Presidente. – Segue-se na ordem do dia a discussão conjunta:
- da proposta de resolução B5-0172/2003 dos deputados Karamanou, Gröner, Ghilardotti, Prets, Veltroni e Swoboda, em nome do Grupo PSE, sobre o caso de Amina Lawal, de nacionalidade nigeriana, condenada à morte por lapidação na Nigéria;
- da proposta de resolução B5-0175/2003 dos deputados Maes, Rod e Lucas, em nome do Grupo Verts/ALE, sobre o caso de Amina Lawal, de nacionalidade nigeriana, condenada à morte por lapidação na Nigéria;
- da proposta de resolução B5-0179/2003 dos deputados McCartin, Posselt, Sacrédeus e Scallon, em nome do Grupo PPE-DE, sobre o caso de Amina Lawal, de nacionalidade nigeriana, condenada à morte por lapidação na Nigéria;
- da proposta de resolução B5-0182/2003 dos deputados Ainardi, Eriksson, Morgantini, Fraisse, Uca e Figueiredo, em nome do Grupo GUE/NGL, sobre o caso de Amina Lawal, de nacionalidade nigeriana, condenada à morte por lapidação na Nigéria;
- da proposta de resolução B5-0183/2003 dos deputados Collins e Muscardini, em nome do Grupo UEN, sobre o caso de Amina Lawal, de nacionalidade nigeriana, condenada à morte por lapidação na Nigéria;
- da proposta de resolução B5-0184/2003 dos deputados Sanders-ten Holte e van den Bos, em nome do Grupo ELDR, sobre o caso de Amina Lawal, de nacionalidade nigeriana, condenada à morte por lapidação na Nigéria.
Karamanou (PSE). – (EL) Senhor Presidente, Senhor Comissário, a questão das mulheres condenadas à morte por lapidação na Nigéria, que tanto indignou a opinião pública mundial, foi debatida aqui nesta Assembleia no passado mês de Setembro. No entanto, Senhor Comissário, a nossa voz foi como um grito no deserto.
Amina Lawal, essa mulher infeliz que cometeu o terrível crime de acreditar que tinha o direito de dispor do seu próprio corpo, vai ter de comparecer perante o Tribunal de Recurso da Xária no dia 25 Março. Segundo a lei islâmica, é culpada de traição. Com é que no século XXI pode acontecer uma situação destas e ser ignorada pelas grandes potências do planeta? Lamento que o Comissário não me esteja a ouvir. Senhor Comissário, como é possível que as liberdades e os direitos fundamentais das mulheres sejam violados de forma tão violenta e tão grosseira e que toda esta questão seja abandonada ao sabor da pressão das organizações de mulheres, da opinião pública e dos meios de comunicação social? O que fez a liderança política da União Europeia, a Comissão e o Conselho? Que sanções impuseram à Nigéria, um país com o qual mantemos relações económicas e comerciais? Para que servem as cláusulas sobre o respeito pelos direitos humanos das mulheres incluídas no Acordo de Cotonu, Senhor Comissário, se não há sanções? Afinal o regime que vigora na Nigéria é democrático e laico ou é uma teocracia? Este país tem um governo ou é dirigido pelos mulás?
Presidente. – Senhora Deputada Anna Karamanou, eu não sei se o senhor Comissário Franz Fischler também percebe grego. Faço esta observação porque vejo que ele não pôs os auscultadores.
Karamanou (PSE). – (EL) Senhor Presidente, estou quase a terminar a minha intervenção. O Senhor Comissário não ouviu uma palavra do que eu disse e por isso não vai poder responder às minhas perguntas. De facto, a minha intervenção é composta por uma série de perguntas dirigidas aos líderes europeus, que não fizeram absolutamente nada para pôr termo aos crimes que estão a ser cometidos contra as mulheres na Nigéria. A Nigéria é parte signatária do Acordo de Cotonu, o qual contém cláusulas sobre o respeito dos direitos humanos e dos direitos das mulheres, mas para a Comissão isso não importa. Os líderes políticos não fizeram absolutamente nada e toda esta questão foi deixada ao sabor da militância das organizações de mulheres e dos meios de comunicação social, isto é, da pressão da opinião pública mundial. É verdade que essa pressão é muito forte e produz resultados mas, em última análise, a liderança política europeia também tem de fazer alguma coisa e insistir com o Governo nigeriano para que cumpra com as suas obrigações e proteja os direitos das mulheres na Nigéria.
Queria ainda dizer-lhe o seguinte, Senhor Comissário: afinal, o que é a Nigéria? Um regime democrático, um regime laico ou uma teocracia? Porque no dia 25 de Março, o processo de Amina Lawal vai ser presente ao tribunal de recurso da Xária. Estamos profundamente preocupados. Não sabemos o que está a acontecer na Nigéria. Há três anos, celebrámos o regresso da democracia à Nigéria e o novo governo eleito democraticamente. No entanto, esse governo é absolutamente incapaz de impor ali a constituição e a lei. O país é governado pelos mulás que condenam à morte por lapidação as mulheres que alegadamente tiverem tido relações sexuais fora do casamento.
Queremos que a Comissão e o Conselho intervenham imediatamente. A liderança tem de tomar uma posição face a estas questões. É isso que lhe pedimos, Senhor Comissário.
(Aplausos)
Presidente. – Senhora Deputada Anna Karamanou, eu dei-lhe todo este tempo de palavra, antes de mais, porque considero deselegante a atitude do senhor Comissário que não escutou as perguntas que a senhora deputada lhe estava a dirigir. Bem sei que o senhor Comissário tem um texto escrito, já previamente preparado, mas, seja como for, por uma questão de delicadeza, deveria ouvir. Além disso, estava a falar a Presidente da Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade de Oportunidades.
Maes (Verts/ALE). - (NL) Senhor Presidente, Senhor Comissário, como seguramente perceberão, este é um assunto que nos preocupa profundamente, e também apoio, não só a indignação expressa pela senhora deputada Karamanlis relativamente aos colloques singuliers organizados no seu Banco, e pelos quais V. Exa. nem sempre é responsável enquanto Comissário, como apoio também o conteúdo. Graças à campanha internacional, conseguimos ajudar Safya Hesseini a escapar à lapidação a que havia sido condenada, não obstante o facto ter sido violada. No entanto, ela foi poupada por razões de natureza processual, o que significa que o perigo não desapareceu seguramente para Amina Lawal, a quem foi concedido um recurso a 19 de Agosto, e cuja sentença será provavelmente reconfirmada a 25 de Março. Por conseguinte, Senhor Comissário, ainda lhe resta algum tempo.
Amina Lawal foi condenada em Katsina, uma das doze regiões nortenhas onde a Xária entrou em vigor nos últimos 3 anos. A pena de morte, a mutilação e fustigação das mulheres, bem com a predominante discriminação que acompanha estes castigos, tornaram-se práticas comuns. Deste modo, a Constituição da Nigéria, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e todas as outras convenções internacionais que a Nigéria ratificou, tornam-se de imediato letra morta.
Dentro de algumas semanas irão ter lugar eleições presidenciais na Nigéria. Os distúrbios associados à introdução da Xária já reclamaram alguns milhares de vítimas. Recentemente, 220 pessoas perderam aí a vida em confrontos relacionados com o concurso de beleza. O clima é marcado pela crise económica, pelo desemprego, a falta de segurança e a amplamente difundida corrupção. Infelizmente, o perigo de uma guerra civil neste gigantesco e densamente povoado país africano é enorme. E aqui estamos nós a votar sobre outra resolução. Senhor Comissário, já o fizemos a 15 de Fevereiro de 2001, a 15 de Novembro de 2001, a 11 de Abril de 2002, em Setembro de 2002, e os ACP a 21 de Março de 2001. Vamos, portanto, votar sobre mais uma resolução, mas, tal como a senhora deputada Karamanou, quero apelar a V. Exa. para que actue realmente não só no sentido de salvar a vida desta infeliz mulher, mas também para salvar este densamente povoado país africano de conflitos sangrentos, que poderiam causar milhares de vítimas.
(Aplausos)
McCartin(PPE-DE). - (EN) Senhora Presidente, no ano passado, tomei conhecimento desta questão e fiz a única coisa que poderia fazer. Levantei a questão no seio do meu grupo. Debatemo-la no grupo e com os outros grupos deste Parlamento, tendo aprovado uma proposta de resolução sobre a situação de Amina Lawal. A proposta é explícita quanto ao que consideramos que o Governo da Nigéria deverá fazer, no cumprimento das suas obrigações internacionais e dos requisitos da sua Constituição federal. Deverá utilizar o seu poder legítimo para proteger Amina Lawal e outras mulheres nigerianas em situações semelhantes contra este tratamento cruel, degradante e desumano permitido ao abrigo da Xária.
Reconhecemos a soberania do povo nigeriano e do seu Governo federal e estamos cada vez mais conscientes de que existe uma comunidade internacional e de que todos os cidadãos da comunidade mundial têm o direito à nossa solidariedade e respeito. Recordo que, aquando da queda do Muro de Berlim, um dirigente africano lamentou o facto de a União Europeia se ter voltado para Leste como um homem que olha para uma bela namorada nova, dizendo que África seria esquecida e deixada na prateleira.
Quando concluirmos o processo de alargamento, estaremos económica e politicamente mais fortes. Poderemos voltar a nossa atenção para a África e, embora reconhecendo a soberania das nações africanas, teremos de comunicar que imporemos condições para a concessão da nossa ajuda ao desenvolvimento. É preciso que nos lembremos deste e de outros casos semelhantes, assim como da situação de todas as mulheres sujeitas à Xária no continente africano.
Não tentaremos impor a nossa vontade a qualquer Estado soberano, mas diremos que existirá um preço a pagar. África precisa da nossa ajuda e seremos generosos, mas, em contrapartida, África deverá tratar os seus cidadãos de forma humana.
Morgantini (GUE-NGL). – (IT) Senhor Presidente, há demasiadas resoluções que ficam por cumprir, e a verdade é que, por vezes, também nós, membros do Parlamento, cometemos o erro de pensar que, com a aprovação de uma resolução, o problema fica solucionado. Contudo, sendo eu mulher, não posso deixar de reportar o pensamento a essas mulheres que, por ousarem falar, rir ou amar, foram barbaramente torturadas e queimadas vivas em nome de Deus, mercê da crueldade de devotos clérigos cristãos.
Mas as religiões, a cultura e as tradições mudam. Por exemplo, no meu país, ainda no período do pós-guerra, era permitido matar para defender a honra, e só nos anos setenta, quando o movimento feminista atingira o seu auge, é que o estupro passou a ser considerado crime contra o ser humano. Actualmente, na Europa, nós, as mulheres, ainda somos vítimas de discriminação, e a nossa sexualidade é comercializada, mas o direito de existir, esse, foi conquistado. Apesar disso, parece que os sofrimentos e as injustiças infligidas às mulheres e às pessoas por esse mundo fora nos dilaceram o corpo e trespassam a alma mais do que nunca. Uma vez mais, em nome de um Deus dito omnipotente e misericordioso, religiões, tradições e culturas mutilam corpos, lapidam pessoas, impõem casamentos de conveniência e atentam contra a integridade de crianças inocentes com a infibulação.
Devemos impedir o assassínio de Amina Lawal, uma mulher que teve a ousadia de amar e foi condenada à morte por lapidação por ter tido um filho de uma relação extraconjugal. Não devemos permitir que a religião suplante as leis do Estado, às quais está sujeita, recorrendo a práticas que violam os direitos humanos, seja a vítima homem ou mulher. A República Federal da Nigéria ratificou as convenções internacionais sobre os direitos humanos. Essas convenções não podem ter carácter meramente formal, devendo, portanto, ser respeitadas e efectivamente aplicadas.
A Nigéria adoptou também uma Constituição que garante o direito à liberdade, sem tortura nem repressão. O Presidente Olusegun Obasanjo que, repetidas vezes, manifestou a sua oposição à aplicação da pena de morte baseada na Xária, não pode manter indefinidamente esse duplo sistema. É verdade que os problemas são complexos, mas é a vida de muitos homens e mulheres que está em jogo. Hoje, é a de Amina Lawal, ontem, foi a de Safiya Husseini. Quantas mulheres e quantos homens mais jazem nas cadeias ou são incriminados e enforcados?
Eu considero que a União Europeia deve empenhar-se verdadeiramente nesta questão, e cada um de nós também, não só para impedir a morte de Amina Lawal como para assegurar uma ratificação efectiva dos acordos internacionais. Devemos, por isso, exigir que o Governo nigeriano assuma as suas responsabilidades prestando todo o apoio necessário para impedir a morte de Amina Lawal e garantindo que não haverá mais condenações destas.
Parece-me, de facto, extremamente importante que os critérios sejam os mesmos para todos. Não podemos esquecer que é fundamental que, também na Europa, nós respeitemos os direitos humanos, nomeadamente em relação aos imigrantes e a tantos outros. Em suma, devemos envidar todos os esforços para que não morra mais ninguém.
Maaten (ELDR).- (NL) Senhor Presidente, em Setembro do ano transacto este Parlamento aprovou uma resolução acusando a condenação à morte de Amina Lawal. Desde então, houve uma intensa pressão internacional de todos os lados para ajudar Amina Lawal, e com razão. O seu caso é, naturalmente, particularmente doloroso: uma mãe que enfrenta a pena de morte.
O caso Lawal é visto como um precedente dentro e fora da Nigéria. A Nigéria não tem uma religião oficial, e essa situação deveria manter-se. A execução desta pena de morte constituiria um sinal de que os muçulmanos na Nigéria não gozam dos mesmos direitos que os cristãos, o que não pode ser permitido. Não pode também ser permitido que se crie a impressão de que a violação dos direitos humanos e a pena de morte são aceitáveis. O Governo nigeriano tem de velar por que as obrigações internacionais no âmbito dos direitos humanos sejam cumpridas.
Dentro de menos de duas semanas, irá ser apreciado o recurso de Amina Lawal contra o seu desumano castigo. Segundo se espera, ela irá ganhar essa acção, mas, se assim não for, gostaria de relembrar ao Presidente Olusegun Obasanjo as suas próprias palavras. Aquando dos tumultos em torno do concurso de Miss Mundo, em Janeiro deste ano, ele disse – e passo a citar: “no meu país, ninguém será lapidado”.
O apelo que lhe dirijo é simples: cumpra a sua palavra. O Governo nigeriano dispõe de meios suficientes para evitar um desfecho trágico deste processo. Aguardamos para ver a forma como o Governo da Nigéria irá actuar na sequência do recurso de 25 de Março. Neste Parlamento, encaramos os direitos humanos como uma pedra angular das boas relações entre a União Europeia e outros países. Exprimo aqui a minha esperança de que o caso Lawal não ensombre as relações entre a União e a Nigéria.
Por último, Senhor Presidente, há alguns anos atrás, ainda antes de ser Presidente da Nigéria, o Presidente Obasanjo recebeu com gratidão o Prémio da Liberdade da Internacional Liberal. Que continue agora também a comportar-se em conformidade com isso.
PRESIDÊNCIA: LALUMIÈRE Vice-presidente
Tannock (PPE-DE). - (EN) Senhora Presidente, Amina Lawal, uma nigeriana analfabeta de 31 anos, está prestes a enfrentar a morte pelo crime de adultério. Afirma que foi violada por um amigo e, subsequentemente, deu à luz um filho. A sentença de morte por lapidação, que será executada, enterrando-se esta mulher viva até ao pescoço e convidando-se, depois, os transeuntes a apedrejá-la até à morte, foi adiada até que esta deixe de amamentar o filho. Há cidadãos locais que afirmam que alguns elementos do Tribunal Xária local que a julgou tiveram, eles próprios, relações adúlteras, as quais, nalguns casos, deram origem a filhos.
A Xária foi recentemente introduzida nalgumas regiões da Nigéria como parte de um processo de islamização. Grupos cristãos têm criticado a incapacidade do Governo nigeriano em declarar este tipo de punições contrário à Constituição federal, embora o Presidente Obasanjo tenha afirmado que choraria caso a sentença fosse executada. A sentença foi adiada até 2004 para permitir a Amina Lawal alimentar o seu filho.
A Nigéria estará, a meu ver, a violar inquestionavelmente uma série de obrigações impostas por Tratados, incluindo as da Convenção contra a Tortura e as da Convenção das Nações Unidas sobre Direitos Civis e Políticos, de que é parte signatária. Mesmo no Irão, há praticamente dois anos que não existem lapidações, tendo o juiz mais conceituado do país declarado recentemente esta pena ilegal.
Não está aqui em causa a pena de morte per se, que permanece um instrumento legal ao abrigo do direito internacional para os crimes mais graves. Trata-se sim de uma pena desproporcionada e de uma crueldade gratuita contra uma jovem mulher. Também não está em causa uma questão feminista. A Nigéria terá de compreender que a sua relação com o mundo civilizado não permanecerá a mesma se a sentença for executada, e eu, pela parte que me toca, exigirei a sua expulsão da Commonwealth, assim como um programa imediato de sanções selectivas, incluindo a proibição de viajar, a impor aos dirigentes nigerianos.
Exortamos também a Presidência grega do Conselho a chamar o embaixador nigeriano, dando-lhe a conhecer estes nossos sentimentos, que nos são tão caros nesta assembleia, contra uma pena injusta.
(Aplausos)
Sauquillo Pérez del Arco (PSE). - (ES) Senhora Presidente, o problema das lapidações nos Estados do Norte da Nigéria, com base na aplicação da Xária por tribunais penais muçulmanos, constitui uma flagrante violação dos direitos humanos, que temos de denunciar com toda a nossa energia, como o fez hoje, e muito bem, a senhora deputada Karamanou, em nome do Parlamento Europeu.
Em primeiro lugar, porque não podemos aceitar a pena de morte; em segundo lugar, porque a aplicação da Xária afecta mulheres indefesas, acusadas de factos como o adultério, que não podem considerar-se delitos; e, em terceiro lugar, porque, para além disso, no caso de Amina Lawal, esta não usufruiu das garantias processuais mínimas durante o julgamento.
O caso de Amina Lawal é dramático e urgente, porque, depois de vários adiamentos, a sentença está iminente: 25 de Março. Porém, este não é o único caso, Sarimu Mohamed, Safiya Hussaini, Bariya Ibrahima e Adama Yunusa também foram condenadas a penas de prisão, depois de uma série de campanhas internacionais para evitar a sua lapidação. Em nenhum destes casos houve sanções para aos homens implicados no adultério.
A vulnerabilidade das mulheres sob a lei penal islâmica, as torturas e o tratamento degradante a que estão sujeitas constituem uma violação inaceitável dos direitos humanos, que deveria ter consequências nas relações entre a União Europeia e a Nigéria, ou qualquer outro país que aplique a Xária.
A Nigéria é um dos países com maior índice de analfabetismo em todo o mundo. Existem rituais com mutilações, há milhões de deslocados por motivos religiosos e aplica-se a lei islâmica em determinados Estados, discriminando-se claramente uma parte da população, sem qualquer reacção por parte do Governo central.
A União Europeia, em aplicação dos Tratados, que estabelecem claramente quais os princípios que regem as suas relações com países terceiros e, apesar do petróleo nigeriano, deve exercer toda a sua pressão diplomática para impedir a aplicação da pena de morte a Amina Lawal e condenar, com todas as consequências, a eventual lapidação.
Mais de um milhão e meio de pessoas protestaram junto das autoridades nigerianas e, graças a esta acção popular, impediram-se outras lapidações, porém o que está agora em causa é salvar Amina Lawal e, para isso, há que abolir e, se for caso disso, perseguir a Xária.
Sandbæk (EDD). – (DA) Senhora Presidente, a execução de mulheres por lapidação tem de cessar de imediato. É ultrajante que ainda existam países no mundo onde a lapidação de mulheres é uma forma legal e aceite de aplicação da pena de morte. O caso de Amina Lawal torna novamente necessário lançar mão de todos os meios possíveis para demarcar o distanciamento da UE relativamente a estes métodos bárbaros e desumanos. A Nigéria não é o único país do mundo onde ocorrem estas crueldades. A morte por lapidação deverá, naturalmente, ser proibida em todos os países do mundo, mas devemos fazer do terrível caso de Amina Lawal uma hipótese para marcar uma posição inabalável contra a execução de mulheres por lapidação. A diferença entre a legislação nacional e a legislação regional na Nigéria deve acabar. É chocante que não haja qualquer garantia de Amina Lawal poder, alguma vez, comparecer perante um tribunal nacional, apesar de a sua vida e dignidade estarem garantidas na Constituição nigeriana. Importa que, aqui no Parlamento Europeu, aproveitemos esta oportunidade para manifestar o nosso repúdio, devendo manter-se pressão sobre a sociedade nigeriana. Não se trata apenas de uma discriminação totalmente inaceitável entre homens e mulheres, que resulta do facto de a Xária ser seguida num conjunto de países, mas antes de uma questão de simples humanidade e decência. Será necessário travar uma luta longa e dura para que os direitos humanos não só sejam aceites, como também cumpridos em todos os países do mundo.
Scallon (PPE-DE). - (EN) Senhora Presidente, congratulo-me com esta resolução comum a favor de Amina Lawal Kurami. É a segunda vez que adoptamos uma resolução a favor de Amina Lawal. Não tenho dúvidas de que a primeira, adoptada em Setembro de 2002, contribuiu em grande medida para o apelo internacional de clemência, que ajudou a assegurar, até ao momento, a sua segurança. Naquela altura pediram-me que lançasse um apelo a seu favor. Gostaria de agradecer aos milhares de pessoas que responderam, quer em 2002, quer nas últimas semanas ao recente apelo. Agradeço também ao gabinete europeu que trata dos direitos humanos na Nigéria.
Ser condenada à morte por lapidação por ter tido um filho fora do casamento constitui uma violação dos direitos humanos consagrados a nível internacional. Estou ciente de que esta execução não resulta da vontade do Governo nigeriano. Agradeço, em especial, ao senhor embaixador nigeriano na Irlanda, Elias Nathan, que apelou publicamente à clemência em nome desta mulher.
Exortamos o Alto Tribunal de Recurso da Xária a respeitar e defender os acordos internacionais em matéria de direitos humanos que a Nigéria assinou, garantindo que qualquer Xária que viole esses direitos será revogada. A legislação regional deverá respeitar o direito internacional que vigora na Nigéria. Estou ciente de que a senhora Lawal dispõe de liberdade de movimentos, não se encontrando detida desde a sua condenação, em Março de 2002. Congratulo-me com esse facto. Mas não podemos deixar de pensar no trauma que tem vindo a sofrer com a ameaça de sentença de pena de morte a pairar sobre si, ao longo do último ano. Seguramente que tem estado doente, dirigindo-se a diversos hospitais para tratamento durante este difícil período.
Embora Amina Lawal tivesse o direito de recorrer da sentença perante um tribunal não religioso, já sofreu o suficiente. Apelo à clemência e à garantia de que não seja executada em circunstância alguma. Também não podemos esquecer que não é a única mulher nestas circunstâncias.
Quando me pediram que lançasse o apelo em nome de Safiya Husseini por um crime semelhante, fui informada de que, pelo menos, quatro mulheres aguardavam sentença semelhante - Amina Lawal era uma delas – e que jovens rapazes de 12 a 16 aguardavam que lhes fossem amputadas as mãos por roubo. Embora respeitemos a soberania nacional, há caminhos melhores para a Nigéria e o seu povo. Exortamos a que seja dada uma resposta imediata e duradoura à resolução deste Parlamento.
Gillig (PSE). – (FR) Senhora Presidente, uma vez mais, o Parlamento vê-se na ardente obrigação de denunciar a situação intolerável imposta a Amina Lawal, condenada à morte por lapidação na Nigéria por ter exercido a sua liberdade.
Que mais posso dizer, que mais posso acrescentar a tudo o que já aqui foi dito pelos meus colegas, excepto reiterar a minha condenação à situação hedionda imposta a uma mulher e que justifica ainda hoje, porque ainda são necessárias, todas as lutas de todos os dias internacionais da mulher. Esta situação intolerável força-nos a reiterar a nossa oposição radical à pena de morte e obriga-nos a recordar que um tribunal de justiça, na Nigéria ou em qualquer outro país do mundo, não pode ter por base princípios religiosos e negar todos os princípios relativos ao respeito escrupuloso dos direitos humanos e da dignidade humana. Esta situação ecoa, lamento dizê-lo, o obscurantismo da Idade Média, que os nossos países também conheceram. Temos de condenar incessantemente a situação intolerável desta mulher, confirmando a importância que atribuímos ao princípio da laicidade, como princípio de organização fundamental dos Estados modernos, dos Estados democráticos.
Senhora Presidente, Senhor Comissário, o Governo nigeriano deverá declarar aplicação da Xária por um tribunal regional de justiça contrária à Constituição do país. A este respeito, deveremos recordar, em especial, que o respeito dos direitos humanos é um elemento fundamental dos acordos concluídos com países terceiros. Para além da situação de Amina Lawal na Nigéria, todos os homens e mulheres do mundo, cujos direitos fundamentais são negados, esperam que a União Europeia faça jus às resoluções que adopta, sessão após sessão, neste Parlamento, passando à acção. Concordo também plenamente com as questões levantadas pela senhora deputada Karamanou. Para além de adoptarmos resoluções, Senhor Comissário – embora isso também seja dirigido aos representantes do Conselho – que estamos nós a fazer, de facto?
Sacrédeus (PPE-DE).(SV) Senhora Presidente, estamos aqui preocupados em salvar a vida de uma pessoa inocente, sujeita a um julgamento absolutamente injusto. O que, no entanto, também está em causa – e, a este respeito, dirijo-me ao senhor Comissário Fischler – é controlar a aplicação da Xária e a islamização de partes da África Central, onde este caso é um entre muitos e onde podemos esperar a repetição de incidentes deste tipo, uma vez e outra. Importa aqui que nos questionemos de forma clara, célere e consistente sobre a compatibilidade da Xária com os direitos humanos e a Convenção dos Direitos do Homem da ONU.
Fazemos parte de um grupo de deputados europeus que se dirigiu por escrito às embaixadas da Nigéria em toda a União Europeia e no resto do mundo, solicitando que se debruçassem sobre este caso. Temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para influenciar o Tribunal Supremo da Nigéria. Tal como referido na resolução, devemos também perguntar-nos se será possível garantir a todos os nigerianos o usufruto dos mesmos direitos e protecção ao abrigo da Constituição, independentemente de serem muçulmanos, cristãos ou membros de outros credos, ou de nenhum. Temos também de ser capazes de questionar-nos sobre se será razoável que a Xária esteja em tamanha contradição com o direito internacional e a dignidade humana. Temos de fazer os possíveis para formular a seguinte pergunta: onde, entre os crentes muçulmanos, estão as vozes, em África e na Europa, que afirmam que esta situação é incompatível com aquilo que tem necessariamente de estar na essência de qualquer fé religiosa, a saber, o amor e a tolerância?
Fischler,Comissão. – (DE) Senhora Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, a Comissão partilha, evidentemente, da preocupação do Parlamento acerca do tipo de penas infligidas no Norte da Nigéria, ao abrigo da Xária. Numa série de casos, entre os quais o de Amina Lawal, a Comissão intercedeu junto das autoridades nigerianas, e o próprio Presidente Prodi abordou directamente o Presidente Obasanjo, o qual manifestou também, expressamente, a sua oposição a estas penas, salientando que todas os queixosas têm o direito a apresentar o seu caso ao Supremo Tribunal.
A Comissão congratula-se também com as declarações feitas, no ano passado, pelo Ministro nigeriano da Justiça, afirmando não ser correcto discriminar os muçulmanos, impondo-lhes penas diferentes pelo mesmo crime. Como diversos deputados desta assembleia já o referiram, a sentença do recurso de Amina Lawal será lida a 25 de Março. Amina Lawal teve direito a assistência jurídica e terá a oportunidade de recorrer, se assim o entender, para um tribunal superior, se necessário.
Acompanhamos, através da nossa delegação em Abuja, os progressos deste caso de tão perto quanto possível, mas abstemo-nos de fazer referências directas a casos que estejam ainda sub judice, preferindo exercer pressão sobre o Governo federal da Nigéria para que, finalmente, proceda à abolição da pela de morte para todos os crimes.
A questão da Xária é complexa e delicada na Nigéria. A posição também é muito problemática no que respeita à lei constitucional, visto que Xária aplicada pelos estados federados é contrária, quer à Constituição, quer às obrigações internacionais assumidas pelo Governo federal da Nigéria.
Em termos sociais, a Nigéria está dividida entre o Norte muçulmano e o Sul cristão e, tendo em vista as eleições a realizar no próximo ano, a questão possui uma elevada carga política, sendo extremamente delicada.
Um estudo financiado pela Comissão concluiu que a aplicação da Xária como lei penal suscita problemas acrescidos, devido ao facto de as leis penais serem mal enquadradas e aplicadas sem consistência por juízes que não têm formação adequada.
A UE elaborou uma posição comum sobre a situação dos direitos humanos na Nigéria, redigiu as intervenções da Troika sobre a pena de morte e fez uma declaração oficial na Comissão dos Direitos do Homem.
Estamos a prestar a maior atenção possível ao cumprimento, por parte da Nigéria, dos princípios do Acordo de Cotonu. A Comissão está também, ela própria, envolvida e, no ano passado, assinou com a Nigéria um documento de estratégia por país, cujos elementos fundamentais incluem o respeito pelos direitos humanos e a boa governação, no qual se prevê também a concessão de apoio à sociedade civil.
Para além disso, a Nigéria é um dos países-alvo da Iniciativa Europeia para a Democracia e os Direitos Humanos, e deverá ser adoptado em breve um leque de projectos de apoio à reforma governamental e judicial. Desta forma, esperamos poder ter uma influência mais positiva na forma como o Governo federal da Nigéria e os seus Estados federados compreendem e põem em prática os direitos humanos fundamentais, sob influência dos quais a situação, espera-se, venha a mudar para melhor.