Presidente. Senhores Deputados, é a primeira sessão a que eu presido e não queria deixar passar esta oportunidade sem agradecer a confiança que foi depositada em mim pelos deputados do Parlamento Europeu.
Segue-se na ordem do dia a pergunta oral dirigida à Comissão sobre os despedimentos na Alstom do deputado Wurtz, do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde, do deputado Désir, em nome do Grupo Socialista no Parlamento Europeu e da deputada Flautre, em nome do Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia (B6-0167/2005).
Henin (GUE/NGL),em substituição do autor. – (FR) Senhor Presidente, o caso Alstom Power Boiler pôs-nos entre a espada e a parede relativamente ao nosso compromisso de construir uma Europa do pleno emprego, com uma indústria forte de tecnologia avançada, uma Europa que se preocupa com o ambiente, uma Europa independente do domínio tecnológico e financeiro dos Estados Unidos.
O que está em causa? Uma subsidiária do grupo Alstom, cujas capacidades criativas, de investigação e de produção estão sediadas na Europa – 250 trabalhadores em França, em Vélizy, 300 trabalhadores na Alemanha, em Estugarda, uma série de fábricas na República Checa, em Portugal e na Polónia – mas cujo quartel-general se encontra nos Estados Unidos, no Connecticut. A empresa fabrica caldeiras para geração de vapor e de electricidade. É líder mundial da produção de carvão limpo e está a desenvolver novas tecnologias de captura de CO2. Com a aplicação do Protocolo de Quioto e a necessidade de diversificar as fontes de energia, é evidente que estas tecnologias possuem um potencial enorme. Contudo, por razões obscuras, a direcção da Alstom decidiu transferir o know-how europeu para os Estados Unidos e diminuir para um quinto os efectivos de Vélizy e para metade os de Estugarda, com o objectivo provável de vir a encerrar as principais instalações europeias. O pretexto para essa transferência do know-how europeu é um pseudo-estudo efectuado – surpresa! – pelos Americanos, e que anuncia uma provável redução do mercado para um terço nos próximos quatro anos.
À semelhança dos trabalhadores da Power Boiler, não podemos deixar de duvidar da seriedade desse estudo, sobretudo conhecendo a enorme procura que, em todo o mundo, vai surgindo nessa área. Mas no meu país costuma dizer-se que quem quer matar o cão acusa-o de ter raiva. O que caracteriza o grupo Alstom desde a sua privatização é a ausência de uma verdadeira estratégia industrial de longo prazo e a procura frenética de lucros imediatos. A Comissão, tal como o Governo francês, também tem uma quota-parte de responsabilidade.
Felizmente, os trabalhadores das instalações europeias em causa, apoiados pelos sindicatos, não baixaram os braços. Os trabalhadores de Vélizy, nomeadamente, conceberam um contraprojecto que se baseia na saída da empresa do grupo Alstom pelo preço de venda simbólico de um euro, na criação de uma sociedade europeia de responsabilidade limitada que agrupe as instalações de Vélizy e Estugarda e que preserve as fábricas da República Checa, Polónia e Portugal. Esse projecto conta com a participação voluntária dos trabalhadores e apresenta a vantagem de se integrar nas exigências de 7 de Julho de 2004, formuladas pela Comissão Europeia em relação à Alstom a propósito da cessão de activos, e cujo objectivo era preservar e desenvolver o emprego e o potencial tecnológico europeu face aos Estados Unidos. Estamos perante uma cooperação entre trabalhadores europeus que se encontra na vanguarda da aplicação do direito europeu, pois conduzirá à criação de uma sociedade europeia de responsabilidade limitada. Todavia, há que agir rapidamente, pois a propriedade intelectual da empresa está prestes a ser transferida para os Estados Unidos e para a Suíça e a direcção da Alstom está a tentar colocar a empresa em situação financeira difícil.
Caros colegas, se prezamos o crescimento da indústria e do emprego, temos de envidar todos os esforços para apoiar esta iniciativa. É certo que a directiva relativa à sociedade anónima europeia de responsabilidade limitada e o regulamento sobre o envolvimento dos trabalhadores nas actividades da sociedade ainda não foram transpostos para o direito francês, mas é sempre possível antecipar. Estamos perante uma questão de vontade política e espero que a Comissão manifeste essa vontade política. Não decepcionemos os trabalhadores, cujos postos de trabalho se encontram em risco mas que tão orgulhosos estão das suas realizações técnicas sem igual, e que se mostram, sempre, dispostos a inovar.
Désir (PSE), autor. –(FR) Senhor Presidente, muito me apraz vê-lo a presidir à sua primeira sessão, até porque a sua nomeação para esta função está associada a uma excelente notícia para o meu grupo e para os socialistas europeus: a vitória dos socialistas em Portugal.
Senhor Presidente, Senhor Comissário, tal como o meu colega, senhor deputado Henin, fui um dos autores desta pergunta à Comissão. Há algumas semanas atrás, recebemos aqui uma delegação de empregados do grupo Alstom, composta por representantes sindicais de ambas as empresas francesa e alemã desta filial especializada no fabrico de caldeiras. Estes trabalhadores estão hoje confrontados com o anúncio, feito pela direcção do grupo em 16 de Fevereiro último, do encerramento da sua empresa ou, em todo o caso, de uma importante redução dos postos de trabalho e das actividades, tanto nas instalações de Estugarda como nas de Vélizy: serão suprimidos 150 postos de trabalho, de um total de 350, em Estugarda, e 150 de um total de 200, em Vélizy. Isto significa que, em última instância, estas duas empresas estão provavelmente condenadas.
Há alguns meses atrás, em 7 de Julho de 2004, a Comissão Europeia aprovou as ajudas concedidas pela França à Alstom no âmbito de um rigoroso processo de alienação, que visava não apenas o restabelecimento de condições de concorrência sãs, mas também assegurar o futuro a longo prazo da empresa industrial Alstom e das suas diferentes filiais. A filial Alstom Power Boiler, como já aqui foi dito, é uma empresa especializada na construção de caldeiras para centrais térmicas. É líder no plano tecnológico a nível europeu, e mundial, em diversos domínios, nomeadamente, nos domínios da combustão difícil e limpa e da captura de CO2.
Do ponto de vista das prioridades da União Europeia à luz da Estratégia de Lisboa, que aqui debatemos recentemente, e que visam assegurar que a Europa desenvolva as suas competências, nomeadamente tecnológicas, de modo a tornar-se a economia mais competitiva do mundo, e também do ponto de vista dos nossos objectivos em matéria de desenvolvimento sustentável e energias limpas, esta empresa é um instrumento estratégico, e o que é facto é que, obviamente, dela dependem numerosos postos de trabalho.
Foi isto que justificou o acordo da Comissão, em 7 de Julho de 2004, à concessão de um montante de ajuda substancial: 3 mil milhões de euros, cedidos pela França ao grupo Alstom para ajudar à sua reestruturação. Na sua decisão final, a Comissão declarou que, no tocante aos sectores de geração térmica e transportes, o plano de reestruturação era suficiente para assegurar a recuperação industrial da empresa. Manifestou também a sua opinião de que a prevista redução de postos de trabalho era proporcional ao excesso de capacidade existente no sector, e que as estimativas de custos da prevista reestruturação, bem como das economias daí decorrentes, se afiguravam realistas.
Neste momento, porém, a direcção do grupo pretende ir mais além na supressão de postos de trabalho do que na altura anunciou, e alargar o processo de alienação para além daquilo a que se comprometeu. Creio, pois, que a Comissão Europeia não se pode desinteressar das decisões agora tomadas pela direcção do grupo Alstom. Com efeito, se a Comissão é sempre tão escrupulosa no que toca ao respeito das regras de concorrência após a concessão de ajudas, deve ser igualmente escrupulosa no que se refere às consequências para o emprego. Afinal, Senhor Comissário, a menos que eu tenha entendido mal, a justificação para a concessão de ajuda à reestruturação de uma empresa é, em última análise, a manutenção da actividade em causa, sobretudo porque ela permite manter os postos de trabalho, gerar todo um conjunto de benefícios, receitas fiscais, etc. - mas acima de tudo manter os postos de trabalho.
A Comissão não pode ser hemiplégica – não pode, depois de ter concedido ajudas, olhar apenas as consequências em termos de concorrência e preocupar-se unicamente com o respeito pelas regras da concorrência. Tem também de assegurar que a ajuda contribua, efectivamente, para a manutenção das actividades e do emprego nas diferentes empresas do grupo, na medida em que ficou realmente decidido, quando da aprovação da ajuda em Julho de 2004, que as previstas supressões de postos de trabalho eram suficientes, não se justificando, por conseguinte, que se vá além disso. Contamos, pois, agora com a Comissão para garantir que os postos de trabalho sejam mantidos e que as duas empresas não sejam encerradas.
Lipietz (Verts/ALE), em substituição da autora. –(FR) Senhor Presidente, estou aqui em substituição da minha colega, senhora deputada Flautre, com quem venho acompanhando este assunto de há cinco anos a esta parte. Creio que, na sua intervenção, o senhor deputado Désir focou o verdadeiro problema. Há anos, referi ao anterior Comissário Monti que haveria de chegar o dia em que a principal tarefa da Direcção-Geral da Concorrência seria, não tanto recusar ajuda, mas antes controlar a correcta utilização da ajuda.
O que autoriza um país a conceder auxílios nacionais, em aparente violação do artigo 87º do Tratado? É o facto de a Europa entender ser do seu interesse a concessão de tais auxílios, sob pena de, se os mesmos fossem recusados, se perderem postos de trabalho dificilmente substituíveis. Perder-se-ia uma fonte de conhecimentos e de trabalho ao serviço dos objectivos da União, dos seus cidadãos e dos seus consumidores.
Com a grande sabedoria que as caracteriza, a DG Concorrência e a Comissão concederam, há um ano atrás, esta ajuda à Alstom. Não se tratou de um caso de cedência perante pressões do Governo francês. Tratou-se, sim, de expressar a opinião de que, nas condições em que a Alstom se propunha prosseguir, valia a pena a concessão de um auxílio por parte do Estado. A decisão foi positiva para toda a Europa. Ora, se esta avaliação era correcta há um ano atrás, continua a ser correcta hoje. Contudo, a Alstom está em vias de provar que, quando solicitou esta ajuda ao Estado francês, não estava, nem de perto nem de longe, a procurar manter a oferta de tecnologias limpas na Europa, nem a tentar contribuir para o objectivo do pleno emprego na UE. Estava simplesmente a procurar obter auxílios nacionais segundo o princípio da privatização dos lucros e da nacionalização das perdas. Isto é algo com que nem a direita nem a esquerda europeias podem pactuar.
Creio, pois, que estamos perante um daqueles exemplos-chave em que a Comissão deve basear a sua política de acção. Se a lista de situações em que podem ser concedidos auxílios nacionais, por sinal bastante extensa - são previstas doze situações no artigo 87º, que de resto é mantido na Constituição – forma realmente a base, por assim dizer, da política industrial na Europa, este é o momento de o provar. A Comissão tem de explicitar se a ajuda concedida há um ano se destinava simplesmente a salvar a situação dos accionistas do grupo Alstom, ou se tinha realmente por objectivo servir os interesses das populações europeias e o seu futuro, nomeadamente no que e prende com o respeito do Protocolo de Quioto.
Verheugen,Vice-Presidente da Comissão.(DE) Senhor Presidente, também eu gostaria de começar por o congratular pelas funções que desempenha e desejar-lhe êxito no período em que as exercer.
Esta questão pode – e deve – ser considerada sob duas perspectivas: primeiro, em termos de política industrial, e, depois, do ponto de vista da supervisão das subvenções estatais. Como Comissário responsável pela política industrial, é com grande convicção que afirmo que a Europa tem interesse político não só em manter mas também em aumentar o número de tecnologias inovadoras, empresas modernas e empregos modernos na UE. A União Europeia considera como absolutamente prioritário manter uma forte base industrial na Europa, sem a qual não seremos capazes de preservar a nossa competitividade nos mercados globais. É com isto em mente que vos digo, na minha qualidade de Comissário responsável pela indústria europeia, que estou muito interessado em que a Alstom complete com êxito a reestruturação encetada e continue a existir como empresa saudável, bem sucedida e rentável. Isto no que diz respeito à política industrial.
Mas não é esse, hoje, o nosso tema. O que discutimos aqui é a supervisão das subvenções estatais. De facto, a subvenção do Estado francês não poderia ter sido concedida se a Comissão não tivesse aprovado o plano de reestruturação da Alstom. A Comissão fê-lo impondo condições tanto ao plano como à atribuição da subvenção. Os senhores deputados têm razão quando dizem que cabe à Comissão garantir que essas condições estão a ser cumpridas e que a subvenção está a ser usada para o fim aprovado pela Comissão, e estamos a verificar se foi isso que aconteceu. Na altura, a Comissão declarou especificamente que a aprovação da subvenção dependia da alienação de determinadas áreas de negócios e da concretização da reestruturação operacional.
A questão a que temos, esta noite, de responder é se o presente plano suplementar de reestruturação contraria a decisão da Comissão ou não. Se não violar as condições impostas, caberá então à administração da empresa, e não à Comissão, a responsabilidade de o pôr em prática. A Alstom não é gerida pela Comissão mas pela sua própria administração. Embora eu tenha sido informado pelos departamentos responsáveis que a Comissão ainda não teve, até agora, qualquer indício de que as condições aplicadas à concessão da subvenção haviam sido infringidas, posso garantir-vos que iremos, como é evidente, continuar a acompanhar atentamente a situação para ver se as condições estão a ser rigorosamente cumpridas.
Por princípio, a Comissão está empenhada em buscar, no âmbito de uma parceria, soluções que tomem em conta todas as considerações económicas, sociais e ambientais. Na sua mais recente comunicação, intitulada “Reestruturações e emprego”, a Comissão prevê expressamente mobilizar todas as forças sociais para melhor acompanhar a reestruturação, no intuito de alcançar um desenvolvimento sustentável da competitividade e do emprego.
A Comissão propõe, designadamente, que se organize o reforço do seguimento a dar a nível sectorial e regional, com a disponibilização de verbas especiais para apoiar a execução desta estratégia. Além disso, afigura-se também de importância estratégica manter e melhorar a capacidade de inovação, investigação e desenvolvimento da Europa. Há poucos dias, a Comissão apresentou um programa-quadro para a investigação e a inovação.
Estou perfeitamente ciente de que as nossas opções são, de facto, muito limitadas quando se trata de perder postos de trabalho, e partilho do sentimento geral nesta matéria, mas a Comissão deve respeitar estritamente a legislação em vigor. Dei-vos o meu compromisso de que este caso será analisado com o maior cuidado e que agiremos caso se conclua que as condições associadas a esta subvenção não foram respeitadas.
Bachelot-Narquin, em nome do Grupo PPE-DE.–(FR) Senhor Comissário, Senhoras e Senhores, a situação do grupo Alstom tem suscitado grande inquietação de há muitos meses a esta parte. É o futuro dos 25 000 empregados da Alstom em França que está em causa. Tivemos de lutar arduamente e o nosso governo colocou-se firmemente ao lado dos empregados da Alstom. Foi o nosso Ministro das Finanças, Senhor Nicolas Sarkozy, quem negociou com o então Comissário Carlo Monti, por forma a que a França pudesse conceder o auxílio que salvou a Alstom. Tratava-se obviamente de salvaguardar o futuro dos empregados, mas também de salvar uma jóia nos sectores europeus da energia e dos transportes.
Esta noite, estamos a falar de Vélizy e Estugarda, mas também de Brno na República Checa e de Setúbal em Portugal, e de inúmeros subcontratantes por essa Europa fora. Hoje, o anúncio da supressão de 350 postos de trabalho, incluindo 200 na Alstom Power Boiler de Vélizy, vem exacerbar ainda mais as preocupações dos trabalhadores. É verdade que o enfraquecimento do mercado das caldeiras é uma realidade, mas não a ponto de justificar uma tal redução de postos de trabalho.
Não compete à Comissão, já se vê, ditar as regras de gestão das empresas nem gerir, em nome dos governos, o apoio social na sequência de eventuais despedimentos. Convém assinalar que a Alstom Power Boiler é uma empresa líder na área da produção de carvão limpo e está a desenvolver tecnologias para a captura de dióxido de carbono. Não estamos, pois, a falar de uma empresa esclerosada e obsoleta. Aceitar a sua migração para o outro lado do Atlântico ou, pior ainda, o seu desaparecimento, é como olhar o futuro num retrovisor.
Os empregados – e devemos felicitá-los por isso – desenvolveram um plano em torno do conceito ‘Vamos construir o campeão europeu da combustão limpa”. Com a ajuda de especialistas, desenvolveram um projecto de futuro que engloba todos os aspectos: a estrutura jurídica da nova empresa, os aspectos tecnológicos, os aspectos comerciais, os aspectos sociais. Devemos saudar esta atitude, que representa a recusa a deixarem que a prostração os domine. Este projecto foi levado ao conhecimento dos parceiros europeus: os Comissários responsáveis pelo emprego e assuntos sociais, pelos sectores empresarial e industrial, pelo comércio, concorrência e ambiente, os quais aguardam as conclusões de V. Exa.
Senhor Comissário, hoje cabe-lhe antecipar a revolução social e cultural desencadeada pelo projecto de Tratado Constitucional. Futuramente, os direitos sociais, com o Tratado Constitucional, prevalecerão sobre a perfeição do mercado interno, que levou a melhor nos tratados anteriores. O diálogo social será institucionalizado mas, acima de tudo, devemos formular uma política industrial que favoreça os pólos de competências e preserve a economia social de mercado que nos é proposta como modelo social no artigo 3º do Tratado Constitucional.
Senhor Comissário, a questão que hoje lhe é colocada é a seguinte: numa perspectiva filosófica, como encara o futuro Tratado Constitucional? Não seja o escrivão da velha Europa, antes ponha de pé a nova Europa, aquela que é desejada pelo Tratado Constitucional. Tem neste momento uma boa oportunidade de o fazer, preservando o futuro da Alstom Power Boiler.