Proposta de resolução - B9-0119/2021Proposta de resolução
B9-0119/2021

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO sobre a situação humanitária e política no Iémen

8.2.2021 - (2021/2539(RSP))

apresentada na sequência de uma declaração do Vice-Presidente da Comissão / Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança
nos termos do artigo 132.º, n.º 2, do Regimento

Mick Wallace
em nome do Grupo The Left

Ver igualmente a proposta de resolução comum RC-B9-0119/2021

Processo : 2021/2539(RSP)
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B9-0119/2021
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B9-0119/2021
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B9-0119/2021

Resolução do Parlamento Europeu sobre a situação humanitária e política no Iémen

(2021/2539(RSP))

O Parlamento Europeu,

 Tendo em conta as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre o Iémen,

 Tendo em conta as declarações do Secretário-Geral da ONU sobre o Iémen, incluindo a sua declaração de 20 de novembro de 2020,

 Tendo em conta os relatórios, recomendações e declarações do Grupo de Destacados Peritos Internacionais e Regionais das Nações Unidas sobre o Iémen,

 Tendo em conta as conclusões do Conselho de 25 de junho de 2018 e 18 de fevereiro de 2019 sobre o Iémen,

 Tendo em conta a Posição Comum 2008/944/PESC do Conselho, de 8 de dezembro de 2008, que define regras comuns aplicáveis ao controlo das exportações de tecnologia e equipamento militares[1] e do Tratado sobre o Comércio de Armas de 24 de dezembro de 2014,

 Tendo em conta as declarações do Diretor Executivo do Programa Alimentar Mundial, David Beasley, incluindo a sua última declaração, de 14 de janeiro de 2021, dirigida ao Conselho de Segurança das Nações Unidas,

 Tendo em conta a Carta das Nações Unidas e os princípios de Direito Internacional Humanitário e Direitos Humanos,

 Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre a situação no Iémen,

 Tendo em conta a sua resolução, de 27 de fevereiro de 2014, sobre a utilização de veículos aéreos não tripulados armados[2],

 Tendo em conta o artigo 132.º, n.º 2, do seu Regimento,

A. Considerando que o Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários das Nações Unidas considera que a situação humanitária no Iémen é a pior do mundo; que, de um total estimado de 28,8 milhões de iemenitas, 24 milhões carecem de proteção ou assistência humanitária, incluindo 12,3 milhões de crianças; que estes números continuam a aumentar todos os anos desde o início da guerra;

B. Considerando que, de acordo com um relatório de 2019 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), entre março de 2015 e dezembro de 2019 morreram mais de 233 000 pessoas em consequência direta do conflito, e que surgiram 14 novas linhas da frente desde o início de 2020; que o Acordo de Estocolmo, assinado em dezembro de 2018, se destinava a pôr termo às hostilidades na zona do Mar Vermelho, incluindo Taiz e Hodeida, e a criar corredores seguros para a circulação de pessoas e abastecimentos; que as partes no conflito violam regularmente o acordo de cessar-fogo e estão envolvidas em hostilidades; que milhares de civis foram mortos no conflito desde a assinatura do acordo; que entre outubro e dezembro o número de vítimas infantis mais do que duplicou na província de Taiz, e que os números também aumentaram em Hodeida em comparação com o resto de 2020;

C. que há mais de 3,5 milhões de deslocados internos, número que torna esta movimentação no Iémen na quarta maior crise de deslocados a nível mundial;

D. Considerando que os protestos de 2010 e 2011 contra as reformas neoliberais no Iémen conduziram à destituição do Presidente Ali Abdullah Saleh, em 25 de fevereiro de 2012, e à imposição de um governo interino chefiado pelo Vice-Presidente de Saleh, Abd-Rabbu Mansour Hadi; que o governo de Hadi prosseguiu a implementação altamente impopular de ajustamentos estruturais, reformas definidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), privatizações, austeridade e financeirização da economia iemenita, num processo iniciado sob a chefia de Saleh e interrompido pelas revoltas de 2010 e 2011; que, durante o período de transição 2012-2014, a implementação dos programas de austeridade do Banco Mundial e do FMI provocou miséria e tumultos generalizados; que o governo de Hadi denunciou muitos contratos de arrendamento nos setores da agricultura, petróleo, gás e pescas para entregar esses ativos a empresas sauditas e do Catar, países aliados dos EUA;

E. Considerando que o governo de Hadi, com o apoio internacional dos EUA, da Arábia Saudita e do Catar, deu rédea livre a grupos armados ligados a ramificações da Irmandade Muçulmana; que estes grupos, bem como membros das unidades especiais do exército iemenita treinadas pelos EUA, combatentes estrangeiros e lealistas locais perseguiram e assassinaram líderes iemenitas que continuavam a opor-se ao projeto político e económico imposto por Hadi ao país; que estas ações, juntamente com a perceção generalizada de que Hadi estava a servir interesses estrangeiros, levando ao colapso do nível de vida e ao não cumprimento das exigências do movimento de 2010 e 2011, levaram à tomada de Saná e à prisão domiciliária de Hadi pelo grupo Ansar Allah no final de 2014;

F. Considerando que, em 21 de setembro de 2014, com o apoio do enviado da ONU ao Iémen, Jamal Benomar, o presidente interino Hadi assinou o Acordo de Paz e Parceria Nacional com o grupo Ansar Allah e com líderes de todos os principais partidos políticos; que este acordo dava prioridade à realização das eleições prometidas pela administração Obama e pelo Conselho de Cooperação do Golfo em 2012; que o Reino da Arábia Saudita se opôs a este passo para a partilha do poder no Iémen e decidiu inverter esta evolução;

G. Considerando que a atual guerra liderada pelos sauditas contra o Iémen começou em março de 2015 com a «Operação Tempestade Decisiva», rebatizada um mês mais tarde como «Operação Restauração da Esperança», e mergulhou o país numa profunda crise humanitária;

H. Considerando que a coligação liderada pela Arábia Saudita, que inclui também os Emirados Árabes Unidos (EAU), o Sudão, o Senegal, o Koweit, a Jordânia, o Egito e o Barém, e já incluiu o Catar (2015-2017) e Marrocos (2015-2019), é responsável pelo assassinato de dezenas de milhares de civis através de ataques aéreos e forças no terreno, incluindo mercenários; que o principal objetivo desta intervenção era repor o não eleito Abd-Rabbu Mansour Hadi no poder a qualquer custo; que esta intervenção constitui uma violação direta do artigo 2.º, n.º 4, da Carta das Nações Unidas; que a coligação cometeu graves violações do direito humanitário internacional que equivalem a crimes de guerra, incluindo ataques a zonas residenciais, mercados, hospitais, escolas, explorações agrícolas, instalações de produção alimentar e infraestruturas hídricas;

I. Considerando que a coligação impôs um bloqueio aos portos do Iémen e severas restrições ao tráfego aéreo, atacando repetidamente infraestruturas indispensáveis à sobrevivência da população civil, o que resultou numa fome generalizada; que o Aeroporto Internacional de Saná está encerrado aos voos comerciais há mais de quatro anos, o que significa que os iemenitas que vivem em regiões setentrionais do país não podem voar para o exterior, incluindo civis gravemente doentes que desde então não podem procurar tratamento para salvar as suas vidas; que o repetido encerramento do aeroporto para voos humanitários dificultou a circulação para o Iémen e dentro do país de pessoal humanitário, equipamento, provisões e abastecimentos essenciais; que a guerra económica resultou numa cíclica e dramática penúria de combustível desde fevereiro de 2019;  que os navios-tanque estão a ser impedidos de atracar e descarregar no porto de Al-Hodeida em resultado de uma disputa sobre a cobrança de direitos e taxas aduaneiras e a utilização das receitas resultantes deste combustível; que a penúria de combustível e gás perturba os serviços de eletricidade, água, saneamento e saúde e aumenta o custo dos produtos básicos; que, em resultado da penúria de combustível, as pessoas deslocadas e vulneráveis têm de lutar para chegar aos pontos de distribuição e serviços de acesso;

J. Considerando que a crise de segurança alimentar criada pelo conflito, e exacerbada pelo bloqueio e pelos ataques da coligação, é a maior em todo o mundo e que se estima que mata mais de uma centena de crianças por dia; que 13,5 milhões de pessoas sofrem de insegurança alimentar aguda e correm o risco de morrer de fome; que a classificação do grupo Ansar Allah pelo governo dos Estados Unidos como organização terrorista pode agravar esta situação;

K. Considerando que os centros de saúde não estão a funcionar e existem problemas crescentes com o abastecimento de água e o saneamento; que se registou um surto de cólera que é o maior da História recente e afeta mais de meio milhão de pessoas;

L. Considerando que os governos do Jibuti, da Eritreia e da Somália disponibilizaram o seu espaço aéreo e águas territoriais à coligação; que os Estados Unidos e o Reino Unido deram apoio logístico à coligação sob a forma de assistência na seleção aérea dos alvos, partilha de informações, assistência na aplicação do bloqueio, treino de tropas, abastecimento e manutenção de veículos e aeronaves e, tal como indicado numa carta da Casa Branca ao Congresso de junho de 2018, com a presença de tropas do exército americano no terreno;

M. Considerando que a presença no terreno de mercenários da empresa privada americana Academi (anteriormente conhecida como Blackwater) está documentada; que estes mercenários, oriundos na sua maioria da América Latina e do Corno de África, teriam sido alegadamente trazidos para o conflito pelos Emirados Árabes Unidos; que empregados da Blackwater foram anteriormente condenados por homicídio na sequência das atividades da empresa no Iraque;

N. Considerando que a anunciada decisão do Presidente americano Biden no que respeita à ajuda militar americana à Arábia Saudita na guerra travada sob liderança saudita no Iémen é um claro reconhecimento da longa intervenção militar e dos crimes cometidos pelos EUA no Iémen;

O. Considerando que os Estados-Membros da União Europeia estão entre os principais fornecedores de material militar para esta guerra, incluindo armas, equipamentos, munições, treino, manutenção e outros serviços; que os diferentes tipos de aeronaves utilizadas para os ataques aéreos, como o Eurofighter Typhoon e o Tornado, utilizados pela Arábia Saudita, são fabricados por um consórcio de várias empresas britânicas e da UE; que o Mirage 2000-9 utilizado pelos EAU é construído em França; que o MRTT 1330, utilizado pela Arábia Saudita e pelos EAU, é fabricado em Espanha e em França; que os navios sauditas utilizados para aplicar o bloqueio são, na sua maioria, fabricados na UE; que as tropas terrestres também utilizam material proveniente da UE, como o tanque francês Leclerc ou o blindado finlandês Patria AMV 8x8 para transporte de tropas;

P. Considerando que o Governo italiano anunciou que vai revogar as licenças de venda de bombas e mísseis às partes em conflito no Iémen; que esta decisão ainda não foi implementada;

Q. Considerando que a ONU e a UE impuseram um embargo de armas a determinados grupos que operam no Iémen; que esse embargo não foi imposto à Arábia Saudita, apesar dos apelos do Parlamento Europeu nesse sentido; que Estados-Membros da UE como a França e a Espanha continuam a figurar entre os principais fornecedores de armas à Arábia Saudita e aos EAU;

R. Considerando que a Posição Comum 2008/944/PESC e o Tratado sobre o Comércio de Armas estabelecem que os Estados-Membros exportadores devem recusar uma licença de exportação para tecnologia ou equipamento militar que possa ser utilizado para perpetrar violações graves do direito internacional;

S. Considerando que combatentes do grupo Ansar Allah têm estado envolvidos em graves violações, incluindo a utilização de minas terrestres e o bombardeamento de instalações civis;

T. Considerando que há relatos preocupantes de que o governo iraniano tem apoiado militar e financeiramente o grupo Ansar Allah;

U. Considerando que quantidades significativas de armas vendidas neste conflito pelos EUA, Canadá, Reino Unido, França, Alemanha, Suécia, Espanha e Bélgica foram confiscadas ou revendidas por tropas e mercenários sauditas e dos EAU a outras forças envolvidas no conflito, incluindo o grupo Ansar Allah;

V. Considerando que existem relatos de execuções extrajudiciais por todas as partes em conflito, bem como a negação de acesso humanitário, detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados, tortura, incluindo violência sexual, e outras formas de maus-tratos;

W. Considerando que o conflito e o vazio de segurança provocaram a expansão e consolidação da presença de grupos terroristas nos países, incluindo o Ansar al-Sharia, também conhecido como a Al-Qaeda na Península Arábica, e a chamada Província do Iémen do Estado Islâmico, que continuam a controlar pequenas partes do território;

X. Considerando que, no último ano, a guerra continuou a evoluir e tem havido uma violência crescente, incluindo um ataque aéreo da coligação à capital, Saná, e à província de Al-Jawf; que o grupo Ansar Allah continuou a expandir o seu controlo a norte e a leste; que o aumento dos combates na província de Al-Hudaydah desde novembro de 2020 provocou mais de 1.500 mortos, a destruição de centenas de casas e quintas e a deslocação de mais de 700 pessoas;

Y. Considerando que a Resolução 2140 (2014) do Conselho de Segurança das Nações Unidas impõe sanções específicas caso a caso a indivíduos ou entidades designados pelo Comité do Conselho de Segurança; que o Conselho reforçou estas sanções e visou pessoas e entidades não designadas pelo Comité; que os EUA ampliaram igualmente estas sanções, mais recentemente em dezembro de 2020, a fim de incluir mais cinco líderes do grupo Ansar Allah, uma iniciativa aplaudida pelo governo Hadi, apoiado pelos sauditas;

Z. Considerando que o governo dos EUA aprovou a designação do grupo Ansar Allah como organização terrorista em 19 de janeiro de 2021; que o impacto destas designações nos setores comercial e bancário e na capacidade de importar alimentos, combustíveis e medicamentos para este país são extremamente preocupantes; que tal designação ameaça dificultar e atrasar a prestação de ajuda e criar novos desafios jurídicos e de conformidade para as agências de ajuda; que o Presidente Biden dos EUA anunciou que esta designação será revertida;

AA. Considerando que as implicações geopolíticas da guerra são dos principais aspetos que servem para alimentar este conflito, uma vez que a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos procuram expandir a sua influência regional; que a localização geográfica do Iémen no estreito de Bab el-Mandeb, que liga o Mar Vermelho ao Golfo de Aden, é de importância estratégica em virtude da relevância das rotas marítimas que o usam e dos recursos energéticos aí existentes;

AB. Considerando que o Grupo de Peritos Eminentes sobre o Iémen recebeu informações substanciais que indicam que o governo chefiado por Hadi, as forças apoiadas pela coligação e o grupo Ansar Allah recrutaram ou alistaram crianças em unidades ou grupos armados e as utilizaram de forma ativa nas hostilidades; que mais de 3 150 crianças foram mortas desde o início da guerra; que 380 escolas foram bombardeadas, destruídas ou ocupadas por grupos armados desde 2015;

AC. Considerando que o apoio à reabilitação física e mental a longo prazo é inexistente no Iémen, o que significa que os sobreviventes terão de suportar estes impactos nos próximos anos; que se estima que 160 000 professores e funcionários escolares do Iémen não recebem com regularidade o seu salário desde 2016; que o futuro de gerações inteiras de crianças iemenitas está a ser comprometido;

AD. Considerando que, no Iémen, as mulheres são tradicionalmente muito vulneráveis a abusos, como o casamento de menores e a violência, visto que no país não existe uma idade legal mínima para o consentimento; que as mulheres têm menos acesso do que os homens a cuidados médicos, à posse de propriedade privada, à educação e à formação; que a sua situação tem sido agravada pelo conflito e pela recente pandemia de COVID-19, o que colocou mais mulheres em risco de violência baseada no género e mais raparigas em risco de casamento na infância que cerca de 30% das famílias deslocadas são chefiadas por mulheres; que já não existem medicamentos para muitas doenças crónicas e que o Iémen tem uma das mais elevadas taxas de mortalidade materna; que as grávidas e lactantes malnutridas têm maior probabilidade de contrair cólera e correm um maior risco de hemorragia, o que aumenta substancialmente o risco de complicações e de morte durante o parto;

AE. Considerando que o conflito em curso intensificou ainda mais os ataques contra defensores dos direitos humanos, jornalistas, advogados e ativistas no Iémen, que continuam a ser alvos e estão sujeitos a desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e outras formas de assédio e ataque pelas partes em conflito; que as mulheres defensoras dos direitos humanos no Iémen enfrentam formas agravadas de repressão;

AF. Considerando que a falta de financiamento do Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP) está a ameaçar a continuidade dos programas dedicados à violência baseada no género e que, consequentemente, 350 000 mulheres correm o risco de perder serviços de proteção especializados;

AG. Considerando que, desde o início do conflito, as mulheres têm estado totalmente ausentes dos processos de negociação, mas que, no entanto, continuam a ser fundamentais para encontrar uma solução duradoura para o conflito; que o governo não eleito, sedeado na e financiado pela Arábia Saudita, formado em dezembro de 2020, não inclui qualquer mulher pela primeira vez em mais de 20 anos;

AH. Considerando que se calcula que haja 283 000 refugiados no Iémen, 90% dos quais originários da Somália; que estas populações foram desproporcionadamente afetadas pela guerra e pela crise humanitária daí resultante e são repetidamente sujeitas a detenções arbitrárias e lhes é negado o acesso a qualquer tipo de serviços sociais;

AI. Considerando que o financiamento do Plano de Resposta Humanitária (PRH) diminuiu drasticamente em 2020, uma vez que apenas se receberam 50,1% dos 3,38 mil milhões de USD necessários para a resposta humanitária no Iémen; que uma lacuna no financiamento resultou numa redução da ajuda, com consequências dramáticas para as populações vulneráveis, uma vez que as crises alimentares e sanitárias exacerbam o impacto do conflito e alguns programas-chave foram interrompidos ou reduzidos; que a Conferência de Doadores do Iémen de 2021 se aproxima num momento que é crítico para reforçar o apoio financeiro internacional às pessoas afetadas pela crise;

AJ. Considerando que a economia iemenita caiu mais de 45% desde 2015; que ocorreram grandes choques na economia em resultado do bloqueio dos portos pela Arábia Saudita e outras medidas tomadas intencionalmente pelas partes em conflito, ainda agravadas pelas consequências da pandemia de COVID-19; que a depreciação do rial iemenita reduziu a capacidade de importação, o que tem graves consequências, uma vez que o Iémen importa 90 % dos alimentos de que necessita, para além da maior parte dos medicamentos e combustíveis; que, desde agosto de 2016, a maioria dos 1,25 milhões de funcionários públicos do Iémen – e cerca de 7 milhões de pessoas a seu cargo – ficou sem um rendimento regular;

AK. Considerando que não foram envidados esforços credíveis para garantir a responsabilização pelos crimes de guerra ou a indemnização das vítimas por qualquer das partes em conflito, e que a impunidade continua a alimentar novos abusos contra o povo iemenita;

1. Condena veementemente a violência em curso no Iémen e todos os ataques contra civis e infraestruturas civis, incluindo hospitais, escolas e sistemas de distribuição de água, que mergulharam o país na atual crise humanitária; recorda que estes ataques constituem uma grave violação do direito humanitário internacional e equivalem a crimes de guerra, exigindo que os seus autores sejam responsabilizados e as vítimas indemnizadas; manifesta a sua solidariedade para com as famílias das vítimas e os seus familiares próximos, bem como para com o povo do Iémen;

2. Condena a interferência estrangeira no Iémen sob a forma de ataques militares, ataques aéreos indiscriminados e a presença de tropas e mercenários estrangeiros no terreno; apela à retirada imediata de todas as forças estrangeiras, a fim de facilitar o diálogo político entre os iemenitas;

3. Condena com a maior veemência a transformação da economia iemenita numa economia de guerra pela coligação liderada pela Arábia Saudita; reconhece que a atual recessão económica é uma das principais razões para as carências humanitárias no Iémen; reitera que as partes em conflito devem cumprir as suas obrigações ao abrigo do direito internacional humanitário e abster-se de utilizar a fome de civis como método de guerra;

4. Lamenta as tentativas da Arábia Saudita e dos EAU para expandirem a sua influência na região, independentemente do custo em vidas humanas; recorda que os ataques da Arábia Saudita e dos EAU causaram um enorme sofrimento ao povo iemenita e são o principal fator subjacente à crise humanitária do país; condena as suas tentativas para dividir ainda mais os povos árabes e impor formas reacionárias de governo;

5. Exorta os Estados-Membros a respeitarem a Posição Comum 2008/944/CFSP do Conselho e a porem imediatamente termo à exportação de armas e material militar para a Arábia Saudita e os EAU, garantindo que tal não resulta numa perda de postos de trabalho na União Europeia, bem como pondo termo a todas as outras formas de cooperação militar; reitera o seu apelo ao Conselho para que imponha em toda a UE um embargo de armas à Arábia Saudita e aos EAU;

6. Condena o papel dos EUA no conflito, por ter promovido e participado ativamente em atos violentos; exorta os Estados-Membros a cessarem imediatamente qualquer forma de apoio técnico ou cooperação com as partes em conflito; exige que os EUA e os seus aliados, incluindo os Estados-Membros da UE, ponham termo a todo o apoio à guerra contra o Iémen, incluindo a venda de armas para o conflito, a partilha de informações, qualquer participação na aplicação do bloqueio, a assistência na determinação de alvos aéreos, o treino de tropas, a manutenção e reabastecimento e a reparação de veículos e aeronaves;

7. Manifesta a sua preocupação com a presença no país da Al-Qaeda na Península Arábica e do Daexe, bem como com os danos civis resultantes de ataques com aeronaves não tripuladas e ações no terreno executadas pelos EUA e que visam especificamente a Al-Qaeda na Península Arábica; recorda que estas organizações conseguiram conquistar territórios devido à situação criada pela guerra; condena todos os atos praticados por estas organizações terroristas;

8. Condena o bloqueio aos portos iemenitas e as restrições no espaço aéreo do país, e apela à Arábia Saudita e aos seus parceiros de coligação para que lhe ponham imediatamente termo; exorta a Arábia Saudita a garantir que todos os portos, incluindo os principais portos de Aden e Al-Hodeida, o aeroporto de Saná e as rotas terrestres para o país sejam mantidos abertos, a fim de permitir a entrada da tão necessária ajuda humanitária; exorta o grupo Ansar Allah a pôr termo a quaisquer ataques contra trabalhadores humanitários e a levantar as restrições e os obstáculos ao fluxo da ajuda humanitária nas zonas sob o seu controlo;

9. Exorta o Vice-Presidente da Comissão/Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (VP/AR) a apoiar as iniciativas do Enviado Especial das Nações Unidas para incluir as diferentes partes, a fim de criar uma solução a longo prazo para as importações de combustíveis e outros produtos comerciais, e assegurar-se de que as receitas provenientes dos portos são utilizadas para pagar os salários dos professores, dos profissionais da saúde e de outros trabalhadores do setor público;

10. Lamenta as dificuldades que os agentes humanitários enfrentam no país e recorda a todas as partes, e em particular à Arábia Saudita e aos seus parceiros da coligação, a obrigação de respeitarem o direito humanitário internacional, incluindo a proteção dos civis, de se absterem de tomarem como alvo infraestruturas civis e de garantirem às organizações humanitárias um acesso seguro e sem entraves ao país, independentemente dos progressos realizados nas conversações a nível político;

11. Lamento o fracasso de todos os esforços para promover o diálogo nacional; apoia os esforços do Enviado Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para o Iémen, Martin Griffiths, para fazer avançar o processo político e alcançar um cessar-fogo imediato a nível nacional; solicita que seja concedido ao Enviado Especial um acesso total e sem restrições a todo o território do Iémen; exorta o VP/AR e todos os Estados-Membros da UE a apoiarem politicamente Martin Griffiths, com vista à obtenção de um acordo mediante uma negociação política e inclusiva; solicita, para o efeito, ao Conselho dos Negócios Estrangeiros que reveja e atualize as suas mais recentes conclusões sobre o Iémen, de 18 de fevereiro de 2019, e reflita na atual situação no país;

12. Recorda que um cessar-fogo não pode ser utilizado como pretexto para impor o controlo estrangeiro de partes do Iémen ou manter uma presença militar estrangeira no país;

13. Apoia todas as medidas de reforço da confiança com as partes em conflito, dando especial atenção àquelas que têm capacidade para minorar imediatamente as necessidades humanitárias, como a reabertura do aeroporto de Saná, a retoma do pagamento de salários, a implementação de mecanismos que permitam o funcionamento sustentado dos portos marítimos, para agilizar as importações de combustível e alimentos, e os esforços para fornecer recursos ao Banco Central e lhe dar apoio; exorta, para o efeito, a União Europeia e todos os Estados-Membros a colaborarem de uma forma construtiva com as partes em conflito na prossecução deste objetivo;

14. Manifesta a sua profunda preocupação com as consequências humanitárias da designação do grupo Ansar Allah como organização terrorista estrangeira (FTO – Foreign Terrorist Organisation) e como entidade terrorista mundial especialmente designada (SDGT – Specially Designated Global Terrorist) pelo Governo dos Estados Unidos, medida que entrou em vigor em 19 de janeiro de 2021; exorta o Governo dos Estados Unidos a aplicar imediatamente a anunciada revogação desta designação como única forma eficaz para proteger os civis iemenitas do impacto humanitário potencialmente catastrófico que a designação irá causar, como salientado pelo Secretário-Geral Adjunto das Nações Unidas para os Assuntos Humanitários em 14 de janeiro de 2021;

15. Está convicto de que qualquer solução a longo prazo deve ter em conta as causas subjacentes da pobreza e instabilidade no país e também dar resposta plena às legítimas reivindicações e aspirações do povo iemenita; reafirma o seu apoio a todos os esforços políticos pacíficos que visem proteger a soberania, a independência e a integridade territorial do Iémen;

16. Denuncia a falta de atenção da comunidade internacional perante a catástrofe humanitária no Iémen; lamenta profundamente que os meios de comunicação social ignorem os vários crimes de guerra que são cometidos no Iémen, o que significa que as consequências trágicas de uma guerra apoiada pelos EUA e pelos Estados-Membros da UE são em grande medida desconhecidas do público em geral;

17. Condena a conivência e a cumplicidade da UE com os regimes reacionários da região; critica veementemente o papel desempenhado pelas diversas intervenções ocidentais nos últimos anos, que exacerbaram os conflitos na região; declara que não pode haver uma solução militar para os conflitos na região; rejeita a utilização do conceito de «responsabilidade de proteger», também utilizada como pretexto por diferentes partes no conflito no Iémen, visto que contraria o Direito Internacional e não constitui uma base jurídica adequada para justificar o uso unilateral da força;

18. Solicita às partes no conflito que tomem todas as medidas necessárias para prevenir e combater todas as formas de violência contra a população civil, incluindo a violência sexual e a violência baseada no género; condena veementemente as violações dos direitos das crianças; manifesta profunda apreensão quanto aos relatos de utilização de crianças-soldados e quanto ao acesso limitado das crianças a cuidados de saúde e educação básicos; solicita a libertação imediata de todos os presos detidos arbitrariamente;

19. Exorta os Estados Unidos a incluírem a Arábia Saudita e os EAU na sua lista anual da Lei de Prevenção de Crianças‑Soldados; condena que o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, tenha retirado em junho de 2020 da lista negra anual de homicídio infantil das Nações Unidas a coligação militar liderada pela Arábia Saudita e EAU; apela à inclusão dos Estados Unidos e do Reino Unido na lista negra de homicídio infantil das Nações Unidas pelo seu papel na campanha de bombardeamento do Iémen;

20. Exorta a que os responsáveis por violações ou abusos dos direitos humanos ou violações do direito internacional humanitário sejam responsabilizados pelos seus atos e indemnizadas as vítimas civis; exorta o VP/AR e os Estados-Membros a tomarem medidas eficazes para apoiarem a criação de um organismo de investigação centrado nos crimes cometidos, remeterem a situação no Iémen para o Tribunal Penal Internacional para análise e apoiarem os esforços no sentido de proporcionar indemnizações credíveis por violações do direito internacional no Iémen, nomeadamente por parte de Estados que tenham participado, assistido ou ajudado em atos ilegais, nomeadamente através do fornecimento de armas e apoio militar;

21. Salienta que a Resolução 2201 de 2015 do Conselho de Segurança das Nações Unidas tem pouca ou nenhuma relação com a atual situação no terreno no Iémen; observa, em particular, que o grupo Ansar Allah já não é um grupo rebelde do norte sem território, mas depende atualmente do apoio público e controla as zonas onde vive 70 % da população; exorta o VP/AR e os Estados-Membros a colaborarem com outros Estados-Membros das Nações Unidas na elaboração e apoio a uma nova resolução no Conselho de Segurança das Nações Unidas que reflita a realidade atual da guerra no Iémen e destaque a importância da responsabilização, incluindo a justiça penal e as indemnizações, para se concretizar uma solução política sustentável;

22. Exorta todos os Estados-Membros das Nações Unidas a respeitarem a soberania do Iémen, absterem-se de interferir nos assuntos do povo iemenita, permitirem que o povo do Iémen decida o seu próprio futuro, sem influência da coligação liderada pela Arábia Saudita e EAU, e reconhecerem que não pode ser estabelecida uma paz duradoura no Iémen enquanto persistir a interferência estrangeira;

23. Condena o cada vez maior papel de Israel no conflito iemenita, e em particular a criação ilegal de uma base de recolha de informações israelita e dos EAU na ilha iemenita de Socotra, atualmente sob ocupação; exorta a ONU a investigar alegações de funcionários iemenitas de que a administração israelita, em colaboração com os EAU, está a explorar os recursos naturais da ilha de Socotra; apela às Nações Unidas, à luz destas infrações, para que garanta o estabelecimento de salvaguardas para proteger este remoto arquipélago do Mar Arábico, candidato ao reconhecimento pela UNESCO como sítio do património natural mundial pela sua biodiversidade e beleza natural;

24. Apela a todas as partes em conflito para que ponham termo ao recrutamento e/ou utilização de crianças como soldados e a outras violações graves contra elas cometidas, em violação do direito e das normas internacionais aplicáveis; exorta todas as partes a libertarem as crianças que já foram recrutadas e a cooperarem com as Nações Unidas na reabilitação e reintegração destas crianças nas suas comunidades;

25. Exorta a União Europeia e todos os Estados-Membros a comprometerem-se com um financiamento plurianual adequado e flexível para uma resposta humanitária no Iémen; lamenta que o défice de financiamento do Iémen tenha aumentado para 50 % no ano anterior; recorda que os debates sobre a questão do financiamento da resposta humanitária devem ter como ponto de partida a dimensão e a gravidade da crise humanitária no Iémen, e em particular o agravamento da situação em matéria de segurança alimentar; exorta a UE e todos os Estados-Membros a assegurarem também um financiamento adequado das agências e organizações das Nações Unidas que prestam serviços vitais no Iémen, incluindo programas destinados a ajudar as pessoas deslocadas internamente, as crianças em situação de vulnerabilidade e as mulheres e raparigas vítimas de violência baseada no género; insta a UE e todos os Estados-Membros a continuarem a apoiar o mandato do Grupo de Destacados Peritos Internacionais e Regionais das Nações Unidas sobre o Iémen, nomeadamente disponibilizando recursos suficientes para que este prossiga o seu trabalho para documentar e denunciar ao Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas as violações do direito internacional no Iémen;

26. Condena o recurso crescente a veículos aéreos não tripulados para a realização de operações extraterritoriais por parte dos EUA durante a administração Obama e o seu drástico aumento durante a administração Trump; opõe-se firmemente à utilização de veículos aéreos não tripulados em execuções extrajudiciais e extraterritoriais; exige a proibição do uso de veículos aéreos não tripulados para estes fins, nos termos da sua resolução de 27 de fevereiro de 2014 sobre a utilização de veículos aéreos não tripulados, nomeadamente no n.º 2, alíneas a) e b), em que se exorta o VP/AR, os Estados-Membros e o Conselho a «oporem-se e a proibirem a prática das execuções extrajudiciais de alvos específicos» e a «garantirem que os Estados-Membros, em conformidade com as suas obrigações jurídicas, não realizem operações ilegais de assassínio de alvos específicos nem facilitem a realização de tais operações por outros Estados»;

27. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, ao Serviço Europeu para a Ação Externa, aos Governos e Parlamentos dos Estados-Membros, ao Governo do Iémen, aos membros do Conselho de Cooperação do Golfo, ao Conselho de Segurança da ONU, à Assembleia-Geral da ONU, ao Conselho dos Direitos Humanos da ONU e ao Grupo de Destacados Peritos Independentes Regionais e Internacionais da ONU sobre o Iémen.

 

Última actualização: 10 de Fevereiro de 2021
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