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Relato integral dos debates
Segunda-feira, 21 de Abril de 2008 - Estrasburgo Edição JO

15. Audição sobre "crimes de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra cometidos por regimes totalitários" (8 de Abril de 2008) (debate)
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  Presidente. − Segue-se a declaração da Comissão sobre crimes de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra cometidos por regimes totalitários.

 
  
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  Jacques Barrot, Vice-Presidente da Comissão. – (FR) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, gostaria de lhes dar conta da audição sobre os crimes cometidos pelos regimes totalitários, respondendo assim às legítimas preocupações manifestadas pelo Parlamento Europeu.

No passado dia 8 de Abril, a Comissão e a Presidência eslovena organizaram esta audição sobre os crimes cometidos pelos regimes totalitários, que tinha sido pedida pelo Conselho em Abril de 2007 na altura da negociação da Decisão-quadro relativa à luta contra o racismo e a xenofobia. O objectivo da audição era o de compreender melhor como é que os Estados-Membros geriram a herança dos crimes totalitários e que métodos e práticas utilizaram para lhes fazer face.

A audição centrou-se em dois temas principais: o reconhecimento dos crimes totalitários e a reconciliação. Dada a sensibilidade desta questão e para evitar que seja explorada de qualquer forma, a Comissão pretendeu que este debate fosse, antes de mais e sobretudo, um debate de peritos independentes e universitários com experiências diferentes e baseado numa abordagem científica. Os Estados-Membros foram convidados, bem como o Parlamento Europeu, e congratulo-me com o facto de inúmeros eurodeputados terem tido a oportunidade de participar no debate. A audição permitiu um debate construtivo e sereno. De uma forma geral, para a Comissão, quatro questões emergiram mais especificamente dos debates.

Em primeiro lugar, existe a sensação de que os antigos Estados-Membros deveriam estar mais sensibilizados para o passado trágico dos novos Estados-Membros. Tal ausência de reconhecimento deve ser analisada com cuidado de forma a evitar que a União Europeia se veja dividida sobre um assunto tão grave, que deveria, pelo contrário, unir-nos.

A segunda questão que ressalta dos debates é a de que a reconciliação depende do estabelecimento da verdade. O espírito de reconciliação que anima o processo de integração europeia é mais importante que nunca. As diversas experiências de reconciliação discutidas durante a audição mostraram a complexidade desta tarefa, mas também que há razões para estarmos optimistas. Mostram que o respeito dos direitos fundamentais constitui um factor essencial para se conseguir uma reconciliação genuína.

Em terceiro lugar, parece haver muitas maneiras de lidar com as questões do reconhecimento e da reconciliação. Não existe um modelo único, e compete a cada Estado-Membro escolher o que melhor se adapta à sua situação.

Por fim, os debates revelaram que as instituições europeias estão a ser cada vez mais chamadas a enfrentar estas questões. Durante a audição, um grupo de participantes apresentou um documento contendo um grande número de propostas de acção. A Comissão ouviu esse apelo a um maior empenho da Europa nesta matéria; contudo, note-se que cabe a cada Estado-Membro encontrar a sua própria maneira de lidar com a memória desses crimes e de enfrentar a situação. A União Europeia não pode substituir os Estados-Membros nessa tarefa. A União Europeia possui poderes muito reduzidos para agir neste domínio. O seu papel deve ser o de facilitar o processo encorajando a discussão, incentivando os intercâmbios de experiências e boas práticas e juntando os diversos actores.

Temos agora de analisar todas as contribuições recebidas durante a audição; gostaria, no entanto, de reiterar a determinação da Comissão de continuar o processo iniciado pela declaração do Conselho de Abril de 2007. A Comissão deve apresentar um relatório ao Conselho dois anos depois da entrada em vigor da Decisão-Quadro relativa à luta contra o racismo e a xenofobia, sendo então possível realizar um debate político.

Entretanto, a Presidência eslovena tenciona publicar as contribuições recebidas durante a audição. Pelo seu lado, a Comissão tenciona lançar um estudo destinado a adquirir uma visão de conjunto dos vários métodos, legislação e práticas utilizados pelos Estados-Membros para lidar com a questão da memória dos crimes totalitários.

No que respeita à importância dos aspectos relativos à educação e à cidadania, a Comissão vai também analisar como é que os programas comunitários existentes podem ser mais bem usados para uma maior sensibilização para estes problemas em toda a Europa.

Para concluir, é essencial promover uma discussão objectiva e desapaixonada sobre esta matéria, e avançar passo a passo dentro dos limites dos poderes da União. A Comissão está, naturalmente, preparada para desempenhar integralmente o seu papel neste processo.

 
  
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  Vytautas Landsbergis, em nome do Grupo PPE-DE. – (EN) Senhor Presidente, ao discutir, debater e abordar uma posição comum essencial sobre a avaliação dos crimes dos regimes totalitários na Europa, há um obstáculo que surge como uma barreira extremamente evidente para um resultado moral e legislativo mais célere.

Esse obstáculo fundamental é a posição dificilmente compreensível do actual Governo russo. No que respeita aos crimes cometidos durante a era estalinista da URSS, em vez de se distanciar deles com uma condenação clara dos hediondos crimes contra a humanidade, crimes de guerra e outras atrocidades, a elite russa no poder não segue o bom exemplo da Alemanha pós-nazi.

Não, o Führer soviético, Estaline, é louvado, os seus crimes e os dos seus lacaios negados e minimizados e as suas vítimas alvo de humilhação e chacota. Este estranho comportamento político, tão prejudicial à própria Rússia, não consegue retirar verdade aos factos, mas continua a afectar de forma nefasta a nossa bitola e a justiça das nossas avaliações na Europa.

Deveríamos estar conscientes da forma como essa hipocrisia e a duplicidade de critérios são úteis para diversos grupos neonazis e outros. É uma posição total e profundamente errada dizer: pois bem, enquanto a Rússia oficial não mudar de mentalidade, temos de congelar a nossa e seguir a perspectiva do Kremlin, ou adiar as nossas avaliações e decisões.

Por muito que os historiadores políticos contratados pelo Estado russo tentem à viva força reescrever a história europeia dos factos, as duas tiranias internacionais mais sanguinárias do século XX, juntamente com as ditaduras nacionais de menor dimensão, deverão ser, e serão, devidamente analisadas. Essa será a melhor forma de a Europa ajudar a Rússia do futuro.

 
  
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  Jan Marinus Wiersma, em nome do Grupo PSE. – (NL) Senhor Presidente, o nosso Grupo contribuiu para a realização deste debate, porque estamos preocupados com o crescente número de interpretações político-partidárias do passado. Não falo aqui apenas como político, como social-democrata, mas também como historiador. Interpretações como estas perpetuam frequentemente mitos que podem constituir solo fértil para a xenofobia, por exemplo, uma vez que apresentam apenas uma parte da história. É evidente que isto é extremamente perigoso numa Europa que se caracteriza por uma grande diversidade, inclusive do ponto de vista étnico.

Não há respostas fáceis para perguntas difíceis da história. Essa ideia errónea é muitas vezes criada por aqueles que fazem uma interpretação populista dos factos históricos. Falsear o passado é também uma prática utilizada para levar as pessoas a esquecê-lo: por exemplo, negando o Holocausto ou encobrindo os crimes cometidos por outros regimes totalitários. E há também o perigo de se ser selectivo. Os critérios históricos são, por vezes, aplicados a uma situação e não a outra. Por vezes não se faz qualquer distinção, e uma situação é avaliada da mesma maneira que outra. O resultado é que as pessoas ficam confundidas e não sabem como hão-de encarar o passado – os políticos sequestraram a verdade histórica porque é demasiado fácil fazer comparações.

O nosso Grupo considera que esta questão é particularmente importante neste ano em que comemoramos a revolta de Praga, a Primavera de Praga, mas também a Kristallnacht, a "Noite de Cristal". Pensamos ser importante que a Comissão e o Conselho tomem a iniciativa e fomentem um debate baseado em factos, baseado em investigações científicas. Não na tentativa de chegar a uma espécie de posição comum, mas para zelar por que as pessoas compreendam que a nossa discussão se baseia em informações correctas. E também para assegurar que o debate possa prosseguir de forma correcta.

Gostaria de salientar uma vez mais que a intenção aqui não é, evidentemente, a de apagar ou deturpar episódios importantes e terríveis da nossa história. O objectivo é, acima de tudo, aprendermos com eles. Esta é uma questão moral importante. Penso que é importante salientar, uma vez mais, que no nosso debate desta tarde e noite devemos dar igualmente a palavra a alguns dos nossos colegas que sentiram na própria pele as consequências de regimes totalitários. Para nós, este é um debate importante, que iremos, certamente, prosseguir ao longo deste ano.

 
  
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  Sarah Ludford, em nome do Grupo ALDE. (EN) Senhor Presidente, acredito que todos os males cometidos pelos regimes totalitários – fascistas, comunistas, estalinistas – devem ser cabalmente expostos. Mas não sou favorável a que se criminalize, em si mesmas, a negação ou a condenação desses crimes, sejam eles o Holocausto, a Shoah, os crimes de guerra como o genocídio ou os crimes contra a humanidade cometidos por qualquer ditador ou regime totalitário, assim como não sou a favor de que se criminalize a chamada provocação pública ou apologia – ou glorificação – do terrorismo. Em todos estes casos, considero que a liberdade de expressão é da máxima importância e que o direito penal apenas deve ser chamado à colação quando exista um incitamento claro ao ódio, à violência ou ao terrorismo. Toda a liberdade de expressão é essencial para o apuramento da verdade.

Um dos temas da audição foi o ressarcimento pela injustiça, e não é possível ter justiça sem verdade. A melhor ilustração foi dada pela Comissão Verdade e Reconciliação na África do Sul. E considero que um dos feitos de maior orgulho para a União Europeia e os seus Estados-Membros, na última década, foi a criação do Tribunal Penal Internacional. Mas há ainda muita gente neste planeta que permanece impune, e considero que não estamos a fazer o suficiente, na Europa, para a trazer à justiça. Não sei o que aconteceu ao espírito que levou a UE a apoiar o Tribunal Penal Internacional quando se tratou de ser honesto acerca do conluio relativamente a voos de tortura e prisões secretas. Não obtivemos qualquer resposta satisfatória dos Estados-Membros ao nosso relatório de há um ano sobre esse conluio.

Soubemos, nos Estados Unidos, que a tortura na Baía de Guantánamo e noutros locais foi ordenada ao mais alto nível da Administração Bush. Isso levou à trágica perda de autoridade e reputação moral dos Estados Unidos. Sim, é preciso que se faça justiça relativamente a esses crimes – mas não se criminalize aquilo que deve ser amplamente discutido.

 
  
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  Wojciech Roszkowski, em nome do Grupo UEN. (PL) Senhor Presidente, os dois regimes totalitários mais cruéis do século XX, o nazismo alemão e o comunismo de tipo estalinista ou chinês, cometeram crimes hediondos. O número total de vítimas excede provavelmente 100 milhões de mortos e mártires na sequência do Holocausto e de execuções e deportações maciças, de fome gerada artificialmente e em campos de morte e de concentração.

O regime nazi assassinou pessoas por motivos raciais; o sistema comunista assassinou pessoas por motivos ligados à luta de classes. As ideologias que serviram de fundamento a estes sistemas excluíram grupos inteiros de cidadãos do primado do direito e votaram-nos à morte ou à degradação física e social, a fim de construírem uma sociedade nova, alegadamente melhor. Nutria-se um ódio especial contra as religiões. Nestes sistemas, não só havia um monopólio de poder, como também uma única linguagem, que foi transformada num instrumento de propaganda e terror.

Hoje, mais de 60 anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, mais de doze anos depois da queda do comunismo soviético, é surpreendente que, na União Europeia, ainda haja pessoas que se recusam a reconhecer que o comunismo era um sistema criminoso. São muitos os expedientes usados para relativizar o passado comunista. Que argumento moral existirá para defender a posição de que as vítimas do nazismo são mais importantes do que as do comunismo? Por que razão não conseguimos produzir uma resolução comum a este respeito?

Senhor Comissário, não se trata aqui de uma questão que apenas diga respeito aos Estados-Membros tomados individualmente. Se a União se considera responsável e competente para lidar com o racismo e a xenofobia, deveria reunir coragem suficiente para deplorar também os crimes do comunismo. Afirmo-o não apenas como político, mas também como historiador. As semelhanças entre ambos os regimes não conduzem necessariamente a argumentos sobre a sua compatibilidade. Salientar o carácter ímpar dos crimes do comunismo não diminui em nada os crimes nazis, e vice-versa. Falando de forma simples, a decência comum e a memória das inúmeras vítimas destes regimes exige a condenação de ambos. O grupo de trabalho que criámos no Parlamento, chamado United Europe United History (Europa Unida, História Unida), que conta já com cerca de 50 membros, solicitará exactamente essa condenação.

 
  
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  Daniel Cohn-Bendit, em nome dos Verts/ALE. Grupo(DE) Senhor Presidente, caros colegas, penso que a nossa obrigação nesta matéria é tripla. Em primeiro lugar, temos de conseguir formular uma interpretação europeia da guerra que seja uniforme, bem como das razões da guerra, ou seja, uma memória comum europeia.

Não faz sentido continuar com esta interminável discussão e comparar os crimes do estalinismo com os crimes do nacional-socialismo. Trata-se de dois exemplos distintos de totalitarismo, de dois sistemas criminosos independentes, ainda que, por vezes, apresentem semelhanças estruturais. Claro que podemos tomar todo o debate sobre abertura, democracia, etc., como expressão de uma interpretação comum. A resposta comum é, por exemplo, a União Europeia ou a Carta dos Direitos Fundamentais que reflectem basicamente as lições aprendidas a partir destes dois sistemas totalitários que causaram tanta destruição no nosso continente.

Em segundo lugar, se olharmos à nossa volta no mundo, veremos o Ruanda, a Bósnia, o Darfur e assim por diante. Isto significa que a destruição dos seres humanos continua. O que precisamos – tal como referiu com razão a deputada Ludford – é do Tribunal Penal Internacional e de regras comuns. Hoje, devemos procurar garantir que todos os Estados civilizados reconhecem o Tribunal Penal Internacional para que crimes desse tipo, que se distinguem entre si, que não são todos iguais, mas que, de alguma forma, constituem, todos eles, crimes, possam ser realmente julgados.

Só poderemos travar estes crimes se submetermos os seus responsáveis à justiça, onde quer que se encontrem, se em Guantánamo, no Darfur ou na Bósnia, entre os Sérvios da Bósnia. A justiça só prevalecerá se conseguirmos apresentar esses responsáveis perante o tribunal. Estas são as lições dadas pela história e é por isso que acredito que iniciativas deste tipo por parte da Comissão são interessantes se, no final, nos levarem a formular uma posição anti-totalitária comum.

 
  
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  Francis Wurtz, em nome do Grupo GUE/NGL.(FR) Senhor Presidente, apoiaremos qualquer iniciativa que contribua para a erradicação do racismo e da xenofobia, a promoção dos direitos fundamentais e, por maioria de razão, a condenação sem apelo dos crimes de guerra, dos crimes contra a humanidade e dos crimes de genocídio. Fá-lo-emos seja qual for o tempo e o lugar. Este combate não admite tabus, nem relativamente aos crimes do passado, nem relativamente às tragédias do presente em todo o mundo.

No que respeita à história da Europa, isto aplica-se ao nazismo. Mas também se aplica aos fascismos de Mussolini, de Pétain, de Franco, de Salazar, e também ao dos Coronéis, na Grécia. Estamos também preparados para reiterar uma condenação radical dos crimes atrozes cometidos durante o estalinismo. E não devemos esquecer o que aconteceu durante o período colonial.

A nossa intransigência deve, seguramente, aplicar-se, por maioria de razão, às manifestações racistas, xenófobas, se não mesmo abertamente neofascistas, ainda toleradas actualmente aos mais altos níveis em certos países, tanto novos como antigos, da União Europeia. Há uma única coisa que tem de ser considerada inaceitável, não apenas pelo nosso Grupo, mas por todos aqueles que pagaram pessoalmente a luta contra o pior genocídio da história contemporânea, a saber, a tentativa sub-reptícia de banalizar o nazismo classificando-o numa categoria genérica que inclui, nomeadamente, o estalinismo, ou mesmo os regimes em vigor na Europa Central e Oriental antes da queda do muro de Berlim.

Cito três declarações recentes, entre muitas outras, sobre o assunto; qualquer delas fala por si. Antes de mais, este excerto de uma declaração da União dos Sobreviventes Alemães do Campo de Concentração de Neuengamme. Passo a citar:

(DE) "A Associação Neuengamme sempre se opôs a equiparar o nacional-socialismo ao estalinismo".

em nome do Grupo GUE/NGL.(FR) Em seguida, este comentário proferido pelo Conselho Consultivo dos Antigos Prisioneiros de Buchenwald. Passo a citar: "Aqueles que tentam generalizar distorcem o significado da barbárie nazi na história da Alemanha".

Por fim, as palavras do Secretário-Geral do Conselho Central dos Judeus Alemães, denunciando aqueles que possam estabelecer uma comparação entre a ex-RDA e o regime nazi; passo a citar: "Qualquer tentativa de estabelecer um paralelo entre eles constitui uma relativização da importância da negação de direitos, das deportações e das exterminações em massa de milhões de inocentes – homens, mulheres e crianças – durante a ditadura nazi".

Agradeço-lhes que meditem sobre estes testemunhos.

 
  
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  Bernard Wojciechowski, em nome do Grupo IND/DEM. – (PL) Senhor Presidente, a guerra é uma coisa, a destruição de nações e os crimes contra a humanidade são outra bastante diferente. Nem todas as guerras visam exterminar o perdedor, e uma nação pode ser destruída sem guerra. Frequentemente, um ódio esmagador contra os conquistadores e opressores encheu as almas dos que foram maltratados – foi assim que Aníbal e Mitidrates viram os romanos. Mas isso não é comparável com os sentimentos de ódio nascidos nas almas dos criminosos do Século XX.

A história desse século acabou por ser muito mais do que apenas uma soma de males sofridos por algumas nações. Tornou-se uma adenda à história da humanidade, e da desumanidade. Kant, o filósofo, formulou o seguinte imperativo: “age de modo que consideres a humanidade tanto na tua pessoa quanto na de qualquer outro, e sempre como objectivo, nunca como simples meio”.

A origem do crime de genocídio tem sido frequentemente debatida de forma acesa. Seria preferível perguntar por que razão ninguém evitou esses crimes no momento oportuno. Na política totalitária, tudo era planeado e calculado. A sua primeira prescrição era nada revelar prematuramente, fingir ser amigo até ao último minuto. Refiro isso porque existem hoje, abertamente, grupos para-fascistas e para-comunistas em muitos países. Esta a razão por que foram tão importantes as duas primeiras sessões da Audição Europeia sobre a história dos crimes totalitários. Falemos com franqueza para definirmos claramente aquilo que, em circunstância alguma, poderá ser sujeito ao chamado revisionismo histórico.

O genocídio é um fenómeno que não pode ser contrariado por uma só nação. Tem de ser combatido pela sociedade de todo o mundo civilizado. Esta é uma das razões que tornam esse combate uma missão da União Europeia.

 
  
  

PRESIDÊNCIA: MAURO
Vice-Presidente

 
  
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  Slavi Binev (NI). – (BG) Durante o século XX, juntamente com os regimes totalitários comunistas e nazis, ocorreu outro facto: as atrocidades contra os direitos humanos do povo da Bulgária e da Arménia pelo Império Otomano. Durante quase cinco séculos, sob as ordens do Estado otomano, a violência contra o povo búlgaro ficou marcada por aspectos de genocídio. Uma parte considerável da população búlgara foi levada como escrava, exterminada ou convertida à força ao Islão, o que constitui basicamente uma limpeza étnica intencional. Um outro facto inegável é a deportação forçada e a extinção de mais de um milhão e meio de Arménios pelas autoridades turcas entre 1915 e 1917. Todos estes actos contra Búlgaros e Arménios coincidem totalmente com os elementos de crimes definidos em instrumentos da ONU no domínio da acusação e punição de genocídio. O reconhecimento do genocídio contra Arménios e Búlgaros enviaria à República da Turquia um sinal claro para que assuma a sua responsabilidade e peça perdão pelos cinco séculos de opressão dos Búlgaros e pelos crimes e assassínios em massa cometidos, e para que compense os herdeiros dos refugiados pelo sofrimento e pelos seus bens particulares que lhes foram roubados e que permanecem em território turco.

 
  
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  Christopher Beazley (PPE-DE). – (FR) Senhor Comissário, peço-lhe desculpa, mas fiquei profundamente chocado com a sua introdução a este debate. O senhor explicou-nos que a Comissão tinha realizado um debate desapaixonado sobre esta questão dos crimes contra a humanidade. Falou da complexidade da tarefa e, para concluir, afirmou que a União Europeia não possuía muita competência nesta matéria.

A esposa do seu colega estónio, o Comissário Sim Kallas, que o senhor muito bem conhece, foi deportada por Estaline quando tinha 2 meses, juntamente com a mãe e a avó. Outro colega seu – que vai deixar-nos –, o Comissário Frattini, disse, em resposta ao presidente Landsbergis: "A vossa história – referindo-se ao sofrimento da Lituânia durante o tempo de Estaline – é a nossa história".

Senhor Comissário, talvez, na sua resposta, possa explicar as coisas mais em profundidade, pois se calhar fui eu que compreendi mal. Penso que foi aqui no Parlamento e também no Conselho que se fez muito pela memória dos mortos esquecidos. Porque nós não falamos como políticos; nós dirigimo-nos ao público em geral. Ainda há pessoas a viver hoje em dia na Polónia e nos Países Bálticos que perderam os pais, os avós, de que ninguém se lembra. Não acredito que um debate sobre o sofrimento de 6 milhões de judeus possa ser desapaixonado. Assim, o tempo do debate e a maneira como é conduzido são factores extremamente importantes. Como diria o seu colega, a história da Europa Central e Oriental é também a nossa história. O nosso problema, dos Britânicos e dos Franceses, é que fomos aliados de Estaline no final da Guerra. Foram necessários 30 anos para os Ingleses admitirem que o massacre de Katyń foi um crime de Estaline, não foi um crime de Hitler.

 
  
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  Helmut Kuhne (PSE).(DE) Senhor Presidente, os sociais-democratas foram perseguidos por todos os regimes totalitários e autoritários do século XX, quer pelos nazis quer pelos vândalos de Estaline, Franco ou Mussolini – a lista é longa. É por esta razão que não só não temos qualquer problema com ela como acolhemos favoravelmente uma reavaliação dos crimes cometidos durante o estalinismo. Só nos compete aplaudir esta iniciativa.

No entanto, esta reavaliação deve obedecer às regras de uma metodologia histórica, não devendo ser confundida com as disposições relativas aos procedimentos judiciais. Temos de evitar que estas matérias sejam confundidas. Não se trata de contar vítimas ou de recomeçar um novo processo de Nuremberga; desta vez, trata-se mais de julgar uma ideologia do que de identificar criminosos.

No entanto, existem também pontos aos quais temos de dizer claramente "não", e nós, sociais-democratas, identificamos alguns deles. Dizemos “não” à tentativa de estabelecer um novo quadro de interpretação da história europeia, que surgiu nos discursos proferidos por alguns membros deste Parlamento na conferência de 22 de Janeiro do corrente ano. Somos profundamente contra a visão de que a exterminação dos judeus europeus pelos nazis teve origem numa concepção história que foi desenvolvida pelo regime soviético. Rejeitamos esta posição.

Rejeitamo-la de uma forma ainda mais firme porquanto, em 2006, descobrimos que um outro colega do mesmo espectro ideológico enviou um e-mail, em forma de circular, a todos os membros desta Assembleia, no qual descrevia as duas divisões letãs das Waffen-SS como parte das forças alemãs, desvalorizando, deste modo, o seu papel. Rejeitamos também esta interpretação, especialmente no que respeita à primeira frase. Também rejeitamos a afirmação de que o Ocidente nada fez para mudar o que, na altura, era a região europeia governada pela União Soviética.

Foi a CSCE, em Helsínquia, a primeira a dar aos movimentos dos direitos civis destes países um impulso de vitalidade, o que deu origem ao bem sucedido e feliz resultado que vemos hoje, quando acolhemos calorosamente na nossa Assembleia os representantes desses países. Estes são pontos sobre os quais insistimos e que continuaremos a defender.

 
  
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  Ģirts Valdis Kristovskis (UEN). – (LV) Senhor Presidente, temos o hábito de falar, aqui no Parlamento Europeu, sobre valores comuns, com uma história comum e feita de verdade, mas, por vezes, surgem as incompreensões. Senhor Comissário Barrot, concordo com V. Exa. quando afirma que continua a ser necessário estabelecer a verdade na Europa. O que está aqui em causa é uma reconciliação, mas talvez não com a amplitude que o senhor deputado Cohn-Bendit propôs. Ainda assim, não quero deixar de agradecer ao Senhor Comissário a audiência por ele organizada, na qual pude participar e, em várias ocasiões, fazer uso da palavra. Penso que o debate não foi muito feliz. Infelizmente, faltou-lhe uma declaração clara, decidida e focalizada sobre futuras acções a empreender. Infelizmente, os representantes russos teimaram em desculpabilizar-se dos crimes cometidos pelo comunismo totalitário nos territórios ocupados pela URSS. A reacção da Rússia não constitui surpresa, mas o que pensa fazer a União Europeia? Continuaremos a fazer uso de dois pesos e duas medidas? Irá a UE exigir o reconhecimento dos crimes dos nazis para expiar a negação dos acontecimentos ou a sua chocante banalização nos Estados-Membros? Irá exigir a imposição de penas de até três anos? Irá, simultaneamente, fazer vista grossa aos crimes do regime totalitário da URSS? Algumas das vítimas do regime totalitário soviético continuam vivas, mas a posição da União Europeia não lhes traz qualquer satisfação. Pior ainda, prolonga a sua humilhação. Estamos a falar de cidadãos da UE. O Parlamento Europeu devia insurgir-se contra tal injustiça. Desafortunadamente, vemos repetidamente os grupos políticos a decidirem não apresentar uma resolução sobre esta questão. Sem ela, não podemos ter um registo escrito das ideias hoje aqui expressas. Senhor Comissário Barrot, apelo a que não abandone este importante objectivo e a que pugne antes por um entendimento uniforme e por uma história verdadeira, em nome da reconciliação. Muito obrigado.

 
  
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  László Tőkés (Verts/ALE). – (HU) Senhor Presidente, a revolta anti-Ceauşescu na Roménia teve início na minha igreja. Experimentei de forma dolorosa aquilo que o comunismo realmente é, pelo que é com um sentimento de satisfação que observo que a União Europeia dá, uma vez mais, atenção aos actos criminosos dos regimes totalitários. O mundo continua a perfilhar uma atitude de dois pesos e duas medidas em relação aos casos de crimes contra a humanidade cometidos nas eras do nacional-socialismo e do comunismo. Ao contrário do fascismo, o comunismo continua por julgar. Estes dois tipos de regime ditatorial suprimiram as liberdades, os direitos do Homem e as igrejas. Estropiaram as vidas das respectivas minorias nacionais. O fascismo e o comunismo têm em comum uma tragédia humana e social de enorme magnitude. A reparação política, histórica, humana e moral ainda agora começou, e tem de prosseguir. Atente-se no exemplo da Roménia e no relatório Tismăneanu. É minha convicção que, para concluir a mudança de regime iniciada na Roménia em 1989, se mostra imperioso enfrentar os acontecimentos do passado. A verdadeira integração europeia dos antigos países comunistas exige não apenas a verdade e a reparação, mas também a condenação da ditadura.

 
  
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  Tunne Kelam (PPE-DE). – (EN) Senhor Presidente, tal como o Mar Báltico se tornou um mar interno da UE em 2004, também as experiências históricas dos 10 novos Estados-Membros que sofreram sob o jugo totalitário do comunismo se tornaram um problema totalmente europeu.

Concordo absolutamente com o senhor deputado Cohn-Bendit: precisamos de uma interpretação uniforme ou comum da nossa história comum. Por isso, não está em causa a condenação; está em causa uma avaliação moral e política de todos os crimes. Somos chamados a garantir que todos os crimes contra a humanidade, todos os actos de genocídio e “classicídio” e todos os crimes de guerra sejam tratados de forma igual. A justiça pertence a todos os cidadãos da Europa sem qualquer excepção.

Nesse sentido, fiquei um pouco decepcionado com a declaração da Comissão, pois a sua principal linha de força é a de que a avaliação do totalitarismo comunista é uma questão interna de cada um dos Estados afectados. Receio que isso venha a agravar a duplicidade de critérios, já que, claramente, o nazismo e o fascismo não são considerados assuntos internos de qualquer dos Estados-Membros da UE. Qualquer recrudescimento do neonazismo ou do racismo é visto como uma ameaça directa aos valores comuns da Europa.

Então, o que é preciso fazer? Continuam a existir dezenas de milhões de vítimas dos regimes comunistas, bem como os seus descendentes. A situação, tal como hoje se apresenta, levá-los-á a sentir-se vítimas de segunda ou de terceira classe. O famoso “nunca mais” ainda não está garantido para estas pessoas.

Por fim, não se trata de um problema do passado. A ausência de uma avaliação política e moral continua a moldar o nosso presente e a distorcer o nosso futuro comum. Seria possível imaginar um regresso ao poder da liderança do KGB soviético, ou o reactivar das forças políticas comunistas na Alemanha se tivéssemos feito uma avaliação do sistema soviético no final da Guerra Fria?

 
  
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  Józef Pinior (PSE). – (PL) Senhor Presidente, Senhor Comissário, gostaria de abrir o debate de hoje recordando o líder do Partido Socialista Polaco, Kazimierz Pużak – que poderá ser considerado um símbolo deste debate. Detido pela primeira vez nos primeiros anos do século XX, em 1911, Pużak, o líder do Partido Socialista Polaco, o líder do Partido Socialista na clandestinidade durante a Segunda Guerra Mundial em luta contra o nazismo, e detido novamente pela NKVD em 1945, morreu tragicamente numa prisão estalinista, na Polónia, em 30 de Abril de 1950.

Para nós, Socialistas, a democracia, a luta pelos direitos humanos, pelo Estado de direito e pelos princípios de uma democracia liberal sempre foram o fundamento da política. É esta a nossa herança na Europa. Ao mesmo tempo, Senhor Comissário, dirijo-me a si em particular; a história é hoje, lamentavelmente, sujeita a manipulações, a uma espécie de cruzada ou colonização por parte da direita populista e dos movimentos nacionalistas. Isso gera situações paradoxais em que a direita nacionalista, que reclama a investigação histórica e novos tribunais, se opõe, simultaneamente, a que a Carta dos Direitos Fundamentais faça parte do direito europeu. Na verdade, um paradoxo inacreditável.

Democracia, Estado de direito, democracia liberal, são estas as bases da Europa contemporânea. A unidade da Europa, a Carta dos Direitos Fundamentais, o Estado de direito em todo o mundo, a não aceitação da tortura – é esta a nossa resposta, a qual decorre do legado do século XX: a luta pela democracia, a luta contra todas as formas de ditadura e regimes totalitários.

(Aplausos)

 
  
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  Dariusz Maciej Grabowski (UEN). – (PL) Senhor Presidente, o genocídio está definido no direito internacional, e essa definição assenta na Convenção das Nações Unidas. Como polaco – cidadão de um país afectado pelo genocídio –, considero que essa definição deveria ser alargada em dois aspectos.

Salientaria que, em regra, o objectivo do genocídio é a liquidação do sentimento de identidade nacional, através do extermínio das elites intelectuais e culturais. A Polónia pode servir de exemplo. Durante a Segunda Guerra Mundial, alemães e russos assassinaram na Polónia, em primeiro lugar, a intelligentsia, os professores e o clero. Em segundo lugar, deverá ponderar-se na forma como deveremos punir, ao abrigo do direito internacional, as mentiras históricas, a falsa propaganda e a recusa em reconhecer a culpa pelo genocídio. Exemplo disso é a atitude da Rússia relativamente aos crimes estalinistas e também relativamente ao massacre de Katyń.

##A Polónia apoia a adesão da Ucrânia à União Europeia. No entanto, para que a história não divida mas una, consideramos que a Ucrânia deveria reconhecer os crimes cometidos contra os polacos e os judeus durante a Segunda Guerra Mundial – altura em que morreram mais de 150 mil pessoas.

A União Europeia deverá ser um exemplo de luta incondicional contra o genocídio em todo o mundo. Razão por que, como políticos eleitos pelas nações, deveremos condenar o comunismo como uma ideologia criminosa e um sistema criminoso.

 
  
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  Miguel Angel Martínez Martínez (PSE). – (ES) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, a memória histórica é essencial para o processo de construção europeia. É imprescindível, para o pleno êxito deste processo, entender o que representa a eliminação do nacionalismo, do totalitarismo, da intolerância, da autocracia e da guerra, e o estabelecimento do europeísmo, da liberdade, do respeito, da democracia e da paz enquanto valores que regem a convivência na Europa.

É esta a lição que temos de ensinar aos jovens de hoje: os acontecimentos do passado e o progresso do presente, sem esconder os crimes e os erros que foi necessário ultrapassar e salientando os sacrifícios que isso implicou.

Conhecer a nossa história constitui o antídoto para não voltar a cair na mesma armadilha.

Só conhecendo a verdade, toda a verdade, é que podemos seguir em frente. Devemos denunciar firmemente as barbaridades do nosso passado sem as maquilhar e, menos ainda, sem as falsear; sem cair na lógica maniqueísta da Guerra Fria, identificando o Ocidente com os bons e a Europa de Leste com os maus. Explicaremos que houve democratas e totalitaristas, mas sem esconder que os últimos existiam tanto no Ocidente como na Europa de Leste, igualmente odiosos e criminosos.

Na qualidade de democrata espanhol, sou solidário com os democratas que foram vítimas do estalinismo nos seus países, mas também lhes exijo que mostrem a sua solidariedade para com aqueles que, em Espanha, viveram a opressão e o sofrimento impostos pela ditadura do General Franco.

Entendemos a tragédia dos nossos colegas da Europa de Leste, que passaram de um totalitarismo para outro, mas eles devem também entender a nossa tragédia, que implicou a manutenção da mesma forma criminosa de ditadura e a opressão do nosso povo.

Só conhecendo a verdade, toda a verdade, é que podemos seguir em frente. Recordaremos, por último, que em Teerão, Yalta e Potsdam, Estaline não estava sozinho; as suas decisões foram partilhadas por líderes das potências ocidentais. Por conseguinte, todos tiveram a sua quota-parte de responsabilidade na divisão da Europa e na opressão, repressão e sofrimento que iriam vitimar muitos milhões de europeus, às mãos de um ou de outro regime totalitário.

É verdade que o Centro e o Leste da Europa tiveram uma responsabilidade muito maior pelo estalinismo, mas também é verdade que, para o meu país, essa responsabilidade recaiu sobretudo sobre as democracias ocidentais, que aceitaram a tirania de Franco estabelecida por Hitler e Mussolini como parte do seu mundo livre e foram cúmplices dos seus delitos.

Senhor Presidente, juntos, com a Europa unida, alcançámos muito, e a Europa será tanto mais forte e oferecerá tantas mais garantias de liberdade e de democracia quanto mais a sua construção assentar sobre o conhecimento dos progressos representados pela partilha de um projecto que identifica e repudia o lado obscuro do nosso passado para construir um futuro comprometido com os valores que nos unem.

 
  
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  Mirosław Mariusz Piotrowski (UEN). – (PL) Gostaria de manifestar a minha satisfação pelo facto de ter sido possível realizar o debate de hoje sobre assuntos relacionados com os sistemas totalitários sanguinários. É lamentável que o debate tenha sido tão curto e superficial. O facto de o princípio habitual da aprovação de uma resolução ter sido abandonado dá que pensar.

É igualmente curioso que, a vários níveis na União, seja acima de tudo considerado e referido o nacional-socialismo alemão, popularmente conhecido como nazismo. O socialismo internacional, ou seja, o comunismo, é passado sob silêncio. Estes sistemas estavam ligados não apenas pelas suas raízes comuns, mas também por uma cooperação concreta. O comunismo começa com Rosa Luxemburgo, Liebknecht, Marx, Lenine e Estaline e conduziu à morte planeada de dezenas de milhões de habitantes da Europa Central e Oriental. Muitos crimes sangrentos – por exemplo, o massacre de Katyń – são tabus ainda hoje, não podendo ser chamados pelo seu verdadeiro nome: genocídio.

A construção de uma democracia só é possível se assentar na verdade, incluindo a verdade sobre o totalitarismo comunista anti-humano. A memória e a justiça não são devidas apenas às vítimas dos sistemas desumanos; são devidas, em primeiro lugar, às gerações presentes e futuras a fim de que esta situação não volte a repetir-se.

 
  
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  Libor Rouček (PSE).(CS) Sr. Presidente, o século XX na Europa foi o século dos regimes totalitários e autoritários, do nazismo e do fascismo, do comunismo e da sua mais terrível vertente, o estalinismo, das várias ditaduras de direita em Espanha, Portugal, Grécia e noutros países. Os horrores e crimes que são o legado desses regimes nunca deverão ser esquecidos: portanto, congratulo-me com este debate sobre o passado. No entanto, este debate deveria ter lugar com base em critérios estritamente apartidários, científicos e objectivos. Em nenhuma circunstância deveria ser usado abusivamente para fins políticos; infelizmente, nem sempre é o caso.

Por exemplo, se olharmos para muitos dos novos Estados-Membros da União Europeia, incluindo o meu próprio país – a República Checa – vemos ataques contínuos a tudo o que esteja à esquerda do centro, a tudo o que seja de esquerda. Políticos, jornalistas e supostos historiadores de direita, muitos dos quais foram membros do antigo regime comunista e obtiveram o título de doutor ou engenheiro nos estabelecimentos de ensino do regime comunista, atacam constantemente os partidos sociais-democratas como se fossem uma espécie de partidos comunistas ou pós-comunistas, apesar de terem sido, de facto, os sociais-democratas quem, tanto no seu próprio país como no exílio, combateram o comunismo durante 40 anos. Os sociais-democratas checos morreram nas prisões comunistas; organizaram a primeira revolta anti-comunista que ocorreu em todo o antigo bloco soviético, em Plzeň a 1 de Junho de 1953; estiveram na linha da frente da Primavera de Praga; organizaram a oposição nos anos 1970 e 1980. Eu próprio tive de me exilar, quando um dos meus empregos era como editor da Voz da América. Apesar disto, o Partido Social-Democrata tem sido constantemente acusado de ser um partido pós-comunista.

Senhor Comissário, gostaria por conseguinte de saber o que a Comissão pretende fazer para assegurar que este debate acerca do passado não seja usado abusivamente para fins políticos e ideológicos dos nossos dias.

 
  
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  Justas Vincas Paleckis (PSE). (LT) Senhor Presidente, é fundamental discutirmos os crimes dos regimes totalitários de Hitler e Estaline, e de outros ditadores, de forma franca e sincera, começando pela antiga União Soviética e acabando em Espanha. Os países vizinhos, designadamente a Rússia, a Ucrânia e a Bielorrússia, deviam mostrar-se igualmente dispostos a participar na discussão.

A ocupação e a anexação dos Estados Bálticos, em 1940, tiveram o seu quê de peculiar, dado que se tentou encobri-las sob o manto da libertação social. Este encobrimento foi facilitado pelo facto de, durante cerca de 14 anos, a Lituânia ter estado sob o jugo de um regime autoritário que tinha esmagado a democracia e abolido as eleições livres.

Há um ano, o Parlamento Europeu inaugurou uma exposição em que o Centro de Investigação do Genocídio e da Resistência da Lituânia deu a conhecer dados terríveis. Durante os três anos de ocupação nazi da Lituânia, foram assassinadas 240 mil pessoas, de entre as quais 200 mil eram judeus. No decurso dos mais de 47 anos de ocupação da União Soviética, cerca de 80 mil lituanos pereceram às mãos dos organismos de repressão, no exílio ou em campos de trabalhos forçados. Importa revelar à Europa a dor e a tragédia incomensuráveis que estão por trás destes números.

Os actos e os princípios de Estaline e de outros líderes comunistas que instigaram o extermínio de milhões de pessoas em nome da luta de classes foram de natureza criminosa. O movimento comunista subsistiu durante 160 anos e assume diferentes facetas em diferentes países. No entanto, todos os regimes comunistas eram antidemocráticos. Ao mesmo tempo, com o eurocomunismo a ganhar força, a resistência às ordens de Moscovo foi-se intensificando. Permitam-me recordar aqui os nomes de Imre Nagy e Alexander Dubček, bem como as tentativas de vários comunistas de escaparem a um círculo vicioso de dogmas e crimes, implacavelmente reprimidas por outros membros dos partidos comunistas. Podem os líderes do Partido Comunista da União Soviética, tais como Estaline, Khrushchev, Brezhnev e Gorbachev, ser todos metidos no mesmo saco? O sistema ditatorial de partido único não soçobrou graças apenas aos esforços dos dissidentes, nem à pressão exercida pelo Ocidente, mas também, e acima de tudo, às actividades de membros dos partidos comunistas que porfiaram no sentido da mudança, da democracia e do respeito pelos direitos do Homem.

Duvido que alguma vez a UE venha a ter uma política histórica comum. Todavia, é importante conhecermos o passado de cada país para podermos valorizar a democracia e adoptar uma visão mais luminosa do futuro.

 
  
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  Zita Pleštinská (PPE-DE). – (CS) Este é um dia importante, um dia de satisfação moral para todas as vítimas de regimes totalitários. O meu pai, Štefan Kányai, passou nove anos e meio num Gulag russo. No seu livro, descreve a esmagadora realidade da crueldade do estalinismo, algo que devemos recordar! Agradeço-vos em seu nome.

Agradeço-vos também em nome do Bispo Ján Vojtaššák, de Monsenhor Viktor Trstenský, de Štefan Putanko, de Štefan Janík e de milhares de outros filhos corajosos da nação eslovaca que foram vítimas do comunismo.

O padre eslovaco František Dlugoš escreveu o seguinte num dos seus livros: “Investigar os acontecimentos que ocorreram nos 40 anos de regime comunista, descobrir o destino das pessoas, significa revelar a alma da nação”. Na sequência do debate de hoje, posso acrescentar que significa “revelar a alma da Europa”.

Congratulo-me com este debate, já que analisar este período ímpar e os acontecimentos que nele tiveram lugar pode ser extremamente benéfico para nós, agora e no futuro.

 
  
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  Danutė Budreikaitė (ALDE).(LT) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, pela primeira vez na história da UE, e sob o impulso dos debates sobre a avaliação dos regimes totalitários ao nível da UE, tenta-se levar as pessoas a olharem para os crimes do comunismo e do nazismo como actos de terror de regimes totalitários que causaram danos em vários países e nos seus povos. A condenação pública dos crimes do comunismo, colocando-os ao mesmo nível dos cometidos pelos nazis, teria um impacto positivo nas esferas do direito, da educação e da cultura da UE.

Os crimes cometidos pelos regimes nazis europeus foram mundialmente condenados, com os partidos nazis a serem proibidos e a propaganda nazi a ser punível por lei. Em contrapartida, os danos infligidos pelos regimes comunistas ainda não foram devidamente apurados. Alguns países europeus continuam a ter partidos comunistas legalizados.

A Lituânia exorta os Estados-Membros da UE a procederem à elaboração de relatórios oficiais sobre os danos causados pelos crimes cometidos por regimes totalitários, nomeadamente pelo estalinismo, e a solicitarem à herdeira das obrigações da União Soviética – a Federação Russa – uma compensação pelos mesmos. A Lituânia avaliou os danos infligidos durante meio século de ocupação soviética em 80 mil milhões de litas lituanas. A Europa devia demonstrar a sua solidariedade exigindo aos responsáveis por tais danos que compensem os Estados-Membros da UE, à semelhança dos perpetradores dos crimes do nazismo.

 
  
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  Jacques Barrot, Vice-Presidente da Comissão. – (FR) Senhor Presidente, gostaria de agradecer a todos os deputados que intervieram neste debate, que representa claramente uma fase crítica. Ouvimos testemunhos particularmente comoventes sobre um passado que alguns de vós viveram pessoalmente.

Gostaria apenas de dissipar um equívoco. Dirigindo-me em particular ao senhor deputado Beazley, penso realmente que houve um mal-entendido. O meu discurso tinha-me sido preparado, mas reconheço que posso ter sido mal compreendido. Todos os Estados-Membros têm responsabilidades, isso é claro. Mas a União Europeia tem, evidentemente, de assumir também as suas próprias responsabilidades. Queremos a verdade, queremos toda a verdade, e se a Comissão lançou o debate – foi o meu colega Franco Frattini quem abriu o debate na audição –, foi precisamente porque queremos ir até ao fundo dessa verdade. Isso tem de ficar muito claro. Queremos não só que cada Estado-Membro se sinta individualmente responsável por honrar esse dever de memória, mas também que todos os cidadãos da União se sintam solidários e envolvidos nos trágicos acontecimentos que tiveram lugar em alguns dos nossos Estados-Membros. A este respeito, gostaria de dizer – e disse-o, de facto, no meu discurso de abertura – que tenho consciência de que, nomeadamente no Ocidente, nem sempre tínhamos plena noção das atrocidades e dos crimes hediondos que sofreram os nossos amigos dos Estados-Membros que estiveram sujeitos a diversas formas de ocupação e viveram a ocupação estalinista.

Assim, vim aqui hoje pessoalmente para lhes garantir que a Comissão irá continuar este debate e irá lançar as bases, nomeadamente, para o estudo que vamos desenvolver com vista a verificar como é que as diversas legislações e práticas foram de facto aplicadas nos Estados-Membros para recordar os crimes totalitários.

Evidentemente que a declaração do Conselho não se refere especificamente aos crimes de Estaline e fala de uma forma geral dos regimes totalitários. Mas ressalta claramente do contexto em que esta declaração foi adoptada, nomeadamente tendo em conta os Estados-Membros que estiveram na sua origem, que a questão de recordar os crimes estalinistas está bem no centro deste processo. Penso que isto tinha de ser dito, e eu próprio, quando abri este debate, insisti no carácter absolutamente inaceitável de todas as formas de totalitarismo, de todos os regimes totalitaristas que negaram o ser humano e os seus direitos fundamentais. A este respeito, aliás – e alguns dos senhores deputados já frisaram este ponto –, o conhecimento das experiências de outros regimes totalitários pode ser útil para identificar os métodos que permitiram, precisamente, esses excessos e essas barbáries que os senhores condenaram.

Creio, portanto, que esse estudo deve ser muito abrangente e que não devemos, evidentemente, excluir qualquer forma de totalitarismo. E este debate também não deve dar oportunidade para uma exploração política. A Comissão está, naturalmente, consciente desse risco, mas o silêncio da União Europeia sobre o trágico passado de alguns dos seus Estados-Membros apenas serviria para aumentar tal risco e criar uma clivagem profunda entre os antigos e os novos Estados-Membros. É por isso que devemos avançar juntos.

Assim, Senhor Presidente, porquê tudo isto? Porque temos de evitar, efectivamente, todas as formas de revisionismo e todas as mentiras históricas.

Em segundo lugar, mantendo a memória viva, devemos prevenir e evitar o retorno de tais totalitarismos. Por fim, temos uma dívida de reconciliação, que está claramente associada a esta abordagem. Contudo, gostaria de repetir que devemos olhar para a frente, para o futuro, e houve quem salientasse a necessidade de avançarmos para um direito europeu muito vinculativo destinado a evitar definitivamente o regresso desse passado.

Gostaria de lhes garantir, Senhoras e Senhores Deputados, que, independentemente destas parcas palavras de resposta, estou pessoalmente convencido de que nós, Europeus, possuímos um dever colectivo de solidariedade para estabelecer a verdade, a nossa verdade de Europeus, sem excluir ou minimizar os crimes cometidos pelos diversos regimes totalitários. A este respeito, creio que os nossos amigos da Europa de Leste têm de compreender, em particular, que estamos empenhados em descobrir a verdade e não descansaremos enquanto não a soubermos.

 
  
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  Presidente. – Está encerrado o debate.

Declarações escritas (Artigo 142.º)

 
  
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  Lasse Lehtinen (PSE), por escrito. (FI) Senhor Presidente, a dádiva mais preciosa que temos ao analisarmos a História são os acontecimentos que conhecemos – os factos. Quanto mais factos conhecermos, melhor. A interpretação é sempre um processo separado. Todas as pessoas deveriam ser capazes de examinar e interpretar os acontecimentos que ocorreram; esse é um dos ingredientes da liberdade de expressão. A história política raramente pode ser simétrica em termos do seu conteúdo, mas há que fazer um esforço nesse sentido. Ainda há muitas áreas por explorar na História recente, graças em parte ao politicamente correcto. As ditaduras e os ditadores merecem um tratamento muito especial. Os crimes dos nazis não merecem nenhuma compreensão, mas o comunismo também não deve ganhar pontos extra.

 
  
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  Marianne Mikko (PSE), por escrito. (ET) Em 8 de Abril, a audiência pública realizada pela Presidência eslovena e pela Comissão Europeia abordou um tópico extremamente importante para a União Europeia.

No séc. XX, a Europa perdeu milhões de intelectuais e cidadãos empreendedores por causa dos regimes totalitários. As feridas que foram infligidas à nossa história ainda não sararam.

O ditador da União Soviética, Joseph Estaline, fez desaparecer do mapa a minha pátria e os outros Países Bálticos. Durante meio século não nos foi permitido ter os nossos próprios hinos ou bandeiras nacionais, e a nossa capital era Moscovo.

O estalinismo e o nazismo evoluíram em conjunto e dividiram a Europa com uma cortina de ferro. A brutalidade de Hitler e de Estaline não conhecia quaisquer fronteiras nacionais.

Como social-democrata, condeno as ditaduras, qualquer que seja a forma que adoptem. Sublinho também que o estalinismo e o nazismo serviram como exemplos directos para outras ideologias totalitárias.

Metaxas, Franco, Mussolini, Salazar e uma hoste de ditadores de menor importância perpetraram os seus próprios crimes, seguindo a brutalidade de Hitler e Estaline. O alcance desses crimes permaneceu dentro das fronteiras dos seus próprios países e, por essa razão, os países em causa deveriam ser responsáveis por determinar o verdadeiro custo.

A sensibilização e o estudo da história de uns e de outros é essencial para que os cidadãos dos países da Europa possam começar a desenvolver uma sensibilização para o facto de que, também eles, são cidadãos europeus. Precisamos de uma avaliação, fundamentada em valores partilhados, dos crimes cometidos pelo Partido Comunista da União Soviética e pela KGB.

Em breve terão passado setenta anos desde a conclusão do Pacto Molotov-Ribbentrop. As atrocidades do aparelho de coacção de Estaline ainda não são encaradas sob o mesmo prisma da máquina de guerra de Hitler.

Como primeiro passo a favor de uma abordagem comum relativamente à História, apelaria aos nossos governos para que designem 23 de Agosto como o Dia Europeu de Recordação das Vítimas do Estalinismo e do Nazismo.

 
  
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  Katrin Saks (PSE), por escrito. (ET) Infelizmente, é um facto que, apesar de praticamente todos os ocidentais terem conhecimento dos campos de concentração da Alemanha nazi, a maioria deles nada ouviu sobre os gulags. Um inquérito realizado recentemente na Suécia entre jovens dos 15 aos 20 anos de idade revelou que os seus conhecimentos básicos sobre o comunismo são muito fracos, quase inexistentes. Um estudo revelou que 90% dos suecos nunca ouviram falar dos gulags, enquanto 95% sabiam o que foi Auschwitz.

Infelizmente, o meu pai teve a experiência de ambos os tipos de campos e, por esse motivo, não posso aceitar a ideia de que o sofrimento sob o regime soviético possa ser considerado de segunda categoria, como se houvesse medo de que falar disso pudesse reduzir a importância dos crimes do nazismo. Há que mudar essa atitude. Esta nem sempre é uma questão muito fácil para o Grupo Socialista no Parlamento Europeu, dado que alguns dos partidos que o compõem têm um passado comunista. Assim, a sensibilização no seio do Grupo Socialista torna-se ainda mais importante.

Lembro-me de debates sobre esta mesma questão quando a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, da qual eu era membro, condenou os crimes do comunismo há alguns anos atrás. Na altura, fui uma das únicas pessoas que usou da palavra e, graças obviamente ao facto de haver tantos países naquela organização com experiência do regime soviético, foi conseguida uma condenação muito mais rapidamente do que no Parlamento Europeu.

Estou absolutamente convencida de que, se a União Europeia abraça verdadeiramente os valores que ela própria declara, terá de exprimir com muita clareza a sua atitude relativamente ao passado em termos desses valores. Não se trata de rescrever o passado, como têm afirmado alguns críticos desta questão. Trata-se de estabelecer a verdade histórica.

 
  
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  Andrzej Tomasz Zapałowski (UEN), por escrito. (PL) No século XX, a Europa assistiu a muitos actos de genocídio. Fala-se muito, e frequentemente, de alguns desses actos, enquanto outros passam sob silêncio. Na imprensa lemos mais frequentemente acerca dos genocídios nazi e comunista.

Um dos actos de genocídio sobre o qual existe um permanente silêncio é o assassinato de centenas de milhar de judeus polacos e ucranianos em solo polaco, sob ocupação alemã, durante a Segunda Guerra Mundial, perpetrados por nacionalistas ucranianos do chamado Exército Insurgente Revolucionário da Ucrânia. Uma parte significativa das altas patentes deste exército serviu previamente em unidades nazis das SS. Este genocídio tinha características de genocidum atrox, assassinato selvagem, perpetrado com extrema crueldade. Toda a população de um território específico foi aniquilada. As vítimas foram assassinadas e os seus corpos despedaçados e desmembrados. Actualmente, há pessoas que participaram nestes massacres e que pedem estatuto de ex-combatentes na Ucrânia.

Gostaria de salientar que nada pode justificar o genocídio, nem mesmo a tentativa de se obter a liberdade e a soberania para a própria nação.

 
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