Proposta de resolução - B8-0101/2019Proposta de resolução
B8-0101/2019

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO sobre os direitos das pessoas intersexuais

8.2.2019 - (2018/2878(RSP))

apresentada na sequência das perguntas com pedido de resposta oral B8‑0007/2019 e B8‑0008/2019
apresentada nos termos do artigo 128.º, n.º 5, do Regimento

Claude Moraes em nome da Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos

Processo : 2018/2878(RSP)
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B8-0101/2019
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B8-0101/2019
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B8‑0101/2019

Resolução do Parlamento Europeu sobre os direitos das pessoas intersexuais

(2018/2878(RSP))

O Parlamento Europeu,

–  Tendo em conta o artigo 2.º do Tratado sobre a União Europeia,

–  Tendo em conta os artigos 8.º e 10.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia,

–  Tendo em conta a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, nomeadamente o seu artigo 21.º,

–  Tendo em conta a Carta Social Europeia, nomeadamente o seu artigo 11.º,

–  Tendo em conta a Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade[1],

–  Tendo em conta o relatório publicado pela Comissão em 2011, sobre as pessoas transexuais e intersexuais,

–  Tendo em conta os relatórios finais do projeto-piloto «Health4LGBTI», financiado pela Comissão, sobre as desigualdades no domínio da saúde que afetam as pessoas LGBTI,

–  Tendo em conta a sua Resolução, de 4 de fevereiro de 2014, sobre o Roteiro da UE contra a homofobia e a discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género[2],

–  Tendo em conta a sua Resolução, de 13 de dezembro de 2016, sobre a situação dos direitos fundamentais na União Europeia[3],

–  Tendo em conta o relatório, publicado em maio de 2015 pela Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA), intitulado “A Situação dos Direitos Fundamentais das Pessoas Intersexuais”[4],

–  Tendo em conta a publicação em linha da FRA, de novembro de 2017, intitulada “Levantamento dos Requisitos de Idade Mínima relativamente aos Direitos da Criança na UE”[5],

–  Tendo em conta o Relatório de 2018 da FRA sobre os direitos fundamentais,

–  Tendo em conta a Convenção Europeia dos Direitos do Homem,

–  Tendo em conta a Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes,

–  Tendo em conta a Resolução 2191 da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, aprovada em 2017, sobre a promoção dos direitos humanos e a eliminação da discriminação relativamente às pessoas intersexuais,

–  Tendo em conta o Relatório de 2015 do Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa sobre os direitos humanos e as pessoas intersexuais,

–  Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos do Homem,

–  Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes,

–  Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança,

–  Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,

–  Tendo em conta o Relatório de 2013 do Relator Especial das Nações Unidas sobre a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes,

–  Tendo em conta os Princípios de Yogyakarta («Princípios e Obrigações dos Estados no que respeita à Aplicação da Legislação Internacional dos Direitos Humanos em matéria de Orientação Sexual, Identidade de Género, Expressão de Género e Características Sexuais»), adotados em novembro de 2006, e os 10 princípios complementares («mais 10»), adotados em 10 de novembro de 2017,

–  Tendo em conta as perguntas dirigidas ao Conselho e à Comissão sobre os direitos das pessoas intersexuais (O-000132/2015B8-0007/2015 e O-000133/2015B8‑0008/2015),

–  Tendo em conta a proposta de resolução da Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos,

–  Tendo em conta o artigo 128.º, n.º 5, e o artigo 123.º, n.º 2, do seu Regimento,

A.  Considerando que as pessoas intersexuais nascem com características sexuais físicas que não se enquadram nas normas médicas ou sociais para os corpos femininos ou masculinos e que estas variações nas características sexuais podem manifestar-se em características primárias (como os órgãos genitais interiores e exteriores e a estrutura cromossomática e hormonal) e/ou secundárias (como a massa muscular, a distribuição de pelo e a estatura);

B.  Considerando que as pessoas intersexuais se encontram expostas a múltiplas formas de violência e discriminação na União Europeia e que estas violações dos direitos humanos permanecem, em grande medida, desconhecidas do público em geral e dos responsáveis políticos;

C.  Considerando que existe uma elevada prevalência de cirurgias e tratamentos médicos em crianças intersexuais, embora, na maioria dos casos, estes tratamentos não sejam clinicamente necessários; que cirurgias cosméticas e cirurgias urgentes podem ser propostas como um pacote, impedindo os pais e as pessoas intersexuais de disporem de informações completas sobre o impacto de cada uma;

D.  Considerando que são realizados tratamentos médicos e cirurgias em crianças intersexuais sem o seu consentimento prévio, pessoal, pleno e informado; e que as mutilações genitais de pessoas intersexuais podem ter consequências ao longo da vida, como traumas psicológicos e problemas físicos;

E.  Considerando que as pessoas intersexuais e as crianças intersexuais pertencentes a outros grupos minoritários e marginalizados são ainda mais marginalizadas e socialmente excluídas e estão expostas ao risco de violência e discriminação, devido às suas identidades cruzadas;

F.  Considerando que, na maioria dos Estados-Membros, pode efetuar-se uma cirurgia numa criança intersexual ou numa pessoa intersexual com deficiência, com o consentimento do seu tutor legal, independentemente da capacidade de a pessoa intersexual decidir por si própria;

G.  Considerando que, em muitos casos, os pais e/ou os tutores legais são fortemente pressionados a tomar decisões, sem serem plenamente informados sobre as consequências ao longo da vida para os seus filhos;

H.  Considerando que muitas pessoas intersexuais não têm pleno acesso aos seus registos médicos, ignorando, por conseguinte, que são intersexuais, ou não conhecem os tratamentos médicos a que foram submetidos;

I.  Considerando que as variações intersexuais continuam a ser classificadas como doenças, nomeadamente na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde, na ausência de provas que sustentem o êxito a longo prazo dos tratamentos;

J.  Considerando que algumas pessoas intersexuais não se identificarão com o género que lhes tiver sido medicamente atribuído à nascença; que o reconhecimento jurídico do género com base na autodeterminação só é possível em seis Estados-Membros; e que muitos Estados-Membros ainda exigem a esterilização para o reconhecimento jurídico do género;

K.  Considerando que a legislação contra a discriminação a nível da UE e na maioria dos Estados-Membros não inclui a discriminação com base nas características sexuais, quer sob a forma de uma categoria autónoma quer interpretada sob a forma de discriminação em razão do sexo;

L.  Considerando que muitas crianças intersexuais enfrentam violações dos direitos humanos e mutilações genitais na UE quando recebem tratamentos de normalização sexual;

1.  Regista a necessidade urgente de abordar o problema das violações dos direitos humanos das pessoas intersexuais e insta a Comissão e os Estados-Membros a proporem legislação para dar resposta a estas questões;

Medicalização e patologização

2.  Condena veementemente os tratamentos e as cirurgias de normalização sexual; congratula-se com a legislação que proíbe tais cirurgias, como acontece em Malta e em Portugal, e incentiva outros Estados-Membros a adotarem, o mais rapidamente possível, legislação semelhante;

3.  Salienta a necessidade de proporcionar aconselhamento e apoio adequados às crianças intersexuais, às pessoas intersexuais com deficiência e aos respetivos pais ou tutores, bem como de os informar na íntegra sobre as consequências dos tratamentos de normalização sexual;

4.  Insta a Comissão e os Estados-Membros a apoiarem as organizações que trabalham no sentido de quebrar o estigma associado às pessoas intersexuais;

5.  Insta a Comissão e os Estados-Membros a aumentarem o financiamento das organizações da sociedade civil de pessoas intersexuais;

6.  Insta os Estados-Membros a melhorarem o acesso das pessoas intersexuais aos seus registos médicos e a garantirem que ninguém seja submetido a tratamentos médicos ou cirúrgicos não necessários durante a infância, assegurando a integridade física, a autonomia e a autodeterminação das crianças em causa;

7.  Considera que a patologização das variações intersexuais compromete o pleno gozo do direito ao mais elevado nível de saúde possível das pessoas intersexuais, tal como consagrado na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança; insta os Estados-Membros a assegurarem a despatologização das pessoas intersexuais;

8.  Congratula-se com a despatologização, mesmo que parcial, das identidades transgénero no quadro da décima primeira revisão da CID (CID-11); observa, no entanto, que a categoria «incoerência de género» na infância patologiza os comportamentos de género não normativos na infância; insta, por conseguinte, os Estados-Membros a suprimirem esta categoria na CID-11 e a harmonizarem a futura revisão da CID com os respetivos sistemas nacionais de saúde;

Documentos de identidade

9.  Salienta a importância de procedimentos de registo de nascimento flexíveis; Congratula-se com as leis adotadas em alguns Estados-Membros que permitem o reconhecimento jurídico do género com base na autodeterminação; incentiva os demais Estados-Membros a adotarem legislação semelhante, incluindo procedimentos flexíveis para alterar os marcadores de género, desde que estes continuem a ser registados, bem como os nomes nas certidões de nascimento e documentos de identidade (incluindo a possibilidade de nomes neutros do ponto de vista do género);

Discriminação

10.  Lamenta a falta de reconhecimento das características sexuais como motivo de discriminação em toda a UE e, por conseguinte, salienta a importância deste critério para garantir o acesso à justiça das pessoas intersexuais;

11.  Insta a Comissão a reforçar o intercâmbio de boas práticas neste domínio; insta os Estados-Membros a adotarem a legislação necessária para proteger, respeitar e promover, de forma adequada, os direitos fundamentais das pessoas intersexuais, incluindo as crianças intersexuais, com uma proteção total contra a discriminação;

Sensibilização do público

12.  Insta todas as partes interessadas relevantes a que façam investigação sobre as pessoas intersexuais numa perspetiva sociológica e de direitos humanos, e não numa perspetiva médica;

13.  Insta a Comissão a certificar-se de que os fundos da UE não apoiem projetos de investigação ou do foro médico que contribuam ainda mais para as violações dos direitos humanos das pessoas intersexuais, no contexto das redes europeias de referência (RER); insta a Comissão e os Estados-Membros a apoiarem e a financiarem a investigação sobre a situação das pessoas intersexuais no domínio dos direitos humanos;

14.  Insta a Comissão a adotar uma abordagem holística e baseada nos direitos das pessoas intersexuais e a coordenar melhor o trabalho das suas Direções-Gerais da Justiça e dos Consumidores, da Educação, da Juventude, do Desporto e da Cultura e da Saúde e Segurança Alimentar, a fim de garantir a coerência das políticas e dos programas de apoio às pessoas intersexuais, incluindo a formação de funcionários do Estado e do corpo médico;

15.  Insta a Comissão a reforçar a dimensão intersexual na sua lista plurianual de medidas em favor das pessoas LGBTI para o período em curso e a encetar, desde já, a preparação de uma renovação desta estratégia para o próximo período plurianual (2019-2024);

16.  Insta a Comissão a facilitar a partilha das melhores práticas entre os Estados-Membros no tocante à defesa dos direitos humanos e da integridade física das pessoas intersexuais;

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17.  Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, aos governos e parlamentos dos Estados-Membros e à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.

 

Última actualização: 22 de Fevereiro de 2019
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