Presidente. − O ponto seguinte consiste numa exposição sobre a situação no Irão que será apresentada pelo Alto Representante para a Política Externa e de Segurança Comum e pela Comissão.
Saúdo calorosamente o Alto Representante, Javier Solana. Senhor Solana, queira usar da palavra.
Javier Solana, Alto Representante para a Política Externa e de Segurança Comum. − (EN) Senhor Presidente, não quero interferir no debate que está em curso, mas tomo a palavra a seu convite. Permitam-me que comece por agradecer o convite de hoje. É a primeira vez que intervenho perante o Parlamento no ano de 2008. Todos nós estamos certos de que 2008 será um ano extremamente excitante, para não dizer mais. Gostaria de prosseguir através de uma cooperação mais profunda com o Parlamento, o Senhor Presidente e os distintos deputados a esta Assembleia.
O debate de hoje é de extrema importância – um debate sobre aquela que é uma das mais importantes questões da agenda da comunidade internacional. Gostaria de tecer um breve comentário acerca da mesma e dedicar-lhe o tempo necessário para ver se conseguimos compreender em conjunto – e não só compreender, mas também fazer alguns progressos na sua solução – esta questão extremamente complexa que hoje está no topo da agenda internacional.
Permitam-me que comece por alguns comentários. O Irão é um país crucial do Médio Oriente. É importante em termos estratégicos e é também um importante actor regional. Por isso, gostaríamos de manter com o Irão uma relação construtiva; porém, como sabem, são muitos os escolhos.
A sociedade iraniana é extremamente vibrante e está cheia de pessoas talentosas. Tem uma percentagem excepcionalmente elevada de mulheres licenciadas. O persa é uma das principais línguas da Internet, especialmente em blogues, pois os jovens procuram meios de se expressarem.
A cena política no Irão – como bem sabem – é hoje em dia de grande interesse. Existem no país elementos de democracia que não estão presentes noutros países do Médio Oriente, embora o processo eleitoral continue a deixar muito a desejar. Para as eleições legislativas para o Parlamento nacional, o Majles, em Março, para vos dar apenas um exemplo, 30% dos candidatos não foram considerados elegíveis, sendo que aqueles com tendências mais reformistas foram os mais prejudicados. Alguns terão a oportunidade de recorrer da decisão, mas outros não. No entanto, é melhor uma democracia imperfeita do que democracia nenhuma, e é correcto que mantenhamos contactos com deputados iranianos. Estou extremamente grato ao Parlamento Europeu por ter enviado uma delegação ao país a fim de se encontrar com os seus homólogos do Parlamento iraniano.
É igualmente correcto que os deputados deste Parlamento se preocupem com o Estado de direito e os direitos humanos no Irão. O Irão ocupa praticamente um dos últimos lugares do índice mundial da liberdade de imprensa. Aumentou o número de execuções. Infelizmente, há numerosos relatos de tortura. Estas são situações inaceitáveis e só prejudicam a imagem do Irão como país civilizado.
Todos aqueles que defendem os direitos humanos no Irão, por exemplo através da campanha de um milhão de abaixo-assinados a favor dos direitos da mulher, merecem o nosso apoio e admiração. Esta manhã, tive a oportunidade de o comentar com Souhayr Belhassen, que, como sabem, é uma das figuras mais importantes da Federação Internacional dos Direitos Humanos. Com maior liberdade, maior responsabilização e uma justiça mais equitativa, o Irão poderia ser uma das sociedades mais criativas e dinâmicas do Médio Oriente. A União Europeia manteve, no passado, um diálogo sobre direitos humanos com este país, porém, desde 2004, os iranianos deixaram de se mostrar disponíveis para participar.
No entanto, temos várias áreas de interesse comum com o Irão que não foram ainda totalmente exploradas, a mais óbvia das quais é o sector da energia – mas há também muito mais que podemos fazer em conjunto em matéria de tráfico de droga e luta contra o terrorismo.
Seria bom que pudéssemos trabalhar de melhor forma com o Irão na região. Mas, por enquanto, como sabem, é difícil, porque é difícil ver o Irão como um parceiro construtivo. Parece que em quase todas as áreas seguimos políticas diferentes e por vezes contraditórias. Queremos uma solução assente em dois Estados na Palestina. Queremos o êxito da Conferência de Annapolis. O Irão continua a ser o único país do Médio Oriente que não aceita a ideia de uma solução de dois Estados. O Irão é um fornecedor crucial de armas ao Hamas. Os comentários do Presidente Ahmadinejad relativamente a Israel e a sua defesa da inexistência do Holocausto são totalmente inaceitáveis para todos nós. O Irão, como sabem, é um factor de desestabilização no Líbano. É o principal fornecedor de armas ao Hezbollah. Tem trabalhado igualmente com grupos que promovem a violência no Iraque.
Todas estas actividades tornam o Irão, do nosso ponto de vista, um actor problemático e difícil no Médio Oriente. Porém, continua a ser um país que precisamos de entender e com o qual temos de nos relacionar melhor. Houve períodos de cooperação com o Irão, por exemplo, no Afeganistão, que foram frutíferos, e considero que devermos continuar a procurar estas oportunidades.
Mas, como sabem, uma das principais preocupações é o programa nuclear iraniano. Caso o Irão viesse a construir uma arma nuclear, essa poderia ser uma causa de extrema instabilidade e perigo no Médio Oriente. Seria igualmente muito prejudicial para todo o sistema de não proliferação. A mera suspeição de que o Irão almeje a construir uma arma nuclear pode desestabilizar o Médio Oriente.
O nosso objectivo é dissipar essas suspeitas. Isso só poderá ser conseguido, bem vistas as coisas, através de uma solução negociada.
Congratulamo-nos com o facto de o Irão estar a trabalhar com a Agência Internacional da Energia Atómica no sentido de tratar das chamadas “Questões Pendentes”. Na fase actual, com o Dr. Mohamed ElBaradei, como sabem, o Irão tem de responder a questões importantes como a do armamento e, especialmente, outras questões relacionadas com a contaminação, que são de extrema importância.
Mas mesmo que estas questões sobre o passado venham a ser respondidas, isso não nos proporciona a transparência que requeremos quanto às actividades iranianas no presente ou as suas futuras intenções. Hoje, a transparência exige que o Irão ratifique e implemente, como diversas vezes afirmámos, o Protocolo Adicional.
A confiança quanto às futuras intenções do Irão é ainda mais difícil. Supondo que, no passado, o Irão dispunha de um programa nuclear para fins militares, como podemos nós estar certos, hoje, de que as actuais actividades de enriquecimento se façam exclusivamente para fins civis? É especialmente difícil quando, neste momento, não vemos quaisquer sinais de que o Irão assine um contrato para a construção de uma central nuclear, para além da que possuem com a Rússia em Bushehr e para a qual os russos forneceram o combustível. Só ouvimos falar de enriquecimento. Quando pergunto – e os senhores perguntaram também há dias – a representantes do Governo iraniano o que pretendem fazer com esse urânio enriquecido, nunca consigo uma resposta. Tiveram a prova disso, há alguns dias.
O facto é que o Irão só poderá desenvolver um programa nuclear para fins civis com a assistência dos seis países que pertencem ao grupo de seis países que negoceiam com Irão – ou tentam negociar com o Irão – com excepção do Japão. Nenhum outro país do mundo pode fornecer a outro o que este precisa para iniciar ou desenvolver um programa nuclear para fins civis sem a cooperação de países ou empresas que pertençam ao referido grupo, o grupo dos seis países e o Japão. Nenhum de nós levanta qualquer problema a um programa nuclear iraniano para fins civis; na verdade, estamos a oferecer a nossa ajuda. Mas nenhum de nós prestará essa ajuda se não estiver certo de que as intenções do irão são exclusivamente pacíficas.
Razão pela qual mantemos esforços constantes para chegar a um solução negociada. Por enquanto, infelizmente – como sabem – não tivemos êxito. Mais, infelizmente, é impossível fazer alguma coisa enquanto o Irão continuar a ignorar as resoluções da Agência ou do Conselho de Segurança da ONU. Prosseguem, por isso, os trabalhos em Nova Iorque com vista a uma nova resolução. O objectivo destas resoluções não é punir o Irão, mas persuadir o país a sentar-se à mesa das negociações: pela parte que me toca, quanto mais cedo melhor. A União Europeia e os membros permanentes do Conselho de Segurança estão totalmente unidos nesta matéria. Realizámos uma importante reunião na última Quinta-feira.
Talvez possa, a este respeito, acrescentar ainda um comentário que vai para além do próprio Irão. Num mundo em que há um crescente interesse na energia nuclear, é preciso que encontremos formas de assegurar aos países que podem adquirir combustível nuclear sem ter de proceder, eles próprios, ao seu enriquecimento – que é dispendioso para eles e levanta preocupações com a proliferação. Eu próprio defendo a ideia da criação de garantias internacionais de abastecimento de combustível, talvez sob a forma de um banco de combustível. Esta ideia tem sido debatida com muitos dos nossos parceiros e por numerosas importantes figuras da comunidade internacional. Há muito boas ideias neste domínio. Considero ser chegado o tempo de passar estas ideias à prática, de as concretizar.
Como disse no início, o Irão é um país crucial. Já há muitos anos que me dedico a normalizar as relações entre nós. Todos ficaremos a ganhar com essa normalização – iranianos e europeus. Acredito nisso, e continuarei a trabalhar incansavelmente com vista a esse objectivo, que, penso, beneficiará o povo iraniano e a União Europeia.
Benita Ferrero-Waldner, Membro da Comissão. − (EN) Senhor Presidente, no actual clima, penso ser inevitável que as discussões sobre o Irão se centrem no seu programa nuclear. A comunidade internacional está unida na procura de uma solução satisfatória. Isso significa trabalhar através dos canais adequados com a AIEA e o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Significa igualmente apoiar os esforços persistentes envidados pelo Alto Representante Javier Solana em nome do Grupo três mais três, com o total apoio da União Europeia, porque a unidade internacional continua a ser crucial, como se viu na última reunião em Berlim.
Quando recebi o Dr. Saeed Jalili, chefe dos negociadores iranianos, na semana passada, recordei-lhe a nossa posição assente em princípios. Nunca ninguém negou ao Irão o seu direito de utilizar energia nuclear para fins pacíficos, mas é extraordinariamente necessário restaurar a confiança e dar mostras de uma verdadeira vontade política de chegar a uma solução.
Lamentavelmente, embora a União Europeia esteja a envidar os seus maiores esforços, não consegui vislumbrar ainda essa vontade política do lado iraniano. Enquanto não virmos essa vontade política, não haverá, infelizmente, qualquer possibilidade de reforçar as nossas relações, incluindo o lançamento ou relançamento das conversações com vista a um acordo de comércio e cooperação, bem como de conversações sobre energia. Foi isso que afirmei, explicitamente, ao Dr. Saeed Jalili no nosso encontro.
Estou convicta de que este Parlamento partilha as mesmas opiniões e que continua a apoiar com firmeza o Senhor Alto Representante Javier Solana e o Grupo “três mais três” com vista a uma solução duradoura – e uma solução diplomática que, preservando o inalienável direito do Irão ao desenvolvimento de energia nuclear para fins pacíficos, nos proporcione simultaneamente garantias objectivas de que essas actividades possuem uma natureza exclusivamente pacífica.
Embora o desenvolvimento as relações da UE com o Irão estejam, em grande medida, condicionadas pelos progressos nessa área, no entender da Comissão, deverá ser prosseguida mais do que uma via com este país Irão.
A este respeito, gostaria de manifestar o meu apreço pelo trabalho desenvolvido pela Delegação parlamentar para Relações com o Irão, sob a presidência dinâmica de Angelika Beer. Senhora Deputada Angelika Beer, desejo louvar, em especial, a missão que liderou, no mês passeado, a Teerão. Os contactos do PE, por exemplo, com o parlamento iraniano (Majlis), são um importante canal de comunicação entre a União Europeia e a República Islâmica do Irão.
As reuniões que mantiveram com altos dignitários, como o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Manouchehr Mottaki, assim como com um amplo espectro da sociedade iraniana, são e foram extremamente úteis. A realização de reuniões com activistas femininas, famílias de estudantes detidos, sindicalistas e grupos minoritários constituiu um importante testemunho da importância que a União Europeia atribui a um Irão totalmente livre, democrático e pluralista, respeitador das convenções internacionais a que a República Islâmica do Irão livremente aderiu.
Os contactos inter-pessoais constituem um excelente meio de ultrapassar o preconceito e os estereótipos negativos e de promover o entendimento mútuo. É, por exemplo, muito importante que se apoie mais o desenvolvimento de intercâmbios académicos, culturais e artísticos entre a Europa e o Irão: dois antigos bastiões da civilização que têm muito a oferecer-se reciprocamente.
Essa a razão por que me regozijo particularmente com o lançamento, neste ano académico, de uma janela de cooperação externa Erasmus Mundus, que liga os europeus a estudantes e professores do Iraque, Iémen e Irão. De Teerão a Shiraz, passando por Mashhad e Alzahra, a rede de universidades iranianas que participam neste consórcio parece particularmente promissora. A primeira leva académica permitiu já que mais de 50 estudantes e professores iranianos estudassem na Europa. Espero sinceramente que este regime funcione em ambos os sentidos e que os estudantes e professores europeus também se desloquem para o Irão.
Para além disso, prosseguimos a nossa cooperação com o Irão numa série de sectores, tais como o apoio aos refugiados afegãos ou a luta contra o narcotráfico. A este respeito, gostaria de chamar a atenção para um convite à apresentação de propostas de subvenção, lançado recentemente, para actores não estatais e autoridades locais iranianas.
O programa – aliás, o primeiro com o Irão – visa promover e reforçar uma sociedade inclusiva e emancipada. Inclui actividades educativas e actividades ligadas ao desenvolvimento com incidência em acções de luta contra a pobreza.
Por último, o programa apoia a cooperação entre a sociedade civil e as autoridades locais e actividades de reforço das respectivas capacidades. Este concurso está agora aberto e o prazo termina em 11 de Fevereiro.
Passando a outra questão, congratulo-me com a decisão do Parlamento, tomada na sessão plenária de 13 de Dezembro último, de atribuir um pacote de 3 milhões de euros para um serviço televisivo noticioso em Farsi. Promover a produção e difusão de informação com um forte cunho europeu pode desempenhar um importante papel na promoção de uma maior compreensão mútua com o público iraniano.
Gostaria de terminar com uma nota importante: a questão da democracia e dos direitos humanos. Na semana passada, perante este Parlamento, o Dr. Saeed Jalili insistiu na importância da dignidade humana. Pela parte que me toca, obviamente que estou absolutamente de acordo, mas infelizmente quando me encontrei pessoalmente com o Dr. Saeed Jalili, vi-me forçada a manifestar-lhe a minha profunda preocupação com a deterioração dos direitos humanos e da situação dos direitos humanos no Irão.
No ano passado, o Irão levou a cabo, pelo menos, 297 execuções, de acordo com uma lista compilada pela AFP a partir de notícias publicadas. O total revela um aumento considerável face a 2006, ano em que, de acordo com a Amnistia Internacional, se realizaram 177 execuções. Não me refiro aqui a outros métodos extremamente cruéis de eliminação de pessoas. Por isso, tive de manifestar a minha esperança de que o diálogo UE-Irão sobre direitos humanos possa ser retomado.
Manifestei igualmente a esperança de que exista um leque de candidatos às próximas eleições legislativas mais vasto do que no passado. A União Europeia permanece fortemente mobilizada nesta frente. A última declaração relativa às sentenças de morte no Irão, emitida em 25 de Janeiro, é outro exemplo importante a referir.
Acompanhamos totalmente o Parlamento quando afirma que, sem uma melhoria sistemática da situação dos direitos humanos no Irão, as nossas relações com este país não podem desenvolver-se de forma adequada.
Michael Gahler, em nome do Grupo PPE-DE. – (DE) Senhor Presidente, a resolução que propomos trata da situação dos direitos humanos no Irão e da controvérsia sobre o programa nuclear iraniano. Em relação aos direitos humanos, o Parlamento expressou claramente a sua opinião em muitas ocasiões, ao longo dos últimos anos. Hoje, o Alto Representante referiu, mais uma vez, casos de execuções e actos de tortura. À luz dos acontecimentos recentes, gostaria de mencionar os nomes de activistas políticos pertencentes à comunidade árabe Ahwazi que foram condenados à morte e apelar ao Governo iraniano para não os executar. Os seus nomes são Zamal Bawi, Faleh al-Mansouri, Said Saki e Rasoul Mazrea. O mesmo é válido no caso de dois jornalistas curdos, Abdolwahed 'Hiwa' Butimar e Adnan Hassanpour. Que a divulgação dos seus suplícios a nível europeu lhes conceda protecção!
Quanto à questão nuclear, Saeed Jalili, o líder das negociações do lado iraniano, não forneceu à Comissão dos Assuntos Externos uma indicação clara das intenções do Irão. As perguntas de 24 membros da referida comissão foram tratadas em bloco, de um modo sumário. Esta não é a melhor maneira de pôr cobro à profunda desconfiança que existe entre a comunidade internacional e o Irão. A solidariedade, por parte da comunidade internacional, é a melhor resposta a semelhantes evasivas, razão pela qual, na nossa resolução, saudamos o acordo alcançado em Berlim, em 22 de Janeiro, relativo à adopção de uma nova resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Esta medida fará envolver a Rússia e a China no processo, transmitindo um sinal claro ao Irão. A resolução prevê medidas adicionais como parte de uma abordagem concertada por parte da comunidade internacional.
Concordo que interessa procurar o diálogo sempre que possível, mas entendo que deveríamos insistir nos nossos interesses, nomeadamente, de defesa dos direitos humanos e também de cooperação, mas, nesse caso, apenas e quando o Irão reconquistar a confiança desta nossa comunidade.
Hannes Swoboda, em nome do Grupo PSE. – (DE) Senhor Presidente, Doutor Solana, Senhora Comissária, há três questões em jogo: direitos humanos, armas nucleares e eleições democráticas no Irão. Hoje não está em causa se os Mujaheddin deverão figurar na lista negra ou não. Deveríamos abordar essa questão à parte.
No domínio dos direitos humanos, as execuções sucessivas e muitas vezes brutais representam para nós uma ferida aberta. Concordo com o que o colega Gahler disse a este respeito e espero que a opinião pública nos nossos países possa ter um impacto significativo.
A segunda questão prende-se com o programa nuclear. Subscrevemos na íntegra os pontos de vista do Alto Representante. Não queremos armas nucleares no Irão. Não as queremos em parte alguma dessa região. Já foi bastante escandaloso que tantos países – incluindo, lamento dizê-lo, os Estados Unidos da América – tenham ficado especados a assistir ao desenvolvimento da bomba no Paquistão e à transferência da tecnologia de construção de bombas desse país para o Irão, porque o Paquistão era encarado apenas na perspectiva da luta comum contra a União Soviética e, desse modo, igualmente contra o Afeganistão.
Do que precisamos é de supervisão — e pedir-lhe-ia, Senhor Solana, que zelasse para que as indústrias nucleares e, em especial, as suas operações de enriquecimento e de eliminação de resíduos fossem incorporadas de uma forma mais completa em quadros multilaterais e supervisionadas com maior rigor. Precisamos de intervir mais neste domínio, porque não envolve apenas o Irão, mas também outros países.
Do que precisamos também – e a este título os norte-americanos deveriam aceitar fazer mais concessões – é do reconhecimento dos interesses de segurança legítimos, não de qualquer governo, mas da nação iraniana. Para que a segurança seja salvaguardada e nós possamos então fazer progressos no nosso diálogo com o Irão. Também eu subscrevo a resolução das Nações Unidas, porque representa um considerável passo em frente.
Igualmente no tocante às eleições, Senhor Solana, só posso dar eco aos seus sentimentos. As eleições e a democracia apenas servem o seu propósito quando as eleições são verdadeiramente livres e, se o Presidente Ahmadinejad está convicto que pode contar com um apoio de tal ordem no Irão, só o posso exortar a garantir que será possível realizar eleições genuinamente livres sem intervenção externa. Então veremos se goza ou não de um apoio tão generalizado. A realização de eleições livres no Irão é uma das chaves para a democratização de toda a região.
(Aplausos)
Annemie Neyts-Uyttebroeck, em nome do Grupo ALDE. – (NL) Senhor Presidente, Senhor Alto Representante da UE para a Política Externa e de Segurança Comum, Senhora Comissária, como disse o Senhor Alto Representante, continua a ser um paradoxo o facto de um país com uma história tão rica, uma cultura tão variada e uma população tão dinâmica, como é o Irão, cometer as mais terríveis violações dos direitos do Homem. O número de sentenças de morte ditadas no ano passado – e a que a senhora Comissária também já se referiu – constitui uma trágica ilustração deste facto.
Sinto, portanto – juntamente com o meu grupo – que, na verdade, o Irão está a atraiçoar a sua própria história quando o actual regime trata o seu povo do modo como, infelizmente, tem vindo a fazer ao longo de muitos anos. Não obstante, penso que a solução reside no diálogo continuado, com a população e a sociedade civil, sem dúvida, mas, por mais difícil que isso possa ser, também com as autoridades políticas.
O debate da semana passada a este respeito com Saed Jalili não foi exactamente muito divertido, mas foi extremamente importante, porquanto ele irá dar-se agora conta de que nem uma única pessoa de qualquer grupo deste Parlamento aprovaria ou contemplaria sequer a possibilidade de o Irão começar a utilizar a sua investigação nuclear para fins militares, uma vez mais, sem qualquer reacção da nossa parte.
Em nome do meu grupo, é com particular agrado que aceito a sugestão de Javier Solana de iniciarmos a criação de uma espécie de banco multilateral, multinacional, de combustível nuclear, uma vez que esta será provavelmente uma boa forma de associarmos a nossa preocupação a respeito da não-proliferação à permissão concedida aos países para continuarem a desenvolver as suas actividades nucleares para fins civis.
Konrad Szymański, em nome do Grupo UEN. – (PL) Senhor Presidente, Senhora Comissária, Senhor Solana, o mais importante e urgente nas relações com o Irão é obtermos garantias de que esse país não adquirirá armas nucleares. Não obstante a informação disponível de várias fontes, incluindo o relatório de avaliação dos serviços secretos norte-americanos (“National Intelligence Estimate”) sobre as intenções e as capacidades nucleares do Irão, hoje não podemos a ter a certeza de que o Irão não desenvolverá armas desse tipo.
É ingenuidade acreditar que o processo de enriquecimento de urânio que tem tido lugar no Irão desde 2003 se destina exclusivamente a aplicações civis. Desde então, o Presidente reformista Khatami foi substituído por um representante de uma linha política muito mais “dura”. Temos de recordar também que, no passado, todos os programas nucleares começaram sob a capa de projectos civis: sucedeu assim na Rússia, Índia, China e Israel. É altamente provável que o projecto civil de hoje não passe de um mero passo no caminho que conduz ao enriquecimento de urânio para fins militares. A União Europeia não pode, por isso, deixar de exercer o máximo de pressão sobre o Irão, sem excluir a possibilidade de uma solução militar.
Angelika Beer, em nome do Grupo Verts/ALE. – (DE) Senhor Presidente, permita-me começar por agradecer ao Senhor Solana e à Comissária Ferrero-Waldner por terem preparado tão bem a visita e por nos consultarem e dialogarem connosco antes e depois da mesma.
Gostaria de sublinhar – e que não haja dúvidas a este respeito – que este debate será ouvido no Irão. É uma sociedade esclarecida e pluralista que tenta obter a informação que necessita e apoiamos essa procura através do serviço noticioso do canal televisivo Farsi. Sabemos que os líderes do regime Ahmadinejad irão seguir este debate, pelo que é acertado e adequado dizer claramente ao Presidente Ahmadinejad e aos seus apoiantes que a imensidão de candidatos para os 296 assentos parlamentares – há mais de 7.000, dos quais 2.000 foram aparentemente excluídos – é um sinal seguro de que, em matéria de política interna, ele está encostado à parede. Somos solidários com a sociedade civil, as mulheres, os sindicatos e todos, cujas vidas estão ameaçadas e cujos nomes nos foram lidos há alguns instantes.
(Aplausos)
Houve uma outra razão para insistirmos no debate de hoje, pelo qual estou sinceramente grato. O Irão encontra-se num impasse. Foi dar a um beco sem saída e não sabe como avançar; não está em posição para oferecer o que quer que seja. Ao mesmo tempo, interrogo-me se nós, europeus, já teremos jogado todas as cartas. As conclusões da nossa missão transpartidária ao Irão são que temos de encontrar a nossa própria forma de negociar e que tal só poderá ser feito sem impor condições prévias, sem encostar uma faca ao pescoço de ninguém.
O que compreendi claramente dos relatos das pessoas com quem pudemos encontrar-nos e que precisam da nossa ajuda é que as sanções enfraquecem a sociedade civil e fortalecem o Presidente Ahmadinejad. Por essa razão, continuar a actuar como até agora não é uma opção política e não resolverá o impasse.
Permitam-me terminar, dizendo que não queremos armas nucleares em país algum. Pessoalmente, oponho-me a qualquer forma de energia nuclear, mas se a política do Presidente Sarkozy consiste em celebrar contratos de energia nuclear à esquerda e à direita, sem quaisquer salvaguardas sob a forma de, por exemplo, acordos de não-proliferação, a política externa da Europa irá converter-se num factor de proliferação em vez de contribuir para conter a maré.
(Aplausos)
Presidente. − Muito obrigado, Senhora Deputada Beer, e desejo-lhe uma rápida recuperação do que se assemelha bastante a um braço partido.
Tobias Pflüger, em nome do Grupo GUE/NGL. – (DE) Senhor Presidente, de acordo com o relatório dos serviços secretos dos Estados Unidos, a situação mudou. Impõe-se agora uma moratória sobre a questão nuclear. O caso tem de ser transferido do Conselho de Segurança das Nações Unidas para a Agência Europeia de Energia Atómica. O Irão possui uma sociedade civil muito activa, apesar das medidas de repressão contra organizações como os sindicatos, por exemplo. Verificam-se incidentes intoleráveis, como sejam a rejeição de candidatos ao Majlis, o Parlamento iraniano, mas, pessoalmente, oponho-me terminantemente a sanções mais severas. Seriam contraproducentes, especialmente para a oposição democrática. Continuamos a ouvir ameaças de guerra contra o Irão, especialmente por parte dos Estados Unidos. O meu grupo opõe-se firmemente a qualquer ameaça de guerra ou à preparação de qualquer plano de guerra.
Senhor Solana, no jornal britânico Guardian, constou que Robert Cooper, um membro do seu gabinete, terá dito o seguinte em relação ao manifesto para uma nova OTAN recentemente discutido: “Talvez venhamos a utilizar armas nucleares antes de todos os outros, mas seria insensato da minha parte dizê-lo abertamente”. Terá essa declaração a ver com a situação no Irão, Senhor Solana, e como pretende distanciar-se da mesma?
Permitam-me insistir: negociações com o Irão, e não escalada e guerra.
Bastiaan Belder, em nome do Grupo IND/DEM. – (NL) Senhor Presidente, há boas e más notícias da República Islâmica do Irão. As boas notícias chegaram no mês passado, em meados de Dezembro, vindas da oposição iraniana em Teerão, que assumiu uma posição absolutamente inequívoca, contra o desmentido formal do Presidente Ahmadinejad da existência do holocausto, declarando que o holocausto foi um acontecimento histórico que não podia ser posto em dúvida. Devidamente anotado.
As más notícias são constituídas pela ameaça pública dirigida recentemente pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Manouchehr Mottaki, ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, ao afirmar que se este adoptasse uma nova resolução sobre as sanções contra o Irão antes do próximo relatório da AIEA sobre o programa nuclear do país, em Março, haveria uma resposta adequada e séria por parte de Teerão.
Senhor Alto Representante, gostaria de saber o que pensa desta ameaça pública. E o que pensa da ideia de reforçar a posição da AIEA, instituindo um comité independente de técnicos especialistas no programa nuclear do Irão? No fim de contas, tem havido precedentes para isso na UNSCOM e na UNMOVIC. O relatório do comité serviria, nesse caso, como um guia para ser tomado em consideração pelo Conselho de Segurança.
Philip Claeys (NI). – (NL) Senhor Presidente, o regime do Irão continua a constituir uma ameaça à estabilidade em todo o Médio Oriente e muito para além dele. O Irão dá apoio aos grupos de islamitas e terroristas no Líbano, nos territórios palestinos, no Afeganistão, no Iraque, bem como em outros locais. A estratégia da União Europeia deve consistir em isolar o mais possível o Irão na região. É igualmente importante encorajar a Rússia a reduzir a sua cooperação com o Irão no domínio nuclear. Os planos do Irão constituem uma ameaça para a paz mundial.
Há alguns meses atrás, a National Intelligence Estimate americana surpreendeu o mundo inteiro ao afirmar que o Irão tinha abandonado as suas tentativas de produzir armas nucleares em 2003. Há agora apelos nos EUA no sentido de se investigarem mais aprofundadamente as descobertas da NIE. Todavia, seria um erro partir subitamente do princípio de que a ameaça nuclear do regime do Irão já não existe. Por que motivo, por exemplo, está ainda o Irão a tornar as coisas tão difíceis para os inspectores da Agência Internacional de Energia Atómica?
Todos sabemos do que é capaz o regime de Teerão. Há o seu cadastro, em termos de direitos humanos, e no passado houve provas inequívocas do envolvimento do Irão no terrorismo islamita a nível internacional. Quando o Presidente Ahmadinejad declara publicamente que pretende varrer Israel do mapa, temos de o tomar a sério. Nas actuais circunstâncias, seria, portanto, errado afrouxar a pressão sobre o Presidente Ahmadinejad. Tem de haver diálogo, mas a União Europeia tem de ser firme na sua tentativa e no seu desejo de fazer mais para promover a liberdade e a estabilidade.