PROPOSTA DE RESOLUÇÃO sobre a situação na Nicarágua
28.5.2018 - (2018/2711(RSP))
nos termos do artigo 123.º, n.º 2, do Regimento
Dita Charanzová, Ali Nedzhmi, Petras Auštrevičius, Beatriz Becerra Basterrechea, Izaskun Bilbao Barandica, Gérard Deprez, Ivan Jakovčić, Petr Ježek, Ilhan Kyuchyuk, Patricia Lalonde, Louis Michel, Javier Nart, Urmas Paet, Maite Pagazaurtundúa Ruiz, Jozo Radoš, Frédérique Ries, Marietje Schaake, Pavel Telička, Ivo Vajgl, Johannes Cornelis van Baalen, Hilde Vautmans em nome do Grupo ALDE
Ver igualmente a proposta de resolução comum RC-B8-0244/2018
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre a Nicarágua, em particular a Resolução de 16 de fevereiro de 2017 sobre a situação dos direitos humanos e a democracia na Nicarágua - o caso de Francesca Ramirez[1],
– Tendo em conta a declaração do porta-voz da VP/AR, de 19 de novembro de 2016, sobre os resultados finais das eleições na Nicarágua,
– Tendo em conta as declarações do porta-voz da VP/AR, de 22 de abril de 2018, sobre a situação na Nicarágua e, de 15 de maio de 2018, sobre o estabelecimento de um diálogo nacional na Nicarágua,
– Tendo em conta o comunicado de imprensa do gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos do Homem (ACDH), de 27 de abril de 2018, em que cita pareceres de peritos sobre a situação dos direitos humanos na Nicarágua,
– Tendo em conta a declaração do porta-voz do gabinete do ACDH das Nações Unidas, de 20 de abril de 2018, sobre a violência em protestos na Nicarágua,
– Tendo em conta a visita efetuada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), de 17 a 21 de maio de 2018, para investigar a situação na Nicarágua, e a sua declaração preliminar de 21 de maio de 2018,
– Tendo em conta o relatório do Secretariado-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre a Nicarágua, de 20 de janeiro de 2017,
– Tendo em conta o Acordo de Associação entre a União Europeia e os países da América Central, de 29 de Junho de 2012, que entrou em vigor em agosto de 2013, incluindo as cláusulas sobre os direitos humanos,
– Tendo em conta as Orientações da União Europeia relativas aos Defensores dos Direitos Humanos, aprovadas em junho de 2004 e depois revistas em 2008,
– Tendo em conta a Declaração das Nações Unidas sobre os Defensores dos Direitos Humanos, de dezembro de 1998,
– Tendo em conta o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966, de que a Nicarágua é parte,
– Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948,
– Tendo em conta o artigo 123.º, n.º 2, do seu Regimento,
A. Considerando que o Estado da Nicarágua registou um declínio da democracia e do Estado de direito na última década; considerando que a falta dos direitos da liberdade de expressão e de manifestação pacífica, reconhecidos como a pedra basilar das sociedades democráticas, inviabiliza uma solução pacífica e duradoura para os conflitos naquele país;
B. Considerando que, de acordo com o relatório preliminar da CIDH, pelo menos 76 pessoas foram mortas, 868 ficaram feridas e 438 foram detidas arbitrariamente, incluindo estudantes, ativistas da sociedade civil e jornalistas, durante as manifestações de protesto contra as reformas da segurança social anunciadas pelo Presidente Daniel Ortega, em 18 de abril de 2018; considerando que a maioria das vítimas foi ferida por bala na cabeça, no pescoço, no peito ou no abdómen, constituindo um forte indício de que as forças de segurança receberam ordem para matar, o que deu origem ao relatório preliminar da CIDH, que aponta para a possibilidade de execuções extrajudiciais; considerando que também foram documentados casos de tortura, tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, campanhas de criminalização, ameaças e assédio, bem como outras formas de intimidação;
C. Considerando que, em 23 de abril de 2018, o Presidente Ortega anunciou o cancelamento da reforma da segurança social, mas que as manifestações se converteram em perturbações mais vastas contra o seu governo, com apelos a um governo provisório; considerando que as autoridades da Nicarágua estigmatizaram abertamente os manifestantes, apelidando-os de «vândalos» e acusando-os de «manipulação política»;
D. Considerando que o elevado número de vítimas mortais constitui um claro indicador do uso excessivo de força pelas autoridades estatais, violando os princípios da necessidade e da proporcionalidade, tal como exigido pelo direito internacional e pelas normas que estabelecem limites ao emprego da força; considerando que grupos de civis ligados à Juventud Sandinista têm agido com total impunidade e com a cumplicidade e o consentimento da polícia; considerando que a chefe da Polícia Nacional da Nicarágua, Aminta Granera, se demitiu em virtude do uso excessivo de violência;
E. Considerando que, embora tenha sido lançado um diálogo nacional em 16 de maio de 2018 sob os auspícios da Igreja Católica, representantes da igreja dão conta de que o mesmo foi encerrado em 23 de maio, sem que as partes tenham chegado a consenso;
F. Considerando que, em 23 de maio, o chefe da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, apelou a um «processo eleitoral livre, justo e transparente», como a única solução para a situação na Nicarágua; considerando que as autoridades da Nicarágua declararam que «a realização de novas eleições iria desmantelar a ordem constitucional e o governo democraticamente eleito»; que, em 19 de novembro de 2016, a UE declara que «lamenta que o processo eleitoral não proporcionou condições para uma participação sem restrições de todas as forças políticas do país e que se pautou pela ausência de observação independente acreditada, tanto internacional como local»;
G. Considerando que os meios de comunicação social que noticiaram os protestos foram arbitrariamente encerrados pelo governo, e os jornalistas que manifestaram qualquer tipo de oposição foram alvo de assédio, de intimidação e de detenção;
H. Considerando que Daniel Ortega, desde 2007, foi eleito como Presidente três vezes consecutivas, pese embora o facto de a Constituição da Nicarágua proibir a reeleição consecutiva, o que demonstra a corrupção e o autoritarismo de que o Estado se valeram para permitir que o Presidente e o partido no poder controlem os poderes e os recursos do Estado, bem como o sistema judiciário;
I. Considerando que a repressão pelas autoridades da Nicarágua da liberdade de expressão e o assédio movido contra líderes da oposição foram condenados como uma agressão às liberdades cívicas; considerando que grupos de defesa dos direitos humanos condenaram a progressiva concentração de poderes resultante do regime de partido único e do enfraquecimento das instituições;
J. Considerando que a corrupção no setor público, inclusive os casos que envolvem membros da família do Presidente, continua a constituir um dos principais desafios; considerando que o suborno de funcionários públicos, o confisco ilícito e as avaliações arbitrárias levadas a cabo pelas autoridades aduaneiras e fiscais são práticas muito comuns; considerando que foram expressas preocupações legítimas sobre nepotismo no seio do Governo da Nicarágua;
1. Condena com veemência a brutal repressão das manifestações realizadas na Nicarágua contra as reformas da segurança social e manifesta profunda preocupação face às informações que dão conta da utilização de munições reais para pôr fim às manifestações, e de que resultaram, pelo menos, 76 mortos e quase 900 feridos; solicita às autoridades da Nicarágua que ponham imediatamente termo a todos os atos de violência por parte das forças armadas, da polícia e de grupos paramilitares associados ao governo contra cidadãos da Nicarágua que exercem os seus direitos à liberdade de expressão e de reunião, e insta as autoridades da Nicarágua a garantir estas liberdades em conformidade com os acordos internacionais de que o país é parte; exprime as suas condolências e solidariedade para com todas as famílias das vítimas mortas e feridas durante as manifestações;
2. Apela às autoridades da Nicarágua para que libertem todos os que foram detidos arbitrariamente e para que forneçam garantias de que não serão tomadas medidas penais contra os mesmos;
3. Insta as autoridades da Nicarágua a retomarem um processo de diálogo nacional inclusivo, de forma séria e construtiva, e sublinha a importância de evitar uma nova escalada da situação, bem como de pôr termo à persistência do autoritarismo, da repressão e da violência na Nicarágua, e a que essas medidas incluam a organização de eleições livres, justas e transparentes, com observação internacional independente, para garantir que não ocorra uma fraude eleitoral como solução para a crise;
4. Assinala a dificuldade em resolver esta crise a longo prazo, devido à falta de separação dos poderes e de instituições independentes no país; neste contexto, mostra-se convicto de que a criação de uma Comissão para a Verdade, contando com a participação de pessoas independentes, nacionais e internacionais, poderia contribuir para a reconciliação a nível nacional; exorta a União Europeia a empenhar-se ativamente em contribuir para alcançar uma solução democrática para a crise;
5. Saúda a visita da CIDH à Nicarágua e manifesta a sua preocupação com as conclusões do relatório preliminar; insta as autoridades da Nicarágua a autorizarem a realização imediata de um inquérito internacional independente e transparente, com o objetivo de apurar as circunstâncias da repressão e das mortes durante as manifestações de protesto e de perseguir judicialmente os seus responsáveis, bem como os responsáveis pela tortura e por casos de má conduta contra os detidos durante a respetiva detenção;
6. Condena as campanhas de difamação levadas a cabo pelo Estado, bem como as ameaças e os ataques e a intimidação de defensores dos direitos humanos pelo seu papel na promoção e no acompanhamento da causa durante as manifestações de protesto; está extremamente preocupado com a segurança dos jornalistas que cobrem as manifestações, uma vez que há informações de ataques permanentes a jornalistas e a agências de radiodifusão, ataques esses que devem cessar de imediato;
7. Reafirma que a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação social é um elemento essencial da democracia e de uma sociedade aberta, e solicita às autoridades da Nicarágua que restabeleçam o pluralismo dos meios de comunicação social; apela às autoridades para que respeitem o trabalho levado a cabo pelos defensores dos direitos humanos, jornalistas e meios de comunicação social e para que garantam adequadamente a sua defesa; recorda a todas as forças de segurança da Nicarágua a sua obrigação de, acima de tudo, defenderem os cidadãos contra quaisquer danos;
8. Insta as autoridades nicaraguenses a permitir que todos os membros da sociedade, incluindo as forças da oposição e a sociedade civil, disponham de espaço suficiente para agir livremente, no respeito do direito internacional, de molde a preparar o terreno para que todas as partes possam debater a situação na Nicarágua e defender o respeito dos direitos humanos no país; recorda que a despolarização do sistema judiciário e o fim da impunidade são fatores essenciais para o sucesso de qualquer democracia;
9. Denuncia as medidas ilícitas tomadas em violação do sistema judicial, que resultaram em alterações constitucionais visando suprimir os limites dos mandatos presidenciais, permitindo a Daniel Ortega exercer a presidência de forma contínua, e, desse modo, infringir o direito a eleições livres e justas; sublinha a necessidade de instituições democráticas fortes, da liberdade de reunião e do pluralismo político;
10. Manifesta a sua preocupação com o conluio e os conflitos de interesses entre os membros do Conselho Superior de Empresas Privadas (COSEP) e o governo; insta esses membros a demitir-se e a deixaram de participar nas comissões executivas das entidades estatais, nomeadamente no que toca à participação de membros do COSEP no Instituto da Segurança Social da Nicarágua (INSS);
11. Salienta que, à luz do Acordo de Associação entre a União Europeia e os países da América Central, se deve recordar à Nicarágua a necessidade de respeitar os princípios do Estado de direito, da democracia e dos direitos humanos, valores defendidos e promovidos pela União Europeia;
12. Manifesta a sua preocupação com os vínculos entre o Presidente Ortega e outros conflitos na região, como, por exemplo, a sua cumplicidade com o regime venezuelano, a proteção das receitas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) provenientes de estupefacientes, e a dependência política do país face a Cuba;
13. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, aos governos e parlamentos dos Estados-Membros, ao Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos, à Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana, ao Parlamento Centro-Americano e ao Governo e ao Parlamento da República da Nicarágua.
- [1] Textos Aprovados, P8_TA(2017)0043.