PROPOSTA DE RESOLUÇÃO sobre a reabertura do processo judicial contra o primeiro-ministro da República Checa por utilização indevida de fundos da UE e potenciais conflitos de interesses
15.6.2020 - (2019/2987(RSP))
nos termos do artigo 132.º, n.º 2, do Regimento
Monika Hohlmeier, Tomáš Zdechovský
em nome do Grupo PPE
Lara Wolters
em nome do Grupo S&D
Ramona Strugariu
em nome do Grupo Renew
Viola Von Cramon‑Taubadel
em nome do Grupo Verts/ALE
Veronika Vrecionová
em nome do Grupo ECR
Luke Ming Flanagan
em nome do Grupo GUE/NGL
B9‑0192/2020
Resolução do Parlamento Europeu sobre a reabertura do processo judicial contra o primeiro-ministro da República Checa por utilização indevida de fundos da UE e potenciais conflitos de interesses
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta o artigo 13.º, n.º 2, e o artigo 17.º, n.º 3, do Tratado da União Europeia (TUE),
– Tendo em conta as suas anteriores decisões e resoluções sobre a quitação à Comissão pelos exercícios de 2014, 2015 e 2018,
– Tendo em conta os inquéritos administrativos efetuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) sobre o projeto da República Checa conhecido por «Stork Nest», no âmbito dos quais foram detetadas «irregularidades graves»,
– Tendo em conta a missão de recolha de informações à República Checa realizada pela Comissão do Controlo Orçamental em 26 e 27 de março de 2014,
– Tendo em conta a sua resolução, de 13 de dezembro de 2018, sobre conflitos de interesses e proteção do orçamento da UE na República Checa[1],
– Tendo em conta a Lei checa n.º 159/2006, de 16 de março de 2006, relativa aos conflitos de interesses, cujo artigo 4.º, alínea c), entrou em vigor em fevereiro de 2017,
– Tendo em conta o Regulamento (UE, Euratom) n.º 2018/1046 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de julho de 2018, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União[2] (o novo «Regulamento Financeiro»), que entrou em vigor em 2 de agosto de 2018, nomeadamente o seu artigo 61.º,
– Tendo em conta os artigos 144.º e 145.º do Regulamento (UE) n.º 1303/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece disposições comuns relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão, ao Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, que estabelece disposições gerais relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas[3],
– Tendo em conta as perguntas e as queixas enviadas à Comissão sobre o potencial conflito de interesses na República Checa[4],
– Tendo em conta o parecer do Serviço Jurídico da Comissão, de 19 de novembro de 2018, intitulado «Impact of Article 61 of the new Financial Regulation (conflict of interests) on payments from the European Structural and Investment (ESI) Funds» (Impacto do artigo 61.º do novo Regulamento Financeiro (conflitos de interesses) sobre os pagamentos dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI)),
– Tendo em conta a conferência de imprensa de 4 de dezembro de 2019 do procurador‑geral sobre a reabertura do inquérito ao primeiro-ministro da República Checa pela utilização indevida de fundos da UE,
– Tendo em conta o seu debate na sessão plenária de 18 de dezembro de 2019 sobre os conflitos de interesses e a corrupção que afetam a proteção dos interesses financeiros da UE nos Estados-Membros,
– Tendo em conta o seu debate na sessão plenária de 15 de janeiro de 2020 sobre a reabertura do processo judicial contra o primeiro-ministro da República Checa pela utilização indevida de fundos da UE e potenciais conflitos de interesses,
– Tendo em conta a missão de recolha de informações à República Checa realizada pela Comissão do Controlo Orçamental de 26 a 28 de fevereiro de 2020,
– Tendo em conta a Decisão Pl. ÚS 4/17 do Tribunal Constitucional checo de 18 de fevereiro de 2020,
– Tendo em conta o artigo 132.º, n.º 2, do seu Regimento,
A. Considerando que a investigação criminal ao primeiro-ministro checo, Andrej Babiš, iniciado na sequência do relatório do OLAF sobre a utilização irregular das subvenções da UE destinadas às pequenas empresas e suspenso dois anos mais tarde, foi recentemente reaberto pelo procurador-geral checo; que, no âmbito do projeto «Stork Nest», a Agrofert criou artificialmente uma empresa de média dimensão, que ficou sob o seu controlo, a fim de obter fundos destinados a pequenas e médias empresas num total de cerca de 2 milhões de euros;
B. Considerando que o procurador-geral checo denunciou o abandono da investigação criminal, que qualificou de «ilegal e prematuro», uma vez que o direito da UE não foi tido em conta, acrescentando que o processo de atribuição de subvenções não foi objeto de controlos suficientes;
C. Considerando que o artigo 61.º, n.º 1, do Regulamento Financeiro (em conjugação com o artigo 61.º, n.º 3) estabelece:
a) uma obrigação negativa de os intervenientes financeiros evitarem situações de conflito de interesses relacionadas com o orçamento da UE;
b) uma obrigação positiva de os intervenientes financeiros tomarem medidas adequadas para prevenir o surgimento de conflitos de interesses nas funções da sua responsabilidade e para enfrentar as situações que possam objetivamente ser entendidas como conflitos de interesses;
D. Considerando que o artigo 63.º do Regulamento Financeiro requer que os Estados-Membros estabeleçam sistemas de gestão e controlo suscetíveis de prevenir conflitos de interesses, como imposto pelo artigo 36.º, n.º 3;
E. Considerando que, em fevereiro de 2017, a Lei checa n.º 159/2006 sobre conflitos de interesses foi alterada, passando a conter uma lista alargada de atividades proibidas, incluindo disposições que impedem determinadas empresas de participar em contratos públicos, mesmo como subcontratante, ou de receber subvenções; que esta lei tem por objetivo evitar conflitos de interesses em todas as suas formas;
F. Considerando que as regras aplicáveis aos contratos públicos obrigam os Estados-Membros a evitar conflitos de interesses (artigo 24.º da Diretiva 2014/24/UE[5]), incluindo interesses pessoais diretos ou indiretos, e que existem regras para resolver situações entendidas como conflitos de interesses, bem como obrigações específicas em matéria de gestão partilhada (por exemplo, o Regulamento (UE) n.º 1303/2013);
G. Considerando que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia[6], o conflito de interesses «constitui em si e objetivamente um disfuncionamento grave, sem que seja necessário ter em conta, para a sua qualificação, as intenções dos interessados e a sua boa ou má-fé»;
H. Considerando que a Comissão é obrigada a suspender os pagamentos de fundos da UE nos casos em que exista uma deficiência grave no funcionamento dos sistemas de gestão e controlo e no caso de virem à luz irregularidades graves não detetadas, não comunicadas e não corrigidas relacionadas com um conflito de interesses;
I. Considerando que a Agrofert é um conglomerado fundado pelo primeiro-ministro checo, composto por mais de 230 empresas e com mais de 34 000 trabalhadores (2017); que se constatou que Andrej Babiš é o beneficiário efetivo da Agrofert, a empresa que controla o grupo Agrofert, bem como de um certo número de importantes órgãos de comunicação social checos, através dos fundos fiduciários AB I e AB II, de que é fundador e, simultaneamente, único beneficiário; que, sempre que Andrej Babiš decide dissolver estes fundos fiduciários, recupera a plena posse de todos os ativos que detêm;
J. Considerando que, em janeiro e fevereiro de 2019, vários serviços da Comissão (DG REGIO/DG EMPL, DG AGRI (DG associada)) realizaram uma auditoria coordenada e exaustiva sobre a aplicação do direito da UE e do direito nacional; que uma auditoria em curso da AGRI examina alegados conflitos de interesses em relação ao ministro checo da Agricultura;
K. Considerando que, em novembro de 2019, a Comissão enviou às autoridades checas o relatório final de auditoria elaborado pela DG REGIO e pela DG EMPL, na sequência de alegações de conflitos de interesses na República Checa com base no artigo 61.º do Regulamento Financeiro, o qual foi alvo de fuga de informação para os meios de comunicação social checos;
L. Considerando que, em 16 de dezembro de 2019, a Comissão do Controlo Orçamental realizou uma reunião à porta fechada com o Comissário do Orçamento e Administração, Johannes Hahn;
M. Considerando que o Comissário Hahn informou a Comissão do Controlo Orçamental de que a Comissão só publicará as suas conclusões quando todos os elementos de prova tiverem sido devidamente tidos em conta e cuidadosamente analisados; que as autoridades checas apresentaram as suas respostas ao relatório final de auditoria da DG REGIO em 29 de maio de 2020;
N. Considerando que a auditoria da Comissão ainda está em curso e que, como medida cautelar e até que a situação seja clarificada, não estão a ser efetuados pagamentos a partir do orçamento da UE ao abrigo dos FEEI a empresas detidas direta ou indiretamente por Andrej Babiš que possam estar implicadas no alegado conflito de interesses;
O. Considerando que a Comissão não está a reembolsar as autoridades checas por pagamentos efetuados no âmbito do Fundo de Desenvolvimento Rural a favor de projetos do grupo Agrofert que possam ser afetados pelo alegado conflito de interesses;
P. Considerando que o Parlamento checo não tem qualquer controlo sobre eventuais concursos públicos, subvenções nacionais ou investimentos públicos apoiados pelo Estado de que o grupo Agrofert possa continuar a beneficiar;
Q. Considerando que o grupo Agrofert é proprietário de dois dos jornais diários checos mais importantes, Mladá fronta Dnes e Lidové Noviny, e controla a estação de televisão Óčko, bem como as estações de rádio Impuls e RockZone; que, de acordo com um relatório da Federação Europeia de Jornalistas, Andrej Babiš é proprietário de facto de 30 % dos meios de comunicação privados da República Checa[7];
R. Considerando que as receitas do grupo Agrofert aumentaram significativamente durante o mandato de Andrej Babiš e que, no mesmo período, o grupo Agrofert beneficiou de subvenções agrícolas da UE no montante total de 970 414 000 CZK em 2016, de 1 048 685 000 CZK em 2017 e de 973 284 000 CZK em 2018 apenas na República Checa; que o grupo Agrofert terá recebido, na República Checa, subvenções do Fundo de Coesão da UE no montante de 427 385 000 CZK durante o período de 2014-2020; que, muito provavelmente, o grupo Agrofert recebeu subvenções adicionais noutros Estados-Membros, como a Eslováquia e a Alemanha;
S. Considerando que, na Decisão Pl. ÚS 4/17, de fevereiro de 2020, o Tribunal Constitucional da República Checa negou provimento ao recurso interposto pelo Presidente da República Checa e por deputados do Parlamento checo sobre a revogação da lei checa que define conflitos de interesses dos funcionários públicos; que, na mesma decisão, o Tribunal Constitucional deixou claro que as eleições não devem ser utilizadas como meio para assumir o controlo do Estado com o objetivo de utilizar ou mesmo abusar das suas capacidades e recursos;
1. Acolhe com agrado a reabertura da investigação criminal ao primeiro-ministro checo pelo seu envolvimento no projeto «Stork Nest»; espera que o sistema judicial nacional conduza este processo com independência e sem qualquer influência política;
2. Condena qualquer situação que possa causar conflitos de interesses suscetíveis de comprometer a execução do orçamento da UE e de minar a confiança dos cidadãos da União na correta gestão do dinheiro dos contribuintes da UE;
3. Solicita à Comissão que, na sua qualidade de guardiã dos Tratados, lute contra todas as formas de conflitos de interesses e avalie as medidas preventivas tomadas pelos Estados-Membros para os evitar;
4. Insta a Comissão a dar prioridades à criação de um mecanismo de controlo para resolver a questão dos conflitos de interesses nos Estados-Membros e pôr em prática uma prevenção ativa dos conflitos de interesses, incluindo a identificação dos beneficiários finais das subvenções da UE;
5. Exorta a Comissão a assegurar uma política de tolerância zero em relação aos conflitos de interesses, a garantir a rápida recuperação de subvenções eventualmente pagas de forma irregular, respeitando o Estado de direito e os requisitos processuais, e a intervir de forma decisiva, especialmente quando as autoridades nacionais não ajam para evitar conflitos de interesses dos seus mais altos representantes;
6. Salienta que a legislação nacional em matéria de prevenção de conflitos de interesses deve ser compatível com a letra e o espírito do novo Regulamento Financeiro; solicita à Comissão que proponha orientações comuns para ajudar os Estados-Membros a evitar conflitos de interesses entre políticos de relevo;
7. Insta o Conselho e o Conselho Europeu a adotarem normas comuns sobre todas as questões relacionadas com os conflitos de interesses e a promoverem um entendimento comum da questão em todos os Estados-Membros;
8. Solicita à Comissão que, em caso de incumprimento das regras, tome medidas adequadas para proteger o orçamento da UE, incluindo medidas corretivas para recuperar todos os montantes ilegal ou ilegalmente pagos, se previsto;
9. Solicita a todos os Estados-Membros que intensifiquem os seus esforços para aumentar a transparência orçamental, garantindo que os dados pertinentes relativos aos procedimentos de contratação pública e à atribuição de contratos financiados por fundos públicos sejam fácil e gratuitamente acessíveis ao público em geral;
10. Manifesta-se preocupado com os relatórios provenientes de diferentes partes da UE sobre a crescente influência política exercida por políticos com interesses instalados, próximos do governo ou pertencentes ao governo, no processo legislativo e na utilização de fundos públicos, com o objetivo potencial de servir o interesse de certas pessoas e não do público em geral;
11. Lamenta o facto de o primeiro-ministro checo ter participado e continuar a participar ativamente na execução do orçamento da UE na República Checa na sua posição de primeiro-ministro (e antigo presidente do Conselho para os Fundos Europeus Estruturais e de Investimento), ao mesmo tempo que controla o grupo Agrofert como fundador e único beneficiário de dois fundos fiduciários, em violação do artigo 61.º, n.º 1, do Regulamento Financeiro, e põe em causa, por conseguinte, o exercício imparcial e objetivo das suas funções; manifesta profunda preocupação com recentes informações dos meios de comunicação social[8] segundo as quais o primeiro-ministro continua a exercer controlo sobre as decisões empresariais do grupo Agrofert;
12. Observa que recentes notícias dos meios de comunicação social parecem revelar que Andrej Babiš e a sua esposa continuam a figurar entre as seis pessoas ativas que exercem uma influência ou um controlo importantes sobre os administradores de um fundo fiduciário ligado à empresa filial da Agrofert no Reino Unido, GreenChem Solutions Ltd.;
13. Insiste em que um conflito de interesses ao mais alto nível do governo de um Estado‑Membro, se confirmado, não pode ser tolerado e deve ser resolvido pela(s) pessoa(s) em causa:
a) adotando medidas que garantam que essa pessoa deixe de ter interesses económicos ou outros abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 61.º do Regulamento Financeiro em relação a uma entidade empresarial;
b) garantindo que as entidades empresariais sob o seu controlo deixem de receber financiamento de fundos da UE, subvenções públicas ou financiamento atribuído pelo governo nacional;
c) abstendo-se de participar em decisões que afetem os seus interesses; salienta, contudo, que, à luz das funções e competências do primeiro-ministro e dos membros do seu governo, parece duvidoso que tal medida possa resolver adequadamente o conflito de interesses na prática, se as pessoas em causa continuarem a exercer as suas funções públicas, e que a renúncia ao serviço público constitui, por isso, uma forma mais adequada de resolver o conflito de interesses;
14. Solicita à Comissão que supervisione de forma rigorosa o processo de atribuição de pagamentos na República Checa, especialmente os pagamentos de fundos da UE a empresas detidas direta e indiretamente pelo primeiro-ministro ou por qualquer outro membro do governo que participe na execução do orçamento;
15. Exorta a Comissão a avaliar, sem demora injustificada, se os casos em que as empresas pertencentes ao grupo Agrofert continuam a receber subvenções do orçamento nacional cumprem as regras em matéria de auxílios estatais; assinala que estes casos podem comportar um risco de prejuízos financeiros e insta as autoridades nacionais a avaliar estas situações; considera que os contribuintes checos e da UE devem ser devidamente informados desta situação;
16. Manifesta profunda preocupação com informações[9] sobre a capacidade das empresas do grupo Agrofert de transferirem artificialmente ativos entre as suas filiais, de modo a satisfazer os critérios para a atribuição de subvenções a pequenas e médias empresas, ou, inversamente, de fundirem as suas operações, a fim de se apresentarem como uma grande empresa, vencendo assim concursos públicos;
17. Lamenta informações segundo as quais os auditores detetaram graves deficiências no funcionamento dos sistemas de gestão e de controlo no domínio dos fundos regionais e de coesão na República Checa, o que os levou a sugerir uma correção financeira de quase 20 %; insta a Comissão a avaliar de forma crítica se estes são casos de má utilização sistémica dos fundos da UE;
18. Manifesta preocupação com as perdas financeiras causadas por deficiências a nível dos organismos pagadores e dos organismos de controlo nacionais; insta, neste contexto, o Conselho a adotar urgentemente a proposta de regulamento relativo à proteção do orçamento da União em caso de deficiências generalizadas no que diz respeito ao Estado de direito nos Estados-Membros;
19. Está profundamente preocupado por o regime jurídico da República Checa recusar à instituição superior de auditoria nacional o direito de verificar a regularidade e o desempenho das despesas públicas a nível regional e local, impedindo assim este organismo de conhecer os beneficiários efetivos das complexas estruturas empresariais; lamenta as informações[10] segundo as quais o Tribunal de Contas não efetua controlos sistemáticos in loco dos beneficiários finais; manifesta preocupação com as observações depreciativas formuladas pelo primeiro-ministro checo sobre o trabalho do Tribunal de Contas checo;
20. Salienta que a composição politicamente desequilibrada do Conselho de Supervisão do Fundo Estatal de Intervenção Agrícola (SZIF) comporta o risco de influência política, o que compromete a sua capacidade para realizar auditorias independentes;
21. Manifesta preocupação com informações segundo as quais funcionários públicos[11] receberam instruções e foram pressionados no sentido de não investigar acusações de eventuais conflitos de interesses relacionadas com o grupo Agrofert e terão sido recebido ordens para avaliar propostas comerciais recebidas pela Agrofert; manifesta profunda preocupação face a informações segundo as quais os funcionários públicos sofreram consequências negativas, como o despedimento sob o pretexto da sistematização, depois de se recusarem a seguir estas ordens; salienta que estas medidas põem em causa a imparcialidade da administração pública e o exercício independente de funções públicas;
22. Lamenta a existência de indícios de deficiências sistémicas na deteção de conflitos de interesses; deplora que não existam controlos cruzados e que as responsabilidades divergentes fomentem estruturas opacas que dificultam a prevenção e a deteção eficazes de conflitos de interesses na República Checa; recorda que uma abordagem positivista, com base na qual os funcionários públicos são obrigados a apresentar autodeclarações de ausência de conflitos de interesses, não é suficiente para prevenir eficazmente situações de conflito de interesses; insta as autoridades checas a resolverem estas deficiências sistémicas sem demora, em particular exigindo uma declaração verificável de ausência de conflitos de interesses, em que os funcionários públicos forneçam uma lista dos seus interesses financeiros;
23. Lamenta que os fundos da UE afetados por correções financeiras relacionadas com irregularidades possam ser reutilizados sem quaisquer outras consequências ou restrições; considera que este sistema constitui uma ameaça para os interesses financeiros da UE; insta a Comissão a acompanhar de perto a reutilização dos fundos da UE e a ponderar o desenvolvimento de um sistema em que as correções sejam igualmente acompanhadas de restrições à sua utilização posterior;
24. Toma nota da decisão da Comissão, de 28 de novembro de 2019, de suspender os montantes pertinentes incluídos pelas autoridades checas nas suas declarações intercalares de despesas relativas ao programa de desenvolvimento rural da República Checa para o quarto trimestre de 2018 e o primeiro trimestre de 2019;
25. Observa que a Comissão confirmou que efetuou pagamentos no âmbito da política agrícola comum (PAC) relativos ao exercício de 2018 a empresas pertencentes ao grupo Agrofert, bem como a empresas com o mesmo beneficiário efetivo em vários outros Estados-Membros fora da República Checa; insiste em que a Comissão deve facultar à autoridade de quitação uma panorâmica completa e fiável de todos os pagamentos efetuados ao grupo Agrofert e às empresas com o mesmo beneficiário efetivo em todos os Estados-Membros relativos aos exercícios de 2018 e 2019;
26. Exorta as autoridades checas a assegurarem uma distribuição justa e equilibrada dos fundos da UE, de modo a que a grande maioria da população possa beneficiar do dinheiro dos contribuintes da UE, tanto no plano económico como social;
27. Manifesta preocupação com a aplicação inadequada da Diretiva (UE) 2015/849[12] e da Diretiva (UE) 2018/843[13] relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro para o branqueamento de capitais ou o financiamento do terrorismo (quarta e quinta Diretivas Branqueamento de Capitais); destaca a obrigação de transpor plena e corretamente ambas as diretivas e de assegurar que todas as disposições, incluindo as relativas à transparência dos beneficiários efetivos, sejam plenamente aplicadas;
28. Insta a unidade de análise financeira checa a adotar uma abordagem mais proativa no combate aos crimes fiscais, à fraude e à corrupção, bem como a garantir controlos eficazes dos beneficiários efetivos por parte das entidades responsáveis, com base nas normas relativas à luta contra o branqueamento de capitais;
29. Lamenta que a autorização, a distribuição e a auditoria dos fundos da UE em regime de gestão partilhada sejam processos complexos e opacos, em que apenas os Estados‑Membros têm pleno acesso aos dados, pelo que a Comissão não tem a possibilidade de transmitir ao Parlamento, em tempo oportuno, uma panorâmica global quando lhe são solicitadas informações sobre os pagamentos efetuados a determinados beneficiários em vários Estados-Membros; salienta que esta situação prejudica gravemente a eficiência e a capacidade da Comissão do Controlo Orçamental e do Tribunal de Contas Europeu para exercerem as suas funções de entidades de controlo;
30. Solicita à Comissão que, no pleno respeito do princípio da gestão partilhada, estabeleça meios uniformes e normalizados para que os Estados-Membros transmitam informações sobre os beneficiários finais dos fundos da UE; salienta que as informações sobre os beneficiários finais devem incluir a indicação dos beneficiários efetivos das empresas (pessoas singulares e coletivas); insta a Comissão a propor um regulamento para a criação de um sistema informático que permita às autoridades dos Estados-Membros prestar informações uniformes e normalizadas em tempo real, assegurando a interoperabilidade com os sistemas dos Estados-Membros, a fim de garantir maior transparência e cooperação entre a Comissão e os Estados-Membros, melhorar a prestação de contas no que se refere aos pagamentos e, em particular, contribuir para a deteção precoce de erros sistémicos e de utilização indevida;
31. Lamenta que nenhum dos regulamentos que regem a utilização dos fundos agrícolas ou de coesão imponha às autoridades nacionais a obrigação de publicar o beneficiário efetivo final de uma pessoa singular ou coletiva ou de um fundo fiduciário que beneficie dos fundos; solicita aos colegisladores que dediquem especial atenção a esta questão e que a abordem de forma exaustiva no momento de decidir sobre as futuras regras em matéria de transparência das subvenções da UE;
32. Insiste em que o registo dos beneficiários efetivos deve conter apenas informações plenamente verificadas sobre a(s) pessoa(s) que exerce(m) o controlo e deve ser totalmente acessível ao público;
33. Desaprova firmemente a criação e a instituição de estruturas oligarcas que se aproveitam dos fundos agrícolas e de coesão da UE, através das quais uma pequena minoria de beneficiários recebe a vasta maioria dos fundos da UE; insta a Comissão, em conjunto com os Estados-Membros, a desenvolver instrumentos jurídicos eficazes para garantir o respeito pelo Estado de direito e impedir o fomento de tais estruturas;
34. Reitera a sua preocupação com o facto de os casos de conflitos de interesses prejudicarem os objetivos da política de coesão e da PAC, que têm importantes dimensões económicas, sociais e ambientais, criando uma imagem negativa destas políticas;
35. Insta a Comissão a apresentar uma proposta que altere as regras da PAC com vista a uma afetação mais equitativa dos fundos da UE, a fim de assegurar que os fundos da PAC sejam atribuídos de forma equitativa aos agricultores ativos que cultivam o solo e não resultem em negócios de terrenos que beneficiem um grupo restrito de detentores de informação política privilegiada nem incentivem práticas abusivas nos leilões de privatização de terrenos pertencentes ao Estado; toma nota da proposta da Comissão relativa a um novo modelo de aplicação, que inclui a fixação de um limite máximo associada a um mecanismo de degressividade; considera, no entanto, que a fixação de um limite máximo, com a introdução prévia de uma compensação dos custos da mão de obra, é insuficiente para garantir uma afetação mais equitativa dos pagamentos diretos; apoia a ideia de um mecanismo de redistribuição obrigatória;
36. Toma nota de que, em muitos casos, os direitos de propriedade fundiária não estavam claramente definidos e de que os terrenos continuavam classificados como terrenos do Estado sob a supervisão do serviço para a propriedade fundiária do Estado, que tinha tendência para os alugar a grandes empresas agrícolas; reconhece os esforços das autoridades checas para identificar os legítimos proprietários até 2023; insiste em que o leilão de terrenos cujos legítimos proprietários não possam ser identificados deve ser realizado de forma equitativa, oferecendo aos pequenos e médios agricultores e aos jovens agricultores igualdade de oportunidades para a aquisição de terrenos;
37. Exorta a Comissão a apresentar uma proposta relativa a um montante máximo de pagamentos diretos por pessoa singular que seja beneficiária efetiva de uma ou de várias empresas, aplicando uma política de tolerância zero em relação às pessoas com um conflito de interesses; sublinha que não deve ser possível receber subvenções da UE de centenas de milhões de pessoas durante um único quadro financeiro plurianual (QFP);
38. Insiste em que os responsáveis pela utilização indevida de fundos da UE devem sofrer as consequências e, em caso de correções financeiras, os encargos não devem ser transferidos para os contribuintes nacionais; insta as autoridades nacionais checas a reclamarem as subvenções indevidamente pagas aos que deles beneficiaram ilegalmente; considera que, no próximo período de programação, deve ser introduzida uma condição favorável à utilização dos fundos da UE, que exija que a legislação nacional inclua disposições que obriguem os beneficiários responsáveis a restituir os fundos indevidamente solicitados;
39. Condena veementemente que, na sua conferência de imprensa, o primeiro-ministro tenha utilizado publicamente linguagem difamatória e de incitamento ao ódio contra os participantes na missão de recolha de informações de 26 a 28 de fevereiro de 2020; considera inaceitável que os deputados ao Parlamento Europeu que participaram na missão de recolha de informações da Comissão do Controlo Orçamental à República Checa tenham recebido ameaças de morte e outros ataques verbais no desempenho das suas funções de deputados ao Parlamento Europeu;
40. Solicita à Comissão do Controlo Orçamental que informe o Parlamento sobre eventuais conhecimentos relevantes adquiridos durante a sua missão de recolha de informações e que informe a Comissão e as autoridades competentes em conformidade;
41. Insta a Comissão a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para concluir os procedimentos de auditoria em curso sem demora injustificada e a publicar as suas conclusões assim que todos as provas tiverem sido devidamente avaliadas; exorta o Conselho e o Conselho Europeu a examinarem os resultados destas auditorias e a prestarem a devida atenção ao artigo 61.º do Regulamento Financeiro no que diz respeito às negociações relativas ao próximo QFP;
42. Exora a Comissão a assegurar o seguimento das alegações de conflitos de interesses não resolvidos noutros Estados-Membros;
43. Lamenta, mais uma vez, que tenham sido suspensos os relatórios por país num segundo Relatório Anticorrupção na UE elaborado pela Comissão (ARES (2017)455202); exorta a Comissão a apresentar de novo relatórios, num formato independente do Semestre Económico, sobre a situação da corrupção nos Estados-Membros, incluindo uma avaliação da eficácia dos esforços de combate à corrupção apoiados pela UE; reitera o seu apelo à Comissão para que não avalie os esforços de luta contra a corrupção apenas em termos de perdas económicas;
44. Salienta a importância de defender o Estado de direito, a separação de poderes, a independência do poder judicial e a independência e o pluralismo dos meios de comunicação social como condição prévia para a utilização eficaz dos financiamentos da UE;
45. Destaca a importância de meios de comunicação social públicos independentes, de jornalistas de investigação e de organizações não governamentais empenhadas em tornar o Estado de direito mais forte; sublinha, a este respeito, que o apoio da UE aos jornalistas independentes e às organizações da sociedade civil é fundamental, nomeadamente no contexto do próximo QFP; manifesta preocupação com a elevada concentração de meios de comunicação social privados nas mãos de muito poucos na República Checa;
46. Insta a Comissão a ter em conta as preocupações expressas na presente resolução quando supervisionar a situação no contexto do mecanismo do Estado de direito;
47. Exorta as autoridades checas a informarem o mais rapidamente possível as instituições da UE sobre o resultado da reabertura do inquérito «Stork Nest»;
48. Apela ao Conselho e ao Conselho Europeu para que tomem todas as medidas necessárias e adequadas para evitar conflitos de interesses no contexto das negociações sobre o futuro orçamento da UE e o próximo QFP, em consonância com o artigo 61.º, n.º 1, do Regulamento Financeiro;
49. Manifesta solidariedade para com o povo checo que pede equidade, justiça e a resolução da incompatibilidade entre os interesses económicos do primeiro-ministro checo e o seu papel e os seus poderes políticos;
50. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução à Comissão, ao Conselho e ao governo e parlamento da República Checa.
- [1] Textos aprovados, P8_TA(2018)0530.
- [2] JO L 193 de 30.7.2018, p. 1.
- [3] JO L 347 de 20.12.2013, p. 320.
- [4] https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/P-8-2019-001656_PT.html.
- [5] Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos (JO L 94 de 28.3.2014, p. 65).
- [6] Ismeri Europa contra Tribunal de Contas, acórdão de 15 de junho de 1999, processo T-277/97, ECLI:EU:T:1999:124.
- [7] https://europeanjournalists.org/wp-content/uploads/2019/10/Czech-Republic-fact-finding-mission.pdf.
- [8] https://www.seznamzpravy.cz/clanek/babis-mu-zadal-praci-pro-agrofert-ja-jen-splnil-pokyn-rika-exnamestek-90945; https://www.seznamzpravy.cz/clanek/soukromy-obchod-agrofertu-na-stole-premiera-poslete-odpoved-napsal-babis-90494; https://www.seznamzpravy.cz/clanek/dukazy-z-e-mailu-babis-kvuli-agrofertu-ukoluje-vladou-placene-experty-90815.
- [9] Informações recebidas da Associação da Agricultura Privada da República Checa durante a missão de recolha de informações de 26 a 28 de fevereiro de 2020.
- [10] Informações recebidas da instituição superior de auditoria nacional da República Checa durante a missão de recolha de informações de 26 a 28 de fevereiro de 2020.
- [11] Informações de funcionários públicos e de representantes de ONG, levadas ao conhecimento dos membros da missão de recolha de informações à República Checa de 26 a 28 de fevereiro de 2020.
- [12] Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo (JO L 141 de 5.6.2015, p. 73).
- [13] Diretiva (UE) 2018/843 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018, que altera a Diretiva (UE) 2015/849 relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo (JO L 156 de 19.6.2018, p. 43).