Presidente. Segue-se na ordem do dia a pergunta oral (B6-0432/2006), apresentada pelo deputado Barón Crespo, em nome da Comissão do Comércio Internacional, sobre os resultados definitivos da investigação anti-dumping relativa ao calçado proveniente da China e do Vietname.
Olli Rehn, Membro da Comissão. (EN) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, neste debate estou a substituir o meu colega Peter Mandelson, que, juntamente com a Ministra Lehtomäki, se encontra neste momento a caminho da Cimeira UE-Índia, e posso afirmar que ele está realmente de serviço, pois temos um grande número de importantes políticas comerciais a discutir com a Índia.
Na semana passada, o Conselho adoptou as medidas propostas pela Comissão para combater o dumping de calçado proveniente da China e do Vietname na União Europeia. Estas medidas oferecem uma solução equilibrada para um caso complexo: uma solução que responde a provas inequívocas da ocorrência de práticas concorrenciais ilegítimas e de intervenção estatal, o que permitiu a empresas chinesas e vietnamitas praticar o dumping na União Europeia.
As medidas agora adoptadas contribuirão para corrigir esta situação. Proporcionam algum alívio aos fabricantes de calçado na UE, levando simultaneamente em conta quer os interesses dos consumidores, quer as transformações operadas na estrutura do sector na União, onde muitas empresas europeias de calçado optaram por transferir a actividade de fabrico para fora da União.
Efectivamente, trata-se aqui de um caso de estudo sobre a nossa capacidade para responder aos desafios e oportunidades decorrentes da globalização. Os resultados definitivos da investigação levada a cabo pela Comissão estão contidos nas medidas que publicámos em 6 de Outubro, nas quais consta igualmente uma descrição pormenorizada sobre a forma como definimos o nível de dumping e de prejuízo para o sector de calçado na UE e como determinámos o nível adequado de direitos a impor nestas circunstâncias. Trata-se de informação que é do domínio público e que está obviamente, como em qualquer outro caso, sujeita a controlo público e, em última instância, a controlo judicial.
Relativamente à eventual utilização de um sistema de direitos diferidos, é verdade que a Comissão considerou a possibilidade de adoptar tal abordagem como resposta a este caso. Seria uma abordagem inovadora, que efectivamente teria tido algumas vantagens, mas que não granjeou o apoio de uma maioria dos Estados-Membros. A Comissão escutou as preocupações dos Estados-Membros e, em finais de Agosto, apresentou as medidas que acabam de ser aprovadas pelo Conselho.
Ao estabelecer o nível de direitos, a Comissão aplicou a “regra do menor direito”, que faz parte do nosso quadro jurídico vigente e é inteiramente coerente com o quadro internacional em matéria de anti-dumping. Esta regra permite à Comissão fixar níveis de direitos que reflectem os prejuízos efectivamente sofridos pelo sector do calçado na UE, em lugar do nível de dumping estabelecido na investigação. Esta abordagem não é, em si, uma abordagem nova. Por outro lado, dada a natureza deste sector, onde até 2005 foram aplicadas quotas às importações de calçado, tratava-se de um factor importante a ter em conta na determinação do nível adequado de direitos a aplicar. Seja como for, a situação é específica a este caso em particular, e, se é verdade que cada caso deve ser julgado pelos seus próprios méritos, sobretudo quando temos de encarar a globalização, o que é facto é que ela não representa, enquanto tal, uma mudança de vulto na forma como lidamos com os casos de defesa do comércio.
A terminar, gostaria de sublinhar que o tipo de desafios que se coloca no caso da indústria do calçado não pode ser ignorado. Esta a razão por que a Comissão irá publicar, em Dezembro, como parte da sua estratégia de reforço da nossa competitividade externa, um Livro Verde onde analisa os nossos instrumentos de defesa do comércio e a forma como funcionam no contexto da globalização da economia.
Aguardo com grande interesse o debate em torno desse tema e penso que teremos de trabalhar em conjunto para conseguir melhorias práticas e sensatas tendentes a reforçar a capacidade das empresas europeias para concorrer em condições equitativas num mercado globalizado. É com grande expectativa que aguardo uma participação activa do Parlamento Europeu nesse debate.
Presidente. Apresento as minhas desculpas ao senhor deputado Barón Crespo por não ter seguido correctamente a ordem de uso da palavra. Obviamente que era ao senhor deputado que pertencia usar da palavra em primeiro lugar, para colocar a questão à Comissão. O Senhor Comissário Mandelson não se encontra presente, pelas razões já apontadas pelo Senhor Comissário Rehn. Juntamente com a Ministra Lehtomäki, encontra-se neste momento a bordo, no voo com destino à Finlândia, onde ambos irão participar na Cimeira UE-Índia.
Enrique Barón Crespo (PSE), autor. – (ES) Senhor Presidente, eu tinha duas queixas e vou acrescentar uma terceira, pois considero que aquilo está hoje a acontecer nesta Câmara é absolutamente intolerável.
Em primeiro lugar, o facto de se mudarem as regras e se fazer com que o Comissário substituto responda antes de eu ter tido oportunidade de formular a minha pergunta constitui uma manifestação de desrespeito para com este Parlamento.
Em segundo lugar, a ausência do Conselho. Não há justificação para tal, e hoje suscitámos essa questão na Conferência dos Presidentes das comissões parlamentares: não há justificação para a ausência do Conselho, especialmente porque o papel do Conselho neste assunto está muito em questão neste momento, no que se refere à imparcialidade por ele demonstrada na apreciação do mesmo.
A Presidência finlandesa – e digo isto com profunda mágoa, posto que Finlândia é um exemplo de transparência – não agiu devidamente, e a Ministra Paula Lehtomäki devia ter dado explicações.
No que se refere ao Comissário Mandelson – e digo isto ao Comissário Rehn para que lho possa transmitir, e direi algo mais –, se o Comissário Mandelson estivesse numa escola pública, os seus pais já teriam sido chamados devido ao absentismo do seu filho, pois ele não esteve aqui na sessão de Setembro para debater o relatório sobre a Índia, hoje teve de ir-se embora e também não vai estar aqui para o Mercosul... Sim, é muito importante falar com a Índia em Helsínquia, mas mais importante ainda é estar onde o executivo deveria estar, que é neste Parlamento, a falar com os seus membros.
Senhor Presidente, quanto à matéria de fundo, devo dizer que apoiamos a Comissão: apoiamo-la e discordamos inteiramente da opinião bidimensional estereotipada de algumas pessoas de que há países partidários do comércio livre ou países proteccionistas neste domínio.
A Comissão está a adoptar uma abordagem equilibrada; agimos aqui conjuntamente e com solidariedade, e encontramo-nos numa situação muito grave. Foi dito que há proteccionismo; pois bem, nós temos de proteger os nossos trabalhadores, por exemplo. Neste momento, posso dizer-lhe que a última indústria que resta em França, na Alsácia, que fabrica calçado de segurança, que é muito importante, vai recorrer ao Tribunal de Justiça, pois as diferenças são de 40% – recordando que estamos a pedir medidas anti-dumping sob a forma de uma tarifa de 10 a 20% – e o calçado que entra na UE não obedece às normas mínimas de segurança.
Por conseguinte, este não é um debate que divide a União Europeia entre os que defendem um procedimento correcto e os que querem fechar as portas. Este é um debate em que apelamos ao cumprimento das normas que acordámos com a Organização Mundial do Comércio. A Comissão agiu correctamente no seu trabalho, se bem que hoje o não tenha feito devido à ausência do Comissário Mandelson.
Por conseguinte, entendemos que a Comissão deveria tratar com mais respeito um assunto tão importante como este. Há outros assuntos que são também muito importantes, mas o Presidente e eu perdemos muitos aviões para cumprir com os nossos deveres. Se amanhã há uma cimeira, eles deveriam levantar-se cedo ou organizar as coisas de outro modo; porém, é aqui o lugar onde deveriam estar hoje.
Presidente. Senhor Deputado Barón Crespo, a sua observação tem toda a razão de ser, e, com base na sua própria experiência como Presidente, saberá certamente quão difícil é conseguir que certos oradores se cinjam ao seu tempo de uso da palavra. Em anteriores debates desta tarde, por exemplo, tomei nota de que o Senhor Comissário Frattini e o Presidente Barroso, conjuntamente, falaram durante mais de 42 minutos.
Não posso pedir desculpa em nome do Comissário Mandelson, mas penso que o Comissário Rehn já explicou a situação. Estou certo de que as suas observações serão transmitidas pelo Senhor Comissário Rehn ao Senhor Comissário Mandelson.
Georgios Papastamkos, em nome do Grupo PPE-DE. – (EL) Senhor Presidente, subscrevo as objecções do senhor deputado Barón Crespo relativamente à conduta da Comissão em discussões tão cruciais.
A questão dos direitos anti-dumping sobre o calçado dividiu os Estados-Membros da União. Pôs também em evidência um conflito de interesses entre fabricantes, por um lado, e fornecedores e consumidores, por outro.
Nós, o Grupo do Partido Popular Europeu (Democratas-Cristãos) e dos Democratas Europeus, continuamos a defender o multilateralismo e um comércio internacional aberto e equilibrado. Considero, contudo, que os argumentos apresentados contra a adopção das medidas em questão, ou seja, o proteccionismo a favor da indústria e a transferência dos custos para os consumidores europeus, são enganadores e infundados.
Senhoras e Senhores Deputados, tem de ficar claro que a imposição de direitos é uma medida de defesa comercial legal e justificada ou, se preferirem, uma medida de protecção produtiva. Pelo contrário, as práticas de dumping são uma medida de protecção primária – uma medida que distorce o comércio. Assim, a partir do momento em que se constatou a existência de práticas de dumping e os prejuízos que estas acarretam para a indústria europeia, a não adopção de medidas seria sinónimo de tolerância para com a concorrência desleal. A todos aqueles que argumentam com os melhores preços contra a imposição de direitos, pergunto: os consumidores beneficiaram da redução dos preços de importação após a liberalização? É óbvio que não. A própria Comissão confirma que não houve qualquer benefício para o consumidor europeu, uma vez que os preços permaneceram estáveis ou em certos casos sofreram até ligeiros aumentos.
Senhoras e Senhores Deputados, a União Europeia tem o dever de enviar uma mensagem clara: sim à concorrência; não à sua distorção manifesta ou escondida. A União é e continuará a ser um mercado aberto aos parceiros que respeitam as regras e a disciplina do sistema de comércio multilateral.
David Martin, em nome do Grupo PSE. – (EN) Senhor Presidente, em rigor, esta decisão de impor direitos às importações de calçado deixou-me perplexo, e isto por duas razões: em primeiro lugar, porque um grande número de consumidores europeus vai ter de pagar mais pelo calçado que compra, a fim de proporcionar benefícios duvidosos a um pequeno número de fabricantes europeus. Lamento em particular o facto de o calçado infantil ter sido abrangido por esta medida. Para um pai ou uma mãe com um salário relativamente baixo e uma criança de poucos anos de idade, que necessita regularmente de um novo par de sapatos, esta é uma imposição grave e eu lamento sinceramente que tenhamos tomado esta medida.
O segundo motivo da minha perplexidade é a forma como a maioria no Conselho foi, alegadamente, arranjada – e digo alegadamente pois não disponho de provas irrefutáveis desse facto. Mas, segundo julgo saber, a Letónia foi persuadida a mudar o sentido do seu voto, mudança essa que nada teve a ver com sapatos, antes se prendendo com o facto de a Itália ter prometido que, nesse caso, não votaria a favor da imposição de sanções à Bielorrússia no âmbito do sistema de preferências generalizadas. Atendendo a que a Letónia mantém extensas relações comerciais com a Bielorrússia, esta foi uma grande jogada para os letões. A ser verdade, este tipo de negociações, na base de concessões recíprocas, faz cair no descrédito a União Europeia, em geral, e o Conselho, em particular.
Sajjad Karim, em nome do Grupo ALDE. – (EN) Senhor Presidente, antes de mais, associo-me ao senhor deputado Barón Crespo nas reclamações que aqui apresentou.
Senhor Comissário, a decisão adoptada pela UE a semana passada, no sentido de impor direitos às importações de calçado provenientes da China e do Vietname, não só foi contrária à vontade da maioria da Europa – alguns Estados-Membros entraram nitidamente em negociações e jogos de interesses, tendo entretanto abandonado as suas posições declaradas -, como também suscita a possibilidade de a UE poder ser reprimida perante a OMC, porquanto muitos questionam a base factual e jurídica da investigação levada a cabo pela Comissão.
Foi o proteccionismo que alimentou esta medida míope e pouco consistente. A imposição de direitos é uma solução de recurso que acaba por prejudicar apenas aquelas empresas da UE que realmente se adaptaram à economia globalizada. A firma britânica Clarks Shoes, por exemplo, demonstrou, em primeiro lugar, visão, ao transferir a sua produção de calçado para a China e o Vietname; em segundo lugar, responsabilidade, ao diversificar a comercialização através de pontos de venda a retalho no Reino Unido, onde hoje emprega mais trabalhadores do que alguma vez empregou no fabrico de calçado; e, em terceiro lugar, e não menos importante, compreensão, ao reconhecer as dificuldades da Comissão, procurando, pois, trabalhar com ela e não contra ela. Não obstante, devido às medidas mal concebidas da semana passada, a Clarks está neste momento a ser penalizada por essas três atitudes, e os retalhistas e consumidores europeus, esses, terão previsivelmente de pagar as favas por uma indústria de calçado italiana que já viu melhores dias.
A medida tomada também denota falta de visão, pois, ao mesmo tempo que o Comissário Mandelson anuncia os seus planos de reforço das relações bilaterais com as economias asiáticas emergentes, enraiveceu os Chineses, ignorou programas patrocinados pela UE de redução da pobreza e erradicação da fome no Vietname, e exibiu à região a bandeira vermelha do proteccionismo europeu.
Receio que a reformulação das regras anti-dumping agora decidida pelo Comissário Mandelson chegue com um ano de atraso. A nomeação e acusação dos retalhistas que não reflectem os benefícios das importações baratas nos preços de venda ao consumidor não passa de uma cortina de fumo, destinada a escamotear a deficiente gestão dos desafios da globalização por parte da Comissão. Neste caso, a Comissão falhou lastimosamente.
Margrete Auken, em nome do Grupo Verts/ALE. – (DA) Senhor Presidente, a decisão do Conselho relativa à aplicação de direitos sobre o calçado importado da China e do Vietname é mais um exemplo do proteccionismo da UE. A decisão constitui um ataque ao sistema multilateral de negociação, especificamente ao Acordo Multifibras e pune excessivamente os Estados-Membros que têm conseguido cumprir o acordo. Os direitos aduaneiros atingem, por exemplo, a Dinamarca, que deslocou a sua produção de sapatos para a China, tendo mantido apenas o design e o marketing na Dinamarca. Mas o que é mais grave, a UE está a minar a OMC e o sistema multilateral de negociação.
É igualmente admirável que o Senhor Comissário não esteja sequer a prestar atenção quando as pessoas falam. Apesar de ser finlandês, não conseguirá, de modo algum, do local onde se encontra, compreender o que estou a dizer em dinamarquês. Gostaria de chamar a atenção para a situação, que considero totalmente inadmissível.
(O Presidente interrompe a oradora)
O senhor Comissário Mandelson irá agora apostar nos acordos bilaterais comerciais. A justificação é que enquanto o caminho da OMC estiver barrado temos de encontrar outras vias. No entanto, gostaria de salientar que é, de facto, a UE, em conjunto com os Estados Unidos, que é o principal responsável pelo facto de as negociações na OMC terem chegado a um impasse. Não restam dúvidas de que existem problemas envolvendo direitos humanos, política de juros e normas ambientais, que não devem ser resolvidas através de medidas de proteccionismo. Devem ser resolvidos através da cooperação multilateral vinculativa. O reforço da abordagem bilateral irá apenas contribuir para que os países mais pobres fiquem mais dependentes da UE. Constitui uma continuação mal dissimulada da exploração colonial. O Senhor Comissário Mandelson chama aos acordos bilaterais “stepping stones” destinados a melhorar o comércio global. Mas isso não corresponde à verdade. Bem pelo contrário. Implicam uma rejeição da OMC e do sistema de comércio multilateral e, consequentemente, também dos ideais de comércio justo e livre e do combate à pobreza que, de resto, a Comissão salientou como a sua visão global. Com a estratégia bilateral, essa visão não passa de palavras ocas.
Pedro Guerreiro, em nome do Grupo GUE/NGL. – Senhor Presidente, consideramos que as medidas decididas pelo Conselho pecam por serem tardias, terem um impacto limitado e ficarem aquém das necessidades de um sector com futuro e de grande importância para Portugal e para a União Europeia.
Senhor Comissário, certamente terá conhecimento da realidade do encerramento e da deslocalização de muitas empresas e da destruição de postos de trabalho no sector do calçado em Portugal, o que aumentou o desemprego e o risco de pobreza para milhares de trabalhadores. Recorde-se, uma vez mais, a situação dos trabalhadores da multinacional C&J Clark, em Castelo de Paiva, que passados três anos do seu encerramento e após múltiplas promessas se encontram actualmente sem alternativas de emprego. Ou seja, com a liberalização do comércio mundial perderam os trabalhadores de inúmeras micro, pequenas e médias empresas do sector do calçado na União Europeia. Por outro lado, quem ganhou com o vertiginoso aumento das importações de calçado de países terceiros não foram os denominados consumidores, mas as grandes multinacionais e os grandes importadores e distribuidores que acumularam fabulosas margens de lucro, conforme foi reconhecido pela Comissão.
Se o grande comércio internacional se preocupasse efectivamente com os interesses dos consumidores, há muito que podia ter reflectido essa preocupação numa baixa significativa do preço de venda do calçado que importa.
Senhor Comissário, a responsabilidade por esta situação, como temos vindo a apontar, não deverá ser imputada aos países terceiros, mas sim à União Europeia e às suas políticas de promoção da concorrência e de liberalização do comércio internacional, assim como à manutenção do valor do euro que prejudica sectores produtivos como o do calçado. Aliás, ainda na semana passada a Comissão divulgou a intenção de aumentar os tratados bilaterais de livre comércio relançando uma nova cruzada pela liberalização do comércio mundial.
É precisamente esta política que se impõe pôr em causa.
Zbigniew Krzysztof Kuźmiuk, em nome do Grupo UEN. – (PL) Senhor Presidente, só no ano passado, entraram no mercado europeu 1 250 milhões de pares de sapatos provenientes da China. Isso representa metade da totalidade do calçado vendido na União Europeia durante aquele período. Entretanto, desde 2001, a produção de calçado de couro na Europa diminuiu quase 30%. O número de empregos perdidos no sector do calçado da UE durante esse período cifra-se em quase 40 000.
Na Polónia, a situação é semelhante. Em 2001, a Polónia importou apenas 300 000 pares de sapatos de fabrico chinês. Neste momento, o número eleva-se a 9 milhões de pares por ano. Isto teve repercussões directas no emprego neste sector. Em 2003, a indústria do calçado na Polónia contava com 123 empresas, enquanto em 2005 já só restavam 93. Ao mesmo tempo, o emprego no sector baixou de quase 17 000 para 13 000 trabalhadores, e a produção diminuiu de 18 para 15 milhões de pares de sapatos. Ainda por cima, não têm sido os consumidores a beneficiar destas importações maciças através de preços mais baixos, como geralmente se pensa, mas sim os próprios importadores, que chegam a acrescentar ao valor de transacção margens de lucro superiores a 100%.
Nestas condições, é de saudar que a Comissão Europeia tenha finalmente decidido a aplicação de direitos para proteger o mercado europeu, e sobretudo que os especialistas da Comissão tenham concluído, sem sombra de dúvida, que a China pratica preços de dumping. Governos como o chinês e o vietnamita apoiam ilegitimamente os seus fabricantes de calçado através de concessões fiscais e da disponibilização de terrenos a título gratuito, e ainda os compensam pela totalidade dos custos de fabrico dispensando-os, por exemplo, do pagamento dos impostos ambientais. Só tenho a lamentar que esta medida tenha chegado tão tarde, depois de o sector do calçado europeu já ter sofrido tamanhos prejuízos.
A Comissão Europeia tem de envidar todos os esforços ao seu alcance para impedir que esta situação se repita em qualquer outro sector da economia. E mais, importa assegurar que, ao nível das estruturas alfandegárias europeias, as decisões sobre como reagir à venda de mercadorias a preços de dumping possam ser tomadas com celeridade, por forma a limitar os danos que tais importações causam aos fabricantes, e por conseguinte ao emprego, na União Europeia.
Jana Bobošíková (NI). – (CS) Senhoras e Senhores Deputados, discordo fundamentalmente do facto de o Conselho e a Comissão terem adoptado a proposta do Senhor Comissário Mandelson e terem imposto nos últimos dias o pagamento de elevados direitos aduaneiros sobre o calçado proveniente da China e do Vietname. Considero isto uma medida de curto prazo equivalente a um proteccionismo anti-liberal e que não contribui, de maneira alguma, para a competitividade europeia. Isto não passa de um prolongamento da agonia dos fabricantes que se opõem firmemente à adaptação à realidade da economia global. Com a introdução de direitos aduaneiros os políticos penalizam, paradoxalmente, aqueles empresários que compreenderam as regras da economia global e que, numa manifestação de flexibilidade, deslocalizaram a produção para a Ásia, conseguindo manter a sua posição nas novas condições de mercado. Em última análise, a introdução de direitos aduaneiros também afecta os consumidores, visto que o custo de um par de sapatos subiu 7 euros. Gostaria de saber qual dos Chefes de Estado ou dos Comissários irá explicar pessoalmente às famílias com muitos filhos que, quando compram sapatos mais caros, não estão a comprar produtos de melhor qualidade, mas sim a subsidiar empresas de calçado ineficientes.
José Albino Silva Peneda (PPE-DE). – Ao impor o imposto "anti-dumping" à importação de calçado de couro proveniente da China e do Vietname, a União Europeia decidiu bem, mas decidiu tarde. Mas mais vale tarde do que nunca!
Não é novidade que a China e o Vietname exportam para o mundo inteiro diversos produtos, nos quais se inclui o calçado e o têxtil, que beneficiam de uma forte intervenção estatal na origem. A título de exemplo podemos falar de empréstimos a fundo perdido, benefícios fiscais, desvalorização da moeda de forma artificial e, em alguns casos, a não amortização dos investimentos. Estes produtos beneficiam ainda de uma ausência total, ou quase total, de regulação em matéria de carácter social e ambiental, que representa uma parte significativa dos custos de produção nos países da União Europeia. Os industriais do calçado europeu sabem que têm de competir com empresas que produzem com salários mais baixos e não podem aceitar que a concorrência seja desvirtuada com este tipo de intervenção dos países exportadores que vendem a mercadoria abaixo do próprio preço de produção. No meu país chamamos a isto "batota".
A União Europeia decidiu bem, embora com atraso, mas também decidiu de forma complacente porque o que se verifica é uma falta de vontade demonstrada pelas autoridades destes países para alterar o seu comportamento e dada a sua reiterada insistência em práticas desleais, eu preferia a versão inicial das sanções que contemplava tarifas "anti-dumping" para um período de cinco anos, e não de dois anos, como acabou por ficar decidido.
Para finalizar pergunto: dado que a maioria do Conselho que apoiou estas medidas foi frágil, apenas 13 dos 25 Estados-Membros, será que dentro de dois esta clivagem manter-se-á? E a não manter-se, o que fará a União Europeia?
Senhor Comissário, que fique bem claro: eu não sou defensor de políticas proteccionistas. Quero é que todos cumpram as regras do jogo!
Kader Arif (PSE). - (FR) Senhor Presidente, caros colegas, estranha concepção esta, como dizia Enrique Barón Crespo, do debate democrático e do respeito devido à nossa Instituição, com um Comissário encarregue do comércio e uma Presidência finlandesa que não estão presentes para responder às nossas legítimas interrogações.
Se o Comissário estivesse presente, teria duas perguntas para ele. Porquê direitos anti-dumping passados de cinco para dois anos, o que constitui uma estreia na história deste instrumento, e porquê direitos tão fracos, quando existe violação evidente das regras do comércio internacional e prejuízos graves sofridos pelas empresas?
Se a Presidência finlandesa nos tivesse honrado com a sua presença, não a teria felicitado pela sua coordenação parcial e pelo seu apoio sistemático às posições dos grandes importadores e distribuidores, em detrimento da nossa indústria, que atravessa um número de falências dramáticas, com as perdas de empregos que isso implica. Mas as considerações financeiras levaram mais uma vez a melhor sobre as considerações sociais e a indispensável solidariedade entre países da União, uma solidariedade que, à força de ser posta à prova, corre amanhã o risco de ser excepção e já não a regra que nos une.
Em resumo, a posição adoptada é: mais desemprego na Europa, uma ocasião falhada de promover as normas sociais e o trabalho decente, um lucro reservado exclusivamente aos importadores e distribuidores; não posso aceitá-la.
Danutė Budreikaitė (ALDE). – (LT) O mercado europeu do calçado foi reduzido a um terço nos últimos cinco anos por não conseguir competir com a produção a baixos preços subsidiada pelos governos dos países asiáticos. Com a aplicação de direitos anti-dumping ao calçado de couro proveniente da China e do Vietname para os próximos dois anos, os Estados-Membros da União Europeia que tentam competir no sector do calçado ganharam uma vitória temporária contra aqueles países comunitários que deslocalizaram a sua produção para a Ásia. As grandes redes de venda, como os importadores de calçado da Ásia, também se opõem à introdução dos citados direitos.
São necessárias medidas de protecção do mercado enquanto a energia for subsidiada, forem aplicados direitos preferenciais e o ambiente estiver a ser poluído nos países asiáticos. Estas medidas servirão, pelo menos parcialmente, para reduzir as diferenças a nível das condições de funcionamento entre os fabricantes de calçado europeus e os asiáticos, embora temporariamente.
A transferência da produção para países com mão-de-obra mais barata parece inevitável. A Terra ainda é redonda, e não terá a União Europeia de sofrer as consequências após destruir a sua própria capacidade industrial? Porque não considerará a Comissão Europeia uma reforma da política de comércio externo da OMC e da UE?
Leopold Józef Rutowicz (NI). – (PL) Senhor Presidente, o calçado é um produto cuja qualidade é importante, não só em termos dos efeitos na nossa saúde mas também para permitir um andar confortável. A funcionalidade e a durabilidade do calçado dependem da concepção, do método de fabrico e dos materiais utilizados. Garantir padrões de qualidade básicos no calçado implica determinados custos. Na origem do calçado a preços muito baixos, poderá estar a produção subsidiada ou a utilização, pelos fabricantes, de matérias-primas e tecnologias de muito baixa qualidade, que não cumprem com os requisitos em matéria de protecção da saúde e do bem-estar do consumidor. A protecção da indústria e dos consumidores na União Europeia passa pela tomada em consideração destes aspectos. Por esta razão, considero justificável a introdução de direitos anti-dumping, bem como a utilização de quaisquer outros métodos tendentes a restringir a importação de calçado que não corresponda aos padrões de qualidade da UE.
Christofer Fjellner (PPE-DE). – (SV) Senhor Presidente, a introdução de direitos anti-dumping sobre o calçado proveniente do Vietname e da China constitui um esplêndido golo metido na própria baliza pela UE. Trata-se de má política económica, de má política comercial e de falência moral.
Permitam-me que, em primeiro lugar, explique por que motivo é má política económica. O que estamos a fazer neste momento, como vêem, é defender e tomar o partido das indústrias não competitivas, ao mesmo tempo que infligimos sanções às que se ajustaram à globalização, deslocalizando, por exemplo, a sua produção para países mais competitivos. Desse modo, realizamos a façanha de, com uma única decisão, enfraquecermos duplamente a competitividade da UE.
Receio que o ponto de vista da Comissão para o futuro seja que a UE devia competir de modo global usando calçado barato. Penso que o pior que podia acontecer era a Comissão poder vir a ser bem sucedida e mantermos esta indústria. Em tal caso, dentro de 30 anos, podemos esperar ver a Europa exportar calçado para o Vietname, enquanto o Vietname exporta para a Europa veículos automóveis ou produtos de valor tão superior que nem sequer podemos imaginar.
Em segundo lugar, a introdução destes direitos anti-dumping também constitui má política comercial. No fim deste mês, o Vietname vai tornar-se membro da OMC. O presente de boas-vindas da UE é a imposição de direitos anti-dumping sobre o calçado vietnamita. Os sinais que, de um dos maiores blocos comerciais do mundo, enviamos para o Vietname constituem uma catástrofe, sobretudo porque o país está a passar por mudanças importantes a fim de fazer frente às exigências que lhe impõe a futura qualidade de membro da OMC.
Em terceiro lugar, é uma falência moral porque atinge duramente pessoas para satisfazer pequenos interesses especiais bem organizados. Os Senhores não se contentam com prolongar a duração dos direitos sobre o calçado: agora estão também a alargá-los de molde a incluírem o calçado para crianças. Que dizem às famílias suecas que têm filhos pequenos e que podem ser forçadas a comprar vários pares de sapatos de criança por ano? Pensam que sobra dinheiro às famílias com filhos? Será que as medidas anteriores lhes permitiram sair-se demasiado bem?
Este é um exemplo de como a UE mostra o seu pior aspecto, designadamente quando se permite que interesses especiais bem organizados se sobreponham ao bem-estar das pessoas. Isso, penso eu, é algo que temos de impedir que aconteça no futuro.
Francisco Assis (PSE). – Quem defende o comércio livre considera que só em circunstâncias absolutamente excepcionais, devidamente verificadas, se deve recorrer à adopção de um instrumento de defesa comercial como os direitos "anti-dumping". Mas é esse, infelizmente, o presente caso.
A China e o Vietname têm vindo a levar a cabo no sector do calçado práticas comerciais particularmente inaceitáveis, até pelo facto de se acrescentarem às já inúmeras vantagens competitivas de que estes países dispõem. Ao agirem desta forma, estes dois Estados estão a atentar contra um princípio fundamental do comércio livre: o princípio da lealdade. E é por isso que estas medidas não podem ser entendidas contra o comércio livre mas, pelo contrário, têm de ser entendidas como medidas indispensáveis para defenderem o comércio livre a prazo.
Por isso devemos saudar o trabalho que a Comissão tem levado a cabo neste domínio. É contudo, importante realçar que a indústria europeia não pode descansar no seu esforço de modernização apostando na inovação e no reforço da qualidade, de modo a aumentar a sua competitividade internacional no sector. Este esforço deve contar com o contributo das entidades públicas respeitando sempre as regras de um comércio livre, leal e justo.
A adopção das presentes medidas não pode, por isso, ser percebida como uma tentativa de reabrir as portas de um proteccionismo indesejável, mas como um instrumento indispensável para assegurar uma regulação justa e correcta do comércio internacional.
Anne E. Jensen (ALDE). – (DA) Senhor Presidente, Senhor Comissário, contrariamente ao orador que me precedeu, gostaria de referir que se alguém acredita que os empregos europeus podem ser salvos através da imposição de direitos sobre o calçado de couro importado da China e do Vietname, está redondamente enganado. Não é assim que funciona! O facto é que a produção será, pura e simplesmente, deslocada para outros países que praticam salários baixos. Os números mais recentes do Eurostat mostram que, desde que os direitos foram aprovados na Primavera, a produção de calçado foi deslocada da China e do Vietname para países como a Índia e a Indonésia. Os fabricantes ineficientes da UE não ganham nada com isso.
A Comissão alega que houve prática de dumping e afirma que apresentou todos os resultados práticos do inquérito anti-dumping. Devo dizer que apenas consigo encontrar alguns documentos de carácter geral. Penso que haverá um problema democrático significativo se as decisões forem tomadas numa base descuidada ou incompleta. Reforça a ideia de que estamos perante um negócio político astucioso e apelo, por isso, abertamente à Comissão para que apresente os resultados de todas as investigações que realizou e também uma análise detalhada das consequências que a aplicação de direitos sobre o calçado está a ter e terá no futuro para os consumidores e para as empresas europeias.
Luca Romagnoli (NI). – (IT) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, o tema abordado na pergunta do senhor deputado Barón Crespo prende-se com a situação no sector do calçado, porque todo o sistema produtivo dos Estados-Membros foi atirado para uma crise, que não é de hoje, devido à concorrência desleal - ou, melhor, devido à avareza financeira, desenfreada e sem remorsos, do pretenso mercado livre: um mercado que poderia definir-se como um mercado sem regras, que se alimenta dos indivíduos como um vampiro, explorando trabalhadores sem levar em consideração a sua idade e sem qualquer garantia social que seja, ainda que remotamente, comparável à vigente nos países da União Europeia. Um mercado com interesses financeiros devastadores que empobrece a sociedade e as nações, e que visa o enriquecimento exponencial das empresas multinacionais.
Os instrumentos de defesa comercial, como as medidas anti-dumping, e, por conseguinte, a manutenção de tarifas, são o primeiro e mínimo instrumento imprescindível; mas não são plenamente satisfatórios, na medida em que a concorrência desleal, que corre o risco de inundar os mercados com produtos com preços muito mais baixos, é consequência das enormes vantagens propiciadas pelos factores de produção. A concorrência desleal deveria, por conseguinte, ser combatida não exclusivamente com meios defensivos: não se pode pretender ganhar a guerra com batalhas de retaguarda, e a defesa não garante a vitória na guerra, como observaram estrategas ainda antes de von Clausewitz.
Se, por conseguinte, a União Europeia pretende salvaguardar a sua produção, deve aplicar medidas de controlo aos produtos que deseja promover no mercado interno. É impensável equilibrar os preços na produção enquanto os factores de produção forem tão desequilibrados a favor da indústria asiática - desequilibrados no que diz respeito aos custos, não só do trabalho, como também, por exemplo, dos preços administrativos.
No início da presente legislatura, apresentei uma pergunta oral, nos termos do artigo 108º, apoiada por dezenas de assinaturas de colegas de diferentes nacionalidades e sensibilidades políticas. É óbvio que não foi inscrita para debate, talvez por colidir com os interesses daqueles que, em nome do lucro, desprezam os interesses sociais e a enorme importância do emprego. Disse então - e mantenho a mesma opinião - que, além de impor restrições às importações provenientes de países que não dão garantias, como referido anteriormente, é chegado o momento de instituir um mecanismo de controlo para certificar como são produzidos os produtos importados para a Europa, independentemente do país terceiro produtor, que consequentemente iria autorizar ou proibir a sua comercialização.
Devemos impor uma marca de certificação ética - de ética do trabalho e do ambiente e, de forma mais geral, de ética do processo produtivo. Karl Popper era, indiscutivelmente, um defensor do mercado livre, mas sintetizou perfeitamente até onde a liberdade não pode ser considerada…
(O Presidente retira a palavra ao orador)
Zuzana Roithová (PPE-DE). – (CS) Senhoras e Senhores Deputados, rejeito firmemente a opinião de que o anti-dumping equivale a um proteccionismo prejudicial. De facto, é precisamente o contrário. Não existe nada pior para a Europa do que assumir uma posição benevolente em relação às práticas comerciais desleais de países terceiros, ao mesmo tempo que impõe requisitos muito rigorosos a fabricantes europeus. Não deveríamos ficar surpreendidos pelo facto de as empresas europeias deslocalizarem a produção para a Ásia, onde podem tirar melhor partido dos baixos padrões sociais e ambientais, o que lhes permite vender aos europeus – que, além disso, estão a perder os empregos nos seus mercados domésticos –, a preços baixos e com enormes lucros, sapatos, têxteis, equipamento electrónico e outras mercadorias de baixa qualidade. Os países que aderiram à UE cumprem as regras comerciais e não podem, eles próprios, impor sanções oficiais contra países terceiros. Isso é da competência da União. Por isso é que é importante que a Comissão tome medidas nesta circunstância. Mas o que me preocupa é a inconsequência. Afinal, o calçado de criança, bem como o desportivo, proveniente da China e do Vietname, também é vendido a preços de dumping. A sua exclusão destas medidas, simplesmente, porque o calçado desportivo deixou de ser fabricado na Europa ou até porque o calçado de criança de baixa qualidade ajudará as famílias pobres, constitui um sinal da fraqueza da Europa. A exclusão anterior do calçado de criança que era comprovadamente prejudicial para a saúde destas mostrou uma enorme falta de profissionalismo por parte da Comissão.
Penso que, neste caso, deveríamos seguir o princípio da fiscalização mútua das regras acordadas e não nos limitar a render-nos a grossistas europeus que beneficiam frequentemente da nossa inconsequência nestas matérias. Todos nós temos consciência de que estamos a falar apenas de alguns euros, que não terão qualquer impacto nos abundantes lucros que o consumidor não vê. A declaração do Conselho mostrou que os governos não estão interessados no princípio, mas sim nos interesses comerciais concretos que separam o Norte e o Sul. Espero que, pelo menos, aqui, no Parlamento, conservemos os princípios da competição leal, independentemente de saber a quem isto convém, ou não, na Europa. Para terminar, gostaria de voltar a pedir à Comissão que trate da questão da certificação obrigatória para o calçado de criança que é vendido na Europa, independentemente do seu fabricante. Os sapatos deveriam ser saudáveis, sejam feitos pelos chineses, japoneses ou por quem quer que seja.
Giulietto Chiesa (PSE). – (IT) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, se este debate se limitasse a avaliar os argumentos a favor e contra as medidas anti-dumping aplicáveis ao calçado de couro proveniente da China e do Vietname, teria sido inútil. Os países europeus estão divididos em relação a esta questão porque os interesses dos produtores são antagónicos aos dos distribuidores. É uma constatação dos factos e não um motivo de escândalo. A pergunta a fazer deveria ser outra: existe um interesse europeu comum? Como deveria definir-se? Em meu entender, podemos e devemos defini-lo, porque uma Europa dividida é uma Europa mais débil. Todavia, só é possível se partirmos de uma visão estratégica e realista da posição da Europa no mercado e no comércio mundial e não abrindo mão de princípios e de números.
Um destes princípios é a defesa do consumidor europeu: entre outros aspectos, o pedido dos produtores, a saber, o "made in", é sacrossanto: em primeiro lugar, porque significa mais informação e, consequentemente, mais abertura (trata-se de um princípio europeu); e, em segundo lugar, porque se sabe que uma drástica redução dos custos da importação de calçado de couro não foi acompanhada de facto por uma redução dos preços ao retalho. Pelo contrário, tornou-se evidente que esta situação gera na Europa rendimentos não salariais e que isto é também causa de perigo. As tarifas aplicadas para dois anos são uma medida de compromisso razoável, que também preconiza um método correcto de respeito dos interesses de todos.
Antonio López-Istúriz White (PPE-DE). – (ES) Senhor Presidente, Senhor Comissário, muito obrigado por estar aqui hoje connosco. Gostaria de exprimir brevemente ao Conselho a minha relativa satisfação com o acordo alcançado em 4 de Outubro: satisfação, porque se concordou, finalmente, com a necessidade tomar medidas contra a venda de calçado proveniente da China e do Vietname abaixo do seu preço de custo real. E digo relativa satisfação, porque o período de vigência deste tipo de medida tarifária é normalmente de cinco anos, e não o período de dois anos com que o Conselho concordou. Os membros desta Câmara que são naturais de Espanha e das Ilhas Baleares solicitam à Comissão e ao Conselho que deixem aberta a possibilidade de prolongar o período de vigência destes direitos, posto que o problema da concorrência desleal continuará a existir dentro de dois anos.
Além disso, na região que eu represento, as Ilhas Baleares, uma das regiões mais activas na defesa da igualdade de condições para a comercialização de calçado nos mercados europeus, consideramos que os direitos previstos no acordo do Conselho são baixos comparativamente aos aplicados durante o período transitório que expirou em 6 de Outubro: os direitos temporários de 19% para o calçado chinês passam para 16%, e no caso do calçado proveniente do Vietname descem de 16,8% para 10%. Para as Ilhas Baleares e para o meu país, a questão fundamental reside em defender a igualdade de condições para a comercialização de calçado, condições essas que excluem este tipo de prática de dumping.
Por conseguinte, não estamos a falar da imposição de medidas proteccionistas que entravam o comércio livre, mas sim da tomada de medidas tendentes a combater a concorrência desleal.
Panagiotis Beglitis (PSE). – (EL) Senhor Presidente, a recente decisão do Conselho de Ministros relativa à imposição de direitos antidumping leva-me a tecer dois comentários cruciais. O primeiro diz respeito à eficácia da política comercial comum e dos mecanismos de que esta dispõe para defender os interesses europeus. Infelizmente, mais uma vez, a China, como membro da Organização Mundial de Comércio, prossegue as suas práticas de dumping através da sua política de Estado, enquanto por seu turno a Comissão Europeia continua a acompanhar esta prática como um observador neutro.
Por outro lado, temos o Vietname, que continua também a adoptar medidas de dumping, ao mesmo tempo que procura aderir à Organização Mundial de Comércio. Penso que a Comissão Europeia tem de enviar também uma mensagem às autoridades vietnamitas, uma vez que querem aderir à Organização Mundial de Comércio.
O meu segundo comentário é mais sério e prende-se com o próprio futuro da União Europeia e a defesa do tecido produtivo europeu. Na Europa, não há apenas consumidores cujos interesses, como é óbvio, temos de defender; há também trabalhadores que perdem o seu posto de trabalho e permanecem no desemprego. Há importações, por um lado, mas há também empresas produtivas e sectores da indústria que têm de poder competir num ambiente internacional seguro e sem distorções. A Europa não pode transformar-se numa selva de importações sem controlo em nome da liberalização do comércio internacional.
Béla Glattfelder (PPE-DE). – (HU) A China e o Vietname estão a subsidiar a exportação de calçado de forma inaceitável. Esses subsídios são contrários às normas da OMC. Esses auxílios de Estado provocam distorções no mercado e dão origem a fenómenos de dumping. Os subsídios que distorcem a livre concorrência causam sérios prejuízos aos produtores europeus e à economia europeia, prejuízos que as várias dezenas de milhares de postos de trabalho perdidos nos tempos mais recentes atestam.
É por isso que a adopção de medidas anti-dumping se justifica dos pontos de vista jurídico e económico. Não é verdade que se trate de medidas proteccionistas; pelo contrário, quem utiliza medidas proteccionistas e que afectam a concorrência são os Estados chinês e vietnamita. A finalidade dos direitos anti-dumping é, precisamente, neutralizar os efeitos das práticas proteccionistas da China e do Vietname que distorcem o funcionamento do mercado. Muito obrigado.
Margrietus van den Berg (PSE). – (NL) Senhor Presidente, enquanto a Europa do Norte considera as medidas anti-dumping como proteccionismo e invoca o interesse dos consumidores para defender o seu argumento, a Europa do Sul considera as medidas inadequadas para proteger o seu sector do calçado da concorrência desleal. Esta clivagem na UE está a aumentar, e com ela aumenta também a desconfiança.
Dumping não é sinónimo de concorrência leal ou de preços mais baixos; dumping é concorrência desleal, quer isso se deva ao facto de as empresas que o praticam receberem auxílios estatais ou ao facto de recorrerem ao trabalho infantil para manterem baixos os seus custos de produção. Quando se verificam práticas de dumping, temos de cerrar fileiras. Não podemos descartar simplesmente a concorrência desleal se, por uma vez, ela parecer insignificante face aos benefícios que dela resultam para toda a comunidade. É lamentável que o Governo do meu país utilize precisamente este argumento contra a tomada de medidas anti-dumping. Essa é uma verdadeira demonstração de arbitrariedade! Porém, quem é que lucra com isso? Não são por certo os consumidores europeus, pois apesar de no ano passado os preços de importação do calçado proveniente do exterior da UE terem sido reduzidos em 25%, os preços no consumidor foram mantidos. Será que o Comissário concorda comigo em que temos de trabalhar numa nova política anti-dumping que exclua essa arbitrariedade e gere unidade na UE? Temos de proteger-nos contra a concorrência desleal. Temos de proteger tanto os nossos produtores como os nossos consumidores. Eles não quererão seguramente comprar produtos que são feitos por crianças. Temos de pugnar por vestuário limpo, calçado limpo e mãos limpas.
Syed Kamall (PPE-DE). – (EN) Senhor Presidente, a consequência destes direitos será um aumento dos preços do calçado para os meus constituintes em Londres, numa altura em que as famílias, especialmente as de rendimentos mais baixos, já têm de fazer face a subidas nas facturas de energia. Com a decisão de aplicar estes direitos, o que a UE efectivamente fez foi lançar um imposto sobre os consumidores numa vã tentativa de proteger os industriais de calçado em determinados países, quando a verdade é que estes têm de admitir que não conseguem fabricar sapatos a preços mais baratos do que os países asiáticos. A globalização é um facto; nós, na Europa, não podemos enterrar a cabeça na areia e fechar os olhos a essa realidade. As empresas europeias mais bem sucedidas abraçaram a globalização e passaram a contratar externamente, na China e no Vietname, a preços mais baixos, o fabrico do seu calçado.
Também nos iludimos a nós próprios se acreditamos que os direitos aplicados às importações de calçado provenientes da China e do Vietname se traduzirão num acréscimo de postos de trabalho na EU. Os retalhistas tratarão simplesmente de suprir as lacunas com importações de outros países, como a Índia e a Indonésia, como aliás já se verificou.
Quando iremos finalmente compreender que o comércio livre é bom para os consumidores europeus e que, a longo prazo, cria mais e melhores empregos? Poderá ser doloroso para alguns, mas, a longo prazo, a Europa sai a ganhar.
Olli Rehn, Membro da Comissão. – (FI) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, em primeiro lugar gostaria de, em nome da Comissão, agradecer a todos as suas contribuições para o debate. Elas reflectem as preocupações justificáveis do sector industrial e dos trabalhadores e considerações importantes no que diz respeito aos consumidores. Transmitirei o resultado deste debate ao Senhor Comissário Mandelson e também, como é evidente, a todos os meus colegas. Trata-se de uma questão muito importante, que acompanharemos continuamente.
Logo desde o início compreendemos que este seria um caso muito difícil e complicado e, depois de uma investigção meticulosa, a Comissão em Abril aplicou direitos aduaneiros anti-dumping temporários. Foram satisfeitas todas as condições dos direitos aduaneiros anti-dumping; sobre isso não há dúvidas. O relatório demonstrou que a China e o Vietname praticam o dumping, e em consequência disso era do interesse da Comunidade intervir.
Várias intervenções, como a que acabámos de ouvir, referiram os preços no consumidor. Analisámos esta questão em pormenor, e essas investigações demonstram que é muito provável que estas soluções não tenham efeito sobre os preços no consumidor. Isso deve-se ao facto de haver, diria eu, um valor acrescentado muito considerável entre os preços de importação e os preços no consumidor. O preço médio de importação é 8 euros, ao passo que todos nós sabemos que os sapatos numa loja custam muitas vezes esse montante. Por consequência, o efeito dos direitos aduaneiros anti-dumping serão mínimos e, seja como for, aplicam-se apenas a 11% do total de importações da União.
Como afirmei, Senhor Presidente, transmitirei o conteúdo e o espírito deste debate ao Senhor Comissário Mandelson.
Enrique Barón Crespo (PSE). – (ES) Senhor Presidente, tomo nota da desaprovação expressa pelo Comissário Rehn, mas julgo que aquilo que hoje aconteceu nesta Câmara tem de ser examinado pela Presidência e pela Conferência dos Presidentes, visto que denota falta de respeito para com o Parlamento, especialmente por parte do Conselho. No que se refere à Comissão, espero que ela trate dos seus assuntos a nível interno e continue a trabalhar em prol dos interesses europeus.
Presidente. Muito obrigado. Tomo nota das suas observações.
Está encerrado o debate.
Declarações escritas (Artigo 142º do Regimento)
Ilda Figueiredo (GUE/NGL). – A defesa da produção e do emprego com direitos exige que a Comissão e o Conselho dêem mais atenção aos sectores produtivos, designadamente da indústria, de cada um dos Estados-Membros e não tenham em conta apenas os interesses dos grupos económicos apostados no comércio internacional.
Sectores como o calçado, a têxtil e o vestuário têm sido particularmente atingidos por esta desastrosa política de liberalização do comércio internacional, designadamente no âmbito da OMC. Foram milhares os postos de trabalho perdidos. Só em Portugal, destacam-se, na área do calçado, as fábricas da C&J Clarks, em Arouca, Castelo de Paiva e Vila Nova de Gaia, a fábrica da Rodhe em Trancoso, a Ara, em Avintes, as reduções de centenas de empregos na Ecco e na Rodhe em Santa Maria da Feira, entre muitas outras, designadamente na zona de Felgueiras.
Mas com esta política não só perderam os trabalhadores e inúmeras micro, pequenas e médias empresas, como se bloqueou o desenvolvimento regional de vastas zonas, designadamente em Portugal.
Por isso, impõe-se que se adoptem novas medidas, e, no mínimo, se prolongue o prazo previsto para a manutenção de barreiras alfandegárias, visando a defesa da produção e do emprego com direitos.
Tokia Saïfi (PPE-DE). - (FR) Congratulo-me com o facto de os 25 Estados-Membros da União Europeia terem finalmente adoptado medidas anti-dumping definitivas referentes à importação de calçado proveniente da China e do Vietname. Os produtores europeus sofriam pesados prejuízos nos seus mercados de exportação e eram vítimas de uma concorrência desleal. Era portanto normal aplicar os instrumentos de defesa comercial de que dispõe a União Europeia, instrumentos esses, repito, aceites pela OMC.
Além disso, interrogo-me sobre a vontade do Comissário Mandelson de lutar contra o proteccionismo e sobre a assimilação que dele faz no âmbito da futura reforma – Comunicação "Global Europe" -, com os instrumentos de defesa comercial. Não sou defensor de mercados protegidos, colocados ao abrigo da concorrência, desconectados de qualquer evolução da globalização. Contudo, sou a favor da aplicação das regras jurídicas quando a concorrência é desleal nos mercados. Assim, as medidas de salvaguarda ou anti-dumping não devem em caso algum ser comparadas a instrumentos proteccionistas. A função desses instrumentos é a de proteger os produtores europeus contra uma concorrência desleal, fazendo respeitar as regras definidas na OMC. Pergunto portanto ao Senhor Comissário Mandelson qual será verdadeiramente o objectivo desta reforma: adaptar esses instrumentos ou enfraquecê-los?