Presidente. Segue-se na ordem do dia o relatório (A6-0053/2006) da deputada Morgantini, em nome da Comissão do Desenvolvimento, sobre o impacto em matéria de desenvolvimento dos acordos de parceria económica (2005/2162(INI)).
Luisa Morgantini (GUE/NGL), relatora. – (IT) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, “Comes quando fores competitivo” é o slogan de um cartaz: como pano de fundo, um rapazinho africano faminto. A frase é muito enfática, mas até parece que a União Europeia – e isto é um eufemismo – está a sobrevalorizar a eficácia do comércio na luta contra a pobreza.
O relatório hoje em discussão está incompleto e, no projecto, havia, efectivamente, alguns pontos em que eram postos em causa os efeitos da liberalização na economia dos países em desenvolvimento. Diversos estudos econométricos, um relatório da Christian Aid e o estudo intitulado “Vencedores e vencidos”, de Sandra Polanski, publicado a semana passada, revelam que muitos países em desenvolvimento, sobretudo na África subsaariana, viveriam actualmente em melhores condições se não tivéssemos introduzido medidas de liberalização selvagem.
O estudo de Sandra Polanski, que analisa quem fica a ganhar e a perder com as liberalizações lançadas com a Ronda de Doha, vem confirmar dados anteriormente publicados pela CNUCED e pelo PNUD e chega a algumas conclusões: os países em desenvolvimento serão, provavelmente, os que sairão a perder deste jogo, uma vez que não têm capacidade agrícola nem industrial para competir com os países ricos; os vencedores serão, efectivamente, os países ricos: os Estados Unidos, a Europa e o Japão, e também a China.
O comércio livre produzirá lucros modestos a nível global, até porque os custos de ajustamento, a que os países têm de fazer face quando se empenham no processo de liberalização promovido pelos países industrializados, podem ser maiores do que os benefícios.
Não se trata de ser contra o comércio, uma vez que a abertura dos mercados pode também ser um instrumento eficaz na luta contra a pobreza, mas, tal como qualquer instrumento, deve ser usado com grande cautela. Em primeiro lugar, é necessário pôr esses países em posição de fazerem face às suas próprias necessidades internas, reforçando a sua capacidade de produção em função, sobretudo, dos objectivos internos de auto-suficiência alimentar e, em seguida, há que permitir-lhes fazer face à concorrência e às limitações em termos de oferta, fornecendo-lhes recursos adequados, que não figuram neste momento nas Perspectivas Financeiras.
Em segundo lugar, é necessário trabalhar com base em calendários realistas, que tenham em conta o tempo exigido pelos ajustamentos estruturais e, em terceiro lugar, há que limitar a abertura do mercado, prevendo, inclusivamente, mecanismos para suspender o processo de liberalização, se necessário, e dando oportunidade aos países ACP de protegerem as suas próprias indústrias incipientes e estratégicas; aliás, nós usámos esse mesmo critério ao longo de todo o século passado e, na verdade, ainda há quem tente voltar a propô-lo neste momento.
Estes princípios estão quase presentes no relatório, até porque são esses os pedidos dos países ACP, e são esses países que os formulam. Porque um princípio efectivo de parceria exige que tenhamos em conta as exigências dos nossos parceiros, principalmente se forem justificadas e, principalmente, se tiverem o apoio da sociedade civil na Europa e nos países ACP. Também, e sobretudo, porque os acordos de parceria económica resultam do quadro legal e institucional do Acordo de Cotonu, assinado pela União Europeia – chamo a atenção para este aspecto –, e têm como objectivo final o desenvolvimento e a luta contra a pobreza.
Com base neste mesmo princípio de parceria, não temos o direito de impor acordos. Penso que esses países é que devem fazê-lo, e um dos pontos principais do relatório é o pedido à Comissão para estudar desde já as alternativas, a fim de que os países ACP possam avaliar as opções e decidir se pretendem assinar os acordos ou não. Depois, a reciprocidade que está a ser invocada na implementação das liberalizações significa aplicar leis iguais a entidades que não são iguais em termos económicos e de desenvolvimento; não é assim que se produz igualdade e democracia.
Pensar no desenvolvimento só em termos de aumento do produto interno bruto de um país é muito redutor. O desenvolvimento é difícil de definir, mas quando, no meu relatório, se apela à Comissão para que proteja da liberalização os sectores da água, da saúde e da educação, estamos a falar, fundamentalmente, de direitos que devem ser garantidos, como quando se cita a Declaração da Cidade do Cabo. A Assembleia Paritária ACP-UE também tem competência para fixar indicadores de desenvolvimento, por forma a avaliar a consecução de resultados e acordos comerciais, pedindo que sejam incluídos os indicadores sociais e ambientais tais como a criação de trabalho digno, a saúde, a educação e a igualdade dos sexos.
Estamos a falar de direitos – dos mesmos direitos pelos quais nos batemos na Europa, dos mesmos direitos sobre os quais está alicerçada a União Europeia. O Parlamento Europeu não pode querer eliminar esses valores. Estamos num ponto crucial da luta contra a pobreza e temos de alcançar os objectivos que nós próprios estabelecemos.
Louis Michel, Membro da Comissão. - (FR) Senhor Presidente, Senhora Relatora, Senhoras e Senhores Deputados, gostaria, em nome da Comissão, de felicitar a Comissão do Desenvolvimento e, mais concretamente, a sua presidente Luisa Morgantini, por este relatório que coloca o desenvolvimento no centro das negociações dos Acordos de Parceria Económica (APE). O desenvolvimento - estamos perfeitamente de acordo nesta matéria - é com efeito o ponto de partida, a questão essencial e a prioridade da nossa acção. Continuaremos evidentemente a defendê-lo ao longo das negociações e na implementação dos APE, quando chegar a altura.
Gostaria, antes de mais, de me congratular por constatar que partilhamos as mesmas posições sobre muitos pontos, como por exemplo a importância do diálogo com a sociedade civil e os parlamentos nacionais ACP, o objectivo da integração regional e da governança económica, o papel dos investimentos e a diversificação das exportações. Descubro neste relatório posições que eu próprio defendi muitas vezes junto dos nossos parceiros, que possuem um papel essencial a desempenhar nesta matéria.
O objectivo central do desenvolvimento implica também uma abordagem flexível, permitindo ter em conta as fraquezas das economias dos países em causa, que tentamos reforçar. Esta abordagem traduz-se, entre outras coisas, na simetria da liberalização tarifária a favor dos países ACP, na flexibilidade relativamente à abertura dos seus mercados, na extensão da cobertura dos produtos e nas necessárias medidas de salvaguarda. Eis outros tantos princípios firmemente inscritos nas nossas posições de negociação desde o primeiro dia e que o próprio Comissário Mendelsson confirmou repetidas vezes.
Todavia, notei também que, relativamente a certos pontos sensíveis, o relatório levanta dúvidas que me parecem injustificadas. O relatório interroga-se, por exemplo, sobre a coerência das nossas posições sobre os APE com os compromissos assumidos no Acordo de Cotonu ou na recente declaração sobre a política de desenvolvimento da União. Trata-se talvez de um problema de comunicação, que me esforçarei por resolver desde já. Não deveria haver mal-entendidos entre nós, pois o apoio do Parlamento é evidentemente mais do que nunca necessário à Comissão na delicada fase de negociação que atravessamos e que deveria terminar dentro de pouco mais de um ano.
Em primeiro lugar, penso que há que reposicionar numa perspectiva correcta a compatibilidade dos APE com as regras da OMC. Evidentemente que essa compatibilidade é incontornável se queremos assegurar a estabilidade dos APE, como de todos os nossos acordos comerciais, e a Comissão tem de zelar por isso. Estamos também abertos a melhorar, se possível, as regras da OMC. Foram avançadas propostas nesse sentido, mas penso que não devemos ter ilusões e que temos de tomar consciência dos limites e das dificuldades objectivas dessa abordagem. Mas, sobretudo, não podemos esquecer a verdadeira razão de ser dos APE, que não é a OMC mas é sobretudo a necessidade urgente, largamente provada e consagrada no Acordo de Cotonu, de melhor utilizar o comércio como motor do crescimento económico dos países ACP, como foi feito para tantos outros países, incluindo os países em desenvolvimento.
Do meu ponto de vista, o êxito dos Acordos de Parceria Económica dependerá de três factores essenciais e de importância equivalente. Em primeiro lugar, uma negociação visando verdadeiramente o desenvolvimento dos nossos parceiros que, como já disse, é o nosso único objectivo estratégico. Em segundo lugar, o compromisso dos nossos parceiros ACP de criarem um quadro regulamentar propício aos investimentos. Em terceiro lugar, o apoio que a União Europeia, mas também os seus Estados-Membros e os outros prestamistas de capitais, serão capazes de dar aos países envolvidos a fim de preparar e concretizar a implementação dos APE. Compreendo a atenção que os nossos parceiros e o Parlamento prestam a este último ponto. Desde o meu primeiro dia na Comissão, prometi zelar por que sejam fornecidas as respostas necessárias.
Conseguimos obter - e agradeço ao Parlamento o seu apoio, sem o qual tal não teria sido possível - o compromisso dos Estados-Membros de duplicarem progressivamente a sua ajuda ao desenvolvimento. Recordo que tal representará um aumento de mais de 20 mil milhões de euros por ano a partir de 2010. Conseguimos chegar a acordo quanto a um reforço da cooperação entre a Comissão e os Estados-Membros no âmbito do consenso europeu adoptado em Dezembro que confirma a prioridade a dar à eficácia da ajuda. Decidimos colocar antes de mais a tónica em África e desenvolvemos uma estratégia coerente para África. Já foi criado um fundo fiduciário (trust fund) para as infra-estruturas, incluindo as que facilitam o comércio. No âmbito da programação do décimo FED, estamos a decidir com os nossos parceiros a melhor maneira de apoiar a integração económica regional, para a qual eles próprios desenvolveram agendas.
Os Acordos de Parceria Económica inserem-se nesta acção e representam uma parte importante dela. Deste ponto de vista, o calendário é essencial. Por exemplo, as perdas de receitas fiscais no seguimento do desmantelamento das tarifas aduaneiras ocorrerão após a entrada em vigor dos APE. Serão compensadas em parte pela racionalização dos sistemas fiscais já iniciada em diversos países, muitas vezes com o nosso apoio. Além disso, para facilitar a transição, estão já previstas em certas regiões medidas de apoio macro-económico. Posso informá-los de que me dedico activamente a imaginar medidas destinadas a acompanhar os Acordos de Parceria Económica, nomeadamente a nível das consequências que correm o risco de provocar, num primeiro tempo, em termos de meios para o funcionamento, eu diria soberano, do Estado.
Sei que há quem estaria a favor de um debate sobre as eventuais alternativas aos APE. Pessoalmente, não creio que tal debate académico fosse útil. Em primeiro lugar, teve já lugar um debate aprofundado quando foi decidido, em Cotonu, que os APE ofereceriam as melhores vantagens em termos de desenvolvimento, de acesso aos mercados compatível com a OMC e de apoio à boa governança e à integração regional. Em segundo lugar, todos os países ACP continuam a negociar APE. Por fim, os países beneficiam dos efeitos do acesso aos mercados do sistema de preferências generalizadas e da iniciativa "Tudo menos armas". Sabemos entretanto, após quase meio século de preferência unilateral durante Lomé e Cotonu, que esse acesso preferencial ao nosso mercado, em si, não basta para resolver as dificuldades dos nossos parceiros.
Para concluir, o relatório traduz a nossa concepção comum sobre um vasto leque de assuntos. Estou pronto a continuar o trabalho convosco sobre os objectivos e os desafios com que nós e os nossos parceiros nos encontramos confrontados neste projecto complexo, ambicioso e indispensável que são os APE, de forma a reintroduzir tantos países no caminho do crescimento e do desenvolvimento.
Amanhã, terei um seminário sobre a África Oriental. Os senhores sabem que eu faço o périplo de todas as organizações regionais e que, de cada vez, ouço manifestarem-se as preocupações de todos os actores do desenvolvimento. Os senhores traduziram perfeitamente essas preocupações, e acreditem que sou muito sensível a isso. Sou extremamente sensível à realidade das questões que os senhores levantam e não lhes escondo que as investigações, as discussões vão no bom caminho, e a criatividade também, no sentido de desenvolver uma panóplia de meios que permitam acompanhar melhor os países parceiros e dar mais directamente resposta às suas preocupações.
Assim, para concluir, agradeço-lhes, partilho totalmente o essencial do que diz este relatório e fico mais do que nunca aberto à ideia de um debate convosco, nomeadamente sobre os melhores meios de acompanhar este processo.
Maria Martens, em nome do Grupo PPE-DE. – (NL) Senhor Presidente, Senhor Comissário, os Acordos de Parceria Económica prendem-se com as relações comerciais com os países ACP, que por sua vez são reguladas pelo Acordo de Cotonu. Porém, os actuais acordos já não compatíveis com as regras acordadas no seio da OMC, na medida em que o tratamento especial de que os países ACP gozam em comparação com outros países em desenvolvimento é contrário às regras da OMC, e têm, portanto, de ser alinhados com esta regras.
O sistema actual pode continuar a ser aplicado até 2008, mais terá de ser adaptado o mais tardar até essa data.
Alguns membros deste Parlamento rejeitaram os APE desde a primeira hora; eles não acreditam que um certo grau de liberalização do comércio, seja qual for a forma, pode contribuir para o desenvolvimento dos países pobres.
No entanto, o meu grupo está convencido de que o comércio pode realmente contribuir nesse sentido, e a liberalização do comércio entre os países ACP pode certamente fazê-lo. Em princípio não nos opomos aos APE, desde que estes sejam alcançados com base em compromissos sólidos, prevendo aspectos como tempo e apoio suficientes para que os países em causa se adaptem às novas circunstâncias. É importante que os APE contemplem estes aspectos.
Assim, pela parte que nos toca, não temos objecções aos APE se estes forem realmente capazes de ajudar a combater a pobreza. O Grupo do Partido Popular Europeu (Democratas-Cristãos) e dos Democratas Europeus quer que os APE mantenham como prioridade central o objectivo do desenvolvimento, o que significa que, no interesse dos países ACP, a liberalização tem de ser apenas gradual e adaptada às circunstâncias específicas e distintas dos mesmos, devendo importantes serviços básicos, como água, educação, transportes e energia, continuar ao alcance de todos. O PPE quer um calendário realista, ou seja, tempo suficiente para que as mudanças necessárias possam ser levadas a cabo. O Grupo PPE-DE quer medidas de apoio suficientes (como assistência técnica, reforço das capacidades e reformas em áreas como a alfandegária e tributária) e deseja também que a cooperação regional entre os países ACP seja promovida.
Há quatro domínios que preocupam o PPE-DE, e que são os seguintes.
O primeiro é a limitada informação prestada pela Comissão sobre o progresso das negociações. Seguidamente, a pressão do tempo sob a qual as negociações estão neste momento a ser conduzidas e sob a qual terão também de ser implementadas. As negociações já estão em curso desde 2002 e não nos foram ainda disponibilizados projectos de textos.
Por último, os aspectos financeiros. O sucesso dos APE depende da disponibilização de verbas consideráveis. Em primeiro lugar, estas verbas deverão provir do Fundo Europeu de Desenvolvimento, e depois também de outras fontes. Não é ainda suficientemente claro de onde virá esse dinheiro. Existem regras de emergência que o prevêem, e que são efectivamente necessárias. Na eventualidade de se revelar que o sistema não funciona em alguns lugares, o processo deverá ser abrandado ou suspenso durante um determinado período de tempo. Essa possibilidade já existe nos termos das regras da OMC. Não temos ainda propostas específicas a fazer neste tocante. O Senhor Comissário já aprofundou de algum modo esta questão, e penso com satisfação num reforço da cooperação e em informação mais detalhada.
Glenys Kinnock, em nome do Grupo PSE. – (EN) Senhor Presidente, gostaria de agradecer ao Senhor Comissário. Começaria por comentar uma observação sua, de que falar de alternativas aos Acordos de Parceria Económica é um exercício “académico” – foi este o adjectivo que utilizou. O Acordo de Cotonu estabelece, muito claramente, que os países ACP têm a possibilidade de optar por seguir alternativas. Não se trata portanto, Senhor Comissário, de um exercício académico mas, decididamente, de uma opção a que os ACP podem recorrer.
Os Acordos de Parceria Económica são muito complexos e complicados para os ACP, assim como as negociações a eles relativas são as mais complexas e complicadas em que esses países participaram. Suspeito que apresentam alguma dificuldade também para a Comissão, quanto mais não seja pelas tensões que, naturalmente, existem entre as preocupações e prioridades da DG Desenvolvimento e as preocupações e prioridades da DG Comércio, que não coincidem. Sabemos, pela experiência que adquirimos neste Parlamento, que nem sempre existe a coerência necessária entre os nossos objectivos.
Parece-me que há preocupações comuns a todas as negociações regionais e sigo-as muito de perto. Conhecemos exemplos de casos em que a Comissão pretende um enquadramento que permita dar prioridade ao comércio. As regiões ACP estão muito mais interessadas em resolver os problemas ligados à oferta e a relação entre APE e apoio ao desenvolvimento. O acesso ao mercado continua a ser uma questão fundamental.
A proposta de abrir as economias dos países ACP – muitos dos quais fazem parte dos países menos desenvolvidos – causa-nos grande preocupação. As vantagens da integração regional, do acesso ao mercado e de comércio e desenvolvimento integrados, como referiu a minha colega, senhora deputada Martens, são evidentes. Contudo, na Comissão do Desenvolvimento tememos que os custos que esses países podem ser obrigados a suportar se sobreponham a quaisquer vantagens potenciais. Assim, os acordos que viessem a assinar sobre o acesso ao mercado – abertura do mercado – podem não ser exactamente aquilo de que precisam e talvez outro tipo de disposições lhes pudesse ser mais útil.
Se se pretende que sejam competitivos e coloquem no mercado os seus produtos é imprescindível um investimento substancial na sua capacidade para tal. Os países ACP necessitam de formação e a sua força de trabalho tem de ser aperfeiçoada; precisam de melhores infra-estruturas e transportes e de aumentar a sua criação de capacidades. Eis algumas prioridades dos ACP.
Note-se que não compete à Comissão dizer aos ACP o que é um bom APE. É aos ACP – após consulta aos seus parlamentos, à Assembleia Parlamentar Paritária e à sociedade civil – que cabe tomar esse tipo de decisão. Quaisquer critérios que estabeleçamos para os Acordos de Parceria Económica devem basear-se na sua relação com os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.
Gostaria de fazer uma pergunta ao Senhor Comissário. As negociações para a África Central são apresentadas como modelo para estas negociações regionais. As minhas fontes informaram-me que a DG Desenvolvimento ao mais alto nível – o que, provavelmente, significa o Senhor Comissário – está muito preocupada com a posição do secretariado da Comunidade Económica e Monetária da África Central nessas negociações. Será verdade, Senhor Comissário, que exigiu publicamente a demissão do secretário executivo e principal negociador dos APE na CEMAC? Se a resposta for afirmativa, como é que se compagina com a classificação da DG Comércio de que esse é o modelo absoluto?
Para terminar, chamaria a atenção para a Declaração da Cidade do Cabo da Assembleia Parlamentar Paritária de 2002, que estabelecia aferições comparativas com o objectivo de avaliar a condução e os resultados das negociações com base em indicadores sociais e ambientais que incluíam trabalho digno, saúde, educação e igualdade de géneros. O Conselho ACP confirmou, no ano passado, o potencial para se proceder a tais aferições. Tenciona o Senhor Comissário agir de acordo com essas propostas?
Fiona Hall, em nome do Grupo ALDE. – (EN) Senhor Presidente, o relatório da senhora deputada Morgantini foi muito bem recebido pela Comissão do Desenvolvimento porque é muito claro quanto aos princípios fundamentais em que deve assentar a parceria económica.
Como afirmaram os Comissários Louis Michel e Peter Mandelson, os Acordos de Parceria Económica têm de ajudar ao desenvolvimento. Significa isto que, por força das circunstâncias, a liberalização terá de ser assimétrica. Não podemos pensar sequer em obrigar os países ACP a abrirem os seus mercados a produtos europeus enquanto os seus próprios mercados não estiverem bem consolidados. Do lado europeu, podemos oferecer assistência a medidas comerciais de forma a ajudar a criar o mercado e a obviar aos problemas relacionados com a oferta.
Das alterações que foram apresentadas em plenário, o Grupo ALDE apoiará as que salientam que o ritmo da abertura do mercado deve ser marcado pelos ACP e que é oportuno a UE trabalhar muito mais de perto com os parceiros ACP em negociações comerciais a nível mundial. Os países ACP e a UE, juntos, formam um bloco importante.
O Grupo ALDE apoiará ainda as alterações do Grupo PPE-DE que apresentam uma redacção melhorada e que evitam definições demasiado restritivas de, por exemplo, indicadores de trabalho digno.
Algumas ONG defendiam uma simples plataforma de recusa dos APE, mas tal poderia equivaler a desperdiçar todos os nossos esforços. A integração regional que é parte do processo APE ajudará os países ACP a prosperarem, a aumentar o comércio Sul-Sul e a remover obstáculos pautais entre países vizinhos ACP.
O que verdadeiramente interessa em cada fase do processo de negociação dos APE é garantir que os resultados contribuem para o desenvolvimento. Espero que a Comissão se deixe sempre guiar, de modo genuíno e coerente, por esse princípio e pelo presente relatório.
Margrete Auken, em nome do Grupo Verts/ALE. – (DA) Senhor Presidente, o Acordo de Cotonu e os Acordos de Parceria Económica têm por objectivo a erradicação da pobreza e a promoção do desenvolvimento sustentável. Esse objectivo não poderá, em circunstância alguma, ser perdido de vista. Uma mentalidade quid pro quo, ou uma ideia de reciprocidade, assente no princípio da igualdade está, por isso, totalmente errada. O facto é que estamos a lidar com dois parceiros muito desiguais, a UE e os países ACP, consequentemente não deverão ser os países ACP a ajudar os países da UE, mas o contrário. É um aspecto em relação ao qual a senhora deputada Morgantini, seguramente, concorda totalmente comigo.
As únicas oportunidades de exportação dos países pobres situam-se no campo da agricultura e das matérias-primas e no campo dos produtos de mão-de-obra muito intensiva, tal como os têxteis, os quais deveriam poder exportar para os países da UE sem restrições. Além disso, os países ACP possuem economias extremamente frágeis. Por esse motivo não podemos exigir que tomem um lugar de vanguarda e abram 90% dos seus mercados em troca da abertura dos mercados da UE, como uma espécie de contrapartida. Este ponto de vista está igualmente patente no relatório da senhora deputada Morgantini. Espero, portanto, ter interpretado correctamente o nº 17 do relatório que refere que são, naturalmente, apenas os países ACP que poderão introduzir restrições temporárias das importações, quando uma indústria nacional seja prejudicada ou ameaçada de prejuízo causado por um aumento das importações. Seria muito indesejável termos o direito de impedir os países ACP de nos venderem produtos têxteis e agrícolas só porque não fomos suficientemente hábeis na adaptação a diferentes condições de competitividade num mundo globalizado. É um facto que também nos foi permitido proteger os nossos mercados numa altura em que as nossas economias ainda estavam em desenvolvimento. Seja como for, a protecção dos mercados é uma forma muito pouco segura de alcançar o crescimento e uma economia saudável, devendo, por esse motivo, também constituir uma medida limitada, inclusivamente no tempo, para os países em desenvolvimento.
PRESIDÊNCIA: VIDAL-QUADRAS ROCA Vice-presidente
Gabriele Zimmer, em nome do Grupo GUE/NGL. – (DE) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, nesta Câmara, já por diversas ocasiões e com enorme grau de unanimidade, chegámos a acordo relativamente aos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, tendo hasteado a bandeira da erradicação da pobreza no nosso planeta e elegido esta tarefa como a mais importante das próximas décadas.
O excelente relatório da senhora deputada Morgantini proporcionou-nos uma avaliação do contributo que os acordos de parceria económica podem dar para a consecução desta tarefa. Esperamos que, nas negociações, a Comissão atribua clara prioridade ao desenvolvimento e à eliminação da pobreza nos países ACP. A crítica que vou fazer é claramente dirigida à aparição de um representante da DG Comércio numa audição da Comissão do Desenvolvimento. Vamos ser bem claros: não se pretende negociações que reflictam o estilo e o comportamento de uma potência colonial; entendemos que a soberania da tomada de decisões dos nossos parceiros nos países ACP tem de ser preservada.
Esta soberania tem de ser encorajada através do investimento em infra-estruturas comerciais, e, obviamente, através do apoio a estratégias nacionais de combate à pobreza, algo totalmente em sintonia com o princípio da subsidiariedade, tão estimado na UE. Se os Governos exercerem a sua soberania, decidindo encarar com cepticismo os acordos de parceria económica, nesse caso vai ter de haver alternativas como as previstas no Acordo de Cotonu. É por isso que pergunto a mim mesma por que razão o Grupo do Partido Popular Europeu (Democratas-Cristãos) e dos Democratas Europeus pretende eliminar essa referência. O que leva o grupo do PPE-DE a deixar de se sentir vinculado por acordos? O grupo do PPE-DE está também a tentar eliminar praticamente todas as frases do relatório em que aos governos ACP é dada soberania negocial e o seu próprio espaço político de manobra relativamente à possibilidade de implementação da liberalização num determinado sector, e até que ponto e com que enquadramento temporal. Qual a razão, é o que eu gostaria de saber.
O relatório Morgantini propõe que, logo à partida, o abastecimento básico com água potável, a educação e outros serviços públicos de interesse geral sejam excluídos da liberalização. O grupo do PPE-DE pretende que esta referência seja apagada, e propõe antes que a liberalização do sector da água seja baseada em preços acessíveis. Considero que se trata de puro cinismo. Dada a pobreza disseminada em muitas regiões dos países ACP, esta proposta não é, pura e simplesmente, aceitável. Exorto os colegas a, amanhã, rejeitarem estas alterações.
Alessandro Battilocchio (NI). – (IT) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, em primeiro lugar, quero agradecer à relatora, a senhora deputada Morgantini, o excelente trabalho efectuado. Numa sociedade actualmente dominada por um mercado económico globalizado, as Instituições comunitárias têm o dever de incentivar a cooperação para o desenvolvimento, num mundo em que três mil milhões de seres humanos vivem com menos de dois dólares por dia e mais de mil milhões sobrevivem com um dólar.
Com vista a esse objectivo partilhado, devemos procurar os meios adequados que possam conduzir quer a uma melhoria da situação económica nos países em desenvolvimento, quer a uma gradual e crescente integração no mercado mundial. As políticas de cooperação da União Europeia devem incluir prioridades com vista à transformação dos processos internos nesses países, promovendo um clima político estável, aberto e democrático, bem como uma maior prosperidade. Neste contexto, podemos afirmar que os acordos de parceria económica representam um instrumento adequado para reforçar e implementar as relações comerciais entre os países ACP e a União Europeia.
Devemos ainda chamar a atenção para outro ponto: os investimentos para o desenvolvimento nos sectores ditos “sensíveis”, como a educação, a saúde e a energia, devem ser sujeitos a uma supervisão permanente e, sempre que necessário, deverão ser impostas restrições à liberalização económica. Devemos ter sempre presente que, para serem bem sucedidos e terem um impacto positivo no tecido social dos países em desenvolvimento, a integração eficaz e o crescimento económico devem, necessariamente, ser acompanhados de uma melhoria das condições de vida da população em geral. Relativamente a este assunto é necessário um compromisso exacto, específico e coerente.
Eija-Riitta Korhola (PPE-DE). – (FI) Senhor Presidente, antes de mais quero agradecer à minha colega, senhora deputada Martens, a sua excelente intervenção bem como as alterações que propôs. A sua posição reforça o relatório em análise e apoia o objectivo nele consignado de fazer dos Acordos de Parceria Económica (APE) um meio viável de atingir as metas estabelecidas pela UE em termos de cooperação para o desenvolvimento.
As regras da OMC obrigam-nos a negociar, à parte, Acordos de Parceria Económica porque a relação comercial estabelecida nas Convenções de Lomé e no Acordo de Cotonu é não recíproca e, por conseguinte, incompatível com a “cláusula de habilitação” da OMC. Segundo esta cláusula, os países industrializados são autorizados a conceder tratamento preferencial unilateral e não recíproco apenas a dois grupos de países: ou todos os países menos desenvolvidos (PMD) ou todos os países em desenvolvimento. Ora, uma vez que as regiões do Grupo de Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico (ACP) englobam países dos dois grupos, as preferências inicialmente concedidas aos países ACP são incompatíveis com as actuais regras da OMC, e o período de transição durante o qual a UE permite derrogações expira em 2008.
Para que as relações comerciais UE-ACP fossem conformes à OMC a longo prazo, procurou-se uma solução nos APE. Nos termos dos APE propostos, as relações comerciais entre a UE e os vários grupos regionais ACP serão recíprocas. À luz do artigo XXIV do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT), países com diferentes níveis de desenvolvimento podem estabelecer acordos recíprocos de comércio livre, desde que a liberalização de praticamente todo o comércio se verifique dentro de um prazo razoável – no contexto dos APE, isto veio a traduzir-se em cerca de 90% do comércio em 10 a 12 anos.
É evidente que a aplicação de um acordo de comércio livre recíproco constituirá um desafio de monta para os países ACP, cujo nível de desenvolvimento varia muito de país para país. A reciprocidade representa uma grande mudança na abordagem da UE ao desenvolvimento e nas polícias comerciais da União com os parceiros ACP.
Por outro lado, sabemos que o apoio permitido a coberto de Lomé e Cotonu não conseguiu travar o declínio da quota de mercado dos países ACP. Uma vez que estamos preocupados com uma eventual liberalização prematura, devemos questionar-nos sobre se, neste contexto, alguma vez se aplicará o conceito de “liberalização atempada”. Haverá, por vezes, que tomar medidas arrojadas, o que implica que, em simultâneo, a UE assegure que o eventual desfecho das negociações sobre os acordos permita uma margem de tempo suficiente para os mercados internos e regionais dos países ACP se adaptarem.
Pessoalmente, também considero importante conceder a todos um acesso sem restrições aos “livres” serviços da própria natureza. Assim, no Dia Mundial da Água, considero que é necessário chamar a atenção para a importância, por exemplo, de uma gestão equitativa dos recursos hídricos.
Nalguns casos, a abertura dos mercados também tem conduzido a um aumento da pobreza nos países em desenvolvimento. Daí que o desenrolar das negociações deva ser cuidadosamente acompanhado. As negociações devem ser imparciais, não devendo ser exercida qualquer pressão sobre qualquer das Partes enquanto aquelas têm lugar.
Kader Arif (PSE). - (FR) Senhor Presidente, Senhor Comissário, caros colegas, quero agradecer à minha colega Luisa Morgantini pelo excelente relatório que submete hoje à nossa apreciação sobre o impacto dos Acordos de Parceria Económica no desenvolvimento.
A filosofia geral deste texto está certa. Defende a indispensável solidariedade comunitária face a uma regulamentação portadora de um risco de liberalização não controlada. Este trabalho recolheu a unanimidade no seio da Comissão do Desenvolvimento. Desejo, e espero, que obtenha o mesmo apoio na votação de amanhã.
A nossa reflexão deve ser enquadrada por um princípio primordial: o desenvolvimento no respeito do Acordo de Cotonu e em estreita ligação com ele. Trata-se de um objectivo prioritário em todas as negociações e no âmbito da implementação de APE com os países ACP.
Compreendo a necessidade de submeter as relações comerciais entre a União Europeia e os países ACP às regras da OMC; estou a falar do acesso unilateral preferencial entre mercados comunitários. Contudo, a compatibilidade com as regras da OMC não deve contrariar os nossos compromissos internacionais de promoção do desenvolvimento sustentável e de erradicação da pobreza.
Partilho os temores dos nossos parceiros ACP e de muitas ONG quanto à maneira como as negociações são actualmente conduzidas pela Comissão, bem como à lógica que a elas preside. Com efeito, existe uma assimetria gritante entre as duas partes interessadas. Se não a tivermos em conta, a harmoniosa e rápida abertura recíproca dos mercados que nos é vendida será fatalmente desequilibrada e temo que apenas conduza a desilusões.
Esta liberalização do comércio entre parceiros desiguais, longe de promover o desenvolvimento desejado, corre pelo contrário o risco de provocar efeitos devastadores para as economias frágeis dos países envolvidos e para as suas populações vulneráveis. E isto no momento em que, com os nossos discursos, pretendemos querer ajudar aqueles países a concretizarem os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio que, já o sabemos, estão fora de alcance.
Penso que, se estes acordos forem concebidos de forma concertada e gradual, num quadro racional e previsível, para promover o comércio e os investimentos naquela zona, representarão uma verdadeira oportunidade para os países ACP, oportunidade quer em termos de diversificação económica e de integração regional harmoniosa, quer em termos de inserção real e com êxito na economia mundial.
Devemos manifestar algumas prioridades. A primeira delas é a da exclusão dos temas de Singapura e dos serviços públicos essenciais, sem negligenciar o princípio do direitos de esses países defenderem os seus sectores estratégicos sensíveis através de medidas de salvaguarda. A segunda prioridade consiste em respeitar o nosso compromisso de procurar regimes comerciais alternativos aos APE para os países que os pedissem, como estipula o nº 6 do artigo 37º do Acordo de Cotonu. Essas alternativas devem basear-se no princípio de não reciprocidade instituído nos SPG, bem como na introdução de uma cláusula instituindo um tratamento especial e diferenciado na OMC. Estas prioridades dependem fortemente da vontade de a União pressionar com todo o seu peso, no seio da OMC, no sentido de favorecer a melhoria das regras em termos das prioridades do desenvolvimento.
Por fim, não podemos exprimir uma vontade sem os meios necessários para a atingir. Quero portanto concluir dizendo que, para além da preocupação sobre as Perspectivas Financeiras da União, seria também necessário cumprir as promessas feitas pelo Presidente da Comissão em Gleneagles relativas à ajuda ao comércio. Por outro lado, seria preciso prever novos compromissos financeiros para compensar o custo, para os países ACP, da supressão das preferências e dos direitos aduaneiros, reforçar o apoio técnico aos países ACP e, por fim, caros colegas, recusar a inaceitável redução do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED). Mas, como não estou convencido de que esses objectivos sejam atingidos rapidamente, sugiro à Comissão, como prova da sua boa vontade, que pense no prolongamento do período de transição para a abertura recíproca dos mercados em função das necessidades específicas dos países ACP, tal como foram identificadas na altura das negociações.
Hannu Takkula (ALDE). – (FI) Senhor Presidente, espero que os Acordos de Parceria Económica se revelem um meio eficaz de eliminar a pobreza e que eles nos permitam passar das declarações a algo de mais concreto. Registei com agrado as intervenções que aqui foram feitas esta noite sobre este assunto – a da senhora deputada Eija-Riitta Korhola, em especial, foi excelente. Quanto ao relatório da senhora deputada Luisa Morgantini, nada tenho a acrescentar em termos de qualidade mas, ainda assim, gostaria de emitir algumas observações.
A importância da cooperação para o desenvolvimento não deve ser subestimada. Como sociedades defensoras do bem-estar social e na nossa qualidade de comunidades europeias, queremos ajudar outros seres humanos cuja situação económica é pior que a nossa, tanto nos nossos próprios países como noutros pontos do globo. De certo modo, isto é uma medida do nosso grau de civilidade.
É verdade que hoje em dia, em muitos Estados-Membros da União Europeia, se debate a questão de saber que percentagem do financiamento deveria ser canalizada para a cooperação para o desenvolvimento. Por exemplo, na Finlândia, país de onde venho, esta questão acaba de ser debatida, e sei que a meta de 0,7% recomendada pelas Nações Unidas não foi alcançada: ficámo-nos pela fasquia dos 0,4%. Faço votos de que os demais países europeus, incluindo a Finlândia, registem progressos a este nível. É de esperar que nós, na União Europeia, saibamos criar uma vontade comum, e disponibilizar as necessárias verbas, para atender às necessidades dos nossos irmãos e das nações que vivem numa situação económica pior que a nossa.
Sou de opinião, porém, que devemos assegurar que a ajuda que prestamos seja consentânea com os princípios do desenvolvimento sustentável. Na cooperação para o desenvolvimento por parte da UE, importa ter sempre em linha de conta os factores económicos, sociais e ambientais. Não é apenas o dinheiro que importa mas também, e sobretudo, a parceria, o apoio ao desenvolvimento e, concretamente, a ajuda no início da aplicação dos novos acordos.
Devemos igualmente ter o cuidado de promover os valores europeus, como a democracia e os direitos humanos, através da cooperação para o desenvolvimento. São aspectos que não devemos perder de vista no âmbito da cooperação para o desenvolvimento.
Vittorio Agnoletto (GUE/NGL). – (IT) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, o relatório Morgantini é uma importante tentativa de limitar os prejuízos causados pelos APE. Acreditam realmente que um acordo de comércio livre é quanto basta para reduzir e eliminar a fome e a pobreza?
Vejamos o caso do Burundi: a abolição teórica dos direitos aduaneiros, tal como está prevista nos APE, permitiria um ganho para a União Europeia de uma quota de comércio equivalente a 12,4 milhões de dólares, que o Burundi iria perder, e isso depois de já se ter calculado o ganho dos consumidores locais. Este facto ressalta de um estudo efectuado pela Comissão Económica para África, uma organização da ONU, que mostrou igualmente que esse continente tem já uma quota bastante alta de riqueza na posse de residentes no estrangeiro, quota essa que é mais alta do que qualquer outra região do mundo: 39%.
A ideia de que uma maior expansão das ideias liberais pode produzir riqueza nessas zonas é igualmente desmentida pelos dados respeitantes aos subsídios. Na Nigéria, a carne mais barata é alemã e inglesa e, no Senegal, 52 000 toneladas de cebolas exportadas só em 2005 dos Países Baixos deixaram os agricultores a braços com dificuldades extremamente graves. Inicialmente, os APE foram concebidos no âmbito do Acordo de Cotonu, que sanciona o combate à pobreza e a luta pelo desenvolvimento social, mas, em vez disso, converteram-se em algo que não promove o desenvolvimento social mas sim mais pobreza.
Louis Michel, Membro da Comissão. - (FR) Senhoras e Senhores Deputados, concordo com algumas das considerações manifestadas. Relativamente ao facto de que a informação proveniente da Comissão seria limitada, a Comissão está evidentemente disposta a fornecer todas as informações de que dispõe. Talvez os senhores tenham a sensação de que há demasiado poucas informações; pelo menos pela minha parte, zelarei por lhes fornecer toda a informação de que disponho.
No que respeita à necessidade de dispor de fundos importantes, se são precisos fundos suplementares, os Estados-Membros terão necessariamente de os fornecer. Os senhores sabem perfeitamente quais são os montantes disponíveis no quadro do Fundo Europeu de Investimento: eu só disponho dos fundos que me dão.
No que se refere à intervenção da senhora deputada Kinnock, gostaria que não houvesse mal-entendidos. Quando falei de debate "académico" sobre a alternativa, não tinha nada de impertinente. Com efeito, podemos apresentar propostas alternativas àqueles que não querem negociar, mas, no estado actual das coisas, e como sabe, Senhora Deputada, estão todos a negociar. O termo talvez fosse mal escolhido, mas abrir um debate sobre as alternativas quando eles estão todos a negociar não me parece portanto útil neste momento.
Gostaria de lhes dizer que estou francamente de acordo com as restantes observações que formularam. Assim, estou de acordo com as vossas observações relativas ao acesso ao mercado, mas têm de admitir também que esse acesso ao mercado não é tudo. A nossa experiência de 50 anos de liberalização indica claramente que não basta e que existe toda uma série de outros elementos a realçar. Não poderão encontrar ninguém mais convencido do que eu do facto de que temos de nos concentrar nos benefícios do desenvolvimento: estou portanto perfeitamente de acordo com esse princípio.
Relativamente aos problemas de produção, é evidente que se trata de um dos elementos de acompanhamento mais úteis para os países em questão. É efectivamente a esse nível que podemos fornecer os meios necessários para financiar a recuperação técnica ou tecnológica, a transferência tecnológica, a qualidade do produto, resumindo, para financiar o valor acrescentado tão necessário para aceder ao mercado.
Estou de acordo convosco em reconhecer que a União Europeia não deve impor as suas orientações. Tal situação não corresponderia minimamente às minhas convicções nem à ideia que faço do desenvolvimento. Existe uma negociação e, numa negociação, cada parceiro faz valer os seus argumentos. Não há imposições a esse nível. Estou aliás de acordo com a senhora deputada Martens, que dizia que o calendário tem de ser realista. Estou inteiramente de acordo que temos de salvaguardar o acesso à água, à energia e a toda uma série de bens perfeitamente essenciais. Partilho totalmente o seu ponto de vista sobre este assunto e estou totalmente reticente à ideia de liberalizar esses sectores.
Senhora Deputada Kinnock, quanto à questão do despedimento do secretário que eu teria pedido, em primeiro lugar não tenho poderes para o fazer e, em segundo lugar, não pedi o despedimento de ninguém. O que é verdade - pois quero assumir completamente o que fiz - é que, em resposta a uma solicitação do secretário da CEMAC, a Comunidade Económica e Monetária da África Central, disse apenas que não estava de acordo em aceitar um pedido de meios suplementares para alguém que não fez nada, e posso provar que não fez nada, e não sou aliás o único a queixar-me disso. Ele invocou, para se justificar, o facto de que não dispõe de um direito de supressão ou modificação do auxílio sobre os Estados. O trabalho que deveria estar feito não está. Não recebemos os justificativos que pedimos. Existe um problema de transparência na sua gestão. Nestas condições, o meu papel, penso eu, é o de recordar um certo número de princípios de governança elementar, sobretudo quando se trata de um pedido sobre meios financeiros proveniente da Comissão. Assim, assumo o que fiz, mas não pedi o despedimento de ninguém e não possuo aliás poderes para isso.
Por fim, em resumo, diria que o pacote, na negociação, deve ser global e coerente. Peter Mandelson negocia os APE e eu tenho uma posição de acompanhamento. Assim, trabalhamos em paralelo. O meu ponto de partida é evidentemente o desenvolvimento, o desenvolvimento económico como motor do crescimento. Recordo aliás que os países possuem agendas de luta contra a pobreza que incluem essa vertente. As regiões abrangidas por agendas de integração económica pedem-nos que as apoiemos, coisa que fazemos. Essa integração comporta uma vertente de liberalização comercial entre eles, nós apoiamo-la e os APE apoiam esse pedido de integração regional.
Posso conceber que alguns dos vossos temores se justificam, mas posso garantir-lhes, pelo menos no que me diz respeito, que a vertente desenvolvimento será prioritária. É nessa vertente que vão centrar-se as negociações, e as medidas de acompanhamento deverão permitir, conforme o ritmo que esses países forem capazes de manter, uma actualização que deveria facilitar-lhes, a prazo, um acesso não só a mercados regionais integrados, mas também ao mercado mundial.
Para concluir, compreendo todas as vossas reticências, todas as vossas preocupações. Estou disposto - e penso que seria de facto muito importante - a proceder a uma troca de pontos de vista convosco, também sobre todas as medidas de acompanhamento. Estou receptível a toda a criatividade de que forem capazes e estou inteiramente aberto sobre estas questões, sem qualquer preconceito. Seja como for, acreditem que estou absolutamente disposto a continuar à procura das melhores soluções possíveis para apoiar os países em desenvolvimento no âmbito dos APE.