Presidente. Segue-se na ordem do dia o relatório (A6-0359/2006) do deputado Gargani, em nome da Comissão dos Assuntos Jurídicos, com recomendações à Comissão sobre sucessões e testamentos (2005/2148 (INI)).
Giuseppe Gargani (PPE-DE), relator. – (IT) Senhora Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, permitam-me que diga desde já que, relativamente às medidas que estamos a analisar, há na União Europeia entre 50 000 a 100 000 casos de sucessões por morte, sendo esta uma medida destinada, espera-se, a tornar-se uma referência em questões internacionais.
As sucessões transnacionais são um fenómeno muito vasto, que se confronta com um número crescente de dificuldades e está na origem de profundas divergências entre os sistemas de direito internacional privado e de direito substantivo dos Estados-Membros. Isso traduz-se frequentemente em obstáculos ao exercício da liberdade de circulação e ao exercício do direito à propriedade. A Comissão dos Assuntos Jurídicos, a que tenho a honra de presidir, decidiu, pois, tomar a iniciativa de tornar as sucessões na Europa mais simples, fazendo uso de um poder que lhe é concedido pelo artigo 192º do Tratado CE, e solicitar à Comissão a adopção de uma proposta legislativa.
Uma vez que nós, Senhoras e Senhores Deputados, não temos ainda, infelizmente, o poder de iniciativa legislativa como têm os nossos homólogos dos parlamentos nacionais – essa é uma observação que sempre faço – dirijo-me a V. Exa., Senhor Comissário Frattini, pedindo-lhe, com o apoio da força que o voto da maioria qualificada me dará seguramente, o seu empenho em levar por diante este nosso pedido no interesse dos cidadãos europeus.
V. Exa. sabe bem que para os beneficiários da herança tomarem posse de uma propriedade, têm, actualmente, de dar início a todos os procedimentos em todos os países em que a propriedade estiver localizada. Este é um processo não só dispendioso e laborioso, como está também, uma vez que a transmissão de bens por via hereditária é uma maneira especial de transferir a propriedade, associado a aspectos emocionais e pessoais – relações interpessoais altamente complexas que transcendem mesmo as razões do direito. Gostaria de mencionar uma recordação muito pessoal da minha juventude, quando estava na faculdade: o Professor Cariota-Ferrara, que tinha feito a sua tese sobre direito sucessório, costumava dizer que o direito sucessório era uma legislação sobre emoções, uma legislação que envolvia frequentemente sofrimento. Daí que, Senhora Presidente, Senhoras e Senhoras Deputados, esteja convencido de que a nossa proposta contribuirá verdadeiramente para criar uma Europa dos cidadãos.
Os meus agradecimentos à comissão, que debateu esta questão longamente e analisou em pormenor todos os aspectos da mesma. Creio sinceramente que a proposta que estamos a apresentar a este Parlamento é extremamente importante e representa um passo em frente, quer para a Europa política, quer para a Europa dos cidadãos. Por conseguinte, exorto V. Exas. a aprovarem o presente relatório e solicito também ao Comissário Frattini que o adopte em nome dos cidadãos europeus.
O relatório que propomos hoje inclui medidas que visam assegurar a existência de um direito aplicável e de um tribunal competente. O direito aplicável e o tribunal competente devem, em linhas gerais, coincidir e os critérios para o seu estabelecimento são igualmente objectivos: a residência habitual do defunto no momento do óbito. No entanto, não está excluída a liberdade de escolha: as pessoas que fazem um testamento podem escolher que legislação deverá reger toda a sucessão, seja a sua própria lei nacional ou a lei do país de residência habitual na altura da escolha. Da mesma maneira, as partes em causa, no caso de surgirem conflitos, podem escolher a legislação a aplicar e o foro competente.
Gostaria de dizer algumas palavras sobre uma questão-chave que considero a pedra angular da nossa proposta. O relatório propõe a instituição de um certificado sucessório europeu, que indique, de forma vinculativa, os beneficiários da herança, as entidades incumbidas da sua administração e os respectivos poderes, bem como os bens objecto da herança. O certificado será redigido segundo um modelo normalizado e permitirá a transcrição da aquisição por herança nos registos públicos do Estado-Membro de localização dos bens.
A senhora deputada Berger levou a cabo uma investigação mais exaustiva do que os outros, precisamente sobre esta proposta, e apresentou cinco alterações. A este respeito, devo dizer que atribuo particularmente importância ao facto de o certificado ser obrigatório, coerente e seguro do ponto de vista jurídico. Na verdade, se isto não ficar estabelecido, creio que toda a estrutura destas medidas será adversamente afectada, tornando-se menos eficaz e perdendo-se um pouco como referência. Nem todos os países da UE poderão tê-la em conta e acabará por ser uma medida consultiva e não obrigatória. De toda a forma, isso diminuiria particularmente a sua força, que deve residir precisamente na sua segurança jurídica e na capacidade de chegar a todos os cidadãos, de modo a que possam ter uma verdadeira oportunidade de receber a sua herança por meio destes instrumentos.
Na minha opinião, as outras alterações devem ser rejeitadas, e a esse respeito, faço um apelo muito especial à senhora deputada Berger no sentido de repensar e talvez retirar ou reformular a sua alteração a fim de tornar esta proposta mais incisiva.
Franco Frattini, Vice-Presidente da Comissão. (IT) Senhora Presidente, Senhor Deputado Gargani, Senhoras e Senhores Deputados, em primeiro lugar, gostaria sinceramente de congratular o presidente Gargani e a Comissão dos Assuntos Jurídicos por terem elaborado esta proposta que, se for aprovada nesta Assembleia – como espero que seja – não hesitarei em transformá-la numa proposta legislativa.
Também eu gostaria de começar por uma observação. Trabalhámos durante muito tempo para avaliar as opiniões dos operadores jurídicos, dos técnicos na matéria e, sobretudo, dos cidadãos da União Europeia, sobre a possibilidade de ter um instrumento que identifique claramente o direito aplicável e, consequentemente, facilite a criação de um espaço europeu em matéria de sucessões e testamentos.
Ora, a partir dos resultados de um estudo conduzido pelo Eurobarómetro, em Julho de 2006, sobre os vários aspectos do direito de família na Europa, conclui-se que, em média, 80% dos cidadãos europeus consideram que o reconhecimento das sucessões e dos testamentos em todo o espaço europeu é necessário. Há obviamente países em que o consenso nesta matéria é ainda mais forte: por exemplo, na Alemanha, um dos grandes países fundadores, e na Letónia, um país mais pequeno, apurou-se um consenso na ordem dos 92% a favor desta legislação; no meu próprio país, a Itália, o valor foi de 88%, como na Hungria. Há pois uma resposta alargada que mostra que, em média, quatro quintos dos europeus são favoráveis a uma facilitação da regulamentação europeia sobre sucessões e testamentos.
Em Março de 2005, a Comissão publicou um Livro Verde sobre a matéria, que nos permitiu reunir centenas de respostas extremamente interessantes de académicos, juristas e operadores na matéria. Também reunimos excelentes ideias com as audições sobre sucessões transnacionais, que o Parlamento resolveu, e muito bem, organizar. Entre outras coisas, posso informá-los de que a Comissão organizou, por sua vez, uma audição pública sobre o mesmo tema, a realizar no próximo dia 30 de Novembro, audição essa que possibilitará a reunião de novas ideias, as quais, creio eu, em conjunto com o relatório do senhor deputado Gargani, nos permitirão apresentar num futuro próximo uma proposta legislativa.
A última matéria sobre a qual gostaria de fazer um breve comentário já foi aqui abordada pelo presidente Gargani, a saber, o Certificado Europeu Sucessório. Tal como o relator, também considero que se queremos um instrumento europeu verdadeiramente eficaz nesta área, este tem de ter um efeito vinculativo dentro do território europeu. A este respeito, muitos de vós lembrar-se-ão de outros instrumentos de direito internacional privado sobre os quais chegámos a acordo. Ora, se um determinado instrumento, uma vez adoptado num determinado Estado-Membro, pode sempre ser posto em questão num outro Estado-Membro em que deva ser aplicado – por outras palavras, se não for vinculativo nesse país – uma das fundações do espaço de livre circulação de decisões ficará em perigo.
Obviamente que se poderá objectar que um certificado sucessório, enquanto tal, é sempre vinculativo, pois de outra forma não poderia certificar situações. Creio, no entanto, que, neste caso, é importante salientar a sua natureza vinculativa, na medida em que estamos a criar, talvez pela primeira vez, um instrumento útil que se destina a resolver o problema de circulação entre cidadãos europeus, que também se expressa através do reconhecimento de testamentos, ou seja, o problema das sucessões e testamentos. Permitam-me que me antecipe e diga que concordo inteiramente com o senhor deputado Gargani.
Manuel Medina Ortega, em nome do Grupo PSE. – (ES) Senhora Presidente, o senhor deputado Gargani apresentou-nos um relatório que exprime o desejo da Comissão dos Assuntos Jurídicos de que as Instituições europeias intervenham na área do direito sucessório.
O Comissário Frattini frisou que 80% dos cidadãos europeus entendem que o direito sucessório deve ser regulado e reconhecido de uma forma harmonizada em toda a União Europeia. Não estamos a falar de teorias, mas das realidades que afectam pessoas que vivem em diferentes países ou que têm família em diferentes países e que, aquando da sucessão, se vêem numa situação absolutamente desesperada.
Infelizmente, os Tratados da União Europeia não prevêem a possibilidade de harmonizar o direito substantivo em matéria de sucessões. Essa é uma situação que provavelmente terá de ser corrigida no futuro, pois não faz qualquer sentido que, no espaço de apenas alguns quilómetros, as consequências, o sistema jurídico e os direitos dos herdeiros sejam totalmente distintos e dependam de uma pessoa se encontrar estabelecida num país ou noutro.
Por ora, a Comissão dos Assuntos Jurídicos, através do relatório do senhor deputado Gargani, limita-se a apontar à Comissão a necessidade de começar a propor acções de natureza legislativa. O Comissário Frattini indicou que a Comissão é favorável a essa ideia. É provável que, de momento, não possamos ir muito mais longe.
Na Comissão dos Assuntos Jurídicos, discutimos os méritos e o conteúdo das propostas que o senhor deputado Gargani inclui no anexo; há determinadas alterações apresentadas pela minha colega socialista, senhora deputada Berger, que visam corrigir algumas das deficiências encontradas nesse anexo, mas o que mais importa é o facto de a Comissão estar disposta a fazer propostas concretas, como o Comissário Frattini indicou nesta Câmara. Este é um assunto em que não podemos improvisar, visto que temos de trabalhar com base na nossa experiência.
Qualquer pessoa que tenha tido de lidar com um problema de sucessão internacional dentro da União Europeia ter-se-á deparado com enormes dificuldades, sobretudo em termos de jurisdição.
Provavelmente, deveríamos começar por abordar este tema do ponto de vista jurisdicional, das competências dos tribunais e do reconhecimento e efectividade das decisões, suprimindo, como o senhor deputado Gargani recomenda, o procedimento de exequatur, que não faz qualquer sentido na União Europeia.
Espero, portanto, que os esforços do senhor deputado Gargani e a contribuição do Comissário Frattini permitam que tenhamos rapidamente em cima da mesa propostas concretas para o desenvolvimento de legislação comunitária neste domínio.
Diana Wallis, em nome do Grupo ALDE. - (EN) Senhora Presidente, em nome do meu grupo, quero saudar o Livro Verde e agradecer sinceramente ao senhor deputado Gargani o seu relatório e todo o trabalho que foi realizado sobre o mesmo em termos de consultas. Trata-se de um relatório verdadeiramente bem-vindo.
Estamos a debater uma questão que afecta nitidamente um número crescente dos nossos cidadãos e sobre a qual temos de nos debruçar, mas não é uma questão simples. Se pensarmos como é penoso ter de lidar com a morte de uma pessoa e acrescentarmos a isso as dificuldades de resolver uma situação jurídica internacional, constatamos que se trata nitidamente de uma área que temos de tentar abordar de modo a tornar a vida mais fácil para os nossos cidadãos, já que os temos incentivado sempre à mobilidade.
Mas os problemas jurídicos que isto levanta também estão ligados à subsidiariedade. Estão profundamente ligados à cultura dos nossos diversos sistemas jurídicos. Mas é nítido que, se quisermos resolver o problema, devemos - tal como disse o senhor deputado Gargani e tal como o meu grupo também sublinha - avançar para uma certidão europeia de herança vinculativa. Este tem de ser o nosso primeiro objectivo, garantir a livre circulação de uma certidão vinculativa, tal como temos a livre circulação de decisões judiciais comuns. Contudo, vai ser difícil porque, tal como referi, a questão prende-se com assuntos de política pública dos nossos vários países. Prende-se com o direito fiscal. Mas recomendo o relatório e espero que o Senhor Comissário consiga levá-lo por diante de modo a tornar-se um instrumento legislativo.
Maria Berger (PSE). – (DE) Senhora Presidente, o relator – e presidente da nossa comissão parlamentar – merece agradecimentos pelo seu relatório e também por se ter disponibilizado para aceitar algumas das minhas alterações na sequência dos debates em sede de comissão.
Considero que hoje é um bom dia para um assunto que não é propriamente divertido: morte e herança. Foi adoptada, em segunda leitura, a directiva relativa aos serviços, graças a Deus, sem derrogação para os serviços funerários, que era o que muitos pretendiam. Esta noite estamos a discutir iniciativas europeias no domínio do direito sucessório.
Quero começar por esclarecer um mal-entendido, já que é evidente que surgiu aqui um erro técnico. Não estou a procurar eliminar o carácter obrigatório do certificado sucessório, mas apenas a apagar as palavras “até prova em contrário”; em vez disso, longe de pretender eliminar o efeito vinculativo do certificado sucessório, pretendo reforçá-lo. Uma vez que irei clarificar este ponto com os serviços do Parlamento, talvez seja possível, nestas circunstâncias, que outros grupos votem também a favor.
Espero que a alteração 3 seja agora aceitável. Propomos como ponto de partida um período de residência de pelo menos dois anos, pois as pessoas não devem sofrer consequências jurídicas inesperadas como resultado de uma mudança do local de residência de curta duração, embora não queiramos tornar fácil para alguém eximir-se ao direito sucessório do seu próprio país, em prejuízo dos membros da sua família, simplesmente mudando-se para outro lado.
Gostaria agora de defender as minhas outras alterações, que prevêem o certificado de conformidade. Uma vez que a Recomendação 1 testemunha o nosso desejo de não interferir no direito processual dos Estados-Membros, considero que este exame de conformidade contraria o princípio da não-interferência, não só no que respeita ao direito material dos Estados-Membros, mas também ao seu direito processual.
Confio que estas explicações possam contribuir para que outros grupos também venham a apoiar as nossas alterações.