Presidente. – Seguem-se na ordem do dia as declarações do Conselho e da Comissão sobre as fusões no mercado interno.
Hans Winkler, Presidente em exercício do Conselho. (DE) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores, este debate irá ser naturalmente dominado em grande medida pelas intervenções do Senhor Comissário. Admito que os senhores deputados presentes estejam especialmente interessados em ouvir o que a Comissão tem a dizer. Assim, limitar-me-ei a fazer algumas observações em nome do Conselho, estando nós convictos de que, ao aplicar as novas disposições e as regras de concorrência da UE, a Comissão está a demonstrar uma grande responsabilidade quando se trata de atingir as metas da política de concorrência no quadro da Estratégia de Lisboa.
Os estudos do sector, que a Comissão está já a elaborar e quer continuar a aprofundar, são uma base fundamental onde a questão da demarcação dos mercados desempenha também um papel não despiciendo. Não se pode ignorar que nas decisões sobre fusões é necessário levar também em conta os aspectos de médio e longo prazo.
A economia não é estática mas dinâmica e é por isso que as empresas se vêem diariamente confrontadas com o desafio de se equiparem para o futuro e permanecerem competitivas. Existem mais de 23 milhões de empresas na União Europeia e todos os dias surgem novas, ao passo que outras fecham as suas portas.
Na sequência do debate que realizámos hoje de manhã, vale a pena recordar de novo que 99% das empresas são de pequena ou média dimensão e respondem por 80% do total de postos de trabalho. Por conseguinte, a competitividade também tem efeitos consideráveis sobre o mercado de trabalho e pressupõe um funcionamento da concorrência. Não se deve tolerar a distorção da concorrência no mercado interno, pois esta é um dos pilares essenciais para o sucesso da economia europeia.
A realização do mercado interno e da União Económica e Monetária, o alargamento da União Europeia e a redução das barreiras ao comércio internacional e ao investimento continuarão a conduzir a reorganizações ainda maiores das empresas, inclusive sob a forma de concentrações. Estas reestruturações são tanto mais de louvar quanto estão em conformidade com as exigências de uma concorrência dinâmica e aumentam as probabilidades de reforço da competitividade da indústria europeia, melhorando as condições de crescimento económico e o nível de vida na Comunidade. Tal está completamente em consonância com a Estratégia de Lisboa que discutimos aqui hoje.
O tema que agora abordamos tem estado a ser discutido no quadro dos exemplos actualmente existentes de concentrações, sobretudo no sector energético. Mas os cidadãos e consumidores preocupam-se sobretudo com a evolução dos preços, que são negativamente influenciados pela falta de concorrência, bem como com considerações sobre a garantia dos postos de trabalho.
Os consumidores percebem claramente que os aumentos injustificados de preços apenas podem ser evitados com um nível suficiente de concorrência. Mas é igualmente verdadeiro que só empresas competitivas podem oferecer garantias a longo prazo de preservação dos postos de trabalho. Neste contexto, deve prosseguir-se intensivamente uma política de concorrência europeia e global no quadro das quatro liberdades fundamentais.
Outra importante missão da política de concorrência é garantir que as medidas de reorganização e concentração não possam ter como consequência prejuízos permanentes para a concorrência. É por isso que o direito comunitário inclui, como sabem, disposições aplicáveis a concentrações que possam impedir uma concorrência efectiva na totalidade do mercado comum ou em parte substancial deste.
Quero frisar mais uma vez que estamos convencidos de que a Comissão irá dar os passos correctos e agir de uma forma responsável. O primado do direito, e portanto a previsibilidade das decisões, são também particularmente essenciais para o êxito da Europa enquanto centro de actividade económica. Para tal, será necessário aprofundar ainda mais os trabalhos sobre a chamada abordagem mais baseada na economia. Se após uma fase de avaliação se tornar evidente que a moldura legal para as fusões requer medidas complementares nesta matéria, o Conselho ocupar-se-á também desta questão.
Fica ainda claro que não é possível prever todas as eventualidades nos regulamentos, sendo necessário um determinado grau de abstracção. A Presidência do Conselho presume ainda que, na tomada de decisões iminentes, a Comissão avaliará com extrema cautela situações como a definição de mercados e a determinação de casos de eficiência.
Neelie Kroes, Membro da Comissão. – (EN) Senhor Presidente, a Europa pretende derrubar os obstáculos entre os Estados-Membros, não quer criá-los. Mercados abertos e competitivos são essenciais para o crescimento e o emprego na Europa. As empresas com sucesso no mercado europeu estão, ao mesmo tempo, bem colocadas para competir a nível global.
A Comissão sempre verá com preocupação qualquer tentativa de governos nacionais de intervirem indevidamente, de forma directa ou indirecta, no processo de reestruturação transfronteiriça de empresas na Europa. O Tratado consagra o princípio da inexistência de impedimentos não fundamentados às liberdades fundamentais por si estabelecidas - em especial a livre circulação de capitais - ou ao direito de estabelecimento. Para que estes direitos possam ser respeitados, assume importância fundamental a liberdade de reestruturação das empresas, inclusive através da mudança de proprietário.
Negar às empresas essa possibilidade por princípio ou por uma incorrecta aplicação das disposições da legislação sectorial da CE que introduz a concorrência nos mercados – da energia, telecomunicações e serviços financeiros, por exemplo – equivaleria a restringir gravemente a sua capacidade de se adaptarem aos desafios colocados pela integração dos mercados na UE, aos rápidos progressos tecnológicos que se verificam em muitas indústrias e, em termos gerais, à dinâmica evolutiva do mundo empresarial da Europa de hoje.
A indústria europeia está a reagir a estes desafios, através, nomeadamente, da criação de um número crescente de empresas europeias transfronteiriças. Embora os efeitos das fusões ditas individuais devam ser avaliados numa base casuística, em conformidade com as normas de concorrência pertinentes, as fusões de empresas baseadas em Estados-Membros diferentes têm como resultado provável aumentar a concorrência no Estado-Membro em questão, contribuindo assim para proporcionar vantagens concretas aos consumidores europeus, sob a forma de preços mais baixos e de maior escolha. Veja-se, por exemplo, o sector da energia. O Livro Verde publicado pela Comissão na semana passada é muito claro. Não conseguiremos obter energia sustentável, competitiva e segura se não dispusermos de mercados abertos e competitivos, baseados na concorrência entre empresas que pretendem tornar-se concorrentes à escala europeia em vez de actores dominantes à escala nacional. Mercados abertos reforçarão a Europa e permitir-lhe-ão lidar com os seus problemas. Ao mesmo tempo, o processo de reestruturação de empresas transfronteiriças estimula a competitividade das empresas europeias, preparando-as para competir em mercados globais.
Qualquer interferência dos governos nacionais neste processo que não seja justificada por legítimos interesses, conforme previstos no Tratado, ou pela legislação secundária ou a jurisprudência, poderá ser altamente prejudicial para as perspectivas de a Europa vir a beneficiar das oportunidades que lhe são abertas pela integração e a globalização do mercado.
Como é do conhecimento dos senhores deputados, a Comissão tem à sua disposição dois instrumentos jurídicos principais – as regras do mercado único estabelecidas pelo Tratado CE e o artigo 21º do Regulamento das Concentrações Comunitárias – para lidar com a interferência indevida das autoridades nacionais na reestruturação das empresas. Compete-lhe aplicar essas regras em conformidade, sempre que adequado.
Na qualidade de guardiã dos Tratados CE, e sendo a instituição responsável pelo controlo das fusões para efeitos de concorrência a nível europeu, a Comissão está apostada em garantir que as empresas possam, de facto, beneficiar das vantagens do mercado interno da UE. Pelas razões aduzidas, a aplicação dessas disposições é, e continuará a ser, uma das prioridades centrais da Comissão.
Klaus-Heiner Lehne, em nome do Grupo PPE-DE. – (DE) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores, o mercado interno está a ser testado. E sobretudo no domínio da energia podemos mesmo considerar que está em risco. A promoção de campeões nacionais tem como resultado o aparecimento de monopólios nacionais, que levam a que não exista concorrência, mas implica também o desaparecimento da concorrência no mercado interno europeu, o que é negativo para os consumidores.
As empresas energéticas europeias enfrentam ainda o problema adicional, no caso de não terem concorrência na Europa, de deixarem de ser competitivas a nível internacional no futuro. Este facto agrava também a situação na Europa. Tal acaba, paralelamente, por piorar também a situação de todas as restantes empresas, dado que têm de pagar os elevados preços da energia e, assim, perder também competitividade internacional.
Apesar de apoiar expressamente os esforços da Comissão, e sobretudo da Senhora Comissária, nesta matéria, creio que as opções da Comissão são simplesmente limitadas. A Comissão está a tentar apresentar instrumentos do direito de concorrência mas a famosa regra dos dois terços na legislação sobre fusões é quase sempre aplicada, especialmente no sector energético, e leva a que a Comissão quase não tenha margem para intervir.
Sei que a Comissária Kroes está a pensar modificar a situação mas, para tal, necessita da unanimidade do Conselho, e não acredito que uma tal unanimidade seja possível no momento actual. É por isso decisivo que o Conselho se ocupe também deste problema. Pode esperar-se dos governos que respeitem o espírito e o teor dos Tratados e do direito comunitário. Em última análise, é um facto que queremos um mercado interno, sobretudo no sector das empresas de energia. Espero, por isso, que o Conselho intervenha neste tema.
E agora gostaria de fazer uma observação sobre a legislação em matéria de aquisições de empresas: nos últimos dias veio a lume nos jornais que a legislação europeia em matéria de fusões fomentava uma evolução neste sentido. Acho que tal afirmação é desajustada. Podemos esperar que os Estados-Membros transponham a legislação em matéria de aquisições mas trata-se aqui do relacionamento entre empresas, que não tem nada a ver com o exercício de influência política. O recurso à influência política não se integra nas decisões tomadas no âmbito da legislação em matéria de aquisições a nível europeu e deve ser evitado e impedido. Afigura-se decisivo colocar abertamente esta questão em cima da mesa no Conselho e dirigir um apelo a todos os responsáveis no Conselho.
Ieke van den Burg, em nome do Grupo PSE. – (EN) Senhor Presidente, imagine que, no próximo fim-de-semana, o Presidente Barroso convocava uma conferência de imprensa para anunciar a fusão da Euronet, da Deutsche Börse e da London Stock Exchange. Cenário de sonho? Pesadelo? Eu diria, nem uma hipótese nem outra, limitando-me a observar que é muito improvável que isso venha a acontecer.
Ainda assim, a mensagem do meu grupo é que convém que o Presidente Barroso, a Senhora Comissária e os seus colegas não sejam apanhados desprevenidos na situação em que agora nos encontramos, com as fusões, aquisições e demais desenvolvimentos a que assistimos nos mercados financeiros, da energia e noutros sectores – todos eles de grande importância para a economia europeia.
Nós, social-democratas, continuamos a acreditar que o Estado tem um papel a desempenhar na economia como mediador, como regulador e como defensor do interesse público. Não defendo que nós, políticos, assumamos o papel principal e sejamos as estrelas das conferências de imprensa, mas temos um papel a desempenhar na diplomacia silenciosa e na criação de condições para o diálogo entre empresas; devemos não só seguir o que já aconteceu mas, antes, prever o que vai acontecer.
Por isso, Senhora Comissária, não me agrada a sua abordagem, meramente negativa e que visa impedir as autoridades de interferirem no que está a acontecer com as empresas. Creio que devia haver uma abordagem activa e mencionarei três pontos sobre os quais devíamos desenvolver um profundo debate na Europa.
O primeiro é a política industrial. Apreciei deveras algumas observações feitas esta manhã pelo Comissário Verheugen, que adoptou a perspectiva da política industrial.
O segundo – que o senhor deputado Lehne abordou – refere-se às aquisições e à forma como as organizamos. Há que travar um debate sobre o assunto, e não apenas sobre a democracia dos accionistas defendida pelo Financial Times e o The Economist, mas tendo em conta também outros aspectos.
O terceiro é a questão de uma abordagem europeia versus uma abordagem nacional.
Vittorio Prodi, em nome do Grupo ALDE. – (IT) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, estamos, de facto, confrontados com uma situação de grande importância para a Europa: os Estados-Membros continuam apegados à percepção de uma dimensão nacional vista ainda como predominante em todas as circunstâncias, ao mesmo tempo que nos esquecemos de que houve uma mudança de dimensão e que temos de avançar conscientemente para uma dimensão continental, sabendo que vamos nesse sentido e que somos capazes de gerir essa situação.
É por isso que não compreendo os problemas que estão a ser levantados, por exemplo, em relação à fusão de bancos na Polónia; em Itália, aceitámos uma tomada de controlo da Banca Nazionale del Lavoro precisamente por essa razão. Sinto que há um conflito de interesses por detrás destes problemas, pois, muitas vezes, trata-se de empresas completamente públicas ou, pelo menos, maioritariamente detidas pelo Estado.
É um conflito de interesses entre o interesse político imediato e o interesse a longo prazo, não só dos consumidores, mas também da eficácia global do sistema europeu. Foi isso que aconteceu também no caso da Enel e da Suez, em que se verificou um grave conflito de interesses entre a necessidade de racionalizar as nossas empresas a fim de as tornar realmente competitivas a nível global e a necessidade de evitar que tivessem problemas a muito curto prazo.
Solicito também que seja organizado o quadro para a concorrência; trata-se de um assunto que também debatemos esta manhã com a Senhora Comissária Kroes, a quem agradeço a disponibilidade para intervir na questão da concorrência a nível da energia. Precisamos de criar redes de electricidade, gás e electricidade a nível inteiramente europeu. É essa a nossa missão e solicito uma rápida acção nesse sentido.
Claude Turmes, em nome do Grupo Verts/ALE. – (EN) Senhor Presidente, compreendo perfeitamente a ira de Itália e Espanha perante aquilo a que eu chamaria de imperialismo franco-germânico da energia na Europa. São as economias alemã e francesa quem mais sofre com essa atitude. Na Áustria os preços do gás e da electricidade são 20% mais baratos do que na Alemanha porque naquele país os custos de rede são mais reduzidos e porque esse mercado regista maior concorrência do que o alemão.
A resposta para o que aconteceu nas últimas semanas, Senhora Comissária Kroes, Senhor Comissário Barroso, não reside nos campeões europeus. Os campeões europeus da energia apenas iriam extorquir ainda mais dinheiro à nossa grande indústria e aos consumidores, e a nós como cidadãos, e oferecê-lo aos accionistas. A única resposta consiste, portanto, em dispormos de mercados competitivos, que têm de ser impostos por reguladores fortes e independentes, autoridades de concorrência fortes e plena separação da propriedade.
Roberto Musacchio, em nome do Grupo GUE/NGL. – (IT) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, sempre dissemos que a energia e a Europa precisavam não de liberalismo, mas antes de políticas válidas e consensuais. A prova disso é o que agora está a acontecer: a Europa está a ter imensa dificuldade em desenvolver uma política energética inovadora à altura dos problemas levantados pelo Protocolo de Quioto e das necessidades de um novo e diferente tipo de desenvolvimento.
O mundo está a viver a experiência de guerras dramáticas pelo controlo dos recursos petrolíferos, e este conflito está agora a entrar na Europa: é óbvio que a solução não é o proteccionismo, mas sim uma utilização mais justa da energia disponível e a promoção da poupança energética e das fontes renováveis. Reitero a nossa firme oposição às fontes perigosas tais como o nuclear.
Precisamos de pôr em prática modelos económicos e sociais que não sejam "energívoros", e de apostar na cooperação com outros continentes; como se pode ver, é algo bem distinto do envolvimento em guerras comerciais que nada têm a ver com o nosso futuro. É um grave erro reduzir tudo a mercadorias e comércio. Nem liberalismo nem proteccionismo, mas uma política energética diferente e consensual, e solidária para a Europa e para o mundo – deve ser esse o nosso papel.
Adam Jerzy Bielan, em nome do Grupo UEN. – (PL) Senhor Presidente, gostaria de falar sobre a fusão de dois Grupos bancários: UniCredito Italiano e HVB. Trata-se de uma questão que causou grande controvérsia na Polónia.
Em 1999, a UniCredito adquiriu uma posição maioritária no Pekao S.A., um dos maiores bancos polacos. Foi, como se pôde ver, uma decisão extremamente lucrativa. Sete anos depois, o valor das acções quadruplicou. No entanto, na compra do banco polaco, os italianos tiveram de acordar que não investiriam qualquer capital em qualquer empresa concorrente do banco na Polónia. A aquisição do HVB e, nessa linha, a de outro banco polaco, o BPH, constitui pois uma clara violação do acordo de privatização. As autoridades polacas vêem-se por esta razão obrigadas a bloquear tal fusão e a fazer valer os termos do acordo.
Valerá a pena referir que este litígio nada tem a ver com o facto de o Governo polaco tentar impedir uma entidade estrangeira de adquirir o controlo de uma empresa nacional, como foi recentemente o caso em França, Espanha ou Itália. As acusações de proteccionismo feitas ao Governo polaco são, pois, completamente infundadas neste caso. Recorde-se também que, embora a Comissão Europeia tenha controlo sobre as fusões a nível comunitário, as obrigações decorrentes de acordos e o controlo sobre os bancos continuam a ser da competência dos governos nacionais.
Espero, portanto, que a Comissão Europeia tome em consideração estes argumentos e que a Polónia deixe de ser bombardeada com ameaças relacionadas com este assunto.
Antonio Tajani (PPE-DE). – (IT) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, a unificação dos mercados é um objectivo fundamental da União, mas é ainda mais do que isso: o mercado é um dos pilares em que tem assentado – e continua a assentar – todo o processo de integração europeia.
Um verdadeiro mercado exige, em primeiro lugar, que os capitais possam circular livremente e ser investidos onde forem mais bem remunerados; em segundo lugar, exige empresas com uma dimensão transfronteiriça e com a capacidade de se estabelecerem onde quer que considerem mais interessante para a sua competitividade, mediante fusões e aquisições, que até poderão ser hostis. O mercado não tolera abusos de posição dominante, que impedem a livre concorrência. Um mercado aberto e que funcione bem é determinante para a competitividade europeia nos mercados internacionais.
O proteccionismo provoca efeitos contrários, como vimos nos últimos meses: Estados que bloqueiam aquisições maioritárias, fusões ou aquisições transfronteiriças para protegerem interesses nacionais estratégicos. O proteccionismo serve, na realidade, para defender empresas fracas e ineficientes, ou para criar artificialmente padrões nacionais. Os danos causados são significativos para os consumidores, que não conseguem obter bens e serviços aos melhores preços, e trata-se de um sério problema para a sociedade, obrigada a suportar os custos de empresas não competitivas. Além disso, o proteccionismo é inerentemente incapaz de garantir aos trabalhadores perspectivas de emprego seguras e sustentáveis. Proteccionismo significa fazer a Europa andar para trás.
Para operar bem, o mercado deve ser eficiente e evitar distorções. Todos devem respeitar as regras: não podemos aceitar a concorrência desleal daqueles Estados e empresas que, por um lado, se protegem e, por outro lado, exploram a abertura virtuosa revelada por outros.
É esta a razão por que exortamos a Comissão Europeia a actuar com firmeza com vista a garantir a livre circulação de capitais e a livre concorrência. Por isso consideramos positivos os comentários da Senhora Comissária Kroes neste Parlamento. Ter a coragem de tomar essa decisão significa, realmente, ser europeísta a sério: a competitividade, o crescimento e o bem-estar dos cidadãos, decorrentes de um mercado integrado, são vitais para preparar o terreno para o nascimento da Constituição Europeia.
Pervenche Berès (PSE). - (FR) Senhor Presidente, Senhora Comissária, a senhora pretende um bom funcionamento do mercado. Nesse caso, tem de renunciar a este liberalismo frenético que nos propõe e que, manifestamente, não cumpre os seus objectivos. Aquilo de que precisamos é de uma estratégia de fusões que funcione, como é óbvio, mas que se baseie também numa estratégia de política industrial bem regulada, e que se baseie também em estratégias de empresa respeitadoras de objectivos em termos de ambiente e de normas sociais.
Penso que o Presidente em exercício do Conselho teve razão em dizer que era preciso integrar também objectivos a médio e a longo prazos, que um liberalismo sem limites não pode cumprir. Além disso, se queremos que a directiva OPA funcione bem, ela remete muito para os Estados-Membros. Pois bem, teremos talvez também de pensar na sua revisão - que está prevista no texto -, de forma a que o poder dos accionistas não seja um poder cego que, sem ter em conta nenhum interesse, nem do Estado onde ocorre nem da estratégia social em vigor, nem sequer dos trabalhadores, pode, aqui ou ali, desfazer empresas que, ao longo dos anos, acumularam um saber-fazer e uma estratégia de empresa que podem também ser postos ao serviço de uma política industrial europeia.
(Aplausos da esquerda do hemiciclo)
Umberto Pirilli (UEN). – (IT) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, encontramo-nos face a duas possíveis fusões. A primeira, entre a Gaz de France e a Suez, não é desejável, pois cria, na Bélgica, um monopólio energético no sector do gás e da electricidade e fecha ainda mais o mercado francês à presença de concorrentes. A segunda fusão, porém, entre a Enel e a Suez, poderia dar lugar a uma diversificação no mercado francês e belga da energia.
O princípio da reciprocidade nas relações entre os países europeus no sector energético revela-se essencial para um mercado europeu da energia ao serviço dos consumidores e para uma política europeia comum no sector energético.
Em Itália, foi dado um amplo espaço às empresas energéticas dos outros países mediante políticas de privatização e de liberalização. O mesmo aconteceu noutros países europeus. A violação do princípio da reciprocidade por parte da França, neste caso, não pode ser justificada pela necessidade de garantir um sector energético autónomo através de padrões nacionais, mas é antes a expressão de uma política excessivamente nacionalista. A França já tem os seus padrões energéticos nacionais, não precisa de criar outros.
A fusão entre a Gaz de France e a Suez, que controla a empresa belga Electrabel, comporta o grave risco de incentivar tendências proteccionistas, não só no sector energético, mas também noutros sectores industriais, financeiros e de serviços.
Noutros casos, a Comissão Europeia aplicou com rigor os seus instrumentos antitrust para impedir o desenvolvimento de posições dominantes e retaliações por parte da concorrência internacional. Aconteceu recentemente nos casos da ABN-AMRO/Banca Antonveneta, e BBVA/Banca Nazionale del Lavoro, que parece ter agora beneficiado o BNP Paribas, um banco francês.
É desejável que a Comissão use o mesmo rigor para garantir a livre circulação de capitais, pois mesmo nestas circunstâncias o princípio deve aplicar-se a todos, dado que não podemos permitir que alguns países europeus sejam mais iguais do que outros.
Cristóbal Montoro Romero (PPE-DE). – (ES) Senhor Presidente, Senhora Comissária, realizamos esta tarde este debate no contexto dos acontecimentos extremamente graves que se registam nos mercados energéticos, fundamentalmente de electricidade e gás. Somos confrontados com ofertas públicas de aquisição induzidas por governos – como em Espanha – ou impedidas por governos – como em França. Tudo isto é um revés, e é contrário ao espírito da União Europeia.
Ouvimos argumentos políticos por parte de políticos de destaque de importantes países europeus que não hesitam em questionar os princípios fundamentais da União Europeia: a livre circulação de capitais e a plena concorrência nos mercados. Entre estes argumentos incluem-se os que ouvimos invocar, nestes últimos dias, por Ministros que parecem estar a falar de planeamento: a mais antiquada e fracassada forma de planeamento económico. Eles falam alegre e despudoradamente de proteccionismo, de patriotismo económico, de nacionalismo; utilizam, em suma, argumentos populistas da pior espécie.
A esta luz, temos de nos empenhar por inteiro na construção europeia, o que significa a livre integração dos mercados, reconhecendo que existem assimetrias nesses mercados. Claro está que existem assimetrias! Raramente vimos um único exemplo de integração económica onde não tenha havido assimetrias. Mas, apesar disso, aqui estamos, chegámos onde chegámos, e estas posições políticas acrescentam simplesmente mais problemas e dificuldades aos problemas e dificuldade que já tínhamos de enfrentar.
Estamos a falar de sectores estratégicos, mas as comunicações, os transportes e as finanças são igualmente estratégicos. Confrontados com esta tendência nacionalista, pedimos à Comissão que dê prioridade ao objectivo e ao ideal da integração europeia e que, face a esta atitude populista isolacionista, se dedique ao objectivo de criar um mercado único. Em suma, exortamos a Comissão a cumprir o seu dever de guardiã dos Tratados e a promover verdadeiras políticas de desenvolvimento e de emprego para todos os cidadãos europeus.
(Aplausos da direita do hemiciclo)
Pier Luigi Bersani (PSE). – (IT) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, o processo de concentração industrial e financeira pode reforçar a União Europeia na cena mundial.
Em certos casos e em certas fases, este processo pode decorrer, utilmente, através de canais nacionais, mas estes são, muitas vezes, defensivos e correm o risco de desencadear uma perigosa espiral de proteccionismo que deve absolutamente ser travada. Precisamos de desenvolver o quadro jurídico e de promover uma maior convergência das disposições nacionais para as fusões e as aquisições, pois, de outro modo, a corrida às cláusulas de reciprocidade levará todos esses países a submeterem-se à legislação mais fechada e proteccionista.
Finalmente, teremos, inevitavelmente, estruturas de oligopólio em certos sectores como o sector energético. Essas estruturas não podem ser concertadas ou desfavoráveis aos consumidores, e o controlo público de certas empresas não deve facilitar abusos de mercado. Concluindo, é necessário que a autoridade reguladora seja reforçada e integrada, que as medidas antitrust sejam reforçadas e que, no imediato, haja uma atitude mais activa e mais incisiva por parte da Comissão.
Ivo Belet (PPE-DE). – (NL) Senhor Presidente, Senhora Comissária, V. Exa. sabe que muitos olhos na Bélgica estão neste momento postos em si. A expectativa geral é que a senhora diga claramente aos grupos franceses Suez e Gaz de France, recentemente fundidos, que a sua posição num mercado tão pequeno como o belga é insustentavelmente monopolista. Sei que os seus serviços não foram oficialmente informados desta fusão, mas pensamos que tal não significa que V. Exa. não possa enviar já uma mensagem clara indicando que situações deste género são contrárias à legislação europeia, pois o grupo recentemente fundido irá fornecer nada menos do que 90% do gás distribuído na Bélgica. Espero que a Senhora Comissária possa confirmar que uma empresa com uma tal concentração de mercado será obrigada a renunciar a uma parte substancial das suas actividades.
Senhora Comissária Kroes, a senhora é a única garantia que os consumidores possuem – e estou a referir-me tanto aos privados como à indústria – de que no futuro não irão ter de pagar um preço inaceitavelmente elevado pelo seu gás e electricidade. A Senhora Comissária tem igualmente o poder para restaurar, pelo menos em parte, a confiança da opinião pública na Europa. Poderá fazê-lo tornando claro a esses gigantescos grupos industriais que estão a aproveitar-se da liberalização, que aquilo que estão a fazer é ilegal e contrário a essas regras da concorrência.
A Senhora Comissária disse também que irá em breve apresentar novas propostas tendentes a pôr termo à concentração de poder no sector da distribuição de energia. Gostaria que V. Exa. confirmasse que o que pretende dizer com isso é que os grandes produtores irão ser obrigados a abdicar da sua capacidade de bloqueio nas empresas de distribuição.
Gostaria de terminar, Senhora Comissária, dizendo que V. Exa. pode fazer história se fizer valer a sua influência e tornar claro que as autoridades europeias estão à altura de contrariar estas fusões gigantescas. Vossa excelência tem a reputação de ser um mulher tenaz e apreciaríamos que, durante as próximas semanas, nos desse razão para acreditar que essa reputação é justificada.
Antolín Sánchez Presedo (PSE). – (ES) Senhor Presidente, concordo com a opinião da Senhora Comissária de que não faz sentido falar de campeões nacionais e de gigantes continentais e que a abordagem adoptada na legislação em matéria de concorrência consiste em decidir caso a caso.
A política de concorrência é fundamental, mas não resolve tudo no domínio da energia, e nem mesmo a política do mercado interno o faz. Falar de energia é falar de segurança e de interesses gerais. A energia é vital e enquadra-se essencialmente na actual esfera de competências dos Estados-Membros.
Existem actualmente 25 mercados de energia com grandes disparidades, assimetrias nos regulamentos e operadores que trabalham de acordo com diferentes opções estratégicas e compromissos de política externa.
Precisamos de um sistema homogeneizado com regas de jogo harmonizadas. Os grandes operadores não podem impor ou predeterminar estas condições. Um mercado energético europeu, com serviços de energia europeus, não se criará por si só, mas resultará de um método europeu, de um compromisso e acção comuns. A Europa precisa de uma agenda e de liderança para tornar isto possível.
Nós, Socialistas, defendemos uma política energética europeia, tal como prevista, pela primeira vez, na Constituição Europeia. Mais do que palavras ressentidas condenando o patriotismo, precisamos de uma acção inteligente em prol do europeísmo.
Iles Braghetto (PPE-DE). – (IT) Senhor Presidente, Senhor Comissário, Senhoras e Senhores Deputados, nas últimas semanas a delegação italiana UDC-SVP apresentou uma pergunta escrita à Comissão para evidenciar as contradições de uma política energética europeia aparentemente em crise.
A decisão do Governo francês de criar outro gigante da energia violando os princípios do mercado europeu terá consequências negativas. A fusão entre as empresas Suez e Gaz de France corre o risco de lançar uma luta entre Estados-Membros precisamente quando a Europa se prepara para liberalizar a 100% o mercado do sector. Esta iniciativa política contraria todos os planos de transparência e de livre concorrência, substituindo, de facto, o direito ao jogo financeiro que deveria fazer parte de um mercado único.
Além disso, é preocupante a adopção da directiva sobre OPA, que a Assembleia Nacional vai retomar amanhã, após um longo período de silêncio. Um projecto de lei deste tipo pode obstruir as potenciais transacções de capital da Suez, conferindo demasiados poderes às empresas sujeitas a uma OPA. Face a uma tal anomalia, não pudemos deixar de levantar o problema de um modo responsável, interrogando-nos sobre o tipo de política energética que a nossa Europa pretende prosseguir.
Queremos salientar nesta Assembleia, Senhor Presidente, o nosso receio de uma perigosa deriva no sentido de uma Europa constituída por nações que são contra os ideais e o espírito dos Tratados, e também contra o espírito e os valores que nos foram transmitidos por Alcide De Gasperi, Konrad Adenauer, Robert Schumann e Jean Monnet.
Uma Europa que se dotou de uma moeda única, que procura harmonizar leis, normas, estatutos e instituições, que criou um Banco Central e que instituiu o espaço Schengen não pode ser reduzida a um jogo em que os interesses nacionais prevalecem sobre os interesses comunitários, e em que a política se está a substituir rapidamente ao mercado.
A perspectiva de um contexto industrial pan-europeu, relançada pelo Senhor Presidente Barroso com a aprovação do Livro Verde para o sector da energia dá-nos, finalmente, algum motivo de esperança. A Comissão deve assumir como principais objectivos para os próximos meses a criação de mercados abertos que beneficiem os consumidores e centrar-se em políticas europeias globais que protejam contra os egoísmos nacionais.
Manuel Medina Ortega (PSE). – (ES) Senhor Presidente, quando ouço membros deste Parlamento tratarem o princípio da livre circulação de capitais como sacrossanto, esquecendo-se dos objectivos sociais estabelecidos no Tratado, como o emprego, o desenvolvimento de uma economia equilibrada, fico com a impressão de que alguns deputados a esta Assembleia não leram os Tratados da União Europeia.
No que se refere às ofertas públicas de aquisição, em geral, precisamos de ter em conta, por exemplo, os interesses dos trabalhadores, que são reconhecidos na Directiva relativa às ofertas públicas de aquisição, e, em segundo lugar, as obrigações do serviço público.
Como o senhor deputado Turmes já teve ocasião de dizer, as grandes multinacionais estão neste momento a exigir montantes mais elevados aos seus subscritores em certos países do que em países onde essa livre circulação não existe. Aqueles de entre nós que provêm de regiões insulares remotas interrogam-se sobre quem irá pagar os custos adicionais que irão surgir para essas regiões deficitárias.
Por último, gostaria de realçar que não é verdade que a Directiva relativa às ofertas públicas de aquisição não prevê intervenções políticas: o nº 5 do artigo 4º prevê o estabelecimento de medidas excepcionais de acordo com as circunstâncias nacionais. Os reguladores da União Europeia terão de ter isso em consideração.
José Manuel García-Margallo y Marfil (PPE-DE). – (ES) Senhor Presidente, em reacção ao meu compatriota Sánchez Presedo, referir-me-ei às ofertas púbicas de aquisição – múltiplas – sobre a empresa Endesa.
O que fez o Governo Socialista espanhol neste caso? Em primeiro lugar, ocupou sistematicamente todos os organismos reguladores e o Tribunal da Concorrência. Pela primeira vez na história da democracia espanhola, as três instituições são presididas por indivíduos de conhecida filiação política.
Em segundo lugar, apoiou descaradamente uma determinada oferta pública de aquisição sobre a Endesa, ao ponto de o Conselho de Ministros a aprovar, em total discordância com o relatório de parecer emitido pelo Tribunal da Concorrência.
Em terceiro lugar, ergueu uma muralha – hoje repetida pelo Ministro da Economia e pelo Ministro da Indústria – a fim impedir a oferta pública de aquisição lançada por outra empresa da Comunidade.
Perante o grito de “não passarão” do Primeiro-Ministro, o Ministro da Indústria mobilizou todas as suas “armas de destruição maciça” ao ponto de mudar as regras do jogo a meio da partida – que aliás tiveram de ser rectificadas durante o percurso entre o Conselho de Ministros e o Boletim Oficial do Estado –, transformando a Espanha numa espécie de república das bananas onde a certeza jurídica é certamente espezinhada.
Quando falamos de patriotismo económico, aquilo de que a Espanha precisa para continuar a crescer e a criar emprego é de mais competitividade e não de mais proteccionismo, de mais liberalismo e não de interferência política ou de regateio, de maior segurança energética, o que significa integração na Europa, em vez de continuar a ser uma ilha no que se refere à energia.
Assim, pediria à Comissão, em primeiro lugar, para esclarecer as dúvidas políticas em torno destas operações. Assim que a oferta pública de aquisição foi lançada, solicitei à Comissária que procurasse encontrar uma solução para o problema, pois avisei-a dos riscos políticos envolvidos nessa oferta. A Comissária não quis fazê-lo, o que nos conduziu à situação em que estamos hoje.
Em segundo lugar, pedir-lhe-ia que a aplicação das regras de concorrência vigentes sejam garantidas. Em terceiro lugar, solicitar-lhe-ia, como a Comissária referiu, a integração num mercado comum, que será a única forma de garantir suficiência energética e uma energia barata, e isso dentro de um mercado interno, que é o que realmente desejamos ver. Isso é patriotismo espanhol e é também patriotismo europeu.
Andrzej Jan Szejna (PSE). – (PL) Senhor Presidente, a legislação comunitária regula as fusões e aquisições comunitárias no mercado interno, criando uma política para a concorrência que é uma das principais políticas comunitárias e também uma das suas primeiras. Destina-se, supostamente, a garantir a eliminação das barreiras ao comércio interno no seio do mercado único e a assegurar que as mesmas não são substituídas por outras acções, desencadeadas por empresas ou governos, susceptíveis de distorcer a concorrência.
Infelizmente, acontecimentos recentes mostraram que em alguns Estados-Membros estão a ser levadas a cabo actividades proteccionistas e míopes. Isto aplica-se à empresa alemã E.ON, que pretende adquirir a empresa espanhola Endesa, à fusão da gigante francesa do gás, a Gaz de France, com a Suez, o grupo privado de energia e combustível sediado em Itália, e ao recente bloqueio do Governo polaco à fusão que envolve os Bancos Pekao S.A. e o BPH, que é o produto de uma fusão entre o Grupo alemão HVB e o UniCredito italiano.
A oposição do Governo polaco tem uma base jurídica duvidosa com respeito à legislação comunitária, e apresenta a Polónia de um ângulo desfavorável aos investidores estrangeiros. Lamentavelmente, este caso também se tem tornado numa arma para o governo de direita, na sua luta contra a independência do Banco Nacional Polaco, que é também o banco central.
Alexander Radwan (PPE-DE). – (DE) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, sabiam que o iogurte é uma questão de interesse nacional? Foi este o argumento de um grande Estado-Membro fundador quando se abordou a questão de se saber se a Danone podia ser adquirida, apesar de esta empresa obter uma parte predominante do seu volume de negócios e lucros no estrangeiro.
Estamos aqui a assistir a um espantoso debate. Cada um de nós defende que as empresas do seu país façam aquisições na Europa e no mundo, mas não querem que isso aconteça no seu próprio país! Não ouvi ninguém em Espanha queixar-se quando a Telefónica espanhola adquiriu a empresa germano-britânica O2, ou quando o Banco de Santander comprou uma grande empresa britânica de prestação de serviços financeiros. Quem é que se agitou quando a França quis comprar um banco italiano ou a Electricité de France quis entrar no capital da Energie Baden-Württenberg AG, ou quando o Unicredito da Itália quis adquirir o Hypo-Vereinsbank, apesar de o ABN-AMRO ter tido problemas quando quis entrar também no mercado italiano?
Assistimos aqui a muita hipocrisia da parte dos Estados-Membros e do Conselho. Estão a isolar-se nas suas casas mas querem fazer negócios com os outros, enfraquecendo, assim, a economia europeia. Estamos a ser induzidos em erro se acreditarmos que os objectivos da Estratégia de Lisboa podem ser alcançados e que ficaremos mais fortes graças aos proteccionismos nacionais, quando nem sequer conseguimos aguentar a concorrência relevante no nosso próprio sector. Precisamos de empresas fortes e capazes de apostarem noutros países, forçando-os a aceitar uma maior concorrência.
A Comissão enfrenta dois níveis distintos de desafios. Deve apurar com clareza se as fusões servem os consumidores e se isso reforçará a concorrência. É esta a verdadeira tarefa da Comissão em matéria de análise, sendo a resposta frequentemente afirmativa e de vez em quando negativa. A Comissão deve adoptar uma linha estrita com o Conselho, pois a confiança de que os Estados-Membros e o Conselho pensam numa perspectiva europeia e no quadro do mercado interno foi muito afectada nos últimos anos.
Elisa Ferreira (PSE). – A iniciativa da Comissão de rever a regulamentação das fusões é bem-vinda. De facto, a legislação em vigor tornou-se ineficaz, como ficou ilustrado nas decisões legais mas assimétricas e economicamente insustentáveis em relação ao mercado da energia em Portugal e em Espanha.
O recente surgimento de operadores de grande dimensão europeia dificulta os problemas de regulação, em especial nos países de menor dimensão e de recursos mais frágeis. Bens e serviços essenciais que deveriam ser fornecidos com carácter universal aos mais baixos custos possíveis começam a ser fornecidos por empresas privadas em regime de monopólio e oligopólio. Quando as imperfeições de mercado são a regra do jogo, os objectivos que teoricamente a concorrência deveria gerar tornam-se inatingíveis e é precisamente aqui que o papel da regulação se revela fundamental.
Senhora Comissária, vamos encontrar respostas para algumas destas questões na revisão legislativa em curso? Como pensa a Comissão regular o poder dos oligopólios europeus? Pode a Europa viver sem uma reflexão profunda sobre política industrial e serviços de interesse económico geral?
Agradeço, desde já, uma resposta a estas questões.
Hans Winkler, Presidente em exercício do Conselho. (DE) Senhor Presidente, Senhora Comissária, Senhoras e Senhores, não tenho grande coisa a acrescentar ao que já disse no início. Manifestei claramente o meu apoio, em nome do Conselho, à concorrência para bem dos consumidores. O senhor deputado Lehne apelou, no início deste debate, ao Conselho para que se debruçasse sobre este tema. Também o senhor deputado Radwan se dirigiu ao Conselho neste sentido. Apenas posso dizer que o Conselho irá naturalmente intervir onde for solicitado e onde as suas competências e poderes o permitirem, desde que tal seja compatível com as disposições em vigor por força dos Tratados.
Queria aproveitar esta oportunidade, se me permitirem, para fazer um pouco de propaganda em causa própria. Gostaria de chamar a atenção do Hemiciclo para uma iniciativa conjunta das Presidências austríaca e finlandesa do Conselho que talvez suscite o interesse dos presentes. Por ocasião do já tradicional Dia Europeu da Concorrência, a Áustria e a Finlândia, que ocuparão a Presidência em 2006, vão organizar em 19 de Junho de 2006 em Viena um evento subordinado ao título "Legislação sobre concorrência e respectivo enquadramento – ligações e novas tendências".
Temas fulcrais deste evento serão as actuais tendências em matéria de fusões e respectiva supervisão. Sob o tema “Será que as fusões cumprem o prometido?”, discutir-se-á, com recurso a exemplos de fusões e à situação de uma economia em transição, até que ponto a legislação sobres fusões introduziu uma nova abordagem. Teremos o prazer de acolher neste evento a Senhora Comissária Neelie Kroes e o Senhor Martin Bartenstein, Ministro federal austríaco da Economia e do Trabalho. Penso que o evento despertará algum interesse.
Neelie Kroes, Membro da Comissão. – (EN) Senhor Presidente, fico muito grata pela iniciativa da Presidência austríaca de criar, juntamente com a próxima Presidência finlandesa, um importante dia em Junho: o Dia da Concorrência. Relativamente a outros assuntos, fiquei impressionada pela prioridade dada às PME. O assunto foi abordado de tal forma que representa, na verdade, um grande passo em frente. A Presidência não só cumpriu o que se tinha proposto mas foi, ao mesmo tempo, muito pragmática na tentativa de encontrar soluções. Sabemos que não são apenas os deputados ao Parlamento que se interessam por estas questões, outros também se interessam, nomeadamente as próprias PME.
Agradeço aos deputados que, nos seus discursos, apoiaram muito claramente a política da Comissão. Registo, também, que nem todos concordam com essa política. Espero, contudo, que todos estejamos conscientes de que mercados abertos e competitivos são motores do crescimento e do emprego na Europa. Já se disse, muito correctamente, que foi isso que prometemos cumprir com a Estratégia de Lisboa: mais emprego, melhor emprego e crescimento económico.
Como muitos dos senhores deputados reconheceram, um mercado interno tem um enorme potencial. Temos de deixar as nossas empresas e indústrias explorá-lo plenamente. Foi isso que ficou decidido. A propósito, isso inclui o processo de reestruturação de empresas. Parece promissor, mas não se pretende apenas pensar no próprio mercado interno, há que ver, também, qual é a posição do mercado interno fora da Europa. Temos de estar cientes da existência da concorrência a nível global e, se somos sérios quando afirmamos que queremos entrar no jogo, temos de estar cientes de que, nalgumas circunstâncias, é necessário reestruturar.
Se os efeitos de casos individuais de fusão devem ser avaliados numa base casuística, de acordo - e aqui não há qualquer dúvida - com as regras da concorrência pertinentes, as fusões de empresas baseadas em Estados-Membros diferentes irão, provavelmente, aumentar a concorrência. Daqui decorrem vantagens concretas para os consumidores europeus, sob a forma de preços mais reduzidos e maior escolha, razão pela qual a Comissão veria com grande preocupação qualquer interferência injustificada neste processo por parte dos governos nacionais.
No que respeita à livre circulação de capitais referida, com toda a razão, por diversos deputados, a Comissão defenderá as regras do mercado único, como se espera de nós. Seremos rigorosos com os Estados-Membros que não aplicarem correctamente as disposições da legislação sectorial da CE que abre à concorrência mercados como os da energia, das telecomunicações, dos serviços financeiros ou da banca. Quanto aos casos individuais, aplicaremos o Regulamento das Concentrações de forma justa, objectiva e coerente. Certamente se recordarão que, ao abrigo do Regulamento das Concentrações, a Comissão tem competência exclusiva para controlar, do ponto de vista da concorrência, os efeitos das fusões com dimensão comunitária.
Tomo devida nota das preocupações aqui expressas sobre casos específicos no sector da energia. Neste momento, não disponho de informações, pelo que não posso discuti-los. Repetirei que controlamos as fusões do ponto de vista, apenas, da concorrência, e é sobre essa base que o Tribunal avalia as nossas decisões. Como sabem, o artigo 21º do Regulamento das Concentrações põe à nossa disposição um mecanismo para lidar com interferências indevidas por parte das autoridades nacionais relativamente à reestruturação de empresas. Seja-me permitido acrescentar que não hesitarei em recorrer a esse mecanismo sempre que necessário.
Relativamente à regra dos dois terços para fusões mencionada por alguns deputados, virá essa norma a ser alterada? A divisão de competências devida à regra de dois terços pode conduzir a incoerências na abordagem a fusões muito semelhantes. Esta é uma observação básica. O princípio parece-me muito pouco adequado para o sector da energia, no qual está a ser lançada, actualmente, uma política geral de liberalização – não está pronta mas já está a ser lançada – e em que há diversos actores que merecem tratamento igual em todos os Estados-Membros. Não vamos, portanto, aplicar tratamentos diferentes de Estado-Membro para Estado-Membro.
A Comissão está, porém, numa fase incipiente do seu processo de reflexão. O primeiro passo será uma consulta às partes interessadas nos Estados-Membros sobre a questão de saber se é aconselhável modificar a regra dos dois terços. Estou ciente de que precisamos do apoio do Conselho e de como será difícil obtê-lo. Trata-se de um instrumento possível e sou a favor de o abordarmos, mas não é esse o meu objectivo. O objectivo consiste em garantir um tratamento justo e igualitário e não tentar que uns sejam mais iguais do que outros. Portanto, se há possibilidade de chegar a uma política como essa, seja qual for a direcção de que partimos, esse será o dia D para este sector da minha política.
A Comissão tem o dever de fazer cumprir as regras sempre que necessário. Na qualidade de guardiães do Tratados, desempenharemos a nossa tarefa com justiça e firmeza, como tão bem explicou a Presidência austríaca.
Agradeço de novo o vosso apoio, que me é caro. Há que desempenhar a nossa tarefa o mais rapidamente possível, pois o país das fusões está em plena actividade.