PROPOSTA DE RESOLUÇÃO Discriminação com base na casta
1.10.2013 - (2013/2676(RSP))
nos termos do artigo 115.º, n.º 5, do Regimento
Eva Joly em nome da Comissão do Desenvolvimento
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta as suas resoluções de 13 de dezembro de 2012 sobre a discriminação em razão de casta na Índia[1], de 17 de janeiro de 2013 sobre a violência contra as mulheres na Índia[2], de 1 de fevereiro de 2007 dobre a situação dos direitos humanos dos Dalit na Índia[3], e de 18 de abril de 2012 sobre os Relatórios Anuais sobre Direitos Humanos e Democracia no Mundo e a política da União Europeia nesta matéria, incluindo as implicações para a apolítica estratégica da UE em matéria de direitos humanos[4],
– Tendo em conta as convenções internacionais em matéria de direitos humanos, nomeadamente a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CERD) e a Recomendação Geral XXIX do Comité para a Eliminação da Discriminação Racial,
– Tendo em conta o projeto de princípios e diretrizes das Nações Unidas para a efetiva eliminação da discriminação com base no emprego e na origem familiar[5], publicado pelo Conselho dos Direitos Humanos,
– Tendo em conta as fortes preocupações, observações e recomendações da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre a discriminação com base na casta,
– Tendo em conta as recentes recomendações dos órgãos instituídos pelos Tratados da ONU e dos titulares de mandatos de Procedimentos Especiais das Nações Unidas sobre o tema da discriminação com base na casta,
– Tendo em conta o relatório de 24 de maio de 2011 do relator especial sobre as formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e a intolerância que lhes está associada[6], e os relatórios constantes do Exame Periódico Universal de países onde vigora o sistema de castas,
– Tendo em conta o estudo do Parlamento intitulado "Direitos humanos e pobreza: a ação da UE no combate à discriminação com base na casta",
– Tendo em conta a pergunta apresentada à Comissão em 18 de setembro de 2013 sobre a discriminação com base na casta (O-000091/2013 – B7 0507/2013),
– Tendo em conta o artigo 115.º, n.º 5, e o artigo 110.º, n.º 2, do seu Regimento,
A. Considerando que o termo casta remete para um contexto sociorreligioso, como é o caso dos países da Ásia, em que aqueles que não se inserem no sistema de castas são considerados «impuros» e «intocáveis» por natureza, mas também, de uma forma mais lata, um sistema de estratificação social rígida em grupos classificados em função da origem familiar e do trabalho; considerando que a discriminação com base no trabalho e na origem familiar, termo mais abrangente preferido pelas Nações Unidas, constitui uma forma de discriminação proibida pelo direito internacional em matéria de direitos humanos, como proclamado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, pelo Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais, pela Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, pela Convenção sobre os Direitos da Criança e pela Convenção n.º 111 da Organização Internacional do Trabalho;
B. Considerando que, em junho de 2011, Githu Muigai, relator especial das Nações Unidas sobre o racismo, salientou que é essencial evitar o estabelecimento de uma hierarquia entre as diferentes manifestações de discriminação, apesar de a sua natureza e nível poderem variar consoante o contexto histórico, cultural e geográfico, como é o caso da comunidade de ciganos na Europa e das vítimas dos sistemas de castas em África, na Ásia e no Médio Oriente;
C. Considerando que, não obstante as medidas tomadas pelos governos de alguns países onde vigora o sistema de castas no sentido de proporcionarem proteção constitucional e legislativa e de introduzirem medidas especiais contra a discriminação com base na casta e a intocabilidade, este tipo de discriminação continua a ser uma prática generalizada e persistente, afetando cerca de 260 milhões de pessoas em todo o mundo;
D. Considerando que a discriminação com base na casta existe em vários países do mundo, sendo que o maior número de vítimas se encontra no sul da Ásia; considerando, no entanto, que existem grandes concentrações de vítimas noutras regiões, designadamente em África, no Médio Oriente e na diáspora;
E. Considerando que a não aplicação de legislação e de políticas, bem como a falta de soluções eficazes e de instituições públicas que funcionem eficazmente, incluindo os sistemas judiciais e a polícia, continuam a ser os principais obstáculos à eliminação da discriminação com base na casta;
F. Considerando que muitos países que aplicam um sistema de castas ainda não publicaram dados estatísticos desagregados nem adotaram legislação específica e medidas destinadas a lutar contra a discriminação com base na casta;
G. Considerando que, apesar dos esforços dos governos e, cada vez mais, de algumas agências internacionais, as castas continuam a ser objeto de graves formas de exclusão social, pobreza, violência, segregação, abuso físico e verbal relacionado com preconceitos e com um conceito de pureza e conspurcação;
H. Considerando que as práticas de intocabilidade continuam a ser generalizadas e estão a assumir formas modernas; considerando que as comunidades afetadas enfrentam restrições a nível da participação política e graves discriminações no mercado laboral;
I. Considerando que, em alguns países como a Índia, as medidas de discriminação positiva de caráter obrigatório contribuíram, até certo ponto, para a inclusão dos Dalit no setor público, mas que a falta de medidas de proteção para a não-discriminação no mercado de trabalho e no setor privado faz aumentar a exclusão e as desigualdades;
J. Atendendo a que a OIT considera que a esmagadora maioria das vítimas de trabalho forçado no sul da Ásia pertence às castas e tribos registadas; considerando que o trabalho forçado e escravizante é particularmente comum nos setores agrícola, mineiro e de fabrico de vestuário, que fornecem produtos para várias empresas multinacionais e europeias;
K. Considerando que a não-discriminação no emprego constitui um dos quatro direitos laborais fundamentais e está incluída igualmente nas orientações e quadros internacionais para as empresas, tais como os princípios orientadores das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos, as orientações da OCDE e a norma ISO 26000 relativa à Responsabilidade Social, que menciona especificamente que a discriminação com base na casta é uma forma grave de discriminação;
L. Considerando que os governos e as autoridades dos países onde vigora o sistema de castas são convidados a tomar conhecimento do projeto de princípios e diretrizes das Nações Unidas para a efetiva eliminação da discriminação com base no emprego e na origem familiar e a tomar todas as medidas necessárias para eliminar e precaver a discriminação com base na casta, bem como a fazer face a quaisquer lacunas de execução a nível federal, estatal, regional e local no âmbito da aplicação, alteração ou introdução de legislação especial e de medidas políticas com vista à proteção e à promoção dos direitos dos Dalit e de outros grupos igualmente afetados pela discriminação com base na casta;
1. Condena as persistentes violações dos direitos humanos perpetradas contra pessoas vítimas de hierarquias de castas e de discriminação com base na casta, incluindo a recusa de igualdade e de acesso à justiça e ao emprego, a segregação contínua e os obstáculos devidos às castas na consecução dos direitos humanos fundamentais e do desenvolvimento;
2. Considera que os cartões de identidade devem evitar as referências a castas, pois tal é contrário aos princípios da igualdade e da mobilidade social;
3. Congratula-se com o relatório de Githu Muigai, relator especial das Nações Unidas sobre o racismo, e salienta que todas as vítimas de discriminação com base na casta em todo o mundo devem beneficiar de igual atenção e proteção; salienta, de um modo mais lato, que todas as formas de racismo e discriminação devem ser abordadas com a mesma ênfase e determinação, nomeadamente na Europa;
4. Manifesta profunda preocupação pelo facto de a exclusão social dos Dalit e de outras comunidades igualmente afetadas estar na origem de níveis elevados de pobreza entre os grupos populacionais afetados e da exclusão dos processos de desenvolvimento, ou de benefícios reduzidos nesse domínio; salienta, além disso, que esse fator impede o seu envolvimento na tomada de decisões e na governação, bem como a sua participação significativa na vida pública e civil;
5. Continua preocupado com o número ainda elevado de casos comunicados e não comunicados de atrocidades e de práticas de intocabilidade em países onde vigora o sistema de castas, incluindo na Índia, e com a impunidade generalizada dos perpetradores de crimes contra os Dalit e outras vítimas de violações dos direitos humanos com base na casta; recorda que, em alguns países, há autores deste tipo de discriminação aos mais altos níveis do governo;
6. Reitera a sua profunda preocupação perante a violência perpetrada contra as mulheres da comunidade Dalit e outras mulheres de comunidades igualmente afetadas nas sociedades onde vigora o sistema de castas, que, em muitos casos, não apresentam queixa por receio de ameaças contra a sua segurança pessoal e de serem objeto de exclusão social, bem como perante as formas múltiplas e cruzadas de discriminação com base na casta, no género e na religião que afetam as mulheres da comunidade Dalit e as mulheres de comunidades minoritárias e que estão na origem de conversões forçadas, raptos, prostituição forçada e abuso sexual cometido por membros das castas dominantes;
7. Salienta a necessidade de promover um ambiente favorável para a sociedade civil e para os defensores dos direitos humanos que trabalham com pessoas vítimas de discriminação com base na casta, a fim de garantir a sua segurança e de precaver qualquer tipo de obstrução, estigmatização e restrição relativamente ao seu trabalho; realça que esse ambiente deve incluir o acesso ao financiamento, a cooperação com os organismos das Nações Unidas que se ocupam dos direitos humanos e a acreditação junto do Conselho Económico e Social da ONU (ECOSOC);
8. Solicita à UE que promova o projeto de Princípios e Diretrizes das Nações Unidas para a Efetiva Eliminação da Discriminação com base no Emprego e na Origem Familiar enquanto quadro orientador para eliminar a discriminação com base na casta, bem como a promover a sua ratificação pelo Conselho dos Direitos do Homem das Nações Unidas;
9. Solicita à Comissão que reconheça a casta como uma forma distinta de discriminação enraizada no contexto social e/ou religioso, que deve ser combatida a par de outros motivos de discriminação, tais como a etnia, a raça, a origem familiar, a religião, o género ou a sexualidade, no âmbito dos esforços da UE para combater todas as formas de discriminação; insta a UE a ter em conta nas suas políticas e programas as pessoas vítimas de discriminação com base na casta como grupo identificável;
10. Exorta a Comissão e o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) a integrarem a luta contra a discriminação com base na casta na legislação, nas políticas e nos documentos de programação da UE, bem como a adotarem diretrizes operacionais com vista à sua implementação; insta o SEAE a reforçar os mecanismos de controlo e de avaliação, a fim de avaliar eficazmente o impacto da ação da UE na situação das pessoas afetadas por esta forma de discriminação;
11. Recomenda à UE que efetue uma avaliação sistemática do impacto dos acordos comerciais e/ou de investimento nos grupos afetados pela discriminação com base na casta e que aborde estas questões com os representantes do setor, as autoridades governamentais e as organizações da sociedade civil pertinentes;
12. Solicita a inclusão da discriminação com base na casta, enquanto questão de direitos humanos, nas futuras políticas e estratégias da UE neste domínio, bem como nos seus futuros planos de ação;
13. Insta a Comissão a reforçar o apoio a projetos de desenvolvimento de luta contra a discriminação com base na casta, enquanto violação grave dos direitos humanos que agrava ainda mais a pobreza, e a ter em conta esta forma de discriminação em todos os projetos que incidam na educação, nas mulheres, no acesso à justiça, à participação política e ao emprego nos países em causa;
14. Insta a Comissão a desenvolver e a aplicar abordagens sensíveis à questão das castas em momentos de crise humanitária e a assegurar a prestação de ajuda humanitária a todos os grupos marginalizados, incluindo às pessoas que sofrem discriminação com base na casta;
15. Exorta a UE a debater a questão da discriminação com base na casta ao mais alto nível, bem como com os governos dos países afetados, durante cimeiras bilaterais e outras reuniões internacionais;
16. Incentiva o SEAE a reforçar os seus diálogos políticos e em matéria de direitos humanos, bem como a promover iniciativas conjuntas destinadas a eliminar a discriminação com base na casta com os governos dos países afetados, como a Índia, o Nepal, o Paquistão, o Bangladeche e o Sri Lanka, onde as comunidades afetadas pelo sistema de castas são submetidas às chamadas «práticas de intocabilidade», e, de um modo mais lato, a combater a discriminação com base no trabalho e na origem familiar, que se verifica em vários países, como o Iémen, a Mauritânia, a Nigéria, o Senegal e a Somália; recorda que a discriminação com base na casta não é mencionada nos acordos celebrados com muitos destes países;
17. Insta a Comissão e o SEAE a incluírem, sempre que pertinente, uma «cláusula relativa à discriminação com base na casta» em todos os acordos comerciais e de associação;
18. Recomenda que a UE promova políticas e procedimentos favoráveis à não-discriminação e à inclusão nas suas atividades com países onde vigora o sistema de castas, incluindo a discriminação positiva em prol dos Dalit e de outras pessoas afetadas no mercado de trabalho e no setor privado;
19. Solicita que a UE promova a consulta regular e abrangente da sociedade civil sobre a discriminação com base na casta e atribua recursos adequados às organizações da sociedade civil, tendo em vista a luta contra a discriminação com base na casta;
20. Solicita que a UE promova uma agenda de desenvolvimento pós-2015 sensível à questão das castas, cujo objetivo fundamental e mensurável seja a redução das desigualdades baseadas nas castas, ou agravadas por esse mesmo fator, assegurando que a discriminação com base na casta seja abordada explicitamente como um dos principais fatores estruturais subjacentes à pobreza e causa primordial das desigualdades estruturais;
21. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução à Vice-Presidente da Comissão / Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, ao Conselho, à Comissão, ao Representante Especial da UE para os Direitos Humanos, aos Governos e Parlamentos dos EstadosMembros, ao Secretário-Geral das Nações Unidas e ao Conselho dos Direitos do Homem das Nações Unidas.
- [1] Textos aprovados, P7_TA(2012)0512.
- [2] Textos aprovados, P7_TA(2013)0031.
- [3] JO C 250 E de 25.10.2007, p. 87.
- [4] JO C 258 E de 7.9.2013, p. 8.
- [5] A/HRC/11/CRP.3.
- [6] A/HRC/17/40.