Quarta-feira, 11 de Fevereiro de 2004 - Estrasburgo
Edição JO
6. Gestão empresarial e supervisão dos serviços financeiros (caso Parmalat)
Presidente. – Segue-se na ordem do dia a declaração da Comissão sobre gestão empresarial e supervisão dos serviços financeiros (caso Parmalat).
Tem a palavra o Senhor Comissário Bolkestein, em nome da Comissão.
Bolkestein,Comissão. - (EN) A Comissão saúda este debate e apoia, em termos gerais, o conteúdo das várias propostas de resolução apresentadas pelo Parlamento. Embora os factos ainda não sejam inteiramente claros, o caso Parmalat é profundamente preocupante. É o último de uma lista cada vez mais longa de grandes escândalos financeiros de vários tipos - em vários locais - que se deram nos últimos anos.
A dimensão aparente da fraude é estarrecedora, e a aparente cumplicidade de várias pessoas de profissões liberais respeitáveis, aliadas às deficiências do controlo regulamentar, são igualmente estarrecedoras. Estes escândalos sucessivos irão debilitar progressivamente os mercados financeiros, à semelhança de uma fuga de líquido corrosivo de um depósito de combustível. Muitos investidores sensatos irão afastar-se. O crescimento económico poderá ser afectado porque o custo do capital irá aumentar - o caso Enron já demonstrou que assim é. Por conseguinte, este assunto é importante para todos nós.
O primeiro ponto que quero focar é o seguinte: é melhor a indústria dos serviços financeiros organizar-se, e é bom que o faça rapidamente. Precisamos que verdadeiros líderes dessa indústria assumam o controlo da situação, afastem os vigaristas, denunciem as suas práticas pouco escrupulosas e travem a ganância excessiva. Se os líderes da indústria não estiverem dispostos a fazer isso, então as autoridades reguladoras terão de fazer muito mais do que elas e nós mesmos, talvez, gostaríamos. Se o resultado for esse, então os líderes da indústria não se podem queixar da regulamentação emanada de Bruxelas. Terão sido eles próprios a colocar-se nessa situação. Para falar com toda a sinceridade, neste momento a indústria não tem líderes.
Em segundo lugar, já dispomos de uma série de políticas que de alguma forma contribuirão para melhorar a situação no futuro: medidas no âmbito do Plano de Acção no domínio dos serviços financeiros, como, por exemplo, as directivas relativas aos abusos de mercado e ao prospecto, que devem entrar rapidamente em vigor; medidas como a nova directiva relativa aos serviços de investimento, que ajudará resolver alguns dos principais conflitos de interesses no sector dos serviços de investimento; as novas normas contabilísticas internacionais que irão reforçar a publicidade das contas, bem como a directiva relativa à transparência, que queremos que este Parlamento aprove antes de a sessão ser suspensa para as eleições. Todas estas directivas reforçam, também, os poderes das autoridades competentes para agirem e para manterem uma cooperação muito maior através das fronteiras. Na minha opinião, isto significa cooperar também, da mesma forma, com autoridades reguladores estrangeiras - não europeias -, em particular, a SEC, de Washington, bem como o Public Company Accounting Oversight Board dos Estados Unidos. Hoje em dia, os mercados de capitais - como todos sabemos - são globais, e a cooperação ao nível da regulamentação também tem de ser global para os acompanhar.
Em terceiro lugar, em Março, irei propor aos meus colegas da Comissão uma versão revista da directiva relativa ao direito das sociedades no que se refere à revisão oficial de contas. A nova directiva reforçará os controlos aplicáveis aos auditores na União Europeia mediante uma supervisão independente, reforçará, igualmente, a fiscalização e os princípios éticos e educacionais, e imporá normas de auditoria de elevada qualidade. Estes quatro aspectos farão parte integrante da versão revista da directiva relativa ao direito das sociedades.
Em consequência do caso Parmalat, é provável que a oitava directiva relativa ao direito das sociedades também inclua os quatro elementos seguintes: em primeiro lugar, responsabilidade total do auditor de grupos pelas contas consolidadas de um grupo de empresas; em segundo lugar, a obrigatoriedade de comissões de auditoria independentes para as empresas cotadas na bolsa, que são 7 000 na Europa; em terceiro lugar, requisitos mais rigorosos em matéria de rotação de auditores; e, em quarto lugar, um reforço das sanções.
Estou a acelerar o trabalho em três outras áreas relacionadas com a governação e o direito das sociedades, a fim de ter propostas prontas para apresentar, se possível, ainda este ano. Essas três áreas são as seguintes: função dos administradores não executivos; responsabilidade dos administradores pelas contas da empresa; divulgação total, nas contas das empresas, das entidades instrumentais (special purpose vehicles) offshore, bem como das razões da utilização dessas estruturas offshore, e uma verificação mais rigorosa do seu conteúdo pelo auditor do grupo. Estamos, também, a trabalhar esforçadamente sobre as questões relacionadas com os conflitos de interesses dos analistas financeiros, e a examinar novamente as agências de notação. O relatório Katiforis é uma grande ajuda neste contexto.
Por último, é necessário restringir a função e o controlo regulamentar dos centros offshore. Estamos a examinar várias opções, embora não seja fácil. Esperamos apresentar, em Junho, a terceira directiva relativa ao branqueamento de capitais, e esperamos que este instrumento venha a desempenhar um papel significativo.
Para concluir, este debate é muito importante. Apoiamos o teor geral desta resolução. Estamos a trabalhar, com grande determinação, nesse sentido. O que desejamos é uma forte liderança para o sector e uma dose adequada de ética.
Fiori (PPE-DE). - (IT) Senhor Presidente, Senhor Comissário Bolkestein, o caso Parmalat é uma crise sistémica, na medida em que foi desencadeada por uma rede mundial de cumplicidade e omissões, cujos protagonistas foram bancos, instituições financeiras e organismos internos e externos de controlo, tanto públicos como privados. Considero que o caso Parmalat dá uma correcta indicação dos aspectos negativos da globalização dos mercados financeiros, cuja internacionalização permite que embusteiros escondam ou manipulem facilmente informações. Isto mostra que uma necessária combinação de transparência, eficiência e estabilidade é demasiadas vezes teórica e, sobretudo, frágil quando confrontada com vontades perversas que radicam na ausência de ética.
O caso Parmalat é, infelizmente, idêntico a tantos outros - demasiados - escândalos financeiros que fizeram notícia nos últimos tempos, a começar pelos casos WorldCom e Enron. É penoso e difícil ter de o admitir, mas alguma coisa correu mal nos equilíbrios à escala mundial e arrastou tudo para o abismo, incluindo aforradores menos informados e operadores, que deveriam estar alerta e evitar que tal acontecesse. Não queremos e não devemos falar de responsabilidades individuais, pois não é essa a nossa função; a nossa função é antes empenhar-nos no sentido de evitar que casos semelhantes voltem a acontecer. É fundamental combater os abusos e as fraudes, de tal modo que os analistas financeiros não se vejam depois na situação de ter de aconselhar os seus clientes a fazerem investimentos ilícitos.
Entre outras coisas, analisámos também a comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento de Maio de 2003 sobre a modernização do direito das sociedades. A proposta de resolução que apresentamos contém orientações, que têm em consideração o impacto que o caso Parmalat teve e poderá vir a ter pata os seus trabalhadores, os investidores, a banca e o bom funcionamento do sistema financeiro. É nosso dever procurar inverter esta situação, procurar proteger as poupanças de milhões de pessoas e repor a plena confiança dos investidores nos mercados financeiros.
É fundamental colher ensinamentos neste caso e reagir adequadamente mediante uma avaliação objectiva do sucedido, fazendo projecções para o futuro e não nos limitando a procurar apressadamente bodes expiatórios. É preciso identificar o que funcionou mal, quais as ineficiências da legislação, e depois propor soluções, prevendo, inclusive, novos poderes de controlo público.
Podemos ter concepções políticas diferentes quanto à finalidade da regulamentação, quanto à criação e distribuição dos rendimentos, mas todos estamos de acordo quanto ao facto de não poder haver fraudes. É possível que a crise da legalidade não seja apenas uma questão de pessoas, mas envolva igualmente as Instituições, que são, talvez, insatisfatórias. Talvez as regras devam ser estudadas, repensadas e revistas, e, para o fazermos, precisamos de cooperar. As autoridades competentes em matéria de controlo financeiro das várias jurisdições da União devem cooperar. A cooperação é também necessária com os países terceiros; não só a Europa, mas também os Estados Unidos, fazem parte deste plano de primordial importância. Exorto também a Comissão a controlar todas as novas medidas respeitantes ao papel das agências de avaliação financeira (rating agencies).
Tomo a liberdade de, uma vez mais, exortar a Comissão a incorporar no plano de acção relativo ao governo das sociedades medidas destinadas a prevenir conflitos de interesses, quer de investimentos da banca quer de outras instituições financeiras em empresas cotadas e controladas por accionistas internos, ou, ainda, os casos de analistas financeiros que trabalham para bancos de investimento e que aconselham os seus clientes a investir em empresas a quem o seu banco presta serviços bem remunerados. Além disso, precisamos de aumentar a responsabilização e a participação dos accionistas. A garantia da máxima transparência antes e depois das transacções é absolutamente necessária para os investidores no sector dos instrumentos financeiros. É, pois, desejável que seja criada uma autoridade europeia para - com imparcialidade - analisar os mercados financeiros europeus e estudar os casos com implicações transfronteiriças, na mesma perspectiva da recente modernização da política europeia em matéria de concorrência.
Além disso, exorto a Comissão a adoptar, o mais brevemente possível, uma decisão sobre a compatibilidade com a legislação europeia das medidas adoptadas pelo Governo italiano no sector do leite e dos produtos lácteos a propósito do caso Parmalat. As empresas deste sector, que contribuem tradicionalmente para o grupo Parmalat, encontram-se, desde há algum tempo, numa situação financeira de liquidez extremamente grave, que poderá levar a uma crise de todo o sector. Se o pedido de ajuda viesse a ser considerado como contrário às regras da livre concorrência, seria o princípio do fim para um sector que se orgulha da sua tradição e cujas características em termos qualitativos são indiscutíveis a nível europeu.
O caso Parmalat exige um grande sentido de responsabilidade, sobretudo ao nosso nível, a nível europeu. Há três áreas em que devemos agir. Penso que elaborámos um relatório bem fundamentado e que o próximo Parlamento irá, certamente, conseguir cooperar ainda melhor com a Comissão.
Fava (PSE). - (IT) Senhor Presidente, o nosso grupo manifesta o seu apreço quer pela rapidez com que a Comissão interveio nesta questão particularmente dolorosa - especialmente para a economia italiana -, quer pelo sentido de responsabilidade com que o Senhor Comissário ilustrou as suas propostas, que são urgentes se os números que temos de analisar forem verdadeiros. Quinze mil milhões de euros constituem um buraco financeiro equivalente a 15% do orçamento total da União Europeia. Este é também o resultado de uma desregulamentação económica e de um cinismo financeiro que - como referiu o senhor deputado Fiori - tem muitos responsáveis. Por exemplo, os grandes bancos que traíram a confiança dos seus investidores; os consultores internacionais que, com frequência e conscientemente, certificaram contas falsas; os órgãos de controlo, que não procederam aos devidos controlos; e - seja-me permitido referi-lo, Senhor Comissário - são também culpados os governos que toleram paraísos fiscais. Muitos destes paraísos fiscais são controlados por Estados-Membros da União Europeia. Passo a referir alguns dados respeitantes à Itália: 25 empresas italianas controlam 400 empresas off-shore; destas, 171 estão sediadas em Delaware, um pequeno Estado dos Estados Unidos da América, e 127 no Luxemburgo, o centro nevrálgico da União Europeia.
Então, o que é que estamos a fazer aqui na Europa? Gostaria de propor, também em nome do senhor deputado Imbeni, uma iniciativa para limitar o sigilo bancário. O Prémio Nobel da economia, Joseph Stieglitz, salienta que o sigilo bancário é, muitas vezes, um dos factores de instabilidade económica, e a União Europeia está constantemente a enaltecer, oportunamente, a transparência. Não gostaria, contudo, que nos inibíssemos de agir perante este tipo de realidades consideradas intocáveis. Poderíamos propor que a comunidade internacional introduzisse, finalmente, uma dimensão moral na globalização, e, por conseguinte, um acordo global sobre o sigilo bancário, que nós assumimos, procurando propor uma "Quioto da banca" - se me é permitida a metáfora - no interesse de uma "ecologia financeira" e introduzir, finalmente, alguma ética na economia global.
Senhor Comissário Bolkestein, está consciente - e declarou-o - de que os instrumentos de controlo nacional não são suficientes: precisamos urgentemente de regras globais e supranacionais. Precisamos de gerir os mercados financeiros e de evitar conflitos de interesses e conluios perversos entre bancos e empresas. A União Europeia deve rever rapidamente a legislação comunitária, reforçar as sanções contra as fraudes, intervir contra a impunidade dos paraísos fiscais e estabelecer normas no sentido da absoluta independência dos auditores.
Uma questão tão urgente e delicada talvez mereça mais atenção da nossa parte - da parte do Parlamento e das Instituições comunitárias -, em vez de uma simples comunicação. Não estamos a propor uma comissão de inquérito, mas talvez uma investigação promovida pela Conferência dos Presidentes - e, portanto, com a autoridade de uma iniciativa da Conferência dos Presidentes - uma investigação confiada, de modo informal e a título voluntário, a um grupo de deputados e que possa prolongar-se para além do termo desta legislatura. A sua função seria investigar e fazer uma proposta, para que se possa perceber o que aconteceu, como pôde acontecer e o que deve ser feito para que não volte a acontecer, a fim de evitar, no futuro, casos semelhantes ao da Parmalat.
Finalmente, Senhor Presidente, Senhor Comissário Bolkestein, na comunicação da Comissão há referências aos accionistas e à administração, às relações entre os accionistas e a administração, mas pouco ou nada se diz acerca dos trabalhadores, que são os primeiros a pagar pessoalmente as consequências de acontecimentos trágicos como o da Parmalat.
Gostaríamos que desta Assembleia se erguesse uma voz forte para proteger, garantir e apoiar os milhares de trabalhadores - de Parma à Sicília -, os trabalhadores directos e os de indústrias afins, que correm neste momento o risco de perder os seus empregos e os seus salários. Acredito que uma dimensão ética na economia - a que nos referíamos há pouco lembrando a grande responsabilidade que têm também os governos e a União Europeia - implica hoje continuar a considerar como uma questão prioritária a protecção e a garantia do direito ao trabalho.
Riis-Jorgensen (ELDR). - (DA) Senhor Presidente, gostaria, para começar, de agradecer vivamente ao Senhor Comissário Bolkestein o seu discurso, tão claro e bem formulado. Não era possível ter exposto melhor a questão, pois aquilo que pretendemos é liderança industrial e conduta ética - ou, muito simplesmente, um comportamento decente. Sinto-me, portanto, muito satisfeita com aquilo que ouvimos da parte da Comissão.
Queria também agradecer o plano de acção para a governança das sociedades e o direito das sociedades. Já tinha sido apresentado no ano passado e é óptimo, claro, que a Comissão tenha mostrado estar tão actualizada. É encorajador, também, tomar conhecimento de todas as iniciativas hoje referidas pelo Comissário Bolkestein.
Esse plano de acção é necessário, e é preciso que a Comissão disponibilize mais recursos para o pôr em prática. Contudo, também o Parlamento e o Conselho devem disponibilizar recursos. Infelizmente, decorrem, em média, seis a oito anos entre a apresentação de uma proposta pela Comissão e a sua aplicação em todos os Estados-Membros. Durante esse período podem surgir muitos escândalos financeiros mas, no seu plano de acção, a Comissão mostra constantemente preocupação com questões de tempo.
Uma boa governança das sociedades é uma governança aberta, transparente. Parte dela é composta, evidentemente, por boa contabilidade. Outro factor importante é a responsabilidade colectiva dos membros da administração pelas decisões financeiras e não financeiras de maior importância. Além disso, tem de haver regras mais rigorosas para analisar as diversas estruturas de grupo que encontramos nas sociedades. Algumas sociedades são estruturadas de tal forma que os observadores sentem que foram colocados no meio de um labirinto, sem um fio condutor que facilite os seus movimentos de um lado para o outro. Isto é insustentável.
Não podemos esquecer a necessidade de um bom equilíbrio. De nada serve acumular regra sobre regra e partir do princípio que as regras resolvem tudo. A cultura que envolve a governança das sociedades é importante. Se o director de gestão é um patife com intuitos criminosos, as regras não servem de nada. Não vale a pena colocar obstáculos desnecessários no caminho das muitas sociedades honestas. Convém, portanto, que aquilo que decidirmos seja equilibrado e possa ajudar todos. Acresce que os investidores têm de insistir na boa governança das sociedades. A melhor maneira de aplicar tudo aquilo que agora estamos a discutir é, apesar de tudo, o mercado. A pressão dos investidores é, frequentemente, o melhor incentivo para manter uma conduta virtuosa. Feitas as contas, estamos no bom caminho. Precisamos apenas de mudar de velocidade e de viajar um pouco mais rapidamente até ao nosso destino.
Ribeiro (GUE/NGL).– Senhor Presidente, o escândalo financeiro da Parmalat é produto derivado da financeirização da economia, financeirização desmesurada porque a produção e troca para satisfação das necessidades materiais das populações se afoga nos fluxos especulativos da alta finança internacional, enquanto floresce a economia informal e a criminalização da economia, onde os tráficos assumem cada vez maior relevância em detrimento do desenvolvimento económico e social.
Escândalo que é, também, exemplo dos efeitos nefastos da desregulação dos mercados e da libertina circulação de capitais. A Parmalat recorreu a todo um instrumental: a empresas de fachada em paraísos fiscais, a benesses da regulamentação especial off shore, aos hedge funds, a facturas e documentos falsos. Assim se cobriam buracos financeiros e desvios, utilizando-se complexas estruturas e envolvendo muitas filiais para levar a efeito operações no domínio das obrigações e dos instrumentos financeiros derivados, com o apoio dos bancos internacionais, o encobrimento das empresas de auditoria internacionais e a avaliação positiva de agências de notação de risco. E assim se puseram em causa milhares de postos de trabalho nos mais de trinta países em que a Parmalat operava e se provocaram enormes problemas para milhares de produtores de leite que dela estavam dependentes.
Mas não se trata de caso isolado. Só nos últimos anos, verificaram-se a nível global vários escândalos financeiros: Enron, World.com, Merck, nos Estados Unidos; Crédit Lyonnais, Vivendi, Ahold, Kirch, Marconi, Equitable Life, em Estados-Membros da União Europeia, com profundas repercussões negativas sociais e no tecido económico.
Sendo uma questão de modelo económico, é necessário maior rigor e controlo nos instrumentos financeiros derivados, substituindo mecanismos que são produto de e têm por finalidade a especulação. É necessário incrementar esforços internacionais pondo termo a paraísos fiscais e limitando operações off shore, são necessários instrumentos fiscais de monitorização dos movimentos de capitais, como a introdução de taxas e tributação efectiva de mais valias bolsistas. Mas, sobretudo, é indispensável e urgente a revalorização efectiva da produção e do trabalho. Por muito importantes que sejam os problemas dos accionistas, e são-no, tem de se dar prioridade à protecção do emprego e à salvaguarda dos direitos dos trabalhadores, de garantir o seu direito de informação, consulta e participação e, neste caso particular, de se considerar desde já indemnizações para os produtores de leite afectados.
Sublinho o contributo negativo da União Europeia no que respeita à financeirização e, concretamente, no plano de acção para os serviços financeiros, ao incentivar a desregulação e a liberalização dos mercados de capitais e a sua integração acompanhada do desmantelamento de regras prudenciais e de mecanismos de controlo. Preocupa-me a declaração do Senhor Comissário de que legislação precipitada e mal concebida poderia agravar e não resolver problemas de regulação ilustrados por casos de envergadura como sejam os casos Enron e Parmalat. Por posição ideológica e a pretexto de riscos, não se podem negar evidências e a urgência de se fazer efectivamente face a esses problemas.
Jonckheer (Verts/ALE).–(FR) Senhor Presidente, Senhor Comissário, não quero insistir sobre o drama da sociedade Parmalat – a oitava sociedade italiana, em dimensão – que, segundo as últimas estimativas, corre o risco de custar o emprego a milhares de trabalhadores, e cerca de 10 milhares de milhões de euros ao tesouro público italiano.
Fazendo eco da sua afirmação, o senhor mesmo observou que tínhamos uma resolução comum do Parlamento sobre este assunto. No contexto das diversas iniciativas que anuncia ou que estão em curso, gostaria de lhe ouvir dizer algo mais sobre a responsabilidade que vai ter de assumir como Comissário e de lhe solicitar que nos diga se as propostas de directiva que tem em preparação lhe parecem suficientes e à altura daquilo que se encontra em jogo, sobretudo em dois pontos. Antes de mais nada, em resposta à minha colega liberal, senhora deputada Riis-Jørgensen, faço questão de sublinhar que as regras são necessárias porque existem defraudadores. Se todos fossem honestos, não haveria necessidade de regras. As regras são, portanto, necessárias por causa dos defraudadores, mas aplicam-se a todos.
Se vamos fazer uso de directivas como nosso instrumento, temos necessidade de períodos de transposição extremamente breves, e de nos assegurarmos de que todos os Estados-Membros transpõem devidamente estas directivas. Ano após ano, semestre após semestre, os seus próprios Serviços elaboram relatórios de avaliação da estratégia do mercado interno, não deixando de fazer notar que grande número de directivas jamais são transpostas. Queria, por isso, perguntar-lhe se, no caso de assuntos como aqueles que estamos a discutir, não será possível que instrumentos jurídicos directamente aplicáveis aos Estados-Membros e sem períodos de transposição demasiado longos sejam absolutamente desnecessários? De outro modo, arriscamo-nos a, dentro de um ano, ou dois, virmos a encontrar-nos no mesmo tipo de situação. Relativamente a este assunto, considero que, quando se trata da escolha de instrumentos, a responsabilidade directa é de V.Exa. e do Colégio.
Passo agora ao meu segundo ponto. Devo dizer que, uma vez mais, lamento que o Conselho se não encontre presente - não compreendo por que motivo o Conselho se encontra presente em certas ocasiões e noutras não -, uma vez que já perguntei à Presidência irlandesa o que tenciona fazer neste domínio. Na Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários, o Ministro das Finanças foi muito evasivo na sua resposta, dizendo que se as pessoas quiserem praticar uma fraude será difícil impedi-las de o fazer, opinião que, obviamente, não posso partilhar.
No que diz respeito aos centros off shore, Senhor Comissário, por que não levantar a questão de uma regulamentação internacional eficaz no contexto das negociações da OMC? Com efeito, a questão tem tanto a ver com o comércio como com as transacções de capitais. Alguns países estão a requerer novas regras da OMC, quando se trata de serviços financeiros. O senhor não acha que a União Europeia - o Conselho e a Comissão -, poderiam levar este debate à OMC, onde temos dispositivos de coacção? Há anos, que no seio do GAFI, da OCDE, e da Comissão das Nações Unidas, temos vindo a discutir o problema da regulamentação dos centros off shore e - deixemo-nos de rodeios - a abolição dos paraísos fiscais. Não acha que vão sendo horas de passar à velocidade seguinte, ou será que temos de esperar que ocorram mais dez escândalos financeiros?
Permita-me, Senhor Presidente, que termine dizendo que, em minha opinião, temos neste caso uma oportunidade única de mostrar aos cidadãos europeus a utilidade da União Europeia. O caso Parmalat é verdadeiramente escandaloso, como escandaloso é o facto de as autoridades políticas não fazerem mais e mais depressa, coisa que eu o encorajaria a fazer.
Muscardini (UEN). - (IT) Senhor Presidente, Senhor Comissário, o caso Parmalat, como o caso Cirio em Itália, o Enron nos Estados Unidos ou casos semelhantes no Reino Unido e em França são sinais da crise que, de há algum tempo a esta parte, afecta as organizações financeiras multinacionais. Na sua génese está o enorme e terrível fosso entre a economia real e a bolha especulativa: uma riqueza virtual de papel que excede em muito a riqueza real, baseada na produção e nos investimentos.
Há outro dado comum aos casos referidos: a falta de controlo ou o controlo insuficiente pelas instituições qualificadas: bancos centrais, comissões de controlo da bolsa, instituições de crédito, organismos profissionais de inspecção. Não é por acaso que, quando os aforradores e as associações de consumidores questionam esses órgão, ouvem sempre o mesmo refrão. Dizem que não estavam a par da verdadeira situação, que nada sabiam quanto às acções fraudulentas. Ou essas instituições mentem ou então as regras de controlo são tão flexíveis - e, logo, não muito precisas - que é possível interpretá-las de forma a permitirem grandes fraudes. Em primeiro lugar, essa atitude é tomada pelos aforradores/investidores, porventura com a cumplicidade dos próprios bancos, assunto a que, aliás, temos aludido em várias perguntas sobre o problema da bolha especulativa. Embora tenhamos falado dela muito antes de rebentar, as Instituições Europeias também não lhe dedicaram suficiente atenção na altura.
Falo de cumplicidade porque outro facto que ressalta destes casos é o conflito de interesses experimentado pelas instituições de crédito, sempre em detrimento dos investidores. Nas últimas semanas apresentámos uma resolução à Comissão no sentido de obviar ao problema das regras inadequadas, na qual apelávamos a que se tomasse a iniciativa, a nível europeu e com o objectivo de proteger os interesses dos aforradores, de articular todos os órgãos encarregados de monitorizar e controlar as relações entre mundo dos negócios e bancos e de se proceder a uma avaliação da possibilidade de harmonizar a regulamentação em vigor a fim de garantir que são aplicados os princípios éticos, o que significa que os inspectores não devem ser pagos por aqueles que estão a ser investigados.
Os casos conhecidos de ilegalidade que afectam, de uma forma desastrosa, os investimentos de centenas de milhar de aforradores proporcionam-nos a oportunidade de defender os consultores profissionais independentes - acerca de quem já falámos neste Parlamento - e de pressionar a Comissão para que pense na hipótese de criar um registo europeu desses profissionais. Isto, por um lado, para tentar resolver o grave problema do conflito de interesses reduzindo o monopólio de aconselhamento dos bancos e, por outro lado, para visar uma alta qualificação profissional baseada na ética e na experiência comprovada no sector em questão.
Exigimos medidas para apoiar todos os trabalhadores da Parmalat e para compensar os aforradores que foram defraudados, nalguns casos, duas vezes - não só pela Parmalat mas também por quem os aconselhou a fazer determinados investimentos. Pensamos, no entanto, que a União deve encarar muito seriamente a possibilidades de outras potenciais consequências desastrosas do enorme fosso que separa a economia real e a economia financeira. Enquanto não forem tomadas medidas para reduzir esse fosso, os riscos continuarão a emergir.
Borghezio (NI). - (IT) Senhor Presidente, a criação de uma comissão de inquérito, a que apela o Parlamento Europeu, poderia fornecer os elementos úteis que não nos pareceu estarem suficientemente expressos na proposta de resolução e oferecer algumas orientações específicas e precisas quanto aos instrumentos necessários para impedir que voltem a acontecer casos como o Parmalat.
Pensamos que foram emitidos cinco mil milhões de títulos da Parmalat Finance, sediada em Roterdão, nos Países Baixos, por uma sociedade com o modesto capital de uns meros milhares de euros. Na verdade, não se tratava de verdadeiros títulos mas apenas de notas promissórias, que alguns bancos - incluindo alguns bastante conhecidos - recomendavam, no balcão, aos seus clientes - calando a sua verdadeira natureza, que, porém, não podiam desconhecer.
Quanto a melhor informação dos subscritores, há que estabelecer regras específicas: os formulários deviam conter uma descrição concisa do produto e gostaríamos que incluíssem, igualmente, informações sobre o factor de risco, especificando as características dos títulos, algo que, para já, não está previsto.
Há ainda a questão das compensações. Não vale a pena chorar sobre leite derramado, temos é de pensar em recuperar os montantes desviados e em dar aos aforradores garantias específicas em caso de colapso. Por que motivo não são os bancos obrigados a responder directa e imediatamente quando aconselharam o público, até muito pouco tempo antes do colapso, a comprar "títulos-lixo"? Em assembleias de sociedades, os accionistas podem ter, também, um papel a desempenhar em termos de controlo mas, para que o mesmo seja eficaz, deve haver uma disposição que torne obrigatório publicar as actas num folheto informativo da medida objecto da assembleia.
No caso em apreço, os agentes competentes estão já a encontrar grandes dificuldades em recuperar os montantes, por exemplo em bancos norte americanos, porque as normas actuais dos Estados Unidos reservam tratamento preferencial aos credores desse país. Tem, portanto, de ser estabelecida uma verdadeira reciprocidade entre a Europa e os Estados Unidos nos processos de arresto de bens e capitais provenientes de actividades ligadas ao crime financeiro.
Numa democracia económica, que se consegue através da participação dos trabalhadores, porque não tornar obrigatória a representação, com uma função também de controlo, dos trabalhadores/accionistas nos conselhos de administração das sociedades cotadas na Bolsa?
Villiers (PPE-DE).–(EN) Senhor Presidente, como pudemos ouvir, o caso Parmalat foi uma catástrofe para os seus trabalhadores, investidores, aforradores, credores, clientes e, em verdade, para os mercados financeiros. É nosso dever, como legisladores e políticos, tentar encontrar maneira de responder a uma situação como esta e de impedir que este tipo de catástrofes se repita.
Como podemos assegurar que a informação sobre este tipo de conduta criminosa chegue até nós antes de a situação atingir as proporções catastróficas e desastrosas da Parmalat, antes de se instalar durante anos, como parece ser o caso da Parmalat? Deixo aqui um apelo a esta Câmara, no sentido de garantir que a nossa resposta seja proporcionada, ponderada e faça uma leitura desapaixonada dos acontecimentos, e de garantir ainda uma análise abrangente dos factos, dos erros – se é que houve – no que se refere à regulamentação, bem como uma reflexão sobre como melhorar o quadro regulamentar e jurídico, por forma a tentar impedir que casos como este se repitam.
Podemos orgulhar-nos do facto de este processo ter tido início antes do caso Parmalat vir a lume, porque, como se disse, estes escândalos têm ocorrido um pouco por todo o mundo. Enron foi o maior, mas há outros no conjunto da União Europeia. Algumas pessoas terão sido demasiado insensatas ao dizerem "bem, o caso Enron sucedeu nos EUA, mas nós não temos este tipo de problemas na União Europeia". Se o disseram, estarão certamente a sentir-se ridículas face aos acontecimentos, mas essa não foi a resposta generalizada, nem aqui, nem nos Estados-Membros, à crise Enron. Encarámos o que aconteceu e reagimos. Essa postura ajudar-nos-á, pois preparámos o terreno para tentar responder com eficácia a um acontecimento igualmente desastroso na própria União Europeia.
Como muitos mencionaram, precisamos de passar em revista o papel desempenhado pelos profissionais – bancos, auditores, agências de notação – envolvidos com a Parmalat, para tentar encontrar, de futuro, meios que garantam que estas pessoas não sejam enganadas, que estejam capacitadas para ajudar os aforradores e investidores na detecção deste tipo de fraude e que as disposições regulamentares a que estão sujeitas sejam adequadas; precisamos ainda de analisar se uma nova regulamentação asseguraria ou não uma maior aptidão para detectar este tipo de fraude. Porém, não devemos cometer o erro de tentar transformar auditores, advogados e agências de notação em polícias, porque muito simplesmente não funcionaria.
Há também que aceitar que o tipo de conduta fraudulenta e criminosa a que assistimos no caso Parmalat é algo que jamais pode ser eliminado por completo. Por muito eficaz e abrangente que a nossa regulamentação possa ser, haverá sempre este tipo de infractores e criminosos que violam as normas. O que há a fazer é concentrarmo-nos numa melhor aplicação das normas e disposições regulamentares que possuímos.
Para todos os efeitos, esta é a questão que se coloca aos Estados-Membros. Os Estados-Membros têm de consagrar mais recursos às suas forças policiais, em especial, às que se ocupam especificamente do crime financeiro. Essa é uma das maiores lições a aprender com o caso Parmalat. A resposta não será necessariamente introduzir toda uma série de regulamentação nova, que poderá acabar por revelar-se uma sobrecarga para os muitos intervenientes no mercado que têm uma conduta absolutamente honesta. Precisamos, sim, de mais cooperação entre as nossas entidades reguladores nacionais, não de uma única entidade reguladora da UE. Os Estados-Membros deverão afectar mais recursos ao combate ao crime financeiro e à formação de uma ampla e eficaz força policial apta a cumprir essa missão no futuro.
Berès (PSE).–(FR) Senhor Presidente, Senhor Comissário, Senhoras e Senhores Deputados, na sequência do caso Enron - e este é um dos pontos em que estou de acordo com a senhora deputada Villiers -, houve na Europa quem pensasse que este tipo de coisas eram típicas do capitalismo americano, mas não do europeu. Pois bem, o caso Parmalat demonstra que acontecimentos imprevisíveis do mesmo género não são estranhos ao capitalismo europeu do século XXI. Na realidade encontramo-nos perante algo, cujas implicações ultrapassam muito as do caso Parmalat e que diz respeito ao ajustamento de instrumentos que, na realidade, não modificámos fundamentalmente desde o século XIX, ao passo que, por seu lado, a natureza do capitalismo mudou muitíssimo. No século XIX, o capital e o trabalho constituíam forças opostas dentro de uma empresa. Desde então, o capital dispersou-se, e, com grande habilidade, descobriu mil e um processos de fazer sentir a sua presença. Entretanto, não existe mercado europeu ou mundial para o trabalho, que continua a contar apenas com a sua própria força.
Encontramo-nos perante quatro problemas importantes: a questão dos paraísos fiscais, a do modo como está organizado o capital, a do divórcio entre financiamento e produção e, finalmente, a da sorte dos assalariados e outros empregados. Nada mais, nada menos do que isso. Queria agradecer-lhe, Senhor Comissário, as propostas que está a avançar, porquanto constituem uma pequena semente lançada no longo caminho que conduz à regulação do capitalismo mundial. Disto isto, desejaria sublinhar dois ou três problemas decorrentes, a meu ver, das propostas que o senhor formulou. Penso que o senhor não partilha da opinião da senhora deputada Villiers, para quem a regulação do capitalismo apenas requeria um polícia a olhar por cima do ombro de cada banqueiro. Quanto a mim, há um ponto em que estou de acordo com ela: sempre haverá canalhas. Há-os, e sempre os haverá, no domínio dos transportes marítimos, pelo que também os há no domínio das finanças. E nunca nos veremos livres deles! O importante é não lhes darmos a mão! Actualmente, o moderno capitalismo funciona de molde a oferecer uma linha de salvação aos patifes do mundo da finança. Essas ajudas assumem a forma de paraísos fiscais, fraudes fiscais e estruturas ficais indecifráveis. O que nos incumbe combater é essa "indecifrabilidade", que nos impede de prender os culpados. É por esse motivo que temos de lutar com determinação contra esses paraísos fiscais, aumentando a pressão sobre eles, por todos os meios ao nosso dispor, quer se trate de embargos, quer se trate de boicotes. Se se boicota um país por não respeitar os direitos do Homem, por que não boicotar outro por lançar um véu sobre um fraudulento cambalacho capitalista? Parece-me tratar-se de um assunto digno de reflexão.
Além disso, se se pretende realmente conseguir que haja transparência, é preciso dar voto na matéria àqueles que podem funcionar como factor de equilíbrio. Com efeito, não se pode pretender melhorar a maneira de regular o funcionamento das empresas sem dar mais voto na matéria aos assalariados e outros empregados. Isto aplica-se ao debate que tivemos sobre o relatório do senhor deputado Katiforis, relativo às agências de notação de riscos, mas também à questão das ofertas públicas de aquisição, a respeito das quais o nosso Parlamento já deliberou, sem esquecer a questão dos conselhos de administração das empresas. Relativamente a este último ponto parece-me, Senhor Comissário, que o documento que submeteu à nossa apreciação, relativo à gestão de empresas, ainda fica muito aquém daquilo de que nós temos necessidade.
Concluindo, queria fazer notar que a vida das empresas é um assunto demasiado importante para ser deixado pura e simplesmente na mão dos financeiros.
Calò (ELDR). - (IT) Senhor Presidente, o caso Parmalat é de difícil resolução porque ainda não percebemos totalmente as responsabilidades e os complexos e ambíguos mecanismos que permitiram que acontecesse. Considerar que se trata de um problema meramente italiano é uma perspectiva limitada. Trata-se, na verdade, de um caso internacional de vastas proporções em que estão envolvidos importantes bancos.
Os prejuízos sofridos pelos aforradores são, em contrapartida, muito claros para todos. É neles que temos de pensar, e temos de procurar e estimular a aplicação de medidas adequadas, como tipos de seguro especiais, que possam indemnizar os pequenos aforradores afectados pelo colapso. Acresce que aquilo que foi descrito como a maior fraude financeira e contabilística alguma vez registada na Europa veio salientar dramaticamente a grave ausência de normas rigorosas e eficazes aptas a impedir casos de falsificação da contabilidade das empresas que, ao abrigo de uma recente lei italiana, foram descriminalizados. É fundamental que, num mercado comum como o Europeu, onde os Tratados estabelecem que os princípios constitucionais da livre circulação de pessoas, bens, capitais e serviços são aplicáveis, a Comissão intervenha no sentido de dar aos cidadãos maior protecção contra este tipo de fraude, e que o faça através de medidas comunitárias que reforcem o controlo das auditorias às contas das empresas da União.
Mas isto não chega. A Itália dos valores, presidida pelo senhor deputado Di Pietro e que faz parte do Grupo do Partido Europeu dos Liberais, Democratas e Reformistas, exige que, a nível europeu, sejam estabelecidas normas mais estritas para impedir qualquer tipo de colaboração económica ou financeira injusta a nível de empresa ou individual entre as empresas com actividade nos 25 Estados-Membros e estruturas que operam nos paraísos fiscais em "Estados pária". Em especial, um embargo económico estrito, vinculativo, obrigaria toda a comunidade internacional, incluindo os EUA, a agir de uma forma virtuosa, de modo a poder impedir a nova ocorrência de casos infelizes como aqueles de que temos estado a falar.
Cauquil (GUE/NGL).–(FR) Senhor Presidente, durante anos, o patrão da Parmalat deve ter usado com os seus 36 000 empregados, dispersos por trinta países, a mesma linguagem que todos os patrões usam com os seus trabalhadores. Devem ter-lhes dito que era impossível aumentar-lhes os salários, que era forçoso reduzir o número do pessoal, e que era a competitividade que o exigia. Pois bem, os trabalhadores desta empresa verificaram a incorrecção destas mentiras e que tinham sido espoliados. Quantos salários teriam podido ser aumentados com os 14 mil milhões de EUR desviados pelo patrão da Parmalat? Quantos despedimentos, pretensamente necessários, podiam ter sido evitados?
O cúmulo é o facto de todos os que foram cúmplices nestes desvios - bancos e administrações – irem continuar como anteriormente, enquanto os 36 000 trabalhadores da empresa correm o risco de perder o seu meio de subsistência e milhares de pequenos produtores de leite se encontram lesados. Entre as empresas, que os senhores dizem ser a maioria, com um comportamento ético e honesto, quantas mais Parmalat haverá que ainda não foram desmascaradas? Além disso, como será possível descobri-lo? Como é possível distinguir os patrões que procuram apenas o lucro daqueles que pretendem ser diferentes? E, a par do "gangsterismo" aberto dos patrões da Parmalat, e de muitos outros, quantas grandes empresas – todas, na realidade - praticam esta forma de "gangsterismo" - legal, neste caso - que consiste em fechar uma fábrica, pondo os trabalhadores na rua, simplesmente para realizarem mais alguns lucros na bolsa de valores? As suas leis dão aos patrões e aos conselhos de administração um poder ditatorial sobre as suas empresas.
Somos partidários de que os trabalhadores, os consumidores e a população possam controlar as empresas, as suas contas, a maneira como obtêm os seus lucros e a maneira como os utilizam. Cumpre que a comunidade possa vigiá-las permanentemente e impedir a tomada decisões que sejam manifestamente contra os seus interesses. Os paraísos fiscais não existem apenas nas Bahamas. Para os abolir aqui na Europa, seria necessário abolir o segredo bancário e os segredos comerciais.
Frassoni (Verts/ALE). - (IT) Senhor Presidente, casos há em que a Europa é verdadeiramente necessária, quando a rapidez de acção é sobremaneira importante e crucial para decidir se as nossas Instituições estão em posição de interpretar as necessidades dos cidadãos. Ora isso deve ser feito de uma forma visível e decisiva. Claro que nós não somos os Estados Unidos, Senhor Comissário Bolkestein; a nossa capacidade de acção é mais limitada, pois é restringida por rivalidades nacionais e direitos de veto diversos, especialmente nos domínios com que lidamos actualmente.
Acreditamos, contudo, que há espaço de manobra no caso Parmalat e a Comissão deve utilizá-lo. Temos, basicamente, de avançar em três direcções que, aliás, já foram mencionadas. Primeiro, a Comissão deve apresentar propostas sobre a conduta das sociedades quando operam em paraísos fiscais para esconder o seu dinheiro sujo. Entendemos que é possível dispor de uma legislação a nível europeu para tentar reduzir e impedir tal facto, que foi, afinal, uma das causas fundamentais para o que sucedeu na Parmalat. Isto, Senhor Comissário Bolkestein, vai muito além de uma proposta sobre branqueamento de dinheiro. Penso que, para podermos estar verdadeiramente do lado dos consumidores e dos aforradores, particularmente num período tão sensível do ponto de vista político, a Comissão devia formular uma proposta que os apoie claramente e isso - repito - vai muito mais longe do que as propostas hoje apresentadas.
Em segundo lugar, gostaria que o Comissário Bolkestein apresentasse uma proposta no sentido de garantir que os países da UE que controlam esses paraísos fiscais, que a eles têm acesso ou que dispõem de uma legislação na matéria especialmente laxista poderão ser persuadidos, de alguma forma, a mudar de orientação.
Em terceiro lugar, como o meu colega Jonckheer já sugeriu, o que pensa o Comissário Bolkestein de apresentar a posição da União Europeia sobre estes temas à Organização Mundial do Comércio?
Angelilli (UEN). - (IT) Senhor Presidente, como já referiram os meus colegas, o colapso financeiro da multinacional Parmalat foi um acontecimento muito grave para Itália e envolveu milhares de pequenos aforradores italianos; é provável que afecte a credibilidade financeira e, no futuro, que dê lugar a uma vasta desconfiança também dos investidores internacionais no nosso país.
Uma das causas de tal colapso financeiro foi, primeiro, a aprovação de balanços financeiros falsificados do Grupo Parmalat por uma das maiores empresas de auditoria, que se pensa tenha escamoteado a verdadeira situação dos activos da companhia. Mais ainda, é óbvio que os outros organismos envolvidos na auditoria financeira - Banca d'Italia e Consob - também não conduziram de modo adequado e oportuno as inspecções que se impunham. Várias das mais conhecidas instituições de crédito nos mercados financeiros globais - italianas e europeias - parece estarem igualmente envolvidas no assunto; emitiram uma quantidade incontrolável de títulos que já não são resgatáveis.
Por todos os motivos expostos, o caso Parmalat foi chamado o Enron europeu embora, na verdade, seja mais gravoso do que o escândalo americano, já que o PIB dos EUA é bastante superior ao de Itália.
Como todos sabemos, o colapso da Parmalat é, infelizmente, apenas o último de uma longa série de casos semelhantes que ocorreram em toda a Europa. O que podem, então, esperar os cidadãos italianos e europeus, eles que são, frequentemente, as vítimas deste aventureirismo financeiro? Julgo que esperam que sejam tomadas medidas urgentes e palpáveis, quer para proteger os trabalhadores do Grupo Parmalat, que é o caso específico em apreço, quer - de uma forma mais geral - para salvaguardar e compensar os aforradores afectados pelo colapso. Esperam, ainda, que sejam criados instrumentos para impedir que, de futuro, se verifiquem operações desta natureza e para restringir ao máximo a exposição dos pequenos aforradores.
Finalmente, gostaria de chamar a atenção do Senhor Comissário para dois últimos pontos: parece-me que já é tempo de criar um organismo de monitorização e controlo, a nível europeu - uma espécie de comité europeu dos valores mobiliários (SEC) - que tenha o direito de inspeccionar e impor sanções, sob controlo directo do BCE, e que possa verificar a eficácia e transparência do mercado de acções de forma a proteger o máximo possível os investidores. Por fim, devia ser estabelecida uma lista negra para garantir que são banidos os paraísos fiscais.
Della Vedova (NI). - (IT) Senhor Comissário Bolkestein, acolho favoravelmente as iniciativas que anunciou e as que recentemente foram tomadas. Justiça lhe seja feita por ter declarado, em pleno caso Enron, que a Europa não era imune a esse tipo de escândalo. Gostaria que ficasse bem claro que o escândalo Parmalat não afectou uma empresa sólida destruída por crimes financeiros; infelizmente para Itália, o escândalo Parmalat é o de um negócio fraudulento e ineficaz que alguém tentou salvar através de crimes financeiros.
Hoje dedicámos bastante tempo a debater, muito justamente, os controlos. Penso que o que está em causa é o papel dos bancos centrais nos Estados individuais. A Itália conferiu ao seu banco central determinados poderes no que respeita à concorrência e, logo, às leis antitrust, e desempenha um papel fundamental na orientação das actividades bancárias e, como consequência dessas actividades bancárias, em todo o sistema industrial. Considero que esta é uma aberração que deve ser eliminada e que a Europa, o Banco Central Europeu, a Comissão e o Conselho têm de tomar medidas para tal.
Penso, do mesmo modo, que temos de usar da máxima precaução, em resposta ao escândalo Parmalat, no que se refere a controlo dos balanços e a sanções. É uma boa ideia intensificar os controlos, mas não devemos impor restrições impossíveis ao mercado financeiro, que é fundamental para o desenvolvimento económico da Europa. Além disso, impõem-se sanções que, à semelhança dos controlos, permitam desencorajar comportamentos fraudulentos. Temos, em especial, de facultar aos consumidores um instrumento importante, o da acção de classe, com base no artigo 153º do Tratado, que permita desencorajar comportamentos fraudulentos de todas as partes.
Lehne (PPE-DE).- (DE) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, primeiro tivemos o caso Enron e o caso WorldCom. Agora, com a Parmalat, a Europa também foi apanhada. O facto puro e simples é que existem criminosos em todo o lado. Não há apenas pessoas boas, há também pessoas más e nós fizemos leis contra pessoas más. Infelizmente, as pessoas más por vezes violam as leis. Por isso, não me parece que faça sentido querer vir agora reinventar a roda e ponderar de novo se devemos ou não proibir, uma vez mais, todas essas coisas. Já eram proibidas antes.
O que temos de fazer é uma análise racional que defina onde podem ter existido falhas ao nível do sistema de supervisão e que tipo de aperfeiçoamentos podem ainda ser introduzidos ao nível da legislação. Estou muito grato, especialmente à luz das declarações feitas pelo Comissário e das propostas da Comissão, das quais já tomámos conhecimento, pelo facto de, contrariamente à América, não ser nossa intenção adoptar uma reacção exagerada na Europa, estando já, em vez disso, a tentar melhorar a situação jurídica existente através da adopção de medidas específicas. O nosso objectivo não é evitar por completo que este tipo de coisas aconteça no futuro - o que seria impossível -, mas torná-las menos prováveis. Creio que as propostas apresentadas pela comissão Winter no Relatório Winter II apontam exactamente neste sentido. O plano de acção da Comissão em matéria de modernização do direito das sociedades absorveu a essência das propostas formuladas no Relatório Winter II. Não vou entrar em detalhes, pela simples razão de o plano de acção da Comissão em matéria de modernização do direito das sociedades estar a ser objecto de uma consulta especial, que envolve a apresentação de um relatório separado ao Parlamento.
A título de exemplo, gostaria apenas de referir dois pontos. Saúdo muito especialmente o facto de a Comissão ir apresentar em breve a 8ª Directiva, mas penso que, independentemente das inúmeras boas ideias que ela contém, talvez devêssemos considerar a hipótese de tornar determinados aspectos um pouco mais consistentes. Considero escandaloso que continue a ser possível às empresas de auditoria fazer consultoria e, ao mesmo tempo, realizar auditorias para grandes sociedades cotadas na bolsa, pelo menos na Europa. Defendo o princípio segundo o qual uma empresa que é responsável pela auditoria, não pode fazer consultoria e, se faz consultoria, não pode ser responsável pela auditoria. Isso não afectaria de todo o mercado, em nenhum dos casos, já que o bolo continuaria do mesmo tamanho, só que as suas fatias passariam a ser cortadas de forma diferente. Neste sentido, regozijo-me vivamente com o facto de as propostas legislativas elaboradas na América irem também ter impacto a nível das empresas de auditoria internacionais que operam na Europa.
No que diz respeito a outros domínios, por vezes duvido que as propostas da Comissão façam sentido; por exemplo, a exigência prevista na directiva sobre a transparência, relativa à prestação obrigatória de informações trimestrais por parte das empresas em toda a Europa. A este respeito, queria apenas observar que empresas como a Enron, a WorldCom e outras apresentaram, todas elas, relatórios trimestrais desse tipo. Infelizmente, eram todos falsos. É por essa razão que não creio que este instrumento seja realmente útil. Não interessa fornecer informações em excesso, mas sim obter a informação correcta, de que os investidores necessitam para tomar decisões.
Com isto concluo a minha intervenção e agradeço a atenção dispensada.
Goebbels (PSE).–(FR) Senhor Presidente, Senhor Comissário, Senhoras e Senhores Deputados, na sua "Breve História da Euforia Financeira", John Kenneth Galbraith denunciou a crença, segundo a qual, e passo a citar: "O êxito económico e a inteligência andam de mão dada".
O caso Parmalat é a ilustração perfeita desse facto, porque, aparentemente, o fundador da Parmalat tinha êxito económico. O mundo da finança, dos meios de comunicação social e os círculo políticos satisfaziam-se com a aparência de êxito, e nem os auditores, nem os banqueiros, nem as agências de notação, nem mesmo os reguladores italianos, jamais puseram em dúvida as contas publicadas pela Parmalat. A lista das empresas que deram mostras, sobretudo, da sua inteligência criminosa para enganar os eufóricos mercados financeiros tornou-se extremamente longa, no decurso destes últimos anos.
Da Enron à Parmalat, são inúmeras as empresas aparentemente respeitáveis que acabaram por manipular as suas contas a fim de não sofrerem revezes na bolsa. Todos estes escândalos financeiros são produto da crença, espalhada pelos mercados, segundo a qual é possível tornar-se muito rico num curto espaço de tempo, sem para isso correr qualquer risco. Ora, os grandes lucros são geralmente fruto da assunção de grandes riscos. Quando os riscos assumidos não produzem lucros, mas sim perdas, torna-se grande a tentação de ocultar temporariamente essas perdas, para as compensar rapidamente com um lucro baseado no assumir de um risco ainda maior.
Mobilizando todos os recursos da engenharia financeira, as perdas são encerradas em veículos especiais, surgindo inflacionadas através de operações simuladas, como a venda fantasma pela Parmalat de leite em pó ao regime cubano, e mostrando lucros inexistentes, graças a uma contabilidade criativa. Perante estes escândalos, o mundo dos negócios continua a ser afectado pela mesma miopia.
Fui relator do Parlamento para a Directiva relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado). No desempenho dessa tarefa, consultei os círculos financeiros, para o que recebi um número impressionante de frequentadores das antecâmaras do Parlamento. Nessa altura, foi-me dado ouvir frequentemente - demasiado frequentemente - que a Enron era apenas um caso isolado, produto da exuberância irracional do mercado americano, mas que na Europa era absolutamente diferente. Sabemos agora que a energia criminosa se encontra equitativamente dividida entre os dois lados do Atlântico.
Existe apenas um processo de evitar os escândalos financeiros. Tem de haver cooperação entre a Europa, os Estados Unidos, o Japão e todos os centros financeiros importantes. É necessário haver transparência, a par de um quadro regulamentar coercivo, que se deve impor igualmente aos paraísos fiscais, aos centros offshore e a outros buracos negros da finança internacional. Não é uma questão de proibir às ilhas das Caraíbas ou do Pacífico brincar com os grandes e de oferecer estruturas de acolhimento no mundo dos negócios, mas sim de proibir os grandes bancos americanos, europeus e japoneses de financiar o que quer que seja através de sociedades-fantasma situadas nas ilhas onde não existe supervisão nem regulação, se esses bancos não puderem garantir a legalidade dessas operações.
O instrumento para o conseguirmos devia consistir em novas regras que presidem à adequação de capitais para os bancos, quer dizer, aquilo a que, no nosso jargão, se chama o Acordo de Basileia II. Convinha, além disso, evitar conflitos de interesses entre as diferentes funções de supervisão, auditoria, etc., não se tratando, porém, de punir os bancos e outros operadores financeiros. Especialmente, se quisermos que a economia de mercado tenha uma dimensão social, ela tem necessidade de empresários empreendedores e circuitos financeiros inovadores que os financiem, impondo-se, porém, fazer tudo quanto for possível para gerir estes mercados, de molde a assegurar que assalariados, subcontratantes, fornecedores e accionistas se não tornem vítimas de criminalidade económica a operar sob o manto da respeitabilidade.
Andria (PPE-DE). - (IT) Senhor Presidente, Senhor Comissário Bolkestein, Senhoras e Senhores Deputados, o colapso da Parmalat e outras preocupantes crises financeiras que se verificaram antes e depois revelaram as limitações das normas que regem os nossos mercados financeiros.
Tal como aconteceu nos Estados Unidos em pleno caso Enron e, no Reino Unido, com os seus 34 escândalos de incumprimento, também em Itália imediatamente percebemos a necessidade de introduzir legislação rigorosa para proteger de forma mais eficaz os aforradores e - num sentido mais vasto - para tentar limitar o descrédito que, inevitavelmente, afectaria o mercado financeiro implicado.
Nestes casos, porém, temos de deixar de parte reacções emocionais e, sobretudo, não podemos deixar-nos influenciar pela aparência, por muito séria que seja, do que aconteceu e pelos incentivos que daí possam resultar. Do mesmo modo, não concordo com medidas de excepção como a possibilidade de uma super-autoridade de controlo, porque correríamos o risco de criar um novo órgão que iria sentir dificuldades em dar qualquer contributo adicional a um meio que tem de ser reestruturado.
As medidas vigentes devem ser bem aplicadas e têm de ser revistas. A lei das falências poderia desempenhar, igualmente, um papel fundamental: o princípio par condicio creditorum e o "período suspeito" deveriam, também, ter um papel tanto na administração extraordinária como na administração controlada. Assim, a protecção dos credores sairia reforçada. Para além disso, o sistema de crédito, que não é, decerto, isento de culpa no caso Parmalat, não seria o único árbitro dos acontecimentos. Estes seriam, no entanto, submetidos à avaliação de um juiz nomeado.
Ainda quanto a medidas de grande fôlego, seria necessário aumentar a informação disponível sobre todos os produtos financeiros à disposição do público, quer em prospectos a publicar previamente quer em comunicações posteriores, e eliminar o problema da descoordenação da informação sobre os vários produtos financeiros à venda ao público. O controlo da transparência deve ser alargado a tudo, incluindo aos produtos bancários e de seguros que contêm um conteúdo de gestão e que são disponibilizados aos aforradores. Será inevitável estabelecer áreas de incompatibilidade mais rigorosas de forma a salvaguardar a independência dos órgãos de inspecção. No caso das empresas que emitem títulos, porém, é necessário fazer mais: serão emitidos documentos que vinculem a empresa, que definam aquilo que poderá fazer, quando o poderá fazer e que com que investimentos. Mas, acima de tudo, e a par dos revisores de contas, haverá que criar uma figura que há dez anos já existe nos Estados Unidos: o responsável pela ética (ethics officer). Esta figura, cujo papel consiste em escutar, em identificar sinais, deverá ter a capacidade de entender os mínimos sinais de perigo que escapam aos analistas, que se centram nas evidências. Da leitura do trabalho do responsável pela ética será possível inferir não só os resultados de gestão mas - no exterior - a dimensão da fiabilidade da empresa.
Ettl (PSE). - (DE) Obrigado, Senhor Presidente. O caso europeu da Parmalat não é menos devastador que o caso da WorldCom, o maior escândalo financeiro americano de que há memória. Obviamente, o facto de o escândalo da Parmalat ter envolvido também uma empresa austríaca preocupa-me particularmente. Temos estado a debater mecanismos de auditoria europeus e legislação financeira desde que rebentaram os grandes escândalos nos EUA, há cerca de três anos atrás. Infelizmente, continua a verificar-se que há pessoas que querem mais mecanismos de controlo e outras que querem menos. Em relação a esta questão - esta questão objectiva -, não há praticamente meio-termo; em vez disso, o que temos, em meu entender, é uma disparatada polarização política.
Ainda ontem debatemos a questão das sociedades de notação (rating). Tal como é já habitual nessas situações, os conservadores votaram contra a aplicação de melhores e mais rigorosos mecanismos de controlo, tendo aceite, desta forma, o oligopólio da auditoria e da avaliação tal como o conhecemos, sem que isso lhes merecesse qualquer observação em particular. Como devemos encarar esta situação do nosso ponto de vista? Trata-se de uma questão de gosto.
Em breve teremos a oportunidade de votar a directiva relativa às fusões transfronteiriças de sociedades de capitais. Está já a tornar-se evidente que existe uma intenção de afastar o âmbito desta directiva dos interesses dos trabalhadores e de melhores mecanismos de controlo. Todavia, a actual regulamentação financeira na UE permite que sistemas financeiros que pequem por falta de transparência prossigam políticas fraudulentas. Os paraísos fiscais continuam a ser mantidos, apesar de há vários anos nos serem dirigidos apelos no sentido da sua regulamentação. É absolutamente inaceitável que os mecanismos reguladores e de controlo europeus tenham mais buracos do que um queijo suíço, abrindo as portas à fraude. Se formos incapazes de actuar neste momento, perderemos a confiança dos trabalhadores que estão actualmente a perder os seus empregos, bem como a dos investidores nos mercados de capitais - confiança essa que é nosso desejo assegurar.
Inglewood (PPE-DE).–(EN) Senhor Presidente, o escândalo Parmalat engloba uma série de crises absolutamente distintas. Em primeiro lugar, a fraude cometida foi de proporções gigantescas; em segundo lugar, verifica-se uma crise sistemática no mercado e, em terceiro lugar, Itália, onde vive a maioria dos afectados, é palco de um drama social considerável.
Não gostaria de fazer mais observações sobre a fraude ou os problemas que possam existir em Itália. Preferia falar sobre os seus efeitos nos mercados. Sucede que, por vezes, nos esquecemos de que uma das lições do Sec. XX foi a comprovação inequívoca de que devemos apoiar a ideia de que os mercados são o melhor motor de prosperidade e a melhor maneira de criar emprego que pudemos encontrar no mundo. Fica, pois, claro que o bom funcionamento dos mercados é essencial para o bem-estar colectivo no futuro. Estes mercados devem ser organizados de modo a dificultar a criminalidade. Contudo, da mesma maneira que é impossível organizar a cidade de Estrasburgo de modo a que não haja qualquer possibilidade de ser atacada, também é impossível organizar os mercados financeiros de modo a inviabilizar, seguramente, qualquer possibilidade externa de ocorrer um crime fraudulento. É preciso reconhecer isto.
Em segundo lugar, é importante que os investidores tenham confiança no mercado. As declarações e provas que uma empresa produz sobre si própria devem ser transparentes, sendo que as normas sobre a forma como essa informação é reunida devem ser incontestáveis. Saúdo as observações do Senhor Comissário Bolkestein sobre a sua revisão das auditorias e das normas que regulam as auditorias.
Da mesma maneira, a governação das sociedades no mercado deve ser irrepreensível no que toca ao processo decisório. Mais uma vez, saúdo as observações do Senhor Comissário na sua declaração. Além disso, as informações que são avançadas nos mercados e as recomendações transmitidas aos seus eventuais participantes devem ser tais que eliminem qualquer sugestão de impropriedade. Vejo-me obrigado a perguntar – e talvez diga isto como alguém que não participa nas próximas eleições – se se poderá dizer o mesmo sobre as declarações que os partidos políticos irão proferir na próxima disputa eleitoral.
Não podemos também esquecer que mesmo quando são os bancos a sofrerem, claramente, prejuízos avultadíssimos, há boas razões para ver que, num mundo em que os regimes de pensões privados estão cada vez mais a ser a norma, são os cidadãos comuns os prejudicados com estas catástrofes financeiras. É a confiança do pequeno investidor – quer seja directamente ou através de fundos de pensões - que adquire uma enorme importância para os mecanismos do capitalismo do Sec. XXI.
Muitos oradores mencionaram a questão da regulamentação. A regulamentação é a resposta, mas não o excesso de regulamentação. Essa tem de ser a lição a tirar desta crise.
Bolkestein,Comissão.(EN) Gostaria de começar por agradecer aos deputados deste Parlamento os seus comentários à minha intervenção no princípio do debate, bem como outras observações sobre esta importante questão. Gostaria de retomar alguns pontos no encerramento do debate, tendo em conta a importância da matéria que está em discussão.
Em primeiro lugar, gostaria de dizer alguma coisa sobre o aspecto verdadeiramente importante deste caso: os paraísos fiscais e sociedades instrumentais offshore. Há ainda que esclarecer toda a complexidade da situação no caso Parmalat, no que se refere à utilização de centros financeiros offshore e sociedades instrumentais. Torna-se evidente que é chegada a hora de introduzir alguma ordem efectiva neste domínio. Todos estes tipos de operações especiais deviam responder a três requisitos: em primeiro lugar, deveriam constar das contas da sociedade; em segundo lugar, a sociedade em questão devia explicar a sua finalidade – por que razão é que a sociedade utiliza estas sociedades instrumentais? – e, em terceiro lugar, as empresas de auditoria deveriam ser responsabilizadas por verificar se o que supostamente lá deve estar, está de facto. Tem de passar a haver um maior controlo destas estruturas empresariais altamente complexas.
Na mesma linha, a Comissão considerará requisitos, com vista a uma maior divulgação, no quadro da revisão da quarta e sétima Directivas relativas ao Direito das Sociedades. Estas alterações deverão ser adoptadas até Setembro de 2004. A questão da transparência dos mecanismos empresariais e outras normas jurídicas está a ser considerada pela Comissão, quer internamente, no seio da União Europeia, quer também num contexto internacional.
Em segundo lugar, gostaria de me debruçar um pouco sobre a questão das auditorias. Seria caso para perguntar se, sistematicamente, se verifica um fracasso da função da auditoria; embora entenda que o auditor tem um papel importante a desempenhar na garantia de uma informação financeira adequada, este não é o único factor a escrutinar. Importa ter uma perspectiva mais alargada das responsabilidades relativas ao controlo de gestão e ao funcionamento do mercado de capitais. Para além dos auditores, há também que questionar o papel da gestão, dos directores não executivos, das normas relativas ao governo das sociedades, das agências de notação de risco – tal como se mencionou esta tarde – e dos bancos de investimento.
Em relação aos auditores, creio que é preciso uma maior firmeza para resistir a uma contabilidade imprópria e a uma pressão comercial indevida por parte das entidades inspeccionadas. A Comissão proporá, na sua futura directiva, várias medidas susceptíveis de ajudar os auditores a serem firmes; por exemplo, os requisitos de independência, a forte visibilidade pública, a comunicação com os comités de auditoria e rigorosos controlos de qualidade externos.
Podemos também perguntar se há algum problema no plano da contabilidade. Aparentemente, a legislação actual italiana sobre as contas anuais não exige nem uma demonstração dos fluxos de caixa nem muita informação sobre os derivados financeiros e o seu impacto na posição financeira. A Directiva que altera as 4ª e 7ª Directivas relativamente às regras de valorimetria aplicáveis às contas anuais e consolidadas de certas formas de sociedades, bem como dos bancos e de outras instituições financeiras, adoptada em 2001, está em vigor desde Janeiro de 2004. A Directiva impõe uma divulgação detalhada dos instrumentos financeiros como por exemplo o justo valor dos instrumentos financeiros, informação sobre a sua extensão e natureza e um quadro dos movimentos pelo justo valor. As contas anuais elaboradas, com base nas normas internacionais para a contabilidade, que requerem uma demonstração dos fluxos de caixa e também uma contabilidade pelo justo valor, teriam reflectido melhor a verdadeira posição financeira da Parmalat e poderiam ter evitado a fraude, pelo menos à escala a que sucedeu.
A seguir, coloca-se a questão do governo das sociedades. O nº 7 da resolução afirma que as orientações políticas do plano de acção sobre o governo das sociedades baseiam-se principalmente na transparência e na divulgação da informação. É absolutamente verdade, há de facto importantes iniciativas ao nível da transparência e da divulgação da informação, mas o plano de acção contem igualmente iniciativas significativas, as quais são introduzidas por via das directivas: sugere normas vinculativas proporcionadas e adequadas, por exemplo sobre os direitos dos accionistas e também sobre a responsabilidade dos administradores.
No que se refere aos administradores independentes, o plano de acção anuncia uma recomendação que visa promover o seu papel, pelo menos assente na filosofia comply or explain (ou cumpre ou explica). É pois verdade que a divulgação da informação é fundamental. Mas as consultas levadas a cabo sobre o plano de acção mostraram que há dúvidas sobre se uma abordagem baseada em normas vinculativas para a composição e o papel dos conselhos de administração faria assim tanto sentido.
Por último, para concluir este importante debate, gostaria de citar o senhor deputado Fava, que afirmou que se impõem "normas globais". Concordo. Mas não é assim tão fácil chegar a normas globais. A OMC foi aqui mencionada. É uma possibilidade. A OCDE desenvolve um grande trabalho nesta área, e há que ter cuidado para não andar com a carroça à frente dos bois. Gostaria pois de apoiar a OCDE tanto quanto possível no seu trabalho.
O senhor deputado Jonckheer afirmou que esta é uma oportunidade de ouro para mostramos aos cidadãos qual é a nossa função aqui. O senhor deputado tem razão porque, tal como muitos oradores disseram neste debate, é o cidadão comum o primeiro a ser lesado e a perder os seus direitos como pensionista ou os seus empregos. Temos de deixar claro que a União Europeia está a dar os passos necessários para pôr um ponto final neste género de práticas, e talvez as próximas eleições parlamentares oferecem uma boa oportunidade para o fazer.
O senhor deputado Jonckheer também perguntou se os administradores estarão à altura da tarefa. Essa é uma pergunta pertinente. Será que as medidas tomadas pela Comissão, Conselho de Ministros e Parlamento são suficientes? Tal como os senhores deputados Lehne e Lord Inglewood afirmaram, não é possível dar uma garantia absoluta. Não é possível dar garantias de que situações desta natureza não se repetirão – as garantias só existem para aspiradores! Trata-se de algo que não podemos fazer, podemos, sim, fazer com que as pessoas mal intencionadas se deparem com inúmeras dificuldades para prosseguir com a sua conduta. Estamos um pouco entre a espada e a parede, por um lado entre o senhor deputado Jonckheer, que afirma que devemos garantir que este tipo de situações jamais se repitam, e por outro lado, os senhores deputados Della Vedova, Lehne e Lord Inglewood, que afirmam que é impossível evitar completamente a fraude. Mas podemos torná-la mais difícil.
As acções levadas a cabo pela Comissão e pela União Europeia dificultam de facto muitíssimo a possibilidade de este tipo de situações se repetirem. Espero que todos os deputados deste Parlamento colaborem com a Comissão para deixar claro ao eleitorado que estamos, Comissão, a fazer o nosso trabalho e que os deputados ao Parlamento Europeu também estão a fazer o seu trabalho para impedir que situações como esta voltem a acontecer.
Frassoni (Verts/ALE).–(EN) Senhor Presidente, trata-se de um pequeno esclarecimento apenas. O Senhor Comissário, no início do seu discurso, fez referências aos bancos offshore e enumerou alguns critérios. Quererá isso dizer que tenciona propor legislação nesta matéria?
Bolkestein,Comissão.(EN) Senhor Presidente, tal como disse, a frase chave é a seguinte: "torna-se evidente que é chegada a hora de introduzir alguma ordem efectiva neste domínio". Mencionei a formulação de três requisitos: as operações especiais deveriam constar das contas das sociedades; a sua finalidade deve ser explicada – por que razão a companhia recorre a essas operações; e a empresa de auditoria deve ser responsável pela verificação das contas. Estamos a ponderar requisitos mais exigentes em matéria de divulgação nas alterações à quarta e sétima Directivas relativas ao Direito das Sociedades que deverão ser adoptadas em Setembro, mas não sei se essas alterações chegam para controlar toda a actividade empresarial dos paraísos fiscais offshore e das sociedades instrumentais. Contudo, estes três requisitos que acabei de enunciar deverão certamente ser concretizados e temos de encontrar um meio para o fazer.
Presidente. – Para concluir este debate, comunico que recebi seis propostas de resolução de seis grupos políticos.(1)