações dos direitos humanos;
2. Lamenta que, apesar da introdução em 2005 do princípio fundamental da coerência das políticas para o desenvolvimento nas conclusões de várias reuniões do Conselho da União Europeia, não tenham ainda sido tomadas medidas concretas para criar a ligação entre o desenvolvimento, o respeito pelos direitos humanos e o comércio;
3. Opõe-se energicamente à abordagem agressiva e insistente adotada pela União Europeia e à sua visão rígida sobre o assunto para chegar à conclusão de Acordos de Parceria Económica, apesar das justificadas preocupações manifestadas por muitos países ACP e organizações da sociedade civil;
4. Expressa fortes dúvidas de que o Acordo Provisório aplicado provisoriamente, desde 14 de maio de 2012, apenas por quatro (Seicheles, Madagáscar, Maurícia e Zimbabué) dos 16 países da África Oriental e Austral que inicialmente participaram nas negociações, sirva o propósito de maior integração regional;
5. Salienta que o Acordo Provisório está longe de satisfazer as necessidades de desenvolvimento dos países em questão e está convencido de que este é o caso de todos os Acordos de Parceria Económica, sendo que é aí que reside a principal causa do impasse nas negociações;
6. Salienta que a liberalização indiscriminada (ilustrada pela insistência da Comissão para obter uma redução das tarifas em 80% em 15 anos) não faz sentido, uma vez que estudos económicos mostram que é incerto um efeito da liberalização do comércio na redução da pobreza e que os países que mais beneficiaram foram aqueles que procederam a uma liberalização gradual e seletiva em combinação com o apoio do Estado a setores-chave;
7. Entende que a União Europeia deve promover o comércio justo com os países em desenvolvimento com base no respeito e garantia das normas e condições de trabalho definidas pela OIT, bem como assegurando a aplicação das normas sociais e ambientais o mais rigorosas possível, e considera que esta posição implica o pagamento a um preço justo dos recursos e produtos agrícolas dos países em desenvolvimento;
8. Sublinha que o compromisso da UE de alcançar os ODM deve gozar de prioridade absoluta quando se trata de definir a orientação da política comercial para os países em desenvolvimento e os países menos desenvolvidos; salienta que a realização dos ODM exige que se tenham em conta as assimetrias económicas e sociais entre a UE e os países em causa; considera, portanto, que é de extrema importância uma abordagem flexível e adaptada no interesse dos trabalhadores, dos pequenos agricultores e dos pobres;
9. Nota com profunda preocupação a posição rígida que a Comissão e o Conselho adotaram sobre as questões mais polémicas levantadas pelos países ACP e a liberalização acordada em matéria de direitos aduaneiros sobre as importações da UE; insiste expressamente na necessidade de fazer prevalecer uma abordagem muito mais flexível, refletindo o estado atual de desenvolvimento alcançado pelos diferentes países em desenvolvimento em determinado momento; insta pois a Comissão a abster-se de estabelecer datas fixas para o término da moratória sobre a eliminação dos direitos aduaneiros e outros aspetos;
10. Apoia a proposta apresentada pelos países da África Oriental e Austral a favor da inclusão nos APE de medidas de estímulo ao desenvolvimento e exige que pelo menos os países menos desenvolvidos sejam isentos de assumir compromissos para a liberalização aduaneira nos países da África Oriental e Austral e de contratualizar o acesso ao seu mercado no âmbito do sistema "Tudo Menos Armas" da União Europeia;
11. Solicita que se proceda à revisão do processo de Acordos de Parceria Económica, envolvendo todas as partes interessadas, especialmente os sindicatos e as organizações da sociedade civil com experiência nesta área, em pé de igualdade, de modo a que possa ser conduzida, para com os países ACP, uma política económica verdadeiramente focada no desenvolvimento e na proteção de direitos;
Zimbabué
12. Está profundamente preocupado com as contínuas violações dos direitos humanos, em particular as violações com base na orientação sexual, e com a repressão que se abate sobre os opositores políticos, os ativistas dos direitos humanos e dos direitos das mulheres, os jornalistas e os membros das ONG;
13. Exorta o Governo de Unidade Nacional a alterar as leis repressivas, incluindo a Lei de Acesso à Informação e Proteção da Privacidade, a Lei de ordem pública e de segurança e a Lei (codificação e reforma) relativa ao direito penal antes das eleições parlamentares, porque estas leis têm servido para restringir severamente os direitos fundamentais;
14. Exorta o Governo do Zimbabué a garantir a igualdade de condições para as atividades políticas e a estabelecer, antes da realização de eleições, um ambiente de respeito pelos direitos humanos, o que implica mudar as leis repressivas e substituir os líderes da polícia e os responsáveis pelas eleições por profissionais imparciais;
15. Exorta o Governo do Zimbabué a retirar as acusações contra altos funcionários e pessoal de saúde da Unidade de Serviços de Aconselhamento (Counselling Services Unit - CSU), localizada em Harare, que presta serviços médicos e de aconselhamento a vítimas do crime organizado e da tortura;
16. Reitera a sua oposição à pena de morte e exige a implementação imediata de uma moratória sobre a pena de morte, o que tornaria a suspensão das execuções o primeiro passo para a abolição total da pena de morte;
17. Insta o Governo do Zimbabué a respeitar a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, e a garantir a transparência e a prestação de contas em todos os setores da economia, especialmente nas indústrias extrativas, de modo a que a riqueza mineral do país beneficie todo o povo do Zimbabué;
18. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Presidente do Conselho Europeu, ao Presidente da Comissão, à Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, aos governos dos EstadosMembros, aos governos de Madagáscar, Maurícia, Seicheles e Zimbabué, bem como ao Secretariado ACP.