PROPOSTA DE RESOLUÇÃO sobre a situação na Nicarágua
8.12.2021 - (2021/3000(RSP))
nos termos do artigo 132.º, n.º 2, do Regimento
Manu Pineda
em nome do Grupo The Left
B9‑0582/2021
Resolução do Parlamento Europeu sobre a situação na Nicarágua
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta a Constituição da República da Nicarágua,
– Tendo em conta a Carta das Nações Unidas e, em particular, o seu Capítulo 1, artigo 1.º, n.º 2, que afirma que o seu objetivo é «desenvolver relações de amizade entre as nações baseadas no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos»,
– Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948,
– Tendo em conta a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961,
– Tendo em conta o relatório anual da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre a situação na Nicarágua,
– Tendo em conta o artigo 1.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o artigo 1.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, que afirmam que «todos os povos têm o direito à autodeterminação» e que «em virtude deste direito, estabelecem livremente a sua condição política e, desse modo, providenciam o seu desenvolvimento económico, social e cultural»,
– Tendo em conta o Acordo que cria uma Associação entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a América Central, por outro[1], assinado em 29 de junho de 2012, que tem o diálogo político como um dos seus três pilares principais,
– Tendo em conta o artigo 132.º, n.º 2, do seu Regimento,
A. Considerando que, em conformidade com as suas próprias leis e procedimentos constitucionais, a Nicarágua realizou eleições gerais em 7 de novembro de 2021, que incluíram as eleições presidenciais, as eleições para a Assembleia Nacional e as eleições para o Parlamento Centro‑americano;
B. Considerando que seis candidatos se apresentaram às eleições presidenciais; que, de acordo com o Conselho Eleitoral Supremo da Nicarágua, Daniel Ortega obteve o maior número de votos com 75,9 % dos votos expressos e, por conseguinte, ganhou as eleições; que Walter Espinoza obteve 14,2 % dos votos, Guillermo Osorno 3,3 %, Marcelo Montiel 3,2 %, Gerson Gutiérrez 1,8 % e Mauricio Orué 1,7 %; que a taxa de participação nas eleições presidenciais foi de 65,3 %;
C. Considerando que sete partidos e coligações participaram nas eleições para a Assembleia Nacional, tendo todos eles obtido assento; que a Frente Sandinista de Liberación Nacional obteve um total de 75 assentos, o Partido Liberal Constitucionalista obteve 9, a Alianza Liberal Nicaragüense obteve 2, o Partido Liberal Independiente obteve 1, a Alianza por la República obteve 1, o Camino Cristiano Nicaragüense obteve 1, e o YATAMA obteve 1;
D. Considerando que Cristiana Chamorro, que tinha anunciado a sua candidatura às eleições presidenciais, está em prisão domiciliária desde 2 de junho de 2021, após ter sido acusada de branqueamento de capitais durante o seu mandato como diretora da Fundação Violeta Barrios de Chamorro;
E. Considerando que Arturo Cruz foi detido em 5 de junho de 2021; que o líder do grupo da oposição Unidad Nacional Azul y Blanco, Félix Maradiaga, foi detido em 8 de junho de 2021; que Juan Sebastián Chamorro também foi detido em 8 de junho de 2021; que todos tinham anunciado a sua intenção de se candidatarem à presidência nas próximas eleições gerais; que foram detidos com base na Lei n.º 1055/2020, que proíbe quaisquer ações contra a independência, a soberania e a autodeterminação da Nicarágua; que o líder e outros membros do partido Unamos foram igualmente detidos; que, devido à sua detenção, a maior parte destas pessoas foi impedida de registar a sua candidatura às eleições; que o tribunal ainda não proferiu sentença;
F. Considerando que a Frente Sandinista de Liberación Nacional obteve 15 dos assentos da Nicarágua no Parlamento Centro‑Americano, o Partido Liberal Constitucionalista obteve 2, o Partido Liberal Independiente obteve 1, a Alianza Liberal Nicaragüense obteve 1 e a Alianza por la República obteve 1;
G. Considerando que a Nicarágua introduziu uma reforma eleitoral em maio de 2021; que essa reforma visa introduzir, nomeadamente, medidas destinadas a assegurar a participação das mulheres como candidatas, a disponibilidade de toda a informação e documentação relacionadas com o processo eleitoral nas línguas indígenas, a introdução de secções de voto em zonas remotas e a regulamentação da presença de representantes partidários nas secções de voto; que, em maio de 2021, a Assembleia Nacional da Nicarágua elegeu um novo Conselho Eleitoral Supremo; que este inclui representantes nomeados por todos os partidos representados no Parlamento, tem uma maioria de mulheres entre os seus membros e inclui representantes de comunidades afrodescendentes e indígenas;
H. Considerando que a UE, numa declaração do Vice‑Presidente da Comissão / Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (VP/AR), não reconheceu a legitimidade das eleições; que vários países e fóruns multilaterais adotaram posições diferentes relativamente ao processo eleitoral; que a Organização dos Estados Americanos adotou uma resolução em que afirma que as eleições na Nicarágua careciam de legitimidade democrática; que esta resolução desencadeou a decisão da Nicarágua de se retirar da OEA, declarando que se trata apenas do último exemplo da transformação dessa organização num instrumento intervencionista;
I. Considerando que tanto a UE como os EUA impuseram medidas coercivas unilaterais, como sanções, à Nicarágua; que, em 11 de outubro, a UE prorrogou as suas sanções por mais um ano, antes das eleições gerais; que a administração dos EUA reforçou as suas sanções em 15 de novembro, na sequência das eleições; que os peritos das Nações Unidas em matéria de direitos humanos apelaram ao levantamento das sanções no contexto da pandemia de COVID‑19, uma vez que prejudicaram o acesso dos países a que são impostas ao mercado internacional de medicamentos e de outros equipamentos essenciais;
J. Considerando que a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos comunicou 117 casos de assédio, intimidação e ameaças contra ativistas políticos e membros de várias organizações sociais desde 1 de agosto de 2019;
K. Considerando que a localização interoceânica da Nicarágua faz com que o país tenha uma posição estratégica na América Central; que a construção de um canal entre o oceano Pacífico e o oceano Atlântico foi anunciada em dezembro de 2014, em colaboração com a empresa chinesa HKND Group; que o projeto foi cancelado em 2018;
L. Considerando que o programa de assistência reativa na Nicarágua da USAID está em curso desde 2018 e inclui nos seus objetivos a promoção de uma economia de mercado para o país e a proteção da propriedade privada, bem como o apoio a organizações e líderes da oposição; que a USAID financiou a Fundação Violeta Barrios de Chamorro com mais de 7 milhões de USD entre 2014 e 2021; que essa Fundação financia vários meios de comunicação social privados controlados pela família Chamorro, bem como outras organizações próximas de alguns grupos da oposição; que outras organizações da oposição ou ligadas à oposição receberam mais de 3 milhões de USD de financiamento durante o mesmo período; que a Fundação Violeta Barrios de Chamorro cessou as suas atividades em fevereiro de 2021, após a Nicarágua ter aprovado uma lei que a obrigava a declarar o seu financiamento estrangeiro;
M. Considerando que, entre 2016 e 2019, a Fundação Nacional para a Democracia dos EUA disponibilizou mais de 4,4 milhões de USD a grupos da oposição;
N. Considerando que os meios de comunicação social financiados pela USAID incluem o canal de televisão 100% Noticias, dirigido por Miguel Mora, que apelou repetidamente a uma intervenção militar dos EUA na Nicarágua para derrubar o governo; que esse pedido foi reiterado por outros meios de comunicação social com financiamento estrangeiro;
O. Considerando que, em novembro de 2020, os furacões Eta e Iota atingiram a Nicarágua com consequências devastadoras para a população; que as infraestruturas essenciais que foram destruídas, como o abastecimento de água, estão agora a ser reconstruídas; que a população da costa das Caraíbas, a região mais afetada, sofreu consequências duradouras e ainda necessita de assistência; que a UE aumentou o seu financiamento para a região da América Central em 5 milhões de EUR, a fim de fazer face às consequências dos furacões Eta e Iota na Nicarágua, nas Honduras, na Guatemala e em Salvador;
P. Considerando que, apesar do seu reduzido contributo para as alterações climáticas, a Nicarágua pode vir a ser um dos países mais afetados devido à sua posição geográfica e às suas características; que a Nicarágua já investiu fortemente na adaptação e na atenuação do seu impacto carbónico, nomeadamente através de uma maior utilização de energias renováveis ao longo da última década, que representam atualmente 76 % do consumo de energia do país;
Q. Considerando que o triunfo da Revolução Sandinista resultou na concessão de cuidados de saúde gratuitos a todos os nicaraguenses; que, desde que a Frente Sandinista de Liberación Nacional assumiu o governo pela segunda vez em 2007, a Nicarágua criou uma rede de hospitais públicos acessíveis a toda a população, o que resultou numa diminuição de 58 % da taxa de mortalidade infantil; que, desde 2007, a educação é gratuita e acessível a todos os nicaraguenses; que, durante esse período, a taxa de pobreza da população nicaraguense passou de 48 % para 29 %, e que a pobreza extrema diminuiu de 20 % para 6 %;
1. Toma nota dos resultados das eleições gerais de 7 de novembro;
2. Recorda que o povo da Nicarágua tem o direito de conduzir os seus próprios assuntos sem ingerência estrangeira e em conformidade com o direito internacional;
3. Espera que o sistema judicial nicaraguense julgue prontamente Cristiana Chamorro, Arturo Cruz, Félix Maradiaga e Juan Sebastián Chamorro em conformidade com a legislação nicaraguense e as normas internacionais;
4. Regista com preocupação a declaração da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre a deterioração da situação dos direitos humanos e o seu eventual impacto sobre o exercício dos direitos políticos do povo da Nicarágua; manifesta preocupação relativamente à atual situação no país, insta todos os intervenientes envolvidos a absterem‑se de recorrer à violência e apela a uma política de diálogo entre os diferentes intervenientes sociais e políticos para resolver a situação; solicita às autoridades competentes que apurem responsabilidades e respeitem o direito nacional e internacional;
5. Solicita que as sanções contra a Nicarágua sejam levantadas em conformidade com as recomendações das Nações Unidas; salienta que a política de sanções contra a Nicarágua constitui uma violação dos direitos de toda a população nicaraguense, nomeadamente do seu direito à saúde, e contribuiu para polarizar e inflamar ainda mais a situação política no país; condena a decisão da administração norte‑americana de reforçar as suas medidas coercivas;
6. Insta o VP/AR e os Estados‑Membros a encetarem um diálogo construtivo com o Governo da Nicarágua e a basearem as suas relações bilaterais no direito internacional e nos direitos humanos; salienta que relações mutuamente benéficas entre a UE e a Nicarágua podem ter um impacto positivo em muitos aspetos, nomeadamente na concretização da Agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável;
7. Manifesta preocupação relativamente às consequências particularmente dramáticas das alterações climáticas na Nicarágua, tendo em conta as suas características geográficas, nomeadamente devido ao aumento de fenómenos meteorológicos extremos, como os furacões Eta e Iota; recorda que foram os países mais ricos e mais desenvolvidos quem mais contribuiu para a atual emergência climática e, por conseguinte, têm responsabilidades para com os países como a Nicarágua, que estão a sofrer as consequências mais graves dessa emergência; solicita que a UE e os Estados‑Membros adotem uma abordagem de justiça climática quando elaboram políticas em domínios pertinentes e tomem medidas em fóruns relevantes, como a Convenção‑Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas;
8. Exorta o Governo da Nicarágua a despenalizar o aborto e a garantir os direitos sexuais e reprodutivos de toda a sua população;
9. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, ao Vice‑Presidente da Comissão/Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, aos parlamentos e governos dos Estados‑Membros, ao Governo da Nicarágua, à Assembleia Parlamentar Euro‑Latino‑Americana e aos organismos regionais latino‑americanos, nomeadamente a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América e a Comunidade de Estados Latino‑Americanos e Caribenhos.
- [1] JO L 346 de 15.12.2012, p. 3.