Presidente. Segue-se o relatório do Deputado Michel Rocard, em nome da Comissão dos Assuntos Externos, sobre as reformas no mundo árabe: que estratégia para a União Europeia (2006/2172(INI)) (A6-0127/2007)
Michel Rocard (PSE), relator. - (FR) Senhor Presidente, gostaria de saudar a coragem do Senhor Ministro e do Senhor Comissário: sei o que é assistir aos debates sem poder sair da sala, e espero que não se aborreçam muito. Aproveito este debate para abordar um tema algo novo nas nossas preocupações.
O título do relatório não é adequado. Trata-se menos da relação da União Europeia com as reformas no mundo árabe do que de um processo de relação da União Europeia com o mundo árabe visando facilitar as reformas.
Muito rapidamente, farei algumas observações agrupadas por pontos. Primeiro ponto, todos sabeis: os diversos Estados árabes não vão bem. Recebemos inúmeras informações e ouvimos queixas sobre o desrespeito dos direitos humanos, sobre os governos frequentemente ditatoriais, sobre as enormes e escandalosas desigualdades financeiras nos diferentes países, sobre a estagnação económica, mesmo nos países onde há petróleo. De facto, existe um mal-estar no mundo árabe. Um escritor árabe libanês falou mesmo de uma maldição árabe. Por detrás desse mal-estar, existe uma longa história de humilhação: o colonialismo, a independência, o não controlo dos recursos, nomeadamente do petróleo, o declínio intelectual e, por conseguinte, o correspondente aumento do integrismo religioso.
Ponto dois: foi neste contexto que a pertença ao mundo árabe surgiu na maior parte desses países como uma consciência de identidade, uma procura colectiva de poder, que se desenvolveu na segunda metade do século XX, especialmente para o final do século. Actualmente, é a Liga dos Estados Árabes quem toma internacionalmente posição em nome dos diferentes Estados, sendo respeitada. Foram as resoluções da Liga que marcaram alguns avanços naquilo a que chamamos o processo de paz no Médio Oriente, que continua a não ser um processo de paz mas de que esperamos resultados após a cimeira da Liga Árabe. Existe também, graças aos meios de comunicação social, um evidente crescimento da importância de uma opinião pública árabe muito mais homogénea do que as posições diplomáticas dos diferentes Estados. É também a nível pan-árabe que muitos intelectuais, nomeadamente egípcios, mas também libaneses, ou mesmo argelinos, situam a sua mensagem, mais do que no seu âmbito nacional. Por fim, note-se que nunca a Liga Árabe teve de tratar problemas religiosos, que são remetidos para a Organização da Conferência Islâmica, que é um mundo diferente. O conceito de "identidade árabe" é um conceito secular, facto que pode facilitar-nos as nossas relações.
Ponto três: como é que nós, União Europeia, tratamos esse conceito de identidade árabe? Ignorando-o! Possuímos com o Iraque uma relação forte e densa, de que falamos muito. Abordamos evidentemente o conflito israelo-palestiniano fazendo muito pouco a relação com o anterior. Falamos da Argélia. Temos com a Argélia, com Marrocos, com a Tunísia, e com o Egipto também, relações bilaterais fortes. Em resumo, temos com todos estes países relações de tipo público, estatal, bilateral, mas negligenciando a sua identidade árabe.
A questão que este relatório de iniciativa coloca à Comissão e ao Conselho é a seguinte: não seria de sair daí e de fazer um pouco mais, em nome da constatação que fiz no ponto dois? Existe actualmente uma vida intelectual, uma vida política, uma vida diplomática do mundo árabe a nível da sua comunidade. Não terá a União Europeia interesse em estabelecer também relações a esse nível? Os múltiplos impasses que encontramos no mundo árabe, que são evidentemente económicos, políticos, institucionais, religiosos, são também largamente intelectuais e culturais.
É através das relações intelectuais e culturais que estabeleceremos outras relações, e o objecto deste relatório é o de sugerir que tomemos nota desta questão. Em primeiro lugar, reconhecendo que a identidade árabe é compatível com a democracia, com a modernidade, embora os factos não o provem. Intelectual e politicamente, e nos discursos da Liga, existe uma verdadeira possibilidade. Foi aliás a Liga Árabe que, forçando um pouco muitos dos seus Estados membros, produziu uma Carta Árabe dos Direitos do Homem. Todos sabemos que não representa um enorme avanço, que está muito longe da nossa Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ou da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Todavia, representa um extraordinário progresso relativamente à situação em que estávamos ainda há pouco tempo. E depois, face ao grande problema contemporâneo da luta contra o terrorismo, penso que temos todos como objectivo procurar uma relação de cumplicidade e aliança com os povos árabes contra os extremistas e os assassinos, mais do que os condenar a todos e tornar impossível essa luta.
É neste contexto que o relatório sugere que intensifiquemos as nossas relações, nós, União Europeia, com tudo o que possua um carácter colectivo nesta matéria: evidentemente a Liga dos Estados Árabes, mas também - porque não? - o Conselho de Cooperação do Golfo, e mesmo a União do Magrebe Árabe se voltasse a acordar. Através destas instâncias, é possível desenvolver uma rede de relações culturais e intelectuais, organizar seminários de reflexão, que sustentarão o nosso apoio às reformas.
Este relatório, Senhor Presidente, é um pouco subtil. Estenderemos a mão a países sobre os quais haveria muitas críticas a fazer. O nosso debate de alterações andará entre o extremismo das condenações e a moderação da mão estendida que, sabendo perfeitamente que há enormes críticas a fazer, preferiria calá-las enquanto essa mão estendida puder contribuir para um processo de reforma de que todos precisamos.
Günter Gloser, Presidente em exercício do Conselho. (DE) Senhor Presidente, Senhor Vice-Presidente da Comissão, senhor deputado Rocard, Senhoras e Senhores Deputados, é um debate oportuno e atempado este sobre a posição do mundo árabe na política internacional. No nosso entendimento, uma das questões que se nos deparam é a forma de melhorar a cooperação entre o Ocidente e os Estados árabes, de modo a permitir que ambas as partes dela beneficiem. Gostaria de endereçar os meus sinceros agradecimentos ao senhor deputado Rocard. Através deste relatório também o Parlamento Europeu sublinha a importância da cooperação entre a União Europeia e o mundo árabe.
Tem-se notado, desde há alguns anos, um maior dinamismo no envolvimento regional da Liga Árabe – a Iniciativa de Paz de Beirute, de Março de 2002 é apenas um exemplo. Em particular nas últimas semanas, assistiu-se a um enorme interesse da parte do mundo árabe em estender a mão para além das suas fronteiras no sentido de uma mais estreita coordenação e cooperação – fazendo-o inclusive por sua própria iniciativa.
Por um lado, esta evolução parece-me resultar, até um certo ponto, de um retorno do mundo árabe à Liga Árabe enquanto instrumento de cooperação que tem sido negligenciado ao longo do tempo. Por outro lado, encaro-a como representando uma resposta à tentativa da parte de Estados e organizações não árabes de encontrarem um parceiro regional fiável numa região instável.
O actual envolvimento da Liga Árabe no Líbano teve início imediatamente a seguir à guerra do Verão passado e é extremamente importante. Nesta perspectiva, incentivamos a Liga Árabe a prosseguir os seus esforços actuais.
Creio, contudo, que a melhor ilustração da nova qualidade do envolvimento internacional da Liga Árabe, sob a poderosa liderança da Arábia Saudita, foi a confirmação da Iniciativa Árabe de Paz na Cimeira de Riade, no final de Março. Esta iniciativa demonstra as perspectivas de regresso à normalidade das relações entre Israel e os Estados Árabes. A continuação do debate no seio da Liga Árabe consubstancia a ideia de que o mundo árabe tem vontade efectuar genuínos progressos neste contexto.
Também a UE tem aumentado, nos últimos anos e meses, o seu envolvimento no Médio Oriente, continuando o Quarteto a funcionar como um interveniente-chave.
Recentemente, ambas as partes – o mundo árabe e a Europa – intensificaram os debates sobre as suas ideias para intensificar a cooperação política. Neste contexto, gostaria de referir o encontro da tróica da UE com a Liga Árabe, em Sharm el-Sheikh, e também gostaria de chamar a atenção para o facto de Frank-Walter Steinmeier, na sua qualidade de Presidente do Conselho "Assuntos Gerais e Relações Externas" da UE, ter convidado uma delegação ministerial da Liga Árabe para uma reunião com todos os Ministros dos Negócios Estrangeiros em Bruxelas, no dia 14 de Maio.
Claro que este facto por si só não reduz os desafios ao nível da política interna e os desafios sociais e culturais com que se depara o mundo árabe, mas gostaria de salientar com toda a clareza que a Europa oferece cooperação em todos os domínios aos países e sociedades árabes. Tenho esperança de que esta cooperação possa contribuir para um maior entendimento e tolerância entre a Europa e o mundo árabe. Estes dois valores, o entendimento e a tolerância – características que a Presidente em exercício do Conselho, Angela Merkel, considerou como elementos inerentes à alma europeia aquando do início da Presidência alemã, em Estrasburgo – constituem ingredientes essenciais para um diálogo bem-sucedido.
Congratulo-me, por este motivo, com o facto de o senhor deputado Rocard ter incluído os aspectos culturais neste relatório. Estes desempenham um papel preponderante para determinar a possibilidade de a UE apoiar processos de reforma no mundo árabe. A ignorância, os estereótipos e a hostilidade de ambas as partes constituem obstáculo a uma parceria produtiva e com futuro. O diálogo e a compreensão da cultura do outro lado constituem a condição sine qua non para a União Europeia poder apoiar correctamente processos de reforma.
No ano passado, no contexto do "conflito das caricaturas", muito se falou sobre a necessidade de haver um maior "diálogo entre culturas". Temos, no entanto, de usar esta expressão com precaução, pois a ideia de um diálogo entre culturas poderia acidentalmente promover o relativismo cultural. A ideia de que as normas e os valores podem, em princípio, ser condicionados pela cultura de um indivíduo, vai contra o nosso entendimento do que são os direitos universais do Homem. Neste ponto, estou totalmente de acordo com o relatório, quando este salienta a importância do diálogo cultural ao mesmo tempo que defende claramente a universalidade dos direitos humanos.
Temos de evitar cair na armadilha do "culturalismo" relativamente a todas as situações e não apenas na questão dos direitos humanos. Os seres humanos possuem identidades diversas. Não se é apenas muçulmano, cristão ou ateu, mas também se é membro de uma profissão, estudante, pai, membro de uma associação e muito mais aspectos. O problema do fundamentalismo islâmico, tal como de qualquer outro tipo de fundamentalismo, é o de que um determinado elemento da identidade pessoal – o elemento religioso – é colocado acima de todos os outros, acabando a complexidade do mundo por ser reduzida à ideia de uma oposição entre "o Islão" e "o Ocidente". As nossas políticas têm de evitar tudo aquilo que possa promover tal redução. Temos da realçar o que nos une em vez de aquilo que nos divide. Para as nossas discussões e os nossos projectos temos de escolher fóruns conjuntamente apoiados pela UE e pelos Estados árabes, em particular a Fundação Anna Lindh.
O islamismo político representa a expressão da crise de modernização das sociedades árabes, facto igualmente referido pelo senhor deputado Rocard. Fazer face a este problema constitui primordialmente uma tarefa para as próprias sociedades árabes. Também no seio existem forças seculares e liberais. No entanto, o que falta frequentemente é diálogo no seu interior sobre a questão de como configurar politicamente a relação entre Estado, religião e sociedade.
O diálogo no seio da sociedade deixará claro que a neutralidade religiosa do Estado e a aplicação dos direitos humanos não são uma agenda reformista imposta ao mundo árabe pelo "Ocidente", mas antes algo que funciona em prol dos interesses das próprias sociedades árabes. Podemos apoiar este processo de diálogo no seio da sociedade através da criação de disponibilização de fóruns para o diálogo. Esta é uma importante missão, por exemplo para as várias fundações políticas existentes em países como a Alemanha.
Günter Verheugen, Vice-presidente da Comissão. (DE) Senhor Presidente, Senhor Presidente em exercício do Conselho, Senhoras e Senhores Deputados, a Comissão congratula-se com o relatório do senhor deputado Rocard, que aborda essencialmente a relevância que tem para nós a evolução verificada no mundo, bem como o que podemos fazer para influenciar essa evolução.
Numa altura em que estamos a redescobrir a nossa herança cultural e histórica comum, a vontade do Parlamento Europeu de assumir um papel fundamental na promoção de relações mais estreitas com os nossos vizinhos árabes assume um carácter importante. A resolução do Parlamento Europeu sobre as reformas no mundo árabe salienta muito claramente que nós, povos e países da orla do Mediterrâneo, somos interdependentes. Interdependentes em termos políticos, como parceiros que se esforçam para pacificar o Médio Oriente e que trabalham em prol do pluralismo e da democracia; interdependentes em termos culturais, no que respeita à promoção de um diálogo profundo, cuja necessidade é premente, entre culturas e religiões; interdependentes em termos ambientais, porque, com uma costa mediterrânica partilhada com mais de 46 000 quilómetros de extensão, enfrentamos os mesmos problemas, como as alterações climáticas, a poluição marítima e os desafios de melhoria do ambiente; interdependentes no que respeita à política energética, tendo em conta os abastecimentos de petróleo e gás natural que têm origem na região do Mediterrâneo ou que são canalizados através dessa região; e interdependentes sobretudo em termos demográficos, pois é necessário um diálogo com os países do Norte de África sobre a solução das questões ligadas à migração legal e ilegal.
Como resposta à nossa interdependência mútua, lançámos, em conjunto, o Processo de Barcelona, actualmente complementado pela Política Europeia de Vizinhança. Para além disso, o Acordo de Cooperação com o Conselho de Cooperação do Golfo, o Acordo com o Iémen e o Acordo de Cotonu com os Estados subarianos contribuíram para desenvolver ainda mais as nossas relações.
Registaram-se recentemente progressos graças ao Processo de Barcelona e à política de vizinhança. Para dar dois exemplos, foram concluídos acordos de associação com praticamente todos os países da região e lançados planos de acção no quadro da Política Europeia de Vizinhança. Está paulatinamente a ganhar forma uma Zona de Comércio Livre Euromediterrânica, que se pretende venha a funcionar como uma plataforma entre um mundo cada vez mais globalizado e o regionalismo integrado e aberto praticado pela Europa.
O ano de 2007 poderá certamente constituir um marco nas nossas relações com uma região na qual está em curso uma mudança radical; uma região com grandes expectativas quanto a uma parceria abrangente com a UE. O nosso trabalho com os nossos parceiros assenta na convicção de que as mudanças só perdurarão se partirem da própria sociedade, e a introdução gradual de reformas políticas e económicas no quadro de uma política de vizinhança facilita uma maior reaproximação entre a Europa e os países do Mediterrâneo.
No centro das relações que mantemos com os nossos parceiros árabes está o nosso desejo de promover a segurança, o crescimento e a estabilidade na região. Para além disso, acreditamos firmemente que estas relações têm um objectivo bem mais ambicioso, a saber, a criação conjunta de um espaço de cooperação e estabilidade e a defesa dos nossos objectivos e valores comuns.
PRESIDÊNCIA: COCILOVO Vice-presidente
Antonio Tajani, em nome do Grupo PPE-DE. – (IT) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, as relações entre a Europa e o mundo árabe representam a chave para a construção da paz na região do Mediterrâneo e no Médio Oriente. Nos próximos anos, todos nós deveremos envolver-nos no diálogo entre culturas e religiões, na firme convicção de que as relações de amizade se baseiam na sinceridade, na lealdade e na tentativa de compreender os outros, sem contudo renunciarmos à nossa própria identidade. Confirmando a importância crucial de dotar a União Europeia de uma estratégia para a reforma do mundo árabe, o relatório Rocard estabelece alguns princípios inalienáveis que deverão caracterizar as relações futuras.
Competirá ao Parlamento Europeu encorajar todas as decisões que reforcem a democracia, o respeito dos direitos humanos e o papel da mulher, a criação de uma zona de comércio livre, a liberdade de informação, as ajudas financeiras e o respeito pela liberdade religiosa.
O relatório Rocard – e posso anunciar que o Grupo do Partido Popular Europeu (Democratas-Cristãos) e dos Democratas Europeus irá votar a favor – estabelece um princípio fundamental, que é o da reciprocidade: da mesma maneira que todas as pessoas na Europa têm o direito de professar a sua religião, o mesmo deverá acontecer com as pessoas em todos os países árabes. Relativamente a este aspecto, o relatório Rocard apela precisamente aos árabes que vivem na União Europeia para que dêem o seu testemunho. No entanto, no que toca tanto a esta como a outras questões, estamos ainda muito longe de alcançar os objectivos definidos pela própria União Europeia.
Defendendo esses princípios e ajudando os países árabes nas suas reformas, embora respeitando a sua autonomia, contribuiremos para impedir que o fundamentalismo reúna novos apoios. Na verdade, a ameaça do fanatismo não afecta apenas a Europa, mas todo o mundo árabe. O terrorismo é filho do fundamentalismo, razão pela qual é vital que a Europa e os países árabes trabalhem em conjunto para derrotar esta praga do século XX. Os atentados recentes demonstram que a prioridade da Al-Qaeda neste momento é atingir os países árabes moderados, que se esforçam por estabelecer o diálogo e facilitar as reformas. A Europa não pode ficar em silêncio; não pode ficar parada.
Hannes Swoboda, em nome do Grupo PSE. – (DE) Senhor Presidente, o meu colega e amigo Michel Rocard perdoar-me-á se começar por abordar um assunto de extrema importância, ao qual a senhora deputada De Keyser tem vindo a dedicar um intenso trabalho ao longo dos últimos meses e anos: os territórios palestinianos. Não acredito que possamos registar progressos sem que se opere uma mudança na política da UE a respeito da questão palestiniana ou de muitas das exigências pertinentes do senhor deputado Rocard.
O meu grupo decidiu, hoje, por unanimidade exortar a Comissão e o Conselho a introduzirem mudanças fundamentais na sua política relativamente aos territórios palestinianos. A Política da UE – defendida pelo Conselho e pela Comissão – é insustentável, cínica e inaceitável para a população árabe. Alguns governos poderão considerar a nossa actual política para com o Governo palestiniano aceitável, mas para a população dos países árabes isso é impossível.
Exigimos a realização de eleições livres; e realizaram-se eleições justas e livres – das quais a senhora deputada de De Keyser é a principal testemunha –, mas depois afirmámos não poder aceitar os seus resultados. Isso não é democrático. Afirmámos, então, que os Palestinianos deveriam, pelo menos, formar um Governo de unidade nacional; e foi formado um Governo de unidade nacional. Exortámos ainda a que se comprometessem claramente com o processo de paz e com as fronteiras de 1967. O actual Governo palestiniano manifestou o seu compromisso para com essas fronteiras. Israel não. Contudo, isso parece não constituir para nós um problema.
São muitos os nossos responsáveis que continuam a recusar-se a receber o Ministro dos Negócios Estrangeiros palestiniano, como aconteceu recentemente, por exemplo, com a Senhora Presidente em exercício do Conselho. É inaceitável que a Presidente em exercício do Conselho, Angela Merkel, afirme que receberá o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, mas não o Ministro dos Negócios Estrangeiros palestiniano, que nada tem a ver com o Hamas.
Por conseguinte, tendo em conta a situação específica nos territórios palestinianos, exigimos uma mudança drástica de posição da parte do Conselho e da Comissão. É possível que, individualmente, os membros do Conselho e da Comissão possam discordar disso, mas na qualidade de Instituições a sua política é errada e cínica. Conheceremos nós, Senhoras e Senhores Deputados, a situação nos territórios palestinianos? Será que temos consciência de que a nossa política está a conduzir ao caos nos territórios, onde grupos da Máfia estão a tomar conta do poder? Não teremos nós consciência de que a prossecução desta nossa política é a melhor forma de contribuir para a insegurança de Israel?
É preciso, por isso, que cheguemos a uma posição diferente – especialmente em relação a este relatório, mas também no que se refere à segurança de Israel, intimamente ligada à segurança dos países árabes e da Europa. Deveríamos fazê-lo, tentando manter uma verdadeira cooperação com o Governo palestiniano – um governo escolhido em eleições que nós exigimos – caso esse Governo esteja pelo menos tão disposto como Israel a apoiar o processo de paz. Pretendia dizer isto no início do debate daquele que é um relatório excelente, mas que se arrisca a ser inviável a não ser que alteremos a nossa política relativa aos territórios palestinianos e ao Governo palestiniano.
Marco Cappato, em nome do Grupo ALDE. – (IT) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, gostaria de felicitar o senhor deputado Rocard, cujo relatório, como ele próprio disse, pretende oferecer apoio com vista à abertura de um diálogo e de um debate. No entanto, penso que, ao fazermos semelhante afirmação, devemos começar por esclarecer – uma vez que é algo que nos diz respeito a nós e às nossa políticas no seio da União Europeia – que se trata de um diálogo e de um debate que pretendemos iniciar, não com os Estados, mas com as pessoas, com os indivíduos.
Isso é tanto mais verdade quando se fala de um esforço predominantemente cultural – e portanto também político e institucional -, já que, neste caso, o diálogo deve ter lugar com os indivíduos, antes da Liga Árabe e dos diferentes Estados, até porque estou convencido de que dois dos maiores problemas do mundo árabe – o nacionalismo e o fundamentalismo – neste momento dizem respeito também às nossas cidades europeias, que, de um ponto de vista demográfico, se estão a tornar também, cada vez mais, cidades do mundo árabe. É por isso que estes problemas devem ser abordados pela nossa própria União Europeia. Esta situação também afecta os nossos sistemas institucionais e a forma como a religião é vivida no seio da União Europeia.
Não há dúvida de que o fundamentalismo islâmico existe. Sobre esta matéria tomámos a liberdade de apresentar duas alterações sobre a questão da não-discriminação com base na orientação sexual e sobre a clara separação entre autoridades políticas e autoridades religiosas. Não acredito que se trate de uma provocação. Só tenho tempo para recordar, por exemplo, que, ao deslocarmo-nos, juntamente com outros colegas, a Jerusalém, ao Orgulho Gay, pudemos observar que, durante as manifestações, por vezes violentas, destinadas a impedir que essa manifestação tivesse lugar, os fundamentalistas judeus ortodoxos, os fundamentalistas islâmicos e os fundamentalistas católicos estavam unidos. Trata-se, portanto, de uma questão que também nos diz respeito, e esse é o significado subjacente às alterações, que eu espero que sejam aprovadas.
Mario Borghezio, em nome do Grupo UEN. – (IT) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, as boas intenções manifestadas neste relatório abrem caminho àquilo que eu receio que possam ser direcções erradas. Por exemplo, as concessões e o próprio facto de se encarar a perspectiva do pan-arabismo, poderão conduzir àquilo que o orador anterior apontou justamente como um perigo: o nacionalismo árabe. Pela parte que me toca, não o encararia com tanta simpatia e tranquilidade.
Não me entusiasma o facto de, por detrás desta oferta de diálogo, podermos entrever os planos daquilo que um influente intelectual árabe descreveu receosamente como o "projecto da Eurábia", uma expressão que seria depois retomada em termos muito eficazes pela escritora italiana Oriana Fallaci. No entanto, o que me preocupa no relatório é a forma como estão expressas as dúvidas acerca da Carta Árabe dos Direitos do Homem, quando se afirma que algumas das disposições nela contidas estão formuladas de molde a permitir diferentes interpretações. No entanto, há pouco que interpretar de maneira diferente no texto! A Carta dos Direitos do Homem do Islão é muito clara: afirma que os direitos do homem, para os islâmicos, estão sujeitos à Sharia. Isso é declarado no preâmbulo e em todos os artigos subsequentes, de uma forma extremamente clara.
Para os países árabes que assinaram esta Carta – a Carta dos Direitos do Homem de 1948, a que estamos a referir-nos – ela só é válida na medida em que estiver em conformidade com os ditames de Alá. No entanto, contrariamente àquilo que se afirma no relatório, há que dizer de forma inequívoca não só às populações mas também aos regimes árabes com quem dialogamos – muito embora não esteja muito claro o entusiasmo com que encaram e apoiam o processo de Barcelona, de que se fala em termos muito optimistas, visto que depois não participam nas reuniões – que uma coisa são os preceitos religiosos, outra coisa são as leis e outra ainda é o princípio da liberdade de consciência. A Carta dos Direitos do Homem baseia-se, efectivamente, no princípio filosófico da separação das leis dos preceitos de natureza espiritual e religiosa.
Trata-se de um conceito que deve ser reafirmado com toda a clareza, senão a Europa irá continuar a fingir que não vê os perigos gravíssimos, entre os quais, por exemplo, os programas de televisão transmitidos pelo Hamas, em que o Rato Mickey ensina às crianças árabes a luta contra o terrorismo, a luta contra Israel e o sacrifício dos bombistas suicidas. É isso que vêem os povos do mundo árabe.
Caroline Lucas, em nome do Grupo Verts/ALE. – (EN) Senhor Presidente, também eu tenho de pedir desculpa ao senhor deputado Rocard por me centrar numa questão – a Palestina. Considero igualmente que, enquanto a UE não mudar a sua posição actual e reconhecer o Governo de Unidade Nacional na Palestina, estamos precisamente a minar as oportunidades de estabelecer boas relações com o mundo árabe, estamos a aumentar a pobreza e o sofrimento nos territórios ocupados, corremos o risco de perder a própria Autoridade palestiniana e estamos, seguramente, a destruir as esperanças do povo palestiniano.
Estamos também a ser totalmente incoerentes e hipócritas, pois os Palestinianos com quem me encontrei questionaram-me, e com razão, sobre o seguinte: A UE não diz que a democracia é melhor do que a violência? Sim, diz. Os observadores eleitorais da UE não afirmaram que as eleições palestinianas foram livres e justas? Sim, afirmaram. E, apesar disso, o Governo do Hamas, legitimamente eleito, não se transformou num verdadeiro governo de unidade nacional quando lho foi pedido? Sim, transformou-se. Esse Governo não aceitou as três exigências do Quarteto, a saber, renunciar à violência, respeitar os anteriores acordos e reconhecer o Estado de Israel? Sim, aceitou. Eles perguntaram-me, e eu, por minha vez, pergunto ao Conselho hoje à noite, neste Hemiciclo: do que é que está à espera?
Acabei de regressar de uma visita da delegação parlamentar à Palestina, onde tive oportunidade de me avistar com o Primeiro-Ministro Haniyeh e muitos dos seus ministros, e a mensagem de todos foi a mesma: as exigências do Quarteto foram respeitadas, a solução de dois Estados com base nas fronteiras de 1967 foi aceite, e estão prontos e desejosos de dar início a negociações de paz. Não conseguem compreender por que motivo a UE não reage e por que razão insistimos, por exemplo, em canalizar a ajuda por via do Mecanismo Temporário Internacional, que, embora ajude alguns dos mais pobres, não está a conseguir travar a crescente crise humanitária e política: prejudica o aparelho e autoridade do Estado palestiniano e, fundamentalmente, retira à UE a influência que podia – ou devia – ter junto das autoridades israelitas para os pressionar a desbloquear os rendimentos dos impostos que pertencem aos Palestinianos e que continuam a ser ilegalmente retidos. Encontrámo-nos com o Ministro da Informação, o Sr. Mustafa Barghouti, que nos deixou a pensar quando disse o seguinte, "Se a UE quer que a Autoridade Palestiniana caia, então que o diga logo". Sejamos bem claros: é aí que conduzem as nossas políticas. Tenho a certeza de que nem nós nem o Conselho quer que a Autoridade Palestiniana caia, pelo que pergunto, mais uma vez, ao Conselho: do que é que estão à espera?
Kyriacos Triantaphyllides, em nome do Grupo GUE/NGL. – (EL) Senhor Presidente, se eu fosse um cidadão palestiniano entusiasticamente à espera de que a União Europeia me tire do impasse em que me encontro, concordaria com o senhor deputado Swoboda e com a senhora deputada Caroline Lucas e ficaria muito preocupado com certos aspectos do relatório Rocard.
O primeiro problema que o relatório apresenta reside no facto de promover a estratégia do Conselho Europeu e da Comissão Europeia para o Médio Oriente, que pede a todos nós que falemos apenas com metade dos membros do Governo da Palestina e que ignoremos o facto de esse Governo ser o produto de eleições democráticas e ser um governo de unidade nacional que tem o apoio de 96% do povo palestiniano.
Todos nós vimos o resultado dessa política catastrófica. Existe um governo legítimo no território palestiniano que o Conselho Europeu e a Comissão Europeia colocaram em quarentena, destruindo assim todas as oportunidades que esse governo nos está a dar para encetarmos conversações legítimas. Se a União perder esta encruzilhada crucial, o caminho para o futuro será muito difícil.
Num outro número, o relatório faz notar que qualquer aprofundamento das relações euro-árabes depende da energia e do talento da Europa para conseguir conciliar as suas obrigações e responsabilidades históricas para com o Estado de Israel e para com o povo judeu; mas onde é que ficam as suas obrigações e responsabilidades para com o povo palestiniano? Não podemos continuar a enterrar a cabeça na areia. Os territórios palestinianos têm um governo eleito e legítimo que não devemos isolar e com o qual a União Europeia deve encetar imediatamente um diálogo directo.
Philip Claeys, em nome do Grupo ITS. – (NL) Senhor Presidente, o relatório Rocard contém muitos aspectos positivos. Nestes tempos caracterizados pelo politicamente correcto, falar abertamente sobre um "infortúnio árabe", por exemplo, demonstra realmente uma certa coragem. Há necessidade de mais democracia, de mais economia de mercado, de respeito pelos direitos humanos e de igualdade de tratamento para as mulheres, enquanto os não muçulmanos devem poder praticar livremente a sua religião.
O conceito de reciprocidade é aqui plenamente aplicável, e é útil que isto seja explicitamente mencionado no relatório. A União Europeia pode e deve desempenhar um papel na promoção destes princípios no seio do mundo árabe. Se esses esforços irão dar frutos, essa já é uma questão diferente, mas pelo menos deveríamos tentar.
O relatório estabelece – e passo a citar – que a ocidentalização das sociedades árabes não é a única via para a concretização das reformas necessárias. Embora eu possa concordar com esta afirmação, gostaria de frisar que a arabização ou a islamização da Europa também não deveria constituir uma opção. Na sequência dos distúrbios desencadeados pelas caricaturas dinamarquesas, tivemos de concluir que um conjunto de liberdades fundamentais, como o direito de livre expressão, ficou igualmente sob pressão na Europa. A forma como a União Europeia reagiu a isto foi débil, para não dizer muito débil. Gostaria, pois, de dizer com toda tranquilidade e serenidade que as nossas liberdades e o direito de preservarmos a nossa própria identidade na Europa e em todos os Estados-Membros europeus têm de permanecer intactos.
Francisco José Millán Mon (PPE-DE). – (ES) Senhor Presidente, não é tarefa fácil produzir um relatório sobre reformas no mundo árabe, já que isso abrange um grupo bastante heterogéneo de países.
Existe, contudo, um acordo alargado quanto à necessidade de reformas nos países árabes, uma noção que foi assimilada no próprio título do relatório. Os líderes árabes também o reconheceram na Cimeira de Tunes em 2004. Além disso, a recente Cimeira de Riade insistiu igualmente na modernização, embora eu note que o respectivo texto coloca menos ênfase na ideia de reformas.
Os países árabes são confrontados com uma série de desafios que têm de enfrentar através de melhorias substanciais nos domínios político, económico e social. Isso implica reformas conducentes à democratização e ao maior respeito pelos direitos humanos, que não são património exclusivo do Ocidente, mas são universais.
Em muitos casos, a democratização envolverá o desafio de incorporar opções islâmicas moderadas na vida política, opções que sejam contrárias ao uso da violência.
São também necessárias reformas económicas e sociais. Do ponto de vista económico, há uma presença excessiva do Estado, uma escassa participação no comércio mundial e pouca diversificação das economias. De uma maneira geral, na maioria destes países regista-se um baixo nível de desenvolvimento económico e baixos índices de crescimento, que são incapazes de gerar emprego para uma população em rápido crescimento. O elevado desemprego e a falta de perspectivas estão na origem de um descontentamento social que alimenta forças políticas radicais.
A estabilidade e a prosperidade dos países árabes são factores muito importantes para a União Europeia. Precisamos de manter boas relações com eles, que nos beneficiem mutuamente; temos de pensar na importância de que o seu petróleo e o seu gás se reveste para uma União Europeia que importa do exterior muitos dos seus recursos energéticos. Além disso, há diversos Estados-Membros que têm países árabes como vizinhos, e muitos cidadãos árabes vivem nas nossas cidades.
Acresce que nos últimos anos surgiu uma gravíssima ameaça jihadista, que ataca os nossos países e também os próprios Estados muçulmanos.
São muitos, em suma, os domínios em que temos cooperar. Temos também de encorajar e ajudar esses países a implementar reformas políticas, económicas e sociais. O imobilismo – como o próprio relatório assinala – não constitui qualquer garantia de estabilidade a longo prazo, bem pelo contrário.
Véronique De Keyser (PSE). - (FR) Senhor Presidente, houve quem comentasse, depois de ler este relatório, "é muito curioso". É curioso porque não fala - ou fala muito pouco - da política regional e internacional naquela parte do mundo, dos conflitos que devastam o Médio Oriente, do terrorismo, do islamismo radical, da imigração clandestina. E cala-se também sobre o passado colonial de algumas grandes potências e sobre a influência persistente que querem continuar a exercer. Então, para que serve um relatório indulgente, que constitui aliás um verdadeiro antídoto para as caricaturas de Maomé?
Em primeiro lugar, não se trata de um relatório indulgente, mas sim de uma tomada de posição audaciosa e de uma formidável mensagem de confiança no potencial democrático do mundo árabe, na diversidade dos seus actores não estatais, na força da sua sociedade civil e na sua cultura. E anuncia claramente o papel que a Europa deve desempenhar: apoiar processos democráticos locais, endógenos, recordar a importância dos direitos humanos, mas sem nunca se impor como potência hegemónica.
Esta mensagem pode parecer banal. No entanto, é essencial para uma verdadeira aliança das civilizações pois considera finalmente o mundo árabe como um parceiro de paz, um parceiro de desenvolvimento e de cultura. Muitos relatórios elaborados por este Parlamento Europeu descrevem as ameaças que nos vêm do Oriente. Michel Rocard optou por salientar as razões para termos esperança, e agradeço-lhe por isso.
No entanto, há um assunto sobre o qual Michel Rocard foi incompleto. O relatório refere, com razão, a responsabilidade da Europa perante Israel e a sua segurança. Assumimos e continuaremos a assumir essa responsabilidade, que no entanto é inseparável da nossa responsabilidade perante a Palestina, que vive agora uma crise sem precedentes. Nunca poderemos sacrificar uma à outra. A Declaração de Balfour recordava já, em 1917, que "a criação de um lar judeu na Palestina não podia prejudicar de forma nenhuma os direitos das comunidades não judias na Palestina". Qual é o ponto da situação um século depois dessa Declaração?
Eis a razão por que apoio e retomo com força a exigência não só do Grupo Socialista no Parlamento Europeu, mas também de todos aqueles que se manifestaram esta noite para nos dizer: há que levantar as sanções contra a Palestina, há que tratar com o seu governo de unidade nacional, que aceita a iniciativa de paz árabe, que constitui também uma formidável garantia para a segurança de Israel face ao mundo árabe. Trata-se de um salto em frente, trata-se de uma esperança que surge. Surge para todos aqueles que, de um lado e do outro da fronteira de 1967, ainda acreditam na justiça internacional e querem cultivar a esperança.
Então, em nome destes valores, em nome dos justos de ambos os lados da fronteira, o que é que vamos fazer, nós, na Europa? Esperar? Afirmo, caros colegas, e afirmo ao Conselho e à Comissão: não devemos esperar mais! Amanhã será demasiado tarde, e a nossa respectiva responsabilidade será esmagadora.
Luisa Morgantini (GUE/NGL). – (IT) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, não vou falar da Palestina, uma vez que estou plenamente de acordo com a opinião do senhor deputado Swoboda, do senhor deputado Triantaphyllides, da senhora deputada Lucas e da senhora deputada De Keyser; por isso, desta vez, poupo-vos aos meus comentários sobre a Palestina.
Em vez disso, gostaria de agradecer ao senhor deputado Rocard por ter elaborado um relatório que contém muitos elementos importantes – "esperança", como disse a senhora deputada De Keyser. Esses elementos incluem a afirmação de que muitos intelectuais árabes procederam a uma análise lúcida dos males do mundo árabe. Em contrapartida, penso que aquilo que falta ao relatório Rocard é uma análise lúcida dos males da sociedade europeia, no que respeita não só à necessidade de reformas do mundo árabe democrático mas também às nossas políticas.
Nas alterações apresentadas pelo próprio colega Rocard há algumas correcções com que estou plenamente de acordo, muito embora considere que não podemos falar das reformas do mundo árabe sem ter em linha de conta as tragédias causadas não por políticas europeias mas, por exemplo, pela guerra do Iraque e pela ausência de uma solução para o conflito israelo-palestiniano. Por conseguinte, penso que devemos começar precisamente por uma crítica da forma como têm sido devastadoras e obstrutivas as nossas políticas no Iraque, por exemplo, ao impedirem um processo de reforma que é indispensável não só no mundo árabe mas também para nós, quando se tratar de mudar a nossa política.
Simon Busuttil (PPE-DE). – (MT) Muito obrigado, Senhor Presidente. O tema das reformas no mundo árabe é extremamente complexo. Basta lermos o relatório do senhor deputado Rocard para entendermos essa complexidade. O relator, na verdade, questiona se haverá efectivamente uma comunidade árabe e assinala que existe uma razão para nós falarmos acerca do mundo árabe, mas não da nação árabe ou da união árabe. Este ponto claramente indicia que, antes de começarmos a debater o mundo árabe e a oferecer soluções, temos de o conhecer melhor. Daí ser essencial que não sejamos paternalistas quando falamos acerca de reformas no mundo árabe e que não nos ponhamos a ditar soluções como se fossemos os únicos detentores de informação sobre a matéria. Ninguém duvida da necessidade de reformas de modo a permitir que os países árabes beneficiem do processo de modernização e de globalização. A nossa missão é oferecer a experiência que temos tido na nossa União, prestando o nosso apoio num espírito de parceria entre iguais. Não podemos criar um contexto em que estejamos a dizer aos outros o que hão-de fazer.
O Processo de Barcelona pretendia ser um processo de parceira, mas, como todos sabemos, acabou por se tornar numa situação em que a União Europeia ditou o que devia acontecer e também quando e como devia acontecer. Precisamos também de tirar melhor partido dos nossos interlocutores no mundo árabe, como, por exemplo, a Liga Árabe, a qual, apesar dos seus próprios problemas, ganhou suficiente credibilidade para dar voz ao mundo árabe. Malta tomou a iniciativa de propor um diálogo estruturado entre a União Europeia e a Liga Árabe; um diálogo destinado a enfrentar o tema das reformas que têm de ser realizadas nos dois lados do Mediterrâneo. Esta é uma excelente iniciativa e tem sido bem recebida pela Liga Árabe. Espero que tanto o Conselho de Ministros como o Senhor Comissário possam dar-lhe o seu apoio. Muito obrigado.
Libor Rouček (PSE). – (CS) Gostaria de felicitar o senhor deputado Rocard pelo seu extraordinário relatório que considero muito necessário, tanto para o mundo árabe, como para a Europa. Penso que a necessidade deste relatório se deve ao facto de, nos últimos anos, não só nos EUA, mas também na Europa, ter existido uma certa tendência, proveniente de uma visão limitada, para encarar o mundo árabe e islâmico simplesmente do ponto de vista da luta contra o terrorismo.
Embora seja necessário que as relações euro-árabes tenham em conta a luta contra o terrorismo, elas também têm de contemplar problemas como, por exemplo, o desenvolvimento económico e social, o emprego, a gestão adequada dos assuntos públicos, o reforço da sociedade civil, a questão dos direitos humanos, bem como o intercâmbio e o diálogo inter-cultural e inter-religioso. As relações euro-árabes deveriam basear-se num verdadeiro diálogo em pé de igualdade, sem que se gerem sentimentos de superioridade ou inferioridade.
Penso que o diálogo e a parceria com a UE poderiam orientar-se mais para a cooperação com o mundo árabe no seu todo. Por outras palavras, não deveríamos concentrar-nos apenas nas relações bilaterais, mas também em organizações específicas, algumas das quais já referidas, como, por exemplo, a Liga dos Estados Árabes, o Conselho de Cooperação do Golfo e a União do Magrebe Árabe.
Por último, já que estamos aqui, no Parlamento Europeu, também gostaria de sublinhar o papel desempenhado pela Assembleia Parlamentar Euro-Mediterrânica (APEM), enquanto organismo democrático que reúne membros de parlamentos de ambos os lados do Mediterrâneo. Penso que a APEM deveria desempenhar um papel muito maior, incluindo o de tentar resolver o conflito israelo-árabe.
Pierre Schapira (PSE). - (FR) Senhor Presidente, caros colegas, quero antes de mais agradecer a Michel Rocard por este relatório que permite a criação de uma objectividade quanto às relações exclusivamente bilaterais que a União Europeia mantém com o mundo árabe. Mas apela nomeadamente a um diálogo novo que deve incluir as problemáticas do desenvolvimento e da boa governação. Eis o ponto que eu queria focar.
Na sua política de desenvolvimento, a União Europeia segmentou o mundo árabe em duas partes: a zona mediterrânica e o Cáucaso, dita zona de vizinhança, e o Médio Oriente, coberto pela política de desenvolvimento. Esta distinção artificial não permite uma abordagem global mais equilibrada, que conduziria a reformas de fundo.
No que respeita à questão da governação, Michel Rocard insiste na abordagem do tipo parceria e no papel da sociedade civil. Trata-se de uma visão inovadora, que deve ter em conta - e é por isso que estou a falar dela - o papel das autoridades locais. Com efeito, desenvolveu-se no mundo árabe uma rede muito densa de cooperação entre cidades com a organização das cidades árabes - que, aliás, pertence a uma organização mais vasta, a organização mundial das cidades -, na qual se incluem as cidades palestinianas e as cidades israelitas, que trabalham juntas. Existem projectos de cooperação para a paz, para os intercâmbios culturais e religiosos, para os direitos humanos ou para o combate a todo o tipo de discriminações.
Estas acções transnacionais são a expressão de uma ligação entre a Europa e o mundo árabe a uma escala infra-estatal, a escala das sociedades civis emergentes, e oferecem uma grelha de análise mais alargada do que a da luta antiterrorista imposta pelo pós-11 de Setembro.
Richard Howitt (PSE). – (EN) Senhor Presidente, gostaria de felicitar o meu estimado colega, o senhor deputado Michel Rocard, pelo seu relatório. Como sublinha o documento, a única resposta válida ao nosso desejo de reforma no mundo árabe é uma que seja inclusiva e baseada em valores comuns – algo que se perde demasiadas vezes na guerra contra o terror.
Como várias colegas socialistas disseram, precisamos de fazer verdadeiros progressos no que se refere a uma solução pacífica e de longo prazo para os problemas do conflito, sobretudo entre os povos israelita e palestiniano. Todavia, permitam-me salientar a necessidade absoluta de limitar o impacto de qualquer apoio, directo ou indirecto, da UE ou dos Estados-Membros ao autoritarismo na região. Há necessidade de se fazer uma reavaliação das relações entre os serviços de segurança europeus e os seus homólogos, garantindo que estas agências continuam a cooperar na resposta a ameaças comuns, incluindo o terrorismo, mas que toda e qualquer acção é inequivocamente conforme à legislação internacional em matéria de direitos humanos, incluindo as disposições sobre tortura. Há necessidade de controlos mais apertados sobre os exércitos ou as transferências militares para a região com vista a garantir que estes não são usados na repressão interna ou agressão externa. Em todos os programas de ajuda externa da UE, há necessidade de fazer uma nova reavaliação da prestação da ajuda a países na região a fim de promover o desenvolvimento e a justiça económica e apoiar os próprios reformadores no processo de reformas.
Michel Rocard (PSE), relator. - (FR) Senhor Presidente, Senhor Presidente em exercício do Conselho, Senhor Comissário, em dois minutos não poderei responder a todos.
Gostaria antes de mais de salientar a importância que conduziu quatro dos nossos oradores a não abordarem directamente o assunto e a recordarem que, a montante, o drama não resolvido do conflito israelo-palestiniano e o não reconhecimento do novo Governo palestiniano, bem como os diferentes bloqueios que lhes impomos, impedem a existência de boas relações entre a Europa e o mundo árabe. Têm toda a razão, mas não é esse o tema do meu relatório. Quero apoiar esse ponto de vista com muita força. Defendi-o muitas vezes noutras ocasiões. Chamo a vossa atenção para o facto de que aqui é que está a chave da questão.
Gostaria também de saudar a grande compreensão por aquilo que propõe o relatório, que marcou tanto o discurso do Senhor Ministro Gloser como o do Comissário Verheugen, e não creio que o seu sucessor o contradiga: existe uma convergência de pontos de vista entre as propostas parlamentares, que represento aqui, e a percepção do Conselho de Ministros e da Comissão. Para mim, trata-se de uma questão essencial.
Aos nossos colegas das diferentes bancadas, digo apenas que a contribuição do senhor deputado Simon Busuttil, que sustenta a ideia da parceria, me parece importante. O senhor deputado Marco Cappato tem toda a razão em salientar que pretendemos, com todos estes esforços de aproximação das sociedades civis, encontrar finalmente o indivíduo, naturalmente, mas não podemos encontrar o indivíduo sozinho, temos de o fazer através das instituições, dos meios de comunicação social, etc., e é essa a proposta deste relatório.
O senhor deputado Antonio Tajani insistiu na reciprocidade. Também eu estou preocupado com a reciprocidade. Gostaria de chamar a atenção para o facto de que a inteligência da nossa proposta dependerá da nossa capacidade de proporcionarmos a reciprocidade à desigualdade dos níveis de desenvolvimento económico e cultural. Trata-se de acompanhar um processo que deve aproximar os países árabes dos valores das nossas democracias sem fingimentos, sem os acusarmos de não partilharem esses valores logo à partida do processo. Eis o que me levará - como sabe muito bem o colega Cappato - a adiar algumas alterações, não por discordar de algumas críticas, mas sim porque discordo da oportunidade de as recordar neste momento em que estaremos a desencadear um processo de mão estendida para ajudar as pessoas que estão muito abaixo de nós no que respeita aos direitos humanos.
Um processo de apoio não pressupõe que o problema esteja resolvido à partida. Não iremos multiplicar as nossas exigências. Eu teria mesmo a tentação, dentro deste espírito, de pedir que se vote contra uma alteração do meu próprio grupo. Já nos explicámos sobre isto. O meu grupo mantém a rigidez sobre um certo número de princípios intocáveis pelos quais me bato desde há cinquenta anos. Nesta proposta, temos de avançar mais devagar. Proponho que introduzamos alguma subtileza nas nossas relações diplomáticas. A subtileza em política é rara, mas sugiro-a apesar de tudo.
(Risos)
Günter Gloser, Presidente em exercício do Conselho. (DE) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, gostaria de discutir alguns aspectos. Que alternativa existirá ao diálogo com os nosso vizinhos?
Nos últimos anos, a UE lançou uma série de medidas – não unilateralmente, mas em cooperação com muitos dos países árabes. As principais já aqui foram mencionadas: o processo de Barcelona, por exemplo, e também o desenvolvimento da política de vizinhança que está actualmente em curso. No entanto, registamos evoluções diferentes em diversos países.
Quem poderia ter pensado, por exemplo, que o Rei de Marrocos instituiria uma verdadeira comissão de inquérito com vista a reavaliar os crimes cometidos no passado? Evidentemente, esta comissão de inquérito está longe de cumprir os critérios que os Estados-Membros da UE observam para essas comissões. Quem poderia ter pensado, também, que determinados países distantes alargariam o direito de voto?
Muito aconteceu, mas parece que, em certos aspectos, teria sido possível conseguir mais. As populações dos países árabes teriam também esperado obter uma maior quota-parte no desenvolvimento económico do que a que obtiveram. No entanto, não há alternativa ao diálogo.
O senhor deputado Rocard falou da necessidade de desenvolvermos uma estratégia: esta só poderá funcionar em cooperação com os países árabes. É possível que a estratégia concebida para um determinado país difira da concebida para um Estado do Golfo. No entanto, cabe igualmente registar que a Liga Árabe voltou a ganhar força. A Liga olha frequentemente para o exemplo da UE, a associação de Estados europeus, mas não tem a mesma função unificadora; ao invés, os seus membros frequentemente adoptam uma visão nacional, preferindo regular os seus próprios assuntos. No entanto, tem vindo actualmente a tornar-se claro que, no que respeita à resolução de conflitos, em particular, é preferível dispor de uma associação, a qual é, de igual modo, a mais eficaz forma de defesa dos interesses nacionais.
Gostaria ainda de discutir os diversos comentários feitos no debate acerca do conflito israelo-palestiniano. Estou evidentemente ciente de que o persistente conflito entre Israel e os territórios palestinianos interfere frequentemente em muitas conversações, que são fóruns de diálogo. Contudo, gostaria de afirmar de forma bastante contundente que muitos dos problemas nos países árabes poderiam ter sido resolvidos sem a prévia resolução deste conflito.
No entanto – inclusivamente tendo em conta os comentários do senhor deputado Swoboda e outros – deveríamos ter em conta a cronologia dos acontecimentos em todo este debate. Nunca afirmámos que as eleições nos territórios palestinianos foram injustas. Pelo contrário, registámos que se realizaram de uma forma mais livre do que em muitos outros países. No entanto, outro aspecto importante, é o facto de o governo recentemente eleito não ter declarado a sua intenção de honrar os compromissos assumidos pelo governo anterior – pelo menos não o fez inicialmente, Senhor Deputado Swoboda; só gradualmente – e de o ter feito apenas agora, como resultado da iniciativa da Arábia Saudita.
Muitos Estados árabes conseguiram formar um governo de unidade nacional.
Gostaria de dizer muito claramente – porque por vezes isso é obscurecido, e para que não me recriminem no final do processo – que, aquando do bloqueio, a UE proporcionou um apoio financeiro considerável aos Palestinianos: facto que a Senhora Comissária Ferrero-Waldner, responsável pelas relações externas, sempre deixou claro. Os montantes foram frequentemente superiores aos concedidos no período que antecedeu o "bloqueio".
Temos agora de nos empenhar, juntamente com a Liga Árabe e, evidentemente, com ambos os actores, Israel e Palestina, em fazer progressos para revitalizar o processo de paz – um êxito para o qual a UE e o Quarteto contribuíram – e em responder às exigências que hoje aqui ouvimos.
Jacques Barrot, Vice-Presidente da Comissão. - (FR) Senhor Presidente, quero apenas agradecer ao Parlamento e, evidentemente, ao seu relator Michel Rocard, pelo trabalho desenvolvido sobre um tema fundamental para todos nós. Transmitirei ao Senhor Comissário Verheugen, que apresentou a proposta da Comissão, a qualidade dos debates em que pude participar em sua substituição. Com efeito, creio que o Parlamento se dignifica ao desenvolver uma reflexão sobre um tema tão importante. Saúdo evidentemente a Presidência alemã, esperando que este relatório permita elaborar esta estratégia de paz de que tanto precisamos.
Presidente. Está encerrado o debate.
A votação terá lugar amanhã, às 11H00.
Declarações escritas (Artigo 142º)
Eija-Riitta Korhola (PPE-DE), por escrito. – (FI) Senhor Presidente, considero o relatório do senhor deputado Michel Rocard de grande qualidade: salienta que o papel da União consiste em encorajar, bem como em empenhar-se nas tentativas de reforma nos países árabes. Trata-se de um papel que exige um diálogo intercultural activo.
Prestemos atenção às bases sobre as quais podemos construir o diálogo. Segundo o relator, "o relançamento do diálogo intercultural passa pela afirmação de um denominador humanista comum e universal que transcenda os dogmas e os comunitarismos". Convém não interpretar esta afirmação como uma base meramente secularista que, na verdade, poderia conduzir a um aumento de tensões culturais.
Uma sociedade liberalizada apresenta um misto de duas linhas de pensamento: pluralismo ético e relativismo cultural, a que poderíamos chamar relativismo secularista.
Enquanto o relativismo se baseia no princípio de que não existe verdade em religião, a abordagem pluralista exige que cheguemos a consenso sobre o assunto através de meios razoáveis. O relativismo significa, portanto, que os sistemas de valores e ideológicos não foram deixados totalmente de fora das decisões políticas.
O pluralismo, por seu lado, visa o diálogo sobre os valores e significa que os diversos sistemas de valores e ideológicos devem ser compreendidos no momento de tomar uma decisão, pela simples razão de que constituem parte importante da vida das pessoas. Há que perceber que o diálogo nestes termos torna possível não só a compreensão e a interacção mas também o criticismo.
Na verdade, o relativismo conduz a um aumento da tensão porque foge às questões difíceis, deixa-as de parte. O pluralismo pode ajudar a aliviar as tensões ao implicar, sobretudo, que se tenha em consideração os valores humanos e as diferenças entre eles.
Não é necessariamente a religião que provoca tensões, ou seja, a religião não é, necessariamente, o problema. Pode, mesmo, ser parte da solução.
Glyn Ford (PSE), por escrito. EN) Apoiarei este relatório sobre a estratégia da UE para o mundo árabe. Embora haja culpa de ambos os lados do conflito israelo-árabe, saúdo o facto de a UE ter uma posição muito mais equilibrada relativamente a este conflito do que a Administração Bush nos EUA.
O potencial que temos foi recentemente demonstrado no contexto não inteiramente diferente do conflito Aceh na Indonésia – o quarto maior país do mundo e o maior Estado muçulmano. Neste caso, os esforços da UE mediaram um acordo de paz e um processo de paz que pôs fim a uma guerra civil de trinta anos, a custo de algumas poucas horas despendidas no Iraque. Este exemplo deve servir como paradigma para as acções futuras da UE no âmbito da nossa emergente Política Externa e de Segurança Comum.