Proposta de resolução - B8-0062/2014Proposta de resolução
B8-0062/2014

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO sobre a situação no Iraque

15.7.2014 - (2014/2716(RSP))

apresentada na sequência de uma declaração da Vice-Presidente da Comissão / Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança
nos termos do artigo 123.º, n.º 2, do Regimento

Marina Albiol Guzmán, Sabine Lösing, Marie-Christine Vergiat, Miloslav Ransdorf, Marisa Matias, Sofia Sakorafa, Dimitrios Papadimoulis, Lola Sánchez Caldentey, Pablo Iglesias, Pablo Echenique Robba, Carlos Jiménez Villarejo  
em nome do Grupo GUE/NGL

Processo : 2014/2716(RSP)
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B8-0062/2014
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B8‑0062/2014

Resolução do Parlamento Europeu sobre a situação no Iraque

(2014/2716(RSP))

O Parlamento Europeu,

–       Tendo em conta o Acordo de Parceria e Cooperação entre a União Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República do Iraque, por outro,

–       Tendo em conta a sua resolução, de 17 de janeiro de 2013, sobre o Acordo de Parceria e Cooperação UE-Iraque[1],

–       Tendo em conta a primeira reunião do Conselho de Cooperação UE-Iraque, de 20 de janeiro de 2014,

–       Tendo em conta as declarações da Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Catherine Ashton, sobre o Iraque,

–       Tendo em conta as suas resoluções anteriores sobre o Iraque, em particular a de 14 de março de 2013 sobre o Iraque: a situação difícil dos grupos minoritários, nomeadamente os turcomanos iraquianos[2], a de 10 de outubro de 2013, sobre a recente violência no Iraque[3], e a de 27 de fevereiro de 2014, sobre a situação no Iraque[4],

–       Tendo em conta a declaração do SEAE, de 5 de maio de 2014, sobre as eleições no Iraque,

–       Tendo em conta as conclusões do Conselho, de 23 de junho de 2014, sobre o Iraque,

–       Tendo em conta a declaração conjunta, de 11 de junho de 2014, da 3.ª reunião ministerial União Europeia - Liga dos Estados Árabes sobre a situação no Iraque em matéria de segurança,

–       Tendo em conta a declaração, de 12 de junho de 2014, da Comissária da UE para a Cooperação Internacional, a Ajuda Humanitária e a Resposta a Situações de Crise, Kristalina Georgieva,

–       Tendo em conta os relatórios da Missão de Assistência das Nações Unidas para o Iraque (UNAMI), nomeadamente os seus dados relativos ao número de vítimas registado em junho, publicados em 1 de julho de 2014,

–       Tendo em conta as declarações do Representante Especial da ONU para o Iraque, Nickolai Mladenov,

–       Tendo em conta as declarações sobre o Iraque proferidas pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki Moon,

–       Tendo em conta as resoluções do Conselho de Segurança da ONU sobre o Iraque,

–       Tendo em conta a Declaração das Nações Unidas, de 1981, sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou Convicção,

–       Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, ratificada pelo Iraque em 2008,

–       Tendo em conta o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966, de que o Iraque é Parte,

–       Tendo em conta o artigo 123.º, n.º 2, do seu Regimento,

A.     Considerando que toda a população do Iraque tem sido vítima de uma guerra que causou mais de 1 400 000 mortos e destruiu grande parte das infraestruturas do Iraque, do consequente aumento da violência no país, que se traduziu num número alarmante de atentados terroristas e de violações dos direitos humanos; e que o processo político imposto pela ocupação deu origem à divisão do país numa base sectária e étnica;

B.     Considerando que - de acordo com os dados relativos ao número de vítimas em junho de 2014 fornecidos pela Missão de Assistência das Nações Unidas para o Iraque (UNAMI) - a violência continua a ser motivo de grande preocupação no Iraque, dado que a violência indiscriminada é constante e que pelo menos 2 417 iraquianos perderam a vida e 2 287 foram feridos, sem contar as vítimas na província de Anbar;

C.     Considerando que o Iraque se encontra a braços com uma grave crise humanitária em resultado dos combates travados entre as forças de segurança do Iraque e os grupos armados da oposição, incluindo o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL);

D.     Considerando que, em 29 de junho, o EIIL anunciou a instauração de um califado nos territórios que controla no Iraque e na Síria, estendendo-se de Alepo, no norte da Síria, até a província de Diyala, no leste do Iraque;

E.     Considerando que o presidente da região curda autónoma no norte do Iraque, Massud Barzani, requereu ao parlamento da região que preparasse a realização de um referendo sobre a independência;

F.     Considerando que a Arábia Saudita mobilizou uma força de 30 000 soldados para as suas fronteiras com o Iraque depois de as forças de segurança iraquianas terem abandonado a região e que Barack Obama anunciou que os Estados Unidos enviarão 300 conselheiros militares (forças especiais) para o Iraque;

G.     Considerando que há já muitos anos que a população iraquiana é vítima de uma situação de violência generalizada; que o recente aumento acentuado da violência no país resultou num número de vítimas sem precedentes desde 2008; que os acontecimentos na província de Anbar provocaram um grande número de deslocados internos que fogem das zonas de conflito; que, de acordo com o Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários das Nações Unidas, o número de deslocados no interior do Iraque é um dos elevados no mundo; que, desde janeiro do presente ano, existem mais de 1,2 milhões de pessoas deslocadas, das quais 560 000 são procedentes da província de Anbar; que, na sequência da queda de Mosul, calcula-se que exista um número adicional de 650 000 de pessoas deslocadas;

H.     Considerando que dez anos de ocupação pelos Estados Unidos e seus aliados deixaram o país mais pobre, que a iliteracia aumentou e que mais pessoas morrem de fome; que a pobreza atingiu 88% da população do Iraque e cerca de seis milhões de iraquianos vivem abaixo do limiar de pobreza; que, apesar de o país ter conseguido restabelecer a sua produção de petróleo quase até à capacidade plena, as desigualdades sociais aumentam à medida que o Estado iraquiano continua a ser incapaz de prestar à sua população serviços básicos, nomeadamente no que se refere ao fornecimento regular de eletricidade durante o verão, água potável e serviços públicos de saúde;

I.      Considerando que, em vez de contribuir para o progresso no Iraque, os EUA e os seus aliados deixaram, nos últimos anos, o país regredir para uma sociedade profundamente dividida, destruindo a identidade nacional iraquiana e substituindo-a por identidades sectárias e étnicas após 2003; que, nos últimos anos, se verificou um agravamento significativo da situação no Iraque e que aumentaram os confrontos étnicos entre xiitas e sunitas; e que 20% dos recursos petrolíferos do Iraque estão localizados na região de Kirkuk;

J.      Considerando que, desde a invasão e ocupação do Iraque pelas tropas da coligação, a situação no país registou um forte agravamento e que a violência, as violações dos direitos humanos, a tortura e os confrontos étnicos se tornaram prática comum no país; que o atual ritmo diário de atentados à bomba e tiroteios faz com que a maioria dos iraquianos se sinta insegura quanto ao seu futuro e torna impossível promover a integração social e económica da população iraquiana em geral;

K.     Considerando que, em dezembro de 2012, começaram a ser organizadas manifestações pacíficas, com a ocupação de praças, nomeadamente nas seis províncias situadas a norte e a oeste de Bagdade; que o governo reprimiu estas manifestações e que o agravamento das tensões se traduziu num confronto armado em dezembro de 2013, incluindo o uso de força desproporcionada que resultou na morte de civis na província de Anbar;

L.     Considerando que o conflito sírio está a ter múltiplas repercussões negativas na região e deu origem a novos fluxos consideráveis de refugiados e de repatriados para o Iraque, cujo número ultrapassa os 224 000, os quais vivem em condições de extrema vulnerabilidade no Iraque;

M.    Considerando que mais de 1 300 pessoas terão sido condenadas à morte no Iraque desde 2004; que a legislação iraquiana autoriza a aplicação da pena de morte a quase 50 crimes - incluindo o terrorismo, o rapto e o assassinato mas também a delitos como danos causados à propriedade pública; que, contrariando a tendência mundial no sentido da abolição da pena de morte, o número de execuções no Iraque tem aumentado; e que, segundo relatos da imprensa internacional, pelo menos 150 pessoas foram executadas no Iraque em 2013;

N.     Considerando que, de acordo com a organização "Transparency International", o Iraque tem o governo mais corrupto do Médio Oriente; que a corrupção é um problema estrutural do país, na medida em que não existe um controlo parlamentar efetivo e o sistema judicial está inativo, sendo ambos sintomas de um Estado falhado; e que, segundo o Gabinete do Inspetor-Geral Especial para a Reconstrução do Iraque dos EUA, todas as semanas 800 milhões de dólares são transferidos ilegalmente para fora do Iraque;

O.     Considerando que ainda não foi resolvido o litígio antigo na região de Kirkuk em torno das exportações de petróleo da região através de um novo gasoduto;

P.     Considerando que pelo menos 10 jornalistas foram mortos em 2013; que o Iraque - onde não houve uma única condenação pelos 400 assassínios de profissionais da comunicação social na última década - continua a ser o país com o pior desempenho do mundo no que respeita a impunidade relacionada com os assassinatos não elucidados de jornalistas; que o jornalista espanhol José Couso foi morto em abril de 2003 durante um ataque do exército norte-americano, juntamente com os jornalistas Taras Protsyuk e Tareq Ayub; que um tribunal espanhol ordenou a detenção de dois oficiais e de sargento norte‑americanos acusados de envolvimento no caso; que ainda não foi feita justiça, e que os EUA têm dificultado os mandados de detenção e a Interpol não os executou;

Q.     Considerando que foram utilizadas quantidades significativas de munições ilícitas com urânio empobrecido no Iraque pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, o que conduziu a um trágico aumento dos cancros infantis e das malformações congénitas; que a falta de informações sobre a utilização dos resíduos de urânio empobrecido pelos EUA entrava seriamente as ações de descontaminação, de controlo e de sensibilização destinadas a reduzir a exposição da população civil a esses resíduos;

R.     Considerando que, em abril de 2014, o Governo iraquiano adotou um novo projeto de lei que viabilizaria os casamentos precoces e a violação conjugal, que, de acordo com dados do Fundo das Nações Unidas para a População, 250 000 mulheres e raparigas, incluindo cerca de 60 000 mulheres grávidas, necessitam de assistência urgente e aproximadamente 20 000 mulheres e raparigas poderão correr um risco acrescido de violência sexual; que a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, entre outras individualidades, tem manifestado sérias preocupações pelo facto de os julgamentos que resultam na pena de morte não observarem as garantias internacionais de um julgamento justo, incluindo a falta de transparência nos processos judiciais e casos em que "confissões" foram obtidas sob tortura ou outras formas de maus tratos infligidos aos réus; que a pena de morte é uma forma de punição cruel e desumana que deve ser abolida;

S.     Considerando que as eleições parlamentares que se realizaram em 30 de abril de 2014 no Iraque ficaram marcadas por uma atmosfera de violência e de medo;

1.      Reitera a sua firme condenação da intervenção militar das forças da coligação no Iraque; reafirma que esta invasão violou o direito internacional e salienta o seu caráter ilegal; realça que o principal resultado da invasão norte-americana do Iraque foi o quase total colapso do Estado de direito e o aumento do extremismo religioso no país; destaca a responsabilidade dos Chefes de Estado dos Estados-Membros da UE que participaram na Cimeira dos Açores, em particular do presidente cessante da Comissão Europeia, Durão Barroso; reitera a sua condenação desta violação do direito internacional; considera que os responsáveis por esta guerra ilegal e por crimes contra a humanidade devem comparecer perante a justiça internacional;

2.      Exorta à realização de uma conferência internacional para promover o diálogo entre as partes, a fim de encontrar uma solução aceitável, e rejeita o interesse ilegítimo de intervenientes estrangeiros em dividir o país para melhor controlarem as reservas petrolíferas do Iraque;

3.      Condena qualquer ingerência estrangeira passada, presente ou futura nas questões internas iraquianas; realça que, para alcançar uma verdadeira independência, o Iraque deverá ter o controlo pleno da sua própria economia, incluindo os seus recursos naturais; realça que as receitas do petróleo devem ser utilizadas como um instrumento e uma oportunidade para uma reconstrução social e económica sustentável que beneficie a sociedade iraquiana no seu todo; insta o governo iraquiano a zelar por que os recursos do país sejam utilizados de forma transparente e responsável, em prol de todos os iraquianos;

4.      Considera que os países que participaram na invasão do Iraque, incluindo vários Estados‑Membros, são responsáveis por uma guerra combatida com base em mentiras e têm a obrigação de promover a verdade e a justiça e de reparar os prejuízos causados ao povo iraquiano; reconhece que esta guerra ilegal destruiu o país e aumentou a violência em toda a região; condena a pilhagem dos recursos naturais iraquianos por empresas petrolíferas como a Royal Dutch Shell Oil Company, a BP e a ExxonMobil;

5.      Condena todas as formas de violência contra grupos sociais, políticos ou religiosos; lamenta o elevado número de pessoas mortas e feridas; condena todos os assassinatos e execuções; manifesta a sua preocupação face ao aumento dos atentados violentos; apresenta as suas condolências às famílias dos mortos e dos feridos; insta ao fim imediato da violência; considera que os autores desses crimes devem ser entregues à justiça;

6.      Chama a atenção para a urgência de solucionar os problemas humanitários enfrentados pelo povo iraquiano; salienta a necessidade de prosseguir uma ação coordenada entre as autoridades iraquianas e as organizações de ajuda internacionais no terreno com vista à prestação de assistência a grupos vulneráveis, incluindo os refugiados e as pessoas deslocadas, bem como para assegurar a sua proteção e a criação de condições adequadas de segurança e dignidade;

7.      Observa que, segundo o ACNUR, mais de 224 000 refugiados sírios procuraram refúgio na região curda do Iraque desde o início da guerra e exorta a UE a prestar assistência a estas pessoas;   recorda a importância do pleno respeito do direito humanitário internacional e da proteção dos civis; exorta as autoridades iraquianas a assegurar a prestação de serviços essenciais, bem como o acesso das agências humanitárias às áreas afetadas pelos combates; manifesta a sua preocupação com o apoio insuficiente aos refugiados sírios;

8.      Manifesta a sua apreensão pelo facto de a corrupção ser endémica no país, em especial no exército e na polícia, o que está a criar graves problemas no aparelho de segurança do Iraque; lamenta que esta cultura de corrupção se estenda até aos mais altos níveis do governo;

9.      Lamenta o drástico aumento das execuções pelo exército iraquiano e pelas forças do EIIL, bem como o uso de confissões extorquidas sob tortura ou outros maus tratos como provas contra presos;

10.    Condena a pena de morte, em quaisquer circunstâncias; insta o Governo iraquiano a declarar e a aplicar, numa primeira fase, uma moratória imediata sobre as execuções e a abolir, no futuro, a pena de morte;

11.    Solicita a abertura de um inquérito internacional, sob a égide das Nações Unidas, para confirmar a utilização generalizada de tortura e a existência de prisões secretas ou outros centros de tortura no Iraque, a fim de determinar a responsabilidade de cada parte na matéria e punir os responsáveis;

12.    Condena todas as formas de violência contra grupos sociais, políticos ou religiosos, bem como todos os assassinatos e execuções desde o início da guerra, em 2003, e deplora a mais recente vaga de atentados terroristas e o recurso a esquadrões da morte;

13.    Recorda a importância dos princípios da justiça, verdade e reparação; considera que todos os autores desta guerra ilegal e dos crimes contra a humanidade daí resultantes devem comparecer perante a justiça; dez anos após a sua morte, insiste na necessidade de assegurar que será feita justiça no caso dos jornalistas Couso, Protsyuk e Ayub, de forma a que estes assassinatos não permaneçam impunes;

14.    Rejeita o Acordo de Parceria e Cooperação entre a UE e a República do Iraque; considera que os principais objetivos da cooperação da UE com o Iraque devem ser pôr termo à violência, o desenvolvimento social e económico, o pleno respeito dos direitos humanos e a restauração do bem-estar dos iraquianos, em vez da introdução e expansão das indústrias petrolíferas da UE no país;

15.    Condena a utilização de munições com urânio empobrecido durante a guerra, nomeadamente pelos EUA e o Reino Unido; insta a UE a elaborar uma posição comum da UE a favor da restrição ou proibição da utilização de munições com urânio empobrecido e a desenvolver programas de limpeza nas áreas afetadas;

16.    Exorta as autoridades iraquianas a adotarem medidas para garantir que a igualdade entre homens e mulheres, bem como os direitos das mulheres, sejam plenamente respeitados;

17.    Exorta o parlamento e governo iraquianos a assegurarem o respeito da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e a combaterem o trabalho infantil, a prostituição infantil e o tráfico de seres humanos;

18.    Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Presidente do Conselho Europeu, ao Presidente da Comissão, à Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, ao Chefe da Delegação da UE no Iraque, aos presidentes dos parlamentos dos Estados‑Membros e ao Governo e ao Conselho de Representantes da República do Iraque.