Presidente. – Seguem-se na ordem do dia as declarações do Conselho e da Comissão sobre a violência na República Democrática do Congo.
Cecilia Malmström, Presidente em exercício do Conselho. – (SV) Senhor Presidente, a Presidência atribui grande importância à necessidade de discutir com o Parlamento Europeu a situação muito problemática que se vive na República Democrática do Congo. As violações dos direitos humanos e a explosão da violência sexual e de género, em particular, constituem um enorme problema. É mais que tempo de debatermos a situação neste país, designadamente à luz do recente relatório da ONU. O relatório do grupo de peritos da ONU salienta que uma série de grupos armados activos no país em causa é apoiada por uma bem organizada rede que está parcialmente baseada em território da União Europeia.
Não preciso de recordar aos senhores deputados o empenhamento de longa data da UE na República Democrática do Congo e em toda a região africana dos Grandes Lagos. Há muito que a UE vem desenvolvendo esforços com vista a proporcionar paz e estabilidade a este país. É importante que esse empenhamento persista, tanto no plano político como no da promoção do desenvolvimento. Estou certa de que a Comissão se irá pronunciar sobre este assunto.
O apoio da UE revestiu várias formas, incluindo a designação para a região do seu primeiro Representante especial, logo em 1994. Foram utilizados instrumentos quer militares quer civis da PESD. Tivemos a operação Artemis na província de Ituri, a operação militar da UE (EUFOR) de apoio à MONUC durante o processo eleitoral de 2006, assim como a EUSEC RD Congo para a reforma das forças de defesa e a EUPOL RD Congo para a reforma da polícia. Pesando tudo isso, houve desenvolvimentos positivos e negativos. As relações diplomáticas entre a República Democrática do Congo e o Ruanda foram reatadas. Isso é de saudar. Em 2008 e 2009, foram assinados acordos de paz com a maioria dos grupos armados em actividade na região Oriental do país. Esses acordos não foram aplicados.
A situação é instável a muitos títulos. Numerosos grupos armados do Leste estão a ser integrados no exército, e sobre esse trabalho de integração paira alguma incerteza. Prosseguem as operações militares contra outros grupos armados, incluindo as FDLR e o Exército de Resistência do Senhor. Esses grupos são directamente responsáveis por ataques dirigidos contra civis e por um enorme cortejo de sofrimento humano. Entretanto, está a assistir-se ao ressurgimento de grupos armados noutras partes do país. Na região Oriental o direito internacional e os direitos humanos continuam a ser violados. Há altos índices de homicídio, actos de violência e ataques sexuais. Estes crimes estão a propagar-se por todo o país de modo alarmante, apesar do anúncio pelo Presidente Joseph Kabila da adopção de uma política dita "de tolerância zero".
A exploração ilegal de recursos naturais é outro problema de vulto. É importante assegurar o legítimo controlo nacional das grandes jazidas de minerais, tanto para granjear receitas de que o Estado está altamente carecido como para privar os grupos armados clandestinos da sua base de sustentação económica. O Conselho está também preocupado com o processo de preparação e organização das eleições locais que estão programadas. Problemas de gestão, insuficiente transparência e infracção de direitos de cidadania e políticos constituem sérios entraves ao processo de democratização.
Atendendo a que continua a existir um grande número de problemas significativos que suscitam séria apreensão, o Conselho tomou uma posição dura acerca das graves violações do direito internacional e dos direitos humanos nos Kivus do Norte e do Sul. O Conselho condenou recentemente esses actos nas suas conclusões e salientou que o Governo da República Democrática do Congo tem o dever de assegurar que todos os responsáveis compareçam perante a justiça.
A UE está firmemente apostada em continuar a contribuir para proporcionar paz, estabilidade e desenvolvimento à população do país. Nesse plano, a reforma do sector da segurança é crucial para a estabilização do país. Todos os intervenientes desse sector, incluindo as autoridades congolesas, devem empenhar-se em salvaguardar efectivamente o interesse comum na reforma do sector da segurança. Devemos ainda encorajar a consecução de progressos concretos contínuos no capítulo das relações regionais, através do reforço das parcerias políticas e económicas entre os países da região.
Posso afiançar-vos que o Conselho e a União Europeia honrarão o seu compromisso de acção em prol da República Democrática do Congo e estão preocupados a respeito do seu futuro. Manteremos o elevado grau de empenhamento actual neste país e continuaremos a tomar uma posição muito clara, sempre que o direito internacional e os direitos humanos sejam violados. Estamos muito gratos ao Parlamento Europeu pelo papel construtivo que tem desempenhado nesta questão e pela sua persistência, e estou desejosa de ouvir as opiniões dos senhores deputados neste debate.
Karel De Gucht, Membro da Comissão. – (FR) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, há coisa de um ano, a situação em Goma, cidade sitiada por tropas do CNDP, liderado por Laurent Nkunda, constituía a principal preocupação das autoridades congolesas e da comunidade internacional.
Envidaram-se todos os esforços para evitar o pior. A conclusão de um acordo político, primeiro entre a RDC e o Ruanda, e depois entre o Governo congolês, o CNDP e os demais grupos armados, permitiu, desarmar a bomba-relógio da violência no imediato, embora o seu potencial de desestabilização permaneça intacto. Permanece intacto, porque as causas que lhe estão subjacentes foram abordadas de forma superficial apenas e numa óptica estritamente política e de curto prazo. Obrigada a optar entre vários males, a comunidade internacional escolheu o menor; isto não é uma crítica, mas a verificação de um facto óbvio.
A comunidade internacional e a União Europeia não foram capazes de tomar a decisão de deslocar para a região uma força de protecção. Os reforços da MONUC cujo envio reclamamos há mais de um ano, já, só agora começam a chegar. O recente relatório do grupo de peritos independentes das Nações Unidas e o da organização Human Rights Watch traçam um retrato negro da situação presente, que não pode ser ignorado ou passar em claro.
É tempo de abordarmos e tratarmos as causas subjacentes, e encontrarmos soluções duradouras. Para se fazer isso, porém, é necessária a cooperação de todas as partes – cooperação, em primeiro lugar, dos governos congolês e ruandês e, em segundo lugar, da MONUC, das Nações Unidas, do resto da comunidade internacional e da União Europeia.
Não há dúvida de que o rapprochement político e diplomático entre o Ruanda e a RDC pode ser benéfico para efeitos de estabilização da região e, havendo vontade de ambas as partes, pode contribuir para a criação de uma situação de coexistência pacífica e frutuosa entre os dois países no quadro de uma Comunidade Económica dos Países dos Grandes Lagos revitalizada.
Contudo, isso é apenas o início de um longo e espinhoso processo. A questão da FDLR é central, à semelhança de todas as problemáticas que lhe estão associadas e que complicam a situação: a exploração ilegal de recursos naturais; a ausência de protecção das minorias; a impunidade de uma vasta área sem lei em que as autoridades públicas não só são incapazes de assegurar o controlo do território, como integram representantes que são amiúde parte do problema.
O acordo Ruanda-RDC criou condições para que fosse possível controlar temporariamente o CNDP e as exigências inaceitáveis de Laurent Nkunda. O acordo resultou simplesmente na substituição de Laurent Nkunda por Bosco Ntaganda, que é mais maleável e está mais disposto a chegar a um compromisso em troca da concessão de imunidade, solução que viola todas as normas internacionais relativas à prática de crimes contra a Humanidade e que nem o Ruanda nem a RDC têm o direito ou a possibilidade de lhe oferecer.
Até à data, a precipitada integração do CNDP num exército tão inepto e caótico como o das FARDC; a obtenção por Bosco Ntaganda de uma autonomia reforçada, em resultado da implantação de uma cadeia de comando paralela no interior da FARDC, a que a irregularidade no pagamento dos soldados e a ausência de qualquer espécie de disciplina ou hierarquia proporcionam um terreno propício; a insuficiência do controlo e acompanhamento do apoio da MONUC às operações militares contra as FDLR; e a falta de resposta às reivindicações das minorias ruandófonas são factores susceptíveis de gerar problemas ainda mais sérios que aqueles que enfrentámos há um ano – problemas a que nem o Ruanda nem a RDC será capaz de fazer frente por mais tempo.
A situação praticamente não melhorou, neste quadro: a crise humanitária não dá quaisquer sinais claros de abrandar, o mesmo acontecendo com as violações dos direitos humanos, a revoltante vaga de violência, na verdade, de atrocidades sexuais, a impunidade de toda a casta de crimes e a pilhagem dos recursos naturais. Basta ler os relatórios das Nações Unidas e da Human Rights Watch que citei para se entender a magnitude desta tragédia sem fim. É óbvio que as acções tendentes a impedir as FDLR de praticar malfeitorias devem continuar, mas não a qualquer preço, não sem antes se fazer tudo o que é necessário para minorar os riscos que a pressão militar acarreta para os civis inocentes.
Isso requer um melhor planeamento, redefinição das prioridades e uma maior protecção das populações pela MONUC, que é a principal missão prevista no respectivo mandato. As condições em que a MONUC pode actuar devem igualmente ser claras e inequívocas. Não se pretende a retirada ou desmobilização da MONUC. Uma retirada precipitada da MONUC seria calamitosa, na medida em que criaria um vazio ainda maior: os recentes acontecimentos na região do Equador, que são, essencialmente, um sintoma mais do mal do Congo, provam-no.
Claramente, é importante também pôr cobro à conivência política e económica de que as FDLR continuam a beneficiar na região e noutras partes do mundo, incluindo os nossos Estados-Membros. A campanha das FDLR não é uma campanha política, mas uma empresa criminosa de que a população congolesa é a principal vítima, e todos os que lhe estão directa ou indirectamente associados devem ser tratados em conformidade. É por isso que urge tomar uma posição mais enérgica contra todas as formas de tráfico. Ao mesmo tempo, para lá do processo de desarmamento, desmobilização, repatriamento, reintegração e reinstalação (DDRRR), as autoridades ruandesas e congolesas têm de ser mais perspicazes na forma de lidarem com indivíduos que não são forçosamente criminosos.
Dito isso, a solução para uma grande parte do problema tem também de ser encontrada na RDC. Estou a pensar, naturalmente, nas origens locais do conflito. A este propósito, é necessário aplicar cabalmente os acordos de 23 de Março, sob pena de, mais cedo ou mais tarde, as frustrações das populações locais acabarem por vir ao de cima. Isto é absolutamente essencial, para que os esforços de estabilização e a vontade de relançar a actividade económica nos Kivus possam dar frutos. Nesse ponto, a comunidade internacional terá realmente um papel a desempenhar.
Contudo, a questão dos Kivus à parte, estou a pensar também no enorme caos que se instalou na RDC ao longo da última vintena de 20 anos. É um país em que tudo, praticamente, necessita de ser reconstruído, a começar pelo Estado, cuja ausência está no centro de todos os problemas.
Para se concretizar tal missão, determinados elementos são cruciais. Primeiro, importa consolidar a democracia. Estou a pensar, naturalmente, nas eleições locais, legislativas e presidenciais anunciadas para 2011. As eleições são um elemento constituinte da democracia, mas não nos podemos esquecer a necessidade de continuar a apoiar as instituições e forças políticas numa relação dialéctica com a oposição. Sem isso, não teríamos um sistema político genuinamente aberto.
O segundo elemento é, sem dúvida, a necessidade de elevar a qualidade da governação. É certo que a RDC, dada a dimensão dos seus problemas, não pode fazer tudo à uma, mas isso não invalida que deva demonstrar uma vontade política sólida, para ter hipóteses de sucesso. O Parlamento suscitou o problema da impunidade. Trata-se de um bom exemplo, pois é uma questão de vontade política e que também se prende com o problema global da afirmação do primado do direito. O ponto é que as coisas não podem ser resolvidas isoladamente. O primado do direito supõe também uma reforma do sector da segurança e progressos efectivos no plano da governação económica.
A escala dos desafios implica a necessidade de políticas de longo prazo. Todavia, isso não deve funcionar como desculpa para a ausência de acção imediata. Estou a pensar, em particular, nas questões da violência sexual e dos direitos humanos, que o Parlamento destacou. A vontade política pode ter um papel crucial aqui e, a este propósito, cumpre-nos saudar o compromisso assumido pelo Presidente Laurent Kabila de adoptar uma abordagem de tolerância zero. Essa abordagem tem, agora, de ser posta em prática.
A Comissão, que, diga-se de passagem, tem já muito trabalho em curso nesta área (apoio ao poder judicial, auxílio às vítimas), está pronta a continuar a apoiar a RDC. Nesse contexto, manifestei também o meu desejo de que o Tribunal Penal Internacional e a Comissão colaborem de modo mais estreito, na prática, em matéria de combate contra a violência sexual.
Um sistema democrático consolidado, boa governação e vontade política: tais são os elementos-chave em que gostaríamos de alicerçar a nossa parceria, em pé de igualdade, com a RDC.
Filip Kaczmarek, em nome do Grupo PPE. – (PL) Senhor Presidente; todos os jornalistas que escrevem sobre a África, praticamente, gostariam de ser o próximo Joseph Conrad. É por isso que se concentram, em geral, nos aspectos negativos, porque andam em busca do coração das trevas.
Contudo, o Congo não tem de ser o coração das trevas. Pode ser um país normal. Na África há países normais, em que as riquezas naturais estão ao serviço da população, as autoridades públicas se preocupam com o bem comum, as crianças vão à escola, e o sexo é associado ao amor e não a violações e violência. Estou seguro de que a chave para o sucesso nos Kivus, e no Congo no seu todo, está na qualidade da governação. Sem um governo democrático, justo, honesto e eficiente, não é possível alcançar a paz e a justiça. Sem um governo responsável, as riquezas do país aproveitam apenas a uns quantos, os dirigentes olham pelos seus interesses, as escolas ficam desertas e a violência torna-se parte do dia-a-dia.
Eu recordo-me do optimismo de 2006. Eu próprio exerci funções de observador nas eleições, e todos nos sentimos satisfeitos por, após um lapso de 40 anos, se realizarem eleições democráticas naquele grande e importante país. No entanto, o nosso optimismo viria a revelar-se prematuro. Dificilmente podemos deixar de nos interrogar acerca das razões por que isto se deu, e por que as eleições não trouxeram uma vida melhor ao Congo. A meu ver, é uma questão de dinheiro, como o afirmaram a Senhora Ministra Cecilia Malmström e o Senhor Comissário De Gucht. Eles falaram da utilização ilegal dos recursos e de como ela serve para financiar o armamento, que por sua vez permite prosseguir e agudizar o conflito. Se formos capazes de pôr fim a isso, ficaremos mais perto do nosso objectivo.
Michael Cashman, em nome do Grupo S&D. – (EN) Senhor Presidente, agradeço ao Senhor Comissário a sua declaração, que sem dúvida me tranquiliza.
Permita que lhe diga, Senhor Comissário, que estou absolutamente de acordo consigo: não podemos retirar; não podemos criar um vazio, porque já existe um vazio, um vazio de vontade política, e precisamos de liderança política para resolver a situação de harmonia com as obrigações internacionais e com o primado do direito.
Permita-me que me fixe na realidade dos factos. Desde 1998, perderam a vida mais de 5 000 400 pessoas neste conflito, que, indirecta ou directamente, está na origem de 45 000 mortes por mês.
Os dados disponíveis apontam para um número de deslocados internos da ordem do 1 460 000, a maioria dos quais expostos a violência, e permitam-me que dê voz àqueles que não têm voz, aos que são vítimas da violência. Os protagonistas dos conflitos armados na República Democrática do Congo (RDC) têm perpetrado actos de violência de género sob várias formas, incluindo a escravatura sexual, raptos, recrutamento forçado, prostituição forçada e violação. O universo das vítimas congolesas de violência sexual engloba mulheres, homens e rapazes que também sofreram violação, humilhação sexual e mutilação genital.
Já aprovámos inúmeras resoluções. É hora de exigirmos, no plano internacional, que se ponha fim a essas atrocidades.
Louis Michel, em nome do Grupo ALDE. – (FR) Senhor Presidente, Senhora Ministra Cecilia Malmström, Senhor Comissário, Senhoras e Senhores Deputados, como é do vosso conhecimento, sempre segui de perto a marcha dos acontecimentos na região Oriental da República Democrática do Congo. Apesar dos auspiciosos progressos feitos graças ao recente rapprochement entre o Ruanda e a RDC – rapprochement sem o qual não haverá solução no Leste e que deve, consequentemente, ser consolidado – e apesar dos acordos de 23 de Março entre Kinshasa e o grupo rebelde congolês, de que falou o Senhor Comissário, a situação no Leste continua a inspirar grande preocupação.
Gostaria de tecer sete observações. A primeira é que, seguramente, não será possível estabelecer a paz no Leste do Congo enquanto não se impedirem as FDLR de qualquer actuação nefasta. Infelizmente, as maiores vítimas da pressão militar que a RDC está actualmente a exercer, e que visa apartar esses extremistas das suas bases e das suas fontes de receita, são as populações civis, que são vítimas de danos colaterais, mas também da condenação de alguns e dos actos de violência de outros.
Esse risco era previsível e, como observou o Senhor Comissário, as capacidades da MONUC precisavam de ser reforçadas desde o início, visto que ela continua ainda hoje a enfermar de graves limitações e a não ter os recursos adequados para dar resposta a todas as solicitações, e que a sua organização no terreno nem sempre é a ideal.
Embora devamos exigir um maior grau de coordenação e um reforço dos efectivos e da sua actividade no terreno, seria arriscado estar a emitir juízos ou comentários sobre a MONUC, passíveis de serem usados por determinadas forças nefastas como pretexto para demonizá-la. Isso seria, claramente, ainda mais grave.
Outro ponto prende-se com os actos de violência praticados pelas FARDC. O contexto de guerra não pode, evidentemente, ser invocado como justificação de tais condutas, pelo que saúdo a decisão adoptada pelas Nações Unidas de deixar de fornecer apoio logístico às unidades congolesas que não respeitem os direitos humanos. A política de tolerância zero recentemente introduzida pelo Presidente Laurent Kabila é, claramente, de saudar, mas se ela é respeitada e aplicada ou não, já é outra questão.
As deficiências do sistema judicial congolês estão a gerar um sentimento generalizado de impunidade. É por isso que eu encorajo os esforços desenvolvidos pela Comissão, em regime de cooperação estreita com determinados Estados-Membros da UE, no sentido da reabilitação do sistema judicial, incluindo no Leste.
Para concluir, a minha observação final: o que continua a ser necessário reedificar no Congo é um Estado de direito com verdadeiros poderes de governação. Hoje, esses poderes não existem de todo em todo, o que dá origem a um vácuo muito grave.
Isabelle Durant, em nome do Grupo Verts/ALE. – (FR) Senhor Presidente, Senhora Malmström, Senhor Comissário; como afirmaram ambos, a situação na região do Kivu é altamente preocupante, apesar da presença de quase 20 000 militares da MONUC.
As populações civis e, em particular, as mulheres são as maiores vítimas das estratégias empregadas pelos grupos armados e até, como alguém notou, por certas unidades do exército congolês, que transformaram a violação indiscriminada numa arma de guerra. Acresce que, o mês passado, um grupo de mulheres congolesas veio a este Hemiciclo recordar-nos essa realidade – e muito bem –, com o objectivo de assegurar o nosso apoio à luta contra essa escandalosa estratégia.
A pilhagem de recursos, como bem notou, Senhor Comissário, é outro factor que está a exacerbar este conflito. Concordo com o que foi dito há pouco: é muito perigoso desacreditar a MONUC, desacreditá-la escusadamente, apontá-la como única responsável pela situação aos olhos das populações, que já estão exaustas de tantos anos de guerra e massacres.
Subscrevo inteiramente a ideia de que não é o mandato da MONUC que tem de ser revisto e que ela, obviamente, não deve ser convidada a retirar. O que tem de ser revisto são as normas de actuação, as suas directrizes operacionais, para que ela não possa de modo algum ser associada com ou dar apoio a unidades congolesas que integrem nas suas fileiras homens que violem os direitos humanos ou pratiquem actos de violência.
Às autoridades congolesas, por seu lado, também cabe uma grande responsabilidade nesta luta contra a impunidade dos actos de violência sexual, crimes que, poderia eu acrescentar, deveriam ser julgados pelo Tribunal Penal Internacional. As mesmas autoridades devem igualmente certificar-se de que os soldados são imediatamente acantonados. Se eles se encontrassem acantonados em quartéis, as coisas seriam certamente diferentes.
Por último, penso que devemos regressar ao programa Amani. Esse programa propicia a possibilidade de estabelecer o diálogo e a paz em qualquer lugar, uma vez que são eles os únicos garantes de uma reconstrução duradoura. Como quer que seja, saúdo a sua intervenção, que me merece um amplo apoio, e espero que a União Europeia permaneça activa. Isso é crucial, embora, lamentavelmente, ela não haja querido constituir uma força própria. Teria sido possível fazê-lo há pouco menos de um ano. Não obstante, acredito que a acção da União Europeia é crucial.
Sabine Lösing, em nome do Grupo GUE/NGL. – (DE) Senhor Presidente, em nenhum país do mundo houve até hoje mais operações no âmbito da Política Europeia de Segurança e Defesa do que na República Democrática do Congo. Como sempre, levanta-se a questão de saber que segurança se pretende defender com estas acções. É a segurança da população civil congolesa, das mulheres e crianças? A missão MONUC, das Nações Unidas, não obviou a que milhares de pessoas fossem mortas, torturadas e violadas e a que centenas de milhares de pessoas fossem expulsas das suas terras – atrocidades em que estiveram envolvidas as forças governamentais, apoiadas pela UE.
O que é, então, que se está a defender no Congo? A Humanidade? Ou estamos a proteger um regime que, entre 2003 e 2006, por exemplo, celebrou 61 contratos com companhias internacionais de exploração mineira, dos quais nem um único foi considerado pelas ONG internacionais aceitável do ponto de vista do Povo congolês? O Presidente Laurent Kabila mudou de rumo por algum tempo, celebrando menos contratos com empresas ocidentais. Essa inflexão foi suspensa quando a guerra conheceu uma nova escalada. A minha pergunta é, Por que motivo se crê que as pessoas que estão por trás do maior dos grupos responsáveis pelos homicídios no Congo Oriental – as FDLR – se encontrem na Alemanha? Estou a fazer referência à proposta de resolução que apresentei em nome do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde.
Andreas Mölzer (NI). – (DE) Senhor Presidente; a expulsão de milhões de pessoas, milhares de violações e centenas de assassínios não devem ser o triste legado da maior operação mundial de manutenção de paz da ONU. A operação do Congo foi decidida vai para dez anos, mas não produziu qualquer resultado substancial. As milícias continuam a saquear as grandes riquezas naturais da região, a aterrorizar os seus habitantes e a cometer crimes contra a Humanidade.
Os embargos têm sido ineficazes até ao momento. Os rebeldes limitam-se a trocar de lado, para cometerem os seus crimes com as fardas seguras dos soldados congoleses. Recentemente, dois criminosos de guerra compareceram ante o tribunal de crimes de guerra da Haia, e foi possível preparar projectos de desenvolvimento e eleições – um sucesso parcial, ao menos.
Conseguimos ainda vibrar um pequeno golpe nas Forças Democráticas de Libertação do Ruanda (FDLR), com ramificações à escala global. Contudo, não lográmos pôr fim à feroz guerra civil. As frentes estão permanentemente em movimento.
É particularmente perturbante que se tenha apurado que acusações que foram dirigidas contra a missão da ONU tinham fundamento. Os soldados da ONU não podem ficar especados, sem fazer nada, enquanto são cometidas atrocidades e, mais relevante ainda, o apoio logístico ao exército não pode ficar associado ao apoio a violações de direitos humanos. A missão do Congo, simplesmente, não pode tornar-se numa espécie de Vietname para a Europa.
Precisamos, essencialmente, de uma política de segurança europeia e operações de manutenção da paz coordenadas, mas, sobretudo, na área circundante da Europa e não em regiões remotas da África, em que as frentes étnicas são pouco claras. Em minha opinião, a UE deve concentrar as suas operações de manutenção de paz nas regiões críticas que lhe ficam muito próximas, como os Balcãs ou o Cáucaso. Assim, devíamos, talvez, pôr termo ao envolvimento da UE na missão da ONU em África.
Gay Mitchell (PPE). – (EN) Senhor Presidente; que a situação na República Democrática do Congo (RDC) é deplorável e o conflito tem efeitos trágicos sobre as populações do país é uma evidência que dispensa comentários.
No entanto, há uma série de pontos importantes que devem ser reiterados aqui e na nossa proposta de resolução comum. Temos de ter presente que a violência na RDC, como em tantos outros conflitos do mesmo tipo, é amiúde movida pela ganância, mas radica igualmente na, e é alimentada pela, pobreza. A disputa de território, de recursos, étnica ou política são meros ramos da mesma árvore putrefeita da penúria.
Proporcione-se uma maior abastança a um homem e dê-se-lhe um propósito, e logo o seu desejo de matar ou ser morto perde intensidade. É esse o desafio de desenvolvimento que enfrentamos, enquanto Parlamento.
Em segundo lugar, temos de garantir que qualquer intervenção militar num país estrangeiro seja planeada e levada a cabo de modo que minore o sofrimento e a violência, em vez de os exacerbar. Temos de ser uma força contra a impunidade, não agentes dela.
Se há indícios de que as missões ocidentais não estão a cumprir essa exigência, a sua presença e as suas práticas têm de ser urgentemente reavaliadas.
Finalmente, a História tem mostrado que, em conflitos fratricidas como o da RDC, a única esperança de paz reside numa solução política. O diálogo e a negociação são as únicas vias para uma solução.
Com a criação do nosso Serviço de Acção Externa, na sequência da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a União Europeia tem de assumir de modo mais activo o seu papel de facilitador do diálogo e promotor da paz na cena internacional.
Corina Creţu (S&D). – (RO) Como tem sido salientado até aqui, milhões de civis foram assassinados deliberadamente no decurso de operações militares na região Oriental da República do Congo. Há o risco de notícias deste tipo se tornarem corriqueiras em virtude da frequência sem precedentes com que se cometem actos de violência neste país. O rol das vítimas destas acções inclui crianças, raparigas e mulheres, para não falar de activistas dos direitos humanos e jornalistas.
A crise humanitária agrava-se a cada dia que passa. A falta de segurança na área impede as organizações humanitárias de efectuarem qualquer intervenção. Só nos primeiros nove meses deste ano, registaram-se mais de 7500 casos de violação e violência sexual, número que é superior ao total do ano passado. Todos esses incidentes têm ocorrido num quadro de uma situação de fome e pobreza extrema que afecta milhões de pessoas. A culpa por toda esta tragédia cabe, simultaneamente, ao exército congolês e aos rebeldes ruandeses. Desafortunadamente, porém, há indicações de que às forças da ONU no Congo é imputável uma grande quota de responsabilidade, na medida em que permitem que sejam praticadas graves violações dos direitos humanos. É por isso que entendo que a União Europeia deve discutir urgentemente a forma como as forças da ONU no Congo hão-de cumprir devidamente os objectivos da missão que lhes foi confiada.
São necessárias, também, medidas para pôr fim às actividades de lavagem de dinheiro, tráfico de armas e tráfico de ouro, que redunda em cada ano na exportação ilegal de mais de 37 toneladas de ouro do Congo, com um valor superior a mil milhões de euros. Esses fundos são usados para adquirir armamento e promover a criminalidade no país.
Sophia in 't Veld (ALDE). – (NL) Senhor Presidente, acabei de ouvir a intervenção do senhor deputado Mölzer, que entretanto deixou o Hemiciclo, e que, na essência, dizia: a situação é tão desesperada que deveríamos simplesmente desistir e concentrar-nos nos nossos próprios vizinhos. Devo dizer que, se realmente olharmos para a situação, nos sentiremos tentados a encerrar o assunto. Por outro lado, quando penso no grupo de mulheres que aqui nos visitou no mês passado, e que a senhora deputada Durant também referiu, interrogo-me sobre se poderíamos olhá-las nos olhos e dizer-lhes que vamos simplesmente desistir, ou que essa não é uma das nossas prioridades, ou que vamos simplesmente adoptar mais uma resolução e considerar que com isso cumprimos o nosso dever. Quando penso nessas mulheres, no seu desespero e na sua amargura, na sua sensação de terem sido abandonadas, eu acho que é perfeitamente possível travarmos esse debate.
A resolução contém muitos elementos positivos, e espero que lhe imprimamos realmente força através da acção, mas gostaria apenas de realçar um aspecto. Falamos frequentemente de violação, de violência sexual, mas na verdade esses termos exprimem mal a realidade da situação. As mulheres com quem falámos disseram que as coisas vão muito para além de ataques contra os indivíduos; não se trata de violência individual, mas de um ataque a toda a comunidade, com o objectivo de destruir o seu tecido. É minha convicção, portanto, que agora é extremamente urgente não apenas que ajamos, que ponhamos fim à impunidade, que abramos os cordões à bolsa e disponibilizemos os meios para as acções que anunciámos, mas também que mostremos que estamos a estender-lhes a mão e que somos solidários com as pessoas no terreno e não vamos abandoná-las, mas que assumimos a nossa responsabilidade moral.
Cristian Dan Preda (PPE). – (RO) Na presente conjuntura, que também coincide com o momento em que as Nações Unidas se preparam para anunciar a extensão do mandato da MONUC, penso que temos necessidade de reflectir sobre as acções da comunidade internacional à luz da situação na RDC, que, infelizmente, continua a deteriorar-se. Como também ficou demonstrado pela Operação Kimia II, levada a cabo pelo exército congolês com o apoio da MONUC, o êxito militar não é suficiente quando o custo, em termos humanitários, é elevado e se é pago com o sofrimento da população civil congolesa.
Pessoalmente, creio que as recentes operações levadas a cabo contra as FDLR tiveram consequências desastrosas, tendo tido como resultado, coisa de que devíamos ter consciência, violações em grande escala dos direitos humanos e exacerbação da crise humanitária. Por outro lado, a impunidade constitui um convite à prática reiterada destes crimes. Creio que a protecção da população civil deve constituir a nossa prioridade número um. O Parlamento Europeu deve declarar energicamente que é necessário pôr imediatamente termo a actos de violência, particularmente de violência sexual e de violações dos direitos do Homem, em geral, bem como a violações cometidas na região do Kivu, e ao actual clima de impunidade.
Luis Yáñez-Barnuevo García (S&D). – (ES) Senhor Presidente, outros deputados já falaram da trágica situação na República Democrática do Congo. Falaram dos milhões de mortes e dos inúmeros casos de violação e abusos contra população civil. Falaram da missão das Nações Unidas, a MONUC, e da cooperação da Comissão Europeia no terreno. Porém, pouco se falou da necessidade de controlar o fluxo ilegal de matérias-primas - diamantes, ouro e outros produtos - para o resto do mundo. Esses produtos são "branqueados" através de contas e de empresas que são legítimas nos nossos próprios países ou nos Estados Unidos.
Esta é uma tarefa importante para a Sra. Ashton. Com a autoridade que o Tratado de Lisboa lhe confere e o apoio dos 27 Estados-Membros e deste Parlamento, ela deveria coordenar todo um programa de acção destinado a impedir que essa riqueza vá parar aos bolsos dos senhores da guerra que são responsáveis pelos assassínios e as violações.
Anne Delvaux (PPE). – (FR) Senhor Presidente, à luz dos recentes relatos alarmantes que nos chegam do Kivu Setentrional e do Kivu Meridional, e à luz da natureza extremamente violenta dos ataques perpetrados contra civis, e mais especificamente contra mulheres, crianças e idosos, a urgência - palavra tantas vezes invocada pela União Europeia e por toda a comunidade internacional a respeito do Congo - parece-me ser uma necessidade imediata. Cumpre fazer tudo para assegurar a protecção da população civil. O mandato atribuído ao pessoal da MONUC no terreno, será, sem dúvida, prolongado, devendo, porém, absolutamente, ser também reavaliado e reforçado, de molde a que esta vaga de crescente violência possa ser reprimida.
Há já muitos anos que as comunidades internacionais, as ONG e as mulheres congolesas têm vindo a esforçar-se constantemente por lutar contra a utilização dos ataques sexuais como arma de guerra. Hoje em dia, faz-se dela uma utilização sistemática e generalizada em zonas tranquilas, e com total impunidade. Aplaudo a recente determinação demonstrada pelas autoridades congolesas de pôr termo a essa impunidade. Todavia, cumpre que essa política de tolerância zero seja ambiciosa e verdadeiramente eficaz - todos os perpetradores de actos violentos, sem excepção, deverão responder pelos seus actos.
A abertura, no Tribunal Penal Internacional, dos primeiros julgamentos dos alegados perpetradores de crimes sexuais cometidos durante um conflito armado deve dar azo a que o Tribunal possa identificar todos os culpados, de molde a estes poderem ser condenados sem demora.
Finalmente, desnecessário é dizer que tudo isto é acompanhado a par e passo pelo reforço das estruturas governamentais, a manutenção da lei e da ordem, a promoção da igualdade de género, e pela protecção dos direitos humanos e, portanto, dos direitos da mulher e da criança, cuja dignidade, infância e inocência são frequentemente sacrificadas no altar de uma outra forma de humilhação: a indiferença.
Michèle Striffler (PPE). – (FR) Senhor Presidente, como sabemos agora, a situação humanitária na zona oriental da República Democrática do Congo - e mais especificamente, na província e na região do Kivu, é absolutamente catastrófica. A situação da segurança das populações civis deteriorou-se na sequência, entre outras coisas, das operações militares conjuntas levadas a cabo pelo exército congolês em colaboração com as tropas do Uganda e do Ruanda contra os grupos armados rebeldes, operações que, na sua esteira, deixou inúmeros massacres e violações dos direitos humanos.
A violência sexual é uma tendência extremamente inquietante, e extremamente generalizada, que agora faz parte do quotidiano dos congoleses. Além disso, são cometidos numerosos actos de violência contra os trabalhadores humanitários.
De acordo com os números oficiais, há na zona oriental da República do Congo 2 113 000 pessoas deslocadas. Desde 1 de Janeiro de 2009, foram registados mais de 775 000 novos casos de pessoas deslocadas na região do Kivu e 165 000 nos distritos da zona Leste da província oriental.
Actualmente, calcula-se ser necessário prestar ajuda humanitária a quase 350 000 pessoas vulneráveis: crianças, viúvas e vítimas de violência sexual. Logo, uma resposta rápida da União Europeia é absolutamente crucial.
Marc Tarabella (S&D). – (FR) Senhor Presidente, Senhor Comissário, Senhoras e Senhores Deputados, todos os oradores que me precederam realçaram, e com razão, a situação terrível em que vivem os congoleses, particularmente, as mulheres congolesas, na zona oriental do país. Eles falaram de violações, dos actos de barbárie, bem como dos assassínios de que essas pessoas são vítimas. Em vez de falar disso, porém, convido-os a visitar na Internet os sites da UNICEF e do V-DAY, que, obviamente, dizem tudo quanto há a dizer sobre este assunto.
Hoje, vou falar-lhes das verdadeiras consequências para o Congo de estes actos de barbárie, vou falar-lhes das mulheres física e mentalmente feridas, que é necessário tratar; e vou falar-lhes das mulheres assassinadas que já não poderão contribuir para o desenvolvimento económico do Congo, e cujos filhos também não poderão fazê-lo. Gostaria de referir também a propagação da SIDA, um trauma sofrido por toda a população congolesa, que dá do Congo uma imagem negativa a toda a comunidade internacional - em resumo, a imagem de um país que está a afundar-se cada vez mais no caos.
Encorajar uma paz duradoura e promover o desenvolvimento económico do Congo só é concretizável se o Governo congolês e a ONU tiverem êxito na sua luta contra a violência sexual, de que são vítimas as mulheres congolesas e, de modo mais geral, se assegurarem a instauração de um verdadeiro Estado de direito no país.
Frédérique Ries (ALDE). – (FR) Senhor Presidente, Senhora Ministra, Senhor Comissário, gostaria de, por minha vez, me referir à tragédia da violência sexual de que são vítimas as mulheres na RDC e, mais especificamente, na zona oriental do país. O fenómeno não é novo e é extremamente complexo. É um fenómeno multidimensional. O sofrimento físico e psíquico das vítimas é ainda exacerbado por esta exclusão social que, para elas, é trágica. A política de tolerância zero do Presidente Laurent Kabila está actualmente a principiar timidamente a dar frutos. Todavia, todos estamos conscientes de que apenas uma estratégia global pode combater este flagelo a longo prazo.
Bem sei, Senhor Comissário, que a Comissão já está a intervir e que está a fazê-lo mediante uma multidão, não só de projectos, mas também de orçamentos. Todavia, perante estes números e os terríveis, medonhos, relatos que ouvimos, o Senhor Comissário não pensa que nesta Casa temos o direito de duvidar dos resultados de esta tragédia? As mulheres, Senhor Comissário, são, num país, o principal veículo de paz e de reconstrução. Elas são o futuro do Congo. Como tenciona proceder para actuar de modo mais eficaz e mais rapidamente?
Raül Romeva i Rueda (Verts/ALE). – (FR) Senhor Presidente, também eu gostaria de me pronunciar neste debate, uma vez que se trata de um assunto que há muito tempo tenho vindo a acompanhar. Infelizmente, tendo em conta os constantes actos de violência e de violações dos direitos humanos na zona oriental da RDC, somos forçados, uma vez mais, a condenar energicamente os massacres, os crimes contra a Humanidade e os actos de violência sexual cometidos contra mulheres e jovens do sexo feminino que ainda têm lugar na província oriental do país.
É esse o motivo por que me associo aos meus colegas deputados no apelo às autoridades competentes para que intervenham imediatamente, levando os autores desses crimes perante os tribunais, e ao Conselho de Segurança das Nações Unidas para que, uma vez mais, adopte urgentemente todas as medidas susceptíveis de impedir realmente quem quer que seja de cometer mais ataques contra as populações civis na província oriental da RDC.
Do mesmo modo, convido todas as partes envolvidas a intensificar a luta contra a impunidade e a impor o Estado de direito, combatendo, entre outras coisas, a violação de mulheres e jovens do sexo feminino, e o recrutamento de crianças-soldados.
Franz Obermayr (NI). – (DE) Senhor Presidente, em Novembro de 2009, teve lugar uma troca de embaixadores entre o Ruanda e a República Democrática do Congo – um pequeno raio de esperança para este devastado país e o seu devastado povo. Além disso, foi detido o dirigente das Forças Democráticas de Libertação do Ruanda. Dois sinais de melhoria da situação no Congo Oriental. A minha pergunta à Comissão é: que medidas tenciona adoptar o Senhor Comissário para dar azo a maior aproximação entre o Congo e o Ruanda?
No que diz respeito ao mandato da ONU, já muito se disse hoje aqui sobre a tomada de todos os tipos de providências. Sejamos francos: se houver um mandato da ONU, então que seja um mandato inequivocamente a favor da protecção dos que são oprimidos, torturados, violados e seviciados, particularmente das mulheres e crianças deste país. A este respeito, uma coisa deve ficar absolutamente clara: se for emitido um mandato da ONU - e nós, Austríacos, somos uma tanto ou quanto restritivos neste domínio -, devia ser coerente e, se tiver de ser - inclusive para protecção do povo oprimido -, os que se encontrarem no terreno devem estar armados.
Seán Kelly (PPE). – (EN) Senhor Presidente, considero lamentável o facto de, em plena época natalícia, termos passado os últimos dois dias a discutir a violência em todo o mundo, quer na Chechénia, quer no Afeganistão, ou agora no Congo. Não obstante, essa é a realidade.
Simultaneamente, aproveitando a mensagem de paz e boa vontade da época festiva, devemos, como tão bem disse o senhor deputado Mitchell, tornar-nos os patrocinadores da paz. E esta é a grande oportunidade para a Alta Representante, Senhora Baronesa Ashton, fazer uso do poder e do apoio da União Europeia como não teria sido possível fazê-lo anteriormente, para meter estes dois países na ordem e tentar aliviar o terrível sofrimento nestes lugares.
A solução a longo prazo, porém, não virá da melhoria económica, mas sim da educação, motivo por que temos de tentar assegurar nesses países o livre acesso a uma educação adequada, porque esse é realmente o caminho para a paz a longo prazo.
Jim Higgins (PPE). – (EN) Senhor Presidente, em 1960, o Secretário-Geral das Nações Unidas, o sueco Dag Hammarskjöld, pediu às tropas britânicas que fossem, como tropas pacificadoras, para o então Congo Belga, que posteriormente passou a ser o Congo, onde fizeram um trabalho magnífico.
Estou extremamente preocupado com o papel das tropas das Nações Unidas actualmente no Congo: marroquinas, paquistanesas e indianas. Estão em causa violações, violência, negócios, etc.: as tropas das Nações Unidas não estão a cobrir-se de glória e, na realidade, estão mesmo a fazer um mau serviço.
Estou plenamente de acordo com o senhor deputado Mitchell quando diz que a União Europeia tem de assumir uma atitude mais firme. Somos uma União Europeia, absolutamente unida. Realizámos um excelente trabalho no Chade. É preciso que as nossas próprias tropas de manutenção da paz permaneçam no terreno; não podemos confiar nas Nações Unidas. Estamos em presença de um povo maravilhoso, vítima da colonização europeia, vítima de conflitos tribais, vítima da cegueira internacional, e não podemos continuar a ser cegos. Temos simplesmente de avançar e salvar essas pessoas maravilhosas.
Alf Svensson (PPE). – (SV) Senhor Presidente, é quase impossível ter a noção das terríveis estatísticas que estão a ser mencionadas e, no entanto, sabemos que são verdadeiras. Não obstante, há um sentimento - talvez partilhado por muitos - de que, quando se trata dos mais pobres dos países pobres da África Subsariana, o nosso empenhamento não é tão forte ou tão específico como devia ser. Fez-se referência ao poder militar. Penso que todos nos damos conta de que temos de combater a pobreza e a corrupção, se pretendermos fazer algum progresso no sentido de aliviarmos e melhorarmos a situação da população deste país, que tem sofrido tão terrivelmente.
Estamos satisfeitos, e com razão, por podermos falar do Afeganistão e gastamos muitíssimo tempo a discutir o terror que ali reina e o que os Talibãs estão a fazer. Há, porém, neste caso, outro povo que suportou e ainda está a suportar as condições mais terríveis. Gostaria de realçar que existem organizações não-governamentais que podem realizar trabalho, desde que lhes seja proporcionado apoio estatal e apoio da UE, coisa que, no entanto, muitas vezes parece ser muito difícil de concretizar.
Cecilia Malmström, Presidente em exercício do Conselho. – (SV) Senhor Presidente, tal como ficou demonstrado neste debate, há razões extremamente positivas para prosseguir com o nosso compromisso com a República Democrática do Congo. A UE já se encontra altamente empenhada em alcançar estabilidade, segurança e desenvolvimento sustentáveis no país. O Senhor Comissário de Gucht fez um longo relato das operações da UE.
Consideradas em conjunto, as contribuições dos Estados-Membros e da Comissão tornam a UE um dos maiores prestadores de ajuda à região, motivo por que podemos ter influência. Todavia, se pretendermos que se mantenha a estabilidade na República Democrática do Congo e na região, é crucial que seja melhorado o nível de vida da população congolesa, que os direitos humanos sejam salvaguardados, e que se tomem providências enérgicas conta a corrupção, a fim de se estabelecer uma sociedade baseada nos princípios de um Estado de direito.
É evidente que é absolutamente inadmissível a terrível violência sexual de que muitos dos senhores deputados deram aqui testemunho, e a respeito da qual, infelizmente, ouvimos falar em demasiados relatos. Cumpre não permitir que os criminosos se mantenham em liberdade. Eles têm de ser levados a tribunal. O Governo congolês tem a grande responsabilidade de garantir que isso aconteça, e de que a política de tolerância zero do Presidente Laurent Kabila não consista apenas em belas palavras, mas que, na realidade, tenha como resultado a tomada de providências.
No que diz respeito ao Conselho, o mandato das duas missões da PESC foi revisto na sequência da missão de investigação em inícios de 2009, tendo em vista ajudar a combater precisamente este tipo de violência sexual. Em consequência disso, a EUPOL DR Congo enviará dois grupos multidisciplinares às províncias do Kivu Setentrional e do Kivu Meridional., com um mandato que cubra todo o país. Estes grupos fornecerão vários tipos de peritos especializados em domínios como a investigação de crimes e de controlo da violência sexual. O recrutamento de elementos para esta missão está actualmente em curso.
É evidente que este é apenas um pequeno contributo, que, num país de tais dimensões, é, de facto, modesto. Não obstante, é importante, e esta nova força especializada poderá apoiar a implementação de procedimentos correctos de investigação de casos de violência sexual, particularmente quando esses actos forem levados a cabo por elementos uniformizados.
Estamos prestes a iniciar o período de perguntas, mas este é o meu último debate nesta Casa como representante da Presidência sueca. Gostaria de lhes agradecer o grande número de excelentes debates, os momentos agradáveis e a óptima cooperação de que usufruí com os senhores deputados do Parlamento Europeu e com o senhor, Senhor Presidente.
Presidente. – Gostaria, também eu, de, em nome de todos os senhores deputados, apresentar à Senhora Ministra os nossos sinceros agradecimentos pela sua eficiência e pelos esforços que envidou e que tão gratificantes foram para nós.
Karel De Gucht, Membro da Comissão. – (EN) Senhor Presidente, em primeiro lugar, gostaria de agradecer a todos os senhores deputados que contribuíram para este debate. Não vou voltar à minha declaração inicial. Permitam-me que me concentre apenas em três pontos.
Em primeiro lugar, a Comissão está a fazer muitíssimo, no que diz respeito à ajuda humanitária e aos programas destinados a restabelecer o Estado de direito. Estamos a falar de dezenas de milhões e ainda mais de 100 milhões de EUR inicialmente. O problema é, porém, evidentemente, até que ponto, no fim de contas, tudo isto é eficaz, se não tivermos uma contrapartida adequada na arena politica?
Em segundo lugar, gostaria de fazer um comentário ao mandato da MONUC, porquanto, muito embora a MONUC possa ser criticada em consequência dos recentes acontecimentos, creio que seria um erro crasso pedir-lhe que abandone a RDC. Seria o pior que se pode imaginar.
Permitam-me que recorde apenas algumas passagens do mandato aprovado pelo Conselho de Segurança da ONU no início do ano passado. Refere que o Conselho decidiu igualmente que, a partir da aprovação desta resolução, a MONUC disporá do mandato para, por esta ordem de prioridades e actuando em estreita colaboração com o Governo da RDC, garantir, em primeiro lugar, a protecção dos civis, do pessoal humanitário e do pessoal e instalações das Nações Unidas, e assegurar a protecção dos civis, inclusive do pessoal humanitário, em caso de ameaça de violência física iminente, em particular, de violência por parte de qualquer uma das partes envolvidas no conflito.
Outra passagem muito importante é o parágrafo G, relativo à coordenação das operações. Este refere “a coordenação das operações com as brigadas integradas das FARDC - exército - colocadas na zona oriental da República Democrática do Congo e o apoio às operações dirigidas por essas brigadas e planeadas em conjunto com as mesmas, nos termos do Direito Internacional Humanitário, dos direitos humanos e do Direito Internacional dos refugiados, tendo em vista…", etc.
Logo, o mandato é, de facto, muito claro e o que devia discutir-se são as regras de empenhamento. De facto, o que a MONUC devia fazer era reflectir sobre as suas próprias regras de empenhamento, visto ser sua a responsabilidade de decidir como proceder.
Por fim, há muitas críticas, inclusive à justiça penal internacional. As pessoas perguntam-se se é compatível com a política. Será possível dispor, por lado, de justiça penal internacional e, por outro, proceder a uma gestão política adequada da crise? Uma pergunta muito interessante.
O Congo revela-nos uma das respostas. Permitimos a Bosco Ntaganda assumir a direcção do CNDP, retirando-a a Laurent Nkunda, embora exista um mandato de captura contra Bosco Ntaganda, e o resultado está à vista. Tudo tem o seu preço. Não é possível escolher entre, por um lado, a gestão de uma crise política e, por outro, pôr em prática o Direito Penal Internacional. Penso que, na qualidade de Parlamento Europeu e de Comissão Europeia, a primazia devia ser dada à correcta aplicação da justiça penal internacional.
Presidente. – Recebi sete propostas de resolução(1), apresentadas nos termos do artigo 103.º, n.º 2, do Regimento.
Está encerrado o debate.
A votação terá lugar Quinta-feira, 17 de Dezembro de 2009.