Presidente. – Seguem-se na ordem do dia as declarações do Conselho e da Comissão sobre a redução da dívida dos países em desenvolvimento.
Schmit,Conselho.(FR) Senhor Presidente, este debate sobre a redução do peso da dívida realiza-se num momento oportuno. As discussões sobre uma redução do peso da dívida dos países gravemente afectados pela catástrofe no oceano Índico estão a ter lugar em Paris. Essa redução deve ser significativa e implementada rapidamente. Aliás, posso também adiantar que o Clube de Paris se reúne hoje mesmo para discutir a possibilidade de uma moratória sobre as dívidas dos países que pretendem obter essa redução.
Reconheçamos no entanto que a situação do Iraque, que deu origem a toda esta celeuma e debate, é absolutamente específica e excepcional. A redução do peso da dívida a favor da República do Iraque, e diria uma redução significativa da dívida, decidida pelo Clube de Paris em Novembro, é sem dúvida alguma indispensável para a reconstrução económica deste país e para o renascimento de um Iraque soberano, dotado de instituições democráticas e legítimas.
Porém, e como acabei de dizer, a questão da redução necessária da dívida no caso do Iraque também se coloca – e permitam-me dizer que com a mesma urgência – no caso dos países menos avançados. Seria incompreensível, para não dizer absurdo, que a redução do peso da dívida fosse concedida apenas a países vítimas de uma catástrofe natural ou de um conflito. A pobreza absoluta é geradora de verdadeiras catástrofes quotidianas, na forma de subnutrição, analfabetismo crónico, elevadas taxas de mortalidade infantil, SIDA, e por aí adiante. A pobreza bloqueia o desenvolvimento e favorece toda espécie de conflitos causando milhares, na verdade, milhões de mortes, muitas das vezes ignoradas e silenciadas pelos meios de comunicação.
Consideramos, pois, que a redução do peso da dívida dos países mais pobres está no centro da luta contra pobreza, assim como do apoio a uma política de erradicação da pobreza e de relançamento de um processo de desenvolvimento conforme aos Objectivos do Milénio.
Um nível elevado de endividamento, bem como um encargo da dívida que deixou de ser proporcional à capacidade económica de um país, bloqueiam qualquer perspectiva de desenvolvimento e conduzem, paradoxalmente, não ao esperado ciclo económico favorável, mas a um empobrecimento vertiginoso das populações dos países mais pobres.
Perante esta situação, a União Europeia não ficou inactiva, nem o ficará no futuro. Foram assumidos compromissos de ordem prática na Conferência de Monterrey, sendo que o Conselho "Assuntos Gerais e Relações Externas" de Abril debaterá uma eventual revisão dos mesmos. Os esforços de redução do peso da dívida a favor dos países menos avançados tomaram forma na Iniciativa PPAE, (Países Pobres Altamente Endividados) proposta pelo Banco Mundial e pelo FMI em 1996 e reforçada em 1999. Trata-se de uma abordagem coordenada que visa reduzir a dívida dos países mais pobres para um nível sustentável, incluindo não só a dívida pública, bilateral e multilateral, mas também a dívida comercial. A presente iniciativa tem o potencial de ajudar quarenta e dois países, trinta e oito dos quais são países da África Subsariana. Os resultados alcançados até à data são positivos, mas insuficientes. Teve um impacto diminuto na dívida comercial. A União Europeia é responsável por cerca de 60% do financiamento da iniciativa PPAE. Há um certo número de credores que ainda não procederam a uma redução do peso da dívida.
A futura Presidência britânica, quer do G8, quer da União, fez da redução do peso da dívida dos países menos avançados um objectivo prioritário. Propomo-nos a trabalhar em estreita colaboração com o Reino Unido para que a União Europeia desenvolva uma abordagem coerente e ambiciosa nesta matéria.
A redução do peso da dívida deve continuar a ser um dos objectivos prioritários da política de cooperação e desenvolvimento da UE. Um objectivo que não pode ser apartado das outras políticas: política comercial, incluindo a adopção de um novo sistema de preferências generalizadas, conclusões positivas da ronda de Doha favoráveis aos países em desenvolvimento, aumento da ajuda ao desenvolvimento orientado para a erradicação da pobreza, apoio a uma boa governação, bem como à resolução e prevenção de conflitos.
Potočnik, Comissão. – (EN) Senhor Presidente, todos estamos de acordo em que para alguns países em desenvolvimento a dívida externa constitui um importante obstáculo ao crescimento e ao desenvolvimento. Devíamos reconhecer os méritos da iniciativa do alívio da dívida actualmente aplicada, Iniciativa a favor dos Países Pobres Altamente Endividados – ou PPAE -, lançada em 1996, a iniciativa mais global em matéria de redução da dívida jamais adoptada. Esta iniciativa irá reduzir em cerca de dois terços o ónus da dívida externa dos países pobres altamente endividados, demonstrando o seu compromisso com a redução da pobreza.
A Comissão e os Estados-Membros foram além dos desejos dos PPAE. A maior parte dos Estados-Membros comprometeram-se a anular 100% das dívidas bilaterais. A Comissão fez o mesmo em relação aos empréstimos especiais aos países menos desenvolvidos elegíveis para a iniciativa de alívio da dívida dos PPAE. Todavia, actualmente é amplamente reconhecido que o alívio da dívida dos PPAE não garantirá a sustentabilidade da dívida a longo prazo. É evidente que é necessário fazer mais em prol dos países pobres que beneficiam da Iniciativa PPAE. Está a aumentar a pressão no sentido de se alargar o alívio da dívida a outros países em desenvolvimento.
O Banco Mundial e o FMI estão a desenvolver um novo plano para sustentabilidade da dívida a longo prazo em países de baixos rendimentos, o que devia ajudar a evitar a acumulação de novas dívidas. A Comissão está a acompanhar de perto este debate a fim de assegurar a transparência do processo de tomada de decisões. O Clube de Paris, constituído por governos credores, desenvolveu a chamada abordagem de Evian para tratar com países não PPAE. Essa abordagem tem em conta considerações em matéria de sustentabilidade da dívida, o que permite ao Clube de Paris ajustar a sua resposta à situação financeira do país devedor e tornar a solução das crises mais ordenada, oportuna e previsível. Exemplo de aplicação destas novas regras foi o caso do Iraque.
A Comissão não é, a priori, contrária ao alívio da dívida a favor de países com rendimentos médios, e apoia a abordagem Evian do Clube de Paris, que tem em consideração a situação financeira de cada um dos países, em vez de estabelecer termos-padrão, como se fez no caso do Iraque. O Iraque não é devedor à Comissão. Todavia, em sinal de solidariedade com o povo iraquiano, a Comunidade prometeu formalmente na Conferência de Madrid um contributo de 200 milhões de euros para o Fundo Internacional de Reconstrução do Iraque. Contudo, a Comissão não deseja que, quer através do alívio da dívida, quer através de outros mecanismos, a ajuda ao Iraque seja concedida a expensas dos países mais pobres.
Mais recentemente, o RU e os EUA requereram o cancelamento de 100% da dívida multilateral dos países de baixo rendimento, muito embora com diferentes abordagens relativamente ao seu financiamento. A proposta de cancelamento total pode parecer atraente, mas implica riscos, em termos de atribuição da ajuda.
O estudo financeiro levado a cabo pela Comissão demonstra que a iniciativa PPAE já distorceu a atribuição de ajuda porque os níveis de alívio de débito não constituem indicadores de pobreza, nem – o que é muito importante – reflectem capacidade de fazer frente à pobreza. Os países que mais beneficiam da iniciativa de modo algum são os que têm melhor desempenho ou os mais pobres do grupo.
Seguem-se alguns exemplos que ilustram a minha afirmação. O país que, numa base per capita, mais beneficia da redução da dívida dos PPAE é a Guiana, que recebeu 769 USD per capita, e ocupa o 92º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano. Todavia, a Nigéria, que ocupa o 174º lugar nesse mesmo índice, recebe apenas 48 USD de redução per capita.
A anulação total da dívida de todos os países africanos levaria a desigualdades consideráveis entre eles na distorção da ajuda, medida pelos seus níveis relativos de pobreza. A Eritreia – um dos países mais pobres de África – receberia 56 USD per capita, enquanto a República das Seicheles, um dos países mais ricos do continente, receberia 2572 USD per capita, o que constitui uma diferença enorme.
Maior alívio da dívida poderia levar a maiores distorções da atribuição de ajuda. Num mundo de recursos limitados, o alívio da dívida concedido a países de rendimento médio não devia reduzir o montante disponível para os mais necessitados.
Logo, o alívio da dívida constitui um mau mecanismo de atribuição de ajuda, podendo, no entanto, constituir um bom processo da sua distribuição, uma vez que proporciona um método rápido de pagamento, assegurando um fluxo previsível de recursos directamente para o orçamento, com limitados custos de transacção.
Além disso, podia ser utilizado para proteger países vulneráveis, de baixos rendimentos, dos efeitos de choques exógenos. Em tais casos, algum alívio temporário da dívida podia ajudar a mitigar os efeitos adversos dos choques externos sobre as políticas de redução da pobreza dos países beneficiários. O mesmo acontece com as moratórias que, como já foi referido, foram hoje objecto de discussão por parte da Presidência em Paris, a respeito dos países afectados pelo tsunami.
Em resumo, o alívio da dívida não constitui uma panaceia que, por si mesma, crie novos recursos, nem se traduz automaticamente em serviços destinados a pessoas necessitadas, nem em crescimento económico. Pode, contudo, constituir um processo eficaz de entrega do apoio e um bom processo de proporcionar ajuda rápida após choques. Para fazer frente à pobreza e atingir os objectivos de desenvolvimento do milénio, o verdadeiro desafio é assegurar níveis adequados de financiamento do desenvolvimento. Temos de chegar a acordo sobre novos objectivos, suficientemente ambiciosos, em matéria de ajuda oficial para o desenvolvimento por volta de 2009, para termos uma verdadeira perspectiva de os atingir. O alívio da dívida pode constituir um instrumento útil nessa procura, mas de modo algum pode oferecer uma resposta verdadeiramente global.
Martens (PPE-DE),em nome do grupo. – (NL) Senhor Presidente, o peso da dívida é um problema grave, que volta agora a ser objecto de uma atenção acrescida como possível meio de ajuda no processo de reconstrução das regiões atingidas pelo tsunami. A apraz-me ver o tema da redução do peso da dívida inscrito no topo da agenda. A redução do peso da dívida é um Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Os encargos dos juros oneram frequentemente os orçamentos dos países em desenvolvimento, impedindo, em certos casos, que estes continuem a desenvolver-se.
Temos de procurar uma maneira de resolver este problema, mas o tema é complexo e não se presta a ser tratado de forma impulsiva. Posso imaginar que para os países afectados pelo tsunami possa ser concedida uma prorrogação do pagamento de juros e de amortização, mas, em geral, o alívio da dívida não deve depender de acontecimentos trágicos incidentais.
Há uma diferença entre anulação e alívio da dívida. O nosso grupo não é favorável à anulação geral de todas as dívidas, como alguns membros desta Assembleia defendem. Dizemos "sim" à redução do peso da dívida, mas apenas onde tal for necessário, apenas para os países mais desfavorecidos, e sempre sob determinadas condições. O nosso contributo para a resolução, enquanto Grupo do Partido Popular Europeu (Democratas-Cristãos) e dos Democratas Europeus, foi a seguinte declaração, à qual o Senhor Comissário já fez, de facto, referência: o alívio da dívida não é uma panaceia contra a pobreza.
Temos de compreender que o montante que pode vir a ser anulado irá ser deduzido dos montantes disponíveis para a cooperação para o desenvolvimento. O alívio da dívida não oferece por si só novas fontes de rendimento a um país, não constrói escolas ou hospitais, nem tão-pouco reduz a pobreza nesse pais; o alívio da dívida não incentiva por si só a continuação do desenvolvimento. Após a anulação, os montantes disponíveis para esse efeito serão consideravelmente mais baixos. Quando se trata do desenvolvimento de um país, uma grande parte da responsabilidade pertence a esse mesmo país. O alívio da dívida só é útil se for aliado a uma boa governança, à democracia, ao respeito dos direitos humanos e ao investimento na própria população; em suma, se o dinheiro chegar realmente aos mais pobres. A redução do peso da dívida não pode, portanto, ser um objectivo em si; só é significativo se constituir efectivamente um estímulo ao desenvolvimento. Então, podemos ser generosos, mas – como acontece com todas as formas de cooperação para o desenvolvimento – essa generosidade não pode ser incondicional.
PRESIDÊNCIA: KAUFMANN Vice-presidente
Carlotti (PSE), em nome do grupo.–(FR) A União Europeia e a comunidade internacional preparam-se para anular uma parte da dívida iraquiana e, neste momento, a dívida dos países destruídos pelo tsunami. Embora me regozije com estas medidas, estas não deixam de ser reacções a quente, associadas a uma actualidade premente. A verdade é que toda a problemática da dívida do Sul tem de ser abordada com o mesmo carácter de urgência e com a mesma celeridade, pois a realidade consternadora com que somos confrontados obriga de facto a actuar com urgência.
O montante anual do reembolso da dívida do Sul excede largamente o montante anual da ajuda pública ao desenvolvimento e é o Sul que financia o Norte. Em vinte anos, os países do Sul terão já reembolsado seis euros por cada euro emprestado e ainda lhes serão pedidos mais quatro. Para que o Sul possa avançar, é preciso reduzir a dívida e, actualmente, as respostas tardam a concretizar-se. Saúdo a iniciativa do Reino Unido, que anuncia a sua intenção de anular a sua parte da dívida contraída pelos países mais pobres junto do Banco Mundial e espero com alguma inquietação que os países da OCDE façam o mesmo! Se todos seguissem o exemplo britânico, sucederia que 45 milhões de crianças poderiam ir à escola, 140 milhões de pessoas poderiam ter acesso a água potável – desde que, obviamente, o montante da dívida anulada se reconvertesse num reforço da actual ajuda ao desenvolvimento e desde que o Norte deixasse de dar com uma mão e tirar com a outra.
Actualmente, é imperioso encontrar uma solução global, justa e duradoura para o problema da dívida, sendo que o Grupo Socialista no Parlamento Europeu está convencido de que é a União Europeia e os seus Estados-Membros que podem levar a cabo esta iniciativa. Podem-no fazer anulando a dívida de todos os países mais pobres, tomando medidas tendentes à redução do peso da dívida dos países que estão numa situação de limiar, deixando de impor condições como os "ajustamentos estruturais" e, evidentemente, como já foi dito, inscrevendo necessariamente este dispositivo numa política global de ajuda e procurando, muito rapidamente, novas fontes de financiamento.
Hall (ALDE), em nome do grupo. – (EN) Senhora Presidente, regozijo-me com o facto de estarmos a realizar hoje este debate sobre o alívio da dívida. É essencial que, mesmo que prestemos a necessária e adequada atenção ao alívio dos efeitos do tsunami, também continuemos a concentrar-nos sobre a questão mais vasta e mais antiga da redução da pobreza e dos objectivos de desenvolvimento do milénio.
O alívio da dívida externa é fundamental para atingir os objectivos de desenvolvimento do milénio. No passado, a medida usada para calcular se a dívida era sustentável era calcular o pagamento da dívida em relação aos rendimentos das exportações. A questão verdadeiramente crucial, porém, é saber que porção do orçamento nacional é usada para reembolso da dívida. Em grande número de países africanos, o pagamento do serviço da dívida ainda absorve uma quota do orçamento superior à dos serviços de saúde. No Gana, por exemplo, 11% das despesas governamentais vão para o reembolso da dívida, ao passo que na saúde apenas se gastam 9%.
Se pretendemos que o alívio da dívida externa contribua para atingir os objectivos de desenvolvimento do milénio, temos de reconhecer que a dívida é insustentável onde quer que ela impeça um país de financiar os seus programas de redução da pobreza. Além disso, o dinheiro internacional para financiar o alívio da dívida deve ser adicional e não em substituição da ajuda. Estou profundamente preocupada com o facto de os Estados Unidos estarem a considerar uma redução dos orçamentos destinados à ajuda para financiarem a anulação da dívida. De facto, a anulação da dívida deve ir de mão dada com o aumento da ajuda, pelo que a proposta de resolução do ALDE inclui a promessa renovada de os Estados-Membros darem 0,7% do PIB como ajuda para o desenvolvimento dos países de além-mar.
Segue-se também que a redução da dívida só pode contribuir para atingir os objectivos de desenvolvimento do milénio se tiver lugar em condições de boa governação. Nada se conseguirá, se o dinheiro poupado mediante o alívio da dívida for despendido por um ditador corrupto em palácios dispendiosos ou, mais grave ainda, em helicópteros de combate para aterrorizar um sector da população.
Aos governos dos países em desenvolvimento cabe a responsabilidade de investir no seu próprio povo, mas a nós, nas Instituições europeias, cabe a responsabilidade de nos assegurarmos de que se encontram disponíveis mecanismos flexíveis de alívio da dívida externa.
Schmidt, Frithjof (Verts/ALE), em nome do grupo. -(DE) Senhora Presidente, o mundo debate-se com uma crise da dívida longa e persistente, que continua a ser um dos principais obstáculos que impedem os países do Sul, ou pelo menos muitos deles, de atingir um crescimento económico independente e dinâmico. Dois números demonstram-no claramente: em primeiro lugar, muitos dos países mais pobres vêem-se forçados a gastar mais de 40% do seu PNB no serviço da dívida. Nestas circunstâncias, um crescimento económico independente torna-se praticamente impossível e é por essa razão que precisamos de uma iniciativa global de redução do peso da dívida.
Em segundo lugar, por cada euro que concedemos actualmente a título de ajuda ao desenvolvimento aos países do Sul, uma média de 1,50 euros é reembolsada por estes últimos aos países do Norte a título de pagamento de juros. Esta é outra razão pela qual precisamos de uma iniciativa global de redução do peso da dívida; tendo em conta que a Indonésia, o país de que estamos agora a falar, deveria reembolsar 4 mil milhões de euros este ano, é mais do que evidente que isto anularia imediatamente qualquer tipo de ajuda ao desenvolvimento ou de ajuda em caso de catástrofe.
Fiquei, pois, muito satisfeito por ouvir o Presidente em exercício do Conselho dizer hoje que era a favor de uma anulação total da dívida para a Indonésia. Precisamos de uma conferência internacional sobre a redução do peso da dívida, mas o Clube de Paris, não sendo mais do que uma reunião de credores, é incapaz de organizar uma. Precisamos de uma conferência internacional na qual participem países credores e países devedores, bem como as sociedades civis que foram afectadas e que desempenhariam o papel de órgãos de controlo, e na qual todos os participantes tenham os mesmos direitos. Tanto a União Europeia como este Parlamento deveriam apoiar a realização de uma conferência deste género.
Markov (GUE/NGL), em nome do grupo. -(DE) Senhora Presidente, Senhor Presidente em exercício do Conselho, Senhor Comissário, ninguém pode, de consciência tranquila, pedir aos países em desenvolvimento que continuem a pagar as suas dívidas, tendo em conta que eles já as pagaram mais de sete vezes e que, todavia, as suas dívidas são quatro vezes superiores ao montante recebido à partida. Queria, portanto, contradizê-lo num ponto, Senhor Comissário Potočnik: mencionou números absolutos por habitante; todavia, esses números não são o factor decisivo. Cada habitante de Brandenburgo, onde vivo, tem uma dívida da ordem dos 16 000 euros, mas a nossa economia nacional está estruturada de uma forma que nos permite suportá-la. As economias nacionais dos países em desenvolvimento, porém, não podem suportar uma dívida como essa. Em minha opinião, portanto, a principal questão não é a de saber se vamos conceder um adiamento do pagamento da dívida, uma redução da dívida, uma moratória da dívida ou qualquer outra coisa do género, mas se as dívidas vão ser anuladas, pois estes países precisam do dinheiro que, presentemente, gastam quase exclusivamente no pagamento de juros - nem sequer no reembolso - para resolver os seus problemas económicos, sociais e ambientais. Estaríamos, assim, a ajudá-los a ajudarem-se a si próprios.
Aqueles que pensam que isso paralisaria as nações ricas e industrializadas deveriam notar que a guerra no Iraque custa aos EUA 150 milhões de dólares por dia. O Presidente Bush pediu ao Congresso um acréscimo de 80 mil milhões de dólares. A dívida do Paquistão cifra-se em apenas 11 mil milhões de dólares. Uma comparação destes números mostra claramente que a dívida poderia ser totalmente anulada e esse deverá ser o nosso objectivo.
Além disso, diz-se com frequência - e voltei a ouvi-lo hoje nesta Assembleia - que a dívida é compensada pela ajuda ao desenvolvimento. Lamento, mas se a vontade política existe e se desejamos realmente ajudar estes países, a dívida dos países mais pobres tem de ser completamente anulada. Além disso, os países ricos têm finalmente de honrar o seu compromisso voluntário de gastar 0,7% do PIB na ajuda ao desenvolvimento. Esse sinal deveria realmente ser dado a estes países e à União Europeia.
Kristovskis (UEN), em nome do grupo. (LV) Senhoras e Senhores Deputados, a União Europeia assumiu o desafio de atingir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio até 2015, uma empresa que é ao mesmo tempo arrojada e essencial. O fardo da dívida externa dos países em desenvolvimento é um problema insuperável. Ele torna impossível reduzir a proporção da população que vive numa situação de pobreza extrema. Tendo compreendido isto, a União Europeia destinou já à redução da dívida uma verba de um milhão de dólares.
A iniciativa PPAE abrange 42 dos países mais pobres do mundo. A porção da dívida a abater, para 26 desses países, será de 50% ou 25 mil milhões de dólares. Serão utilizados ainda outros instrumentos financeiros.
Estas e outras medidas são ainda insuficientes, todavia, para reduzir o fardo da dívida externa dos países pobres. Como tal, impõe-se buscar novas oportunidades e medidas específicas para o efeito. A oportunidade de se habilitarem a uma redução da dívida em termos similares à concedida ao Iraque deveria ser estendida a um leque maior de países. A organização Debt Relief International devia ser associada ao processo de modo mais estreito, propiciando-se uma efectiva oportunidade de se vencer a estagnação económica e progredir decididamente no sentido da consecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.
Battilocchio (NI). - (IT) Senhora Presidente, em nome do novo Partido Socialista Italiano, gostaria de manifestar a minha grande satisfação e o meu apreço relativamente à União Europeia, aos Governos dos Estados-Membros, às agências internacionais, às organizações humanitárias e a cada um dos cidadãos europeus pela enorme solidariedade que têm demonstrado nas últimas semanas.
Saúdo a decisão tomada há duas horas pelos membros do Clube de Paris no sentido da aplicação de uma moratória sobre o pagamento das dívidas de três países afectados pelo tsunami. Tal decisão vem na sequência do acordo de Novembro de 2004 que anula 80% da dívida externa do Iraque, como sinal concreto de apoio à reconstrução daquele país. Além disso, teve resultados positivos a análise feita pelo Conselho extraordinário "Assuntos Gerais e Relações Externas", reunido na passada semana, das medidas de acompanhamento a favor dos países afectados - tais como o apoio ao comércio e as parcerias bilaterais.
O meu maior desejo, contudo, é o de poder ver um empenhamento semelhante não só por ocasião de guerras ou de catástrofes naturais, mas de modo continuado, em relação aos países em que os conflitos, as epidemias e a fome estão, infelizmente, diariamente presentes. Com efeito, de acordo com as Nações Unidas, há pelo menos 14 crises esquecidas, afectando a maior parte delas países africanos, para os quais as Nações Unidas pediram um apoio de 1,7 mil milhões de dólares.
Para estes e para outros países em desenvolvimento, temos de ter como meta a plena concretização dos Objectivos do Milénio, algo que estamos ainda muito longe de realizar, assim como, se possível, a redução ou a anulação das suas dívidas. Trata-se de um compromisso oportuno, necessário e urgente.
Scheele (PSE).-(DE) Senhora Presidente, queria associar-me ao orador anterior para agradecer ao Presidente em exercício do Conselho, Senhor Ministro Schmit, por ter situado logo desde o início as nossas preocupações relativamente a uma nova iniciativa para a redução do peso da dívida num contexto mais vasto. Estou um pouco desiludida, porém, com as declarações da Comissão, por não irem suficientemente longe.
Concordo com o Senhor Ministro Schmit quando diz que não devem ser considerados apenas os países atingidos pela terrível catástrofe natural quando se fala das implicações da dívida externa. Não são apenas as catástrofes naturais que afectam os países; são também os efeitos devastadores da pobreza, que está a aumentar em todo o mundo, bem como o facto de os montantes gastos por muitos países no serviço da dívida serem várias vezes superiores aos montantes gastos com as despesas sociais e, também, o facto de estarmos longe de atingir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio acordados por todos os membros da ONU.
Estamos todos muito orgulhosos, hoje, com a nossa prontidão, sem precedentes, em fazer doações e prestar auxílio. Penso que podemos estar orgulhosos, mas - e esta é uma observação que queria fazer à Comissão - não devemos tirar mais com uma mão do que o pouco que damos com a outra. Os números pertinentes já foram mencionados, devendo nós interrogar-nos também se o facto de os países pobres terem tido de reembolsar mais de sete vezes as dívidas que contraíram na década de 80 é moralmente justificável e compatível com o princípio da boa governação. A resolução do Parlamento declara igualmente, de forma muito clara, que a Iniciativa PPAE, que foi descrita pelo Senhor Comissário Potočnik como a iniciativa de redução da dívida mais abrangente alguma vez tomada, é apenas um pequeno passo e, obviamente, está longe de ser suficiente.
Gostaria de saber quais são os objectivos específicos da Presidência do Conselho neste domínio, tanto a nível individual como em cooperação com outros parceiros internacionais, pois a impressão com que fiquei, depois dos seus esclarecimentos, é que a força motriz nesta questão será o Conselho e não a Comissão.
Cornillet (ALDE).–(FR) Senhora Presidente, creio que devemos ter cuidado com a ideia de a redução da dívida ou a sua anulação constituir um fim em si. Pelo contrário, este é um dos vários meios de que dispomos para contribuir para o desenvolvimento e que anda a par dos empréstimos bonificados, dos fundos a título gratuito e do sistema de preferências generalizadas que estamos a implementar na Europa.
Uma vez que esta redução da dívida não é um fim em si, mas um meio, temos, creio eu, de ter a decência de considerar que este é um meio disponível à conta dos esforços dos contribuintes dos nossos países e que, naturalmente, haverá que o fazer depender de resultados. Os nossos parceiros, e principalmente os nossos parceiros africanos do NEPAD, também compreenderam perfeitamente que terão de fazer os seus próprios esforços, nomeadamente em termos de boa governança e de respeito pelos valores que nos são comuns, para encaminhar os seus países na via do desenvolvimento. Nesse caso, tenhamos pois a honestidade de reconhecer que os melhores alunos devem ser recompensados.
Embora se entenda que a redução da dívida é em si uma operação, impõe-se também considerar a subsequente dívida, na medida em que nenhum país poderá, como é óbvio, prosseguir o seu desenvolvimento sem se endividar. Precisamos pois de ter uma visão de futuro e não apenas procurar aliviar as nossas consciências dizendo: a dívida é reduzida ou anulada e agora eles que se desembaracem!
Aubert (Verts/ALE).–(FR) Senhora Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, para nós, a anulação a dívida dos países mais pobres afigura-se-nos de facto uma necessidade absoluta se queremos combater com seriedade as desigualdades Norte-Sul e o mau desenvolvimento tanto como o subdesenvolvimento.
Essa medida tem no entanto de andar a par de uma luta aguerrida contra a corrupção, os paraísos fiscais, a criminalidade financeira globalizada. Também não pode implicar a absolvição de todos aqueles, incluindo dirigentes estatais, que fizeram fortunas pessoais de forma escandalosa, virando as costas aos seus povos e a um mínimo de boa gestão orçamental.
A anulação da dívida constituiria uma primeira etapa num processo de reformas profundas à nossa política de ajuda ao desenvolvimento. Uma política de cooperação Norte-Sul repensada deveria pois basear-se em objectivos muito mais ambiciosos, nomeadamente, em matéria de energia, água, saúde e educação, assim como deveria afirmar e esclarecer a noção de bem público mundial.
Precisamos urgentemente que a UE assuma compromissos inequívocos a este respeito, acompanhados de objectivos claros e secundados por recursos muito mais significativos – um plano que teria o mesmo âmbito que o Plano Marshall do pós-guerra, mas com um nome e um quadro claramente europeus.
Fava (PSE). - (IT) Senhora Presidente, Senhor Comissário, dirijo-me, em primeiro lugar, ao Conselho, pois, efectivamente, acabamos de ouvir dizer que o Clube de Paris decidiu, há cerca de duas horas, congelar a dívida de alguns países afectados pelo tsunami. Consideramos que se trata de uma decisão míope, pois pensamos que esses países precisam não de uma moratória, mas da anulação da dívida, como proposto por quase todas as organizações humanitárias de ajuda - a Oxfam, a ActionAid, etc. O Senhor Ministro conhecerá o assunto melhor do que eu.
Nesta óptica, estou de acordo com o Senhor Comissário: é necessária uma política comercial diferente. A Tailândia pediu-nos uma descida das taxas de acesso aos mercados internacionais, mas o Ocidente está irredutível quanto a esse ponto: não se pode tocar nas barreiras proteccionistas.
Último ponto da ordem do dia: não é apenas a dívida do Iraque e a dos países afectados pelo tsunami que é urgente cancelar. Com efeito, seria grave se a mensagem transmitida à comunidade internacional fosse que é preciso ser atingido por uma guerra ou por uma catástrofe natural com duzentos mil mortos para se ter direito à solidariedade do Ocidente.
Mulder (ALDE). – (NL) Senhora Presidente, nada há contra a anulação das dívidas, certamente quando se trata de países extremamente necessitados, como neste momento acontece no Sudeste Asiático. Porém, como vários oradores já disseram, não devemos generalizar. Há países que são bem governados, outros não, e não podemos prometer a todos eles que vamos anular as suas dívidas e resolver os seus problemas de um dia para o outro. Em termos práticos, é inaceitável, por exemplo, que o Zimbabué seja tratado do mesmo modo que o Uganda. É necessário analisar qual é, em termos políticos, a melhor solução para cada situação, para cada país, e a anulação da dívida é uma das maneiras de contribuir para o desenvolvimento de um país.
A resolução é extremamente vaga. Quais são, por exemplo, as consequências para o orçamento europeu? Julgo que só o Banco Europeu de Investimento concede empréstimos, e o orçamento europeu é garante desses empréstimos. O que irá acontecer se anularmos essas dívidas? Quanto irá isso custar? Talvez a Comissão possa dizer-nos algo mais a este respeito.
Schmit,Conselho.(FR) Senhora Presidente, o Conselho está em posição de subscrever a maior parte do que aqui foi dito. Todos nós compreendemos a premência e o carácter excepcional da situação que alguns países enfrentam, em especial os afectados pela catástrofe natural. No que se refere ao Iraque, creio que ninguém põe em dúvida a necessidade de contribuir para a reconstrução deste país. Posto isto, coloca-se efectivamente a questão de saber o que fazer com todos os outros países em desenvolvimento.
Em primeiro lugar – e concordo de certa forma com as palavras do Senhor Comissário –, não podemos contentar-nos com um abordagem igual para todos. Os países em desenvolvimento não são todos parecidos. Existem situações muito diversas. Logo, creio que devemos concentrar-nos em primeiro lugar e principalmente nos países menos avançados, nos países mais pobres e interrogar-nos sobre o que podemos efectivamente fazer por eles.
Antes de mais, podemos reduzir o peso das suas dívidas ou mesmo anulá-las. Creio tratar-se de uma iniciativa que deve ser apoiada e promovida. Em que quadros se deve inserir a nossa acção? Há o debate levado a cabo no quadro dos próximos Conselhos Europeus; referi especificamente o Conselho Europeu do mês de Abril, o qual deverá concentrar-se numa análise e, se for caso disso, numa revisão dos compromissos da União Europeia em matéria de consecução dos objectivos do Milénio. Há o apoio da União Europeia às iniciativas tomadas no seio do G8, nomeadamente as da Presidência do G8 aquando da próxima cimeira no Reino Unido. A Europa deve pois promover esta ideia de redução do peso da dívida ou mesmo anulação. Todavia, não o poderá fazer indiscriminadamente, pois, se o fizer, a sua acção perderá credibilidade.
Em segundo lugar, a anulação ou redução da dívida só tem sentido se os países ricos aumentarem sua ajuda ao desenvolvimento. A União Europeia assumiu compromissos a este respeito, compromissos esses que devem ser levados à prática.
Em terceiro lugar, e por último, a dívida – por muito grande que possa ser – tem de ser inserida num quadro político de cooperação para o desenvolvimento mais alargado. Não faz sentido anular a dívida se, paralelamente, fecharmos as nossas fronteiras a certas importações provenientes dos países em desenvolvimento; não faz sentido anular a dívida se depois formos subvencionar certas produções nos nossos próprios países, bloqueando assim o desenvolvimento dessas mesmas produções nos países em desenvolvimento.
Resumindo, creio que a anulação da dívida é um elemento importante, embora não seja o único, de uma estratégia de desenvolvimento, de uma verdadeira parceria de desenvolvimento, a que a União Europeia se deve dedicar.
Potočnik, Comissão. – (EN) Senhora Presidente, a Comissão tomou cuidadosamente nota deste debate sobre a importante questão do alívio da dívida. Hoje, foram feitas aqui sugestões e comentários importantes e úteis, a que gostaria de responder como se segue.
Em primeiro lugar, devia realçar-se urgentemente que a redução da pobreza não é apenas uma questão de redução da dívida. A verdadeira questão reside em níveis adequados de financiamento do desenvolvimento. Em segundo lugar, é importante distinguir entre diferentes países, particularmente entre os menos desenvolvidos e outros países em desenvolvimento.
Em terceiro lugar, não lhes apresentámos os números per capita relativos à redução da dívida com o objectivo de reduzir a ajuda, mas, antes pelo contrário, para usar estes critérios para aliviar o peso da dívida dos países que realmente disso têm maior necessidade.
Em quarto lugar, a ONU e a Comissão vão coordenar esforços com outras organizações internacionais a respeito dos PPAE e de outras iniciativas.
Em quinto lugar, um novo plano do Banco Mundial e do FMI em matéria de sustentabilidade reconhece a insuficiência dos esforços existentes no domínio da redução da dívida. O novo plano irá: primeiro, estabelecer limiares indicativos do ónus da dívida específicos para cada país; segundo, ter em conta os choques externos; terceiro, assegurar maior transparência e diálogo na avaliação dessa sustentabilidade. É de tudo isso que trata o novo plano de sustentabilidade.
Finalmente, o alívio da dívida externa do Iraque não devia ter lugar a expensas dos países mais pobres. Além disso, seria adequado uma moratória da dívida dos países atingidos pelo tsunami.
A Comissão irá acompanhar de perto a questão da dívida externa dos países em desenvolvimento, e, em particular, a dos menos desenvolvidos. Ainda resta também muito a fazer relativamente à consideração da redução da dívida dos países do Sudeste asiático atingidos pelo terramoto e subsequente tsunami. A Comissão irá manter um diálogo contínuo com o Parlamento Europeu sobre todos os campos de acção atrás referidos.
Todos estamos de acordo em que para alguns países em desenvolvimento a dívida externa constitui um importante obstáculo ao seu crescimento e desenvolvimento. A redução da dívida pode, de facto, constituir um instrumento útil nessa procura, mas de modo algum pode oferecer uma resposta global. Cruciais são: ajuda, políticas socioeconómicas, políticas comerciais, etc., que, com o decorrer do tempo, assegurem a sustentabilidade desses países. Isso é o que eles pretenderiam e o que eles merecem.
Presidente. - Está encerrado o debate. Comunico que recebi seis propostas de resolução, apresentadas nos termos do nº 2 do artigo 103ª do Regimento(1).