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Relato integral dos debates
Quarta-feira, 20 de Outubro de 2010 - Estrasburgo Edição JO

5. Sessão solene - Discurso intercalar do mandato de Jerzy Buzek, Presidente do Parlamento Europeu
Vídeo das intervenções
Ata
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  Presidente. – Colegas, o meu discurso é curto, como prometi há um ano.

Estamos a meio da minha Presidência. Precisamente no início, prometi que iria informá-los das minhas actividades.

Como Presidente do Parlamento Europeu, represento todos vós. Onde quer que vá, o que quer que faça, sempre senti a honra e a responsabilidade de actuar em nome desta prestigiada Assembleia.

Todavia, este discurso não é sobre mim: este discurso é sobre vós e a vossa actividade. Trata-se de todos nós, do que alcançámos em conjunto no Parlamento Europeu, nos últimos 15 meses, e do que temos pela frente.

 
  
 

Senhoras e Senhores Deputados, em primeiro lugar, a crise. O que os nossos cidadãos esperam de nós, políticos, acima de tudo, é que superemos a crise: combater a pobreza e a exclusão social, e especialmente este ano. A crise não começou na Europa, mas é aqui, na Europa, que tem de ser superada. Esta Assembleia tem exigido reformas ambiciosas à Comissão Europeia e ao Conselho. No entanto e sobretudo, adoptamos reformas financeiras fundamentais, como o Pacote de Supervisão Financeira, regulamentação que limita os bónus dos banqueiros e que diz respeito aos requisitos de capital detido pelos bancos. Ao fazer isso, lançámos os alicerces dos muros que protegerão os cidadãos de futuras crises.

Porém, cumpre-nos fazer mais: é preciso integrar melhor os nossos mercados europeus, pois é isso que vai garantir o crescimento económico e os preços mais baixos. O relatório do Professor Monti tem de passar a ser lei. É interessante notar que partes importantes do relatório têm por base iniciativas vossas - as iniciativas dos deputados do Parlamento Europeu e das nossas comissões.

Quando representei esta Assembleia no Conselho Europeu, afirmei que temos de ser honestos com as pessoas sobre a necessidade de apertar o cinto, neste momento difícil, a necessidade de trabalhar mais tempo e de adiar o momento da aposentação. Só assim conseguiremos manter a prosperidade da Europa. Trata-se de um programa a longo prazo de reformas estruturais, que não pode ser realizado de um dia para o outro e que nos ajudará a implementar a Estratégia Europa 2020 e a garantir a competitividade e o emprego, que são as coisas mais importantes para os nossos cidadãos. Recuperar da crise e apostar no desenvolvimento a longo prazo são as nossas tarefas mais urgentes.

Em segundo lugar, a solidariedade. A crise mostrou quão importante é a solidariedade europeia. Estive em lugares que foram particularmente atingidos - Lituânia, Letónia, Roménia e Grécia. Transmiti mensagens de solidariedade, mas também sublinhei que não existe solidariedade sem responsabilidade. Conseguimos travar a crise, em grande medida. Salvámos o paciente, mas agora há que garantir que ele pode deixar o hospital pelos seus próprios pés. Por conseguinte, como disse antes, impõe-se uma estratégia de longo prazo para sair da crise. Impõe-se igualmente uma boa gestão económica. Precisamos de mudanças estruturais, sociais e educacionais. Em tempos de crise, temos de ser realistas, mas também sensíveis.

Em terceiro lugar, a política energética e as alterações climáticas. A energia é o grande produto de base numa economia. Energia e protecção climática são algumas das nossas principais prioridades, e motores políticos fundamentais para outras iniciativas no plano económico. A segurança energética, aliada à protecção ambiental e electricidade o menos dispendiosa possível tornaram-se o principal desafio do século XXI, como todos nós bem sabemos. Por essa razão, em 5 de Maio de 2010, juntamente com Jacques Delors, anunciámos a Declaração sobre a criação de uma Comunidade Europeia da Energia. Gostaríamos que esta designação, "Comunidade Europeia da Energia", se tornasse a marca de todas as empresas europeias que operam neste domínio. Repito: a Comissão, o Parlamento e o Conselho já desenvolveram um vasto trabalho nesta área, sendo que estão em curso esforços que incidem sobre estas questões fundamentais, muito embora também seja importante proporcionar incentivos adicionais e "resguardar" estas actividades de modo a que sejam correctamente executadas. Apraz-me o facto de hoje assinar uma nova regulamentação sobre a segurança do aprovisionamento de gás que aprovámos em conjunto.

Há muito trabalho ainda a fazer antes de o mercado de energia se tornar um mercado único comum. Continuarei a trabalhar neste domínio em colaboração convosco. O mais importante é que as nossas actividades no domínio da energia também possam proteger o clima. Somos líderes neste campo, e queremos continuar a sê-lo. Nós, enquanto Parlamento Europeu, assinámos um acordo sobre o Sistema Comunitário de Ecogestão e Auditoria - EMAS, criando assim um "parlamento verde", que irá poupar energia e começar a utilizar fontes alternativas de energia.

Em quarto lugar, temos os assuntos externos. Enquanto deputados, somos embaixadores da democracia e contribuímos para a organização de eleições livres e justas, no quadro da nossa missão. Não passa uma semana sem que um de nós promova os nossos valores fundamentais a par dos nossos interesses comerciais. Somos a maior economia do mundo e o maior doador de ajuda, mas não estamos a pleno uso das nossas forças. Precisamos de rever a forma como atingimos os nossos objectivos, e temos de integrar o apoio à democracia e aos direitos humanos nas nossas negociações comerciais. Não devemos aplicar normas duplas, independentemente de os nossos parceiros de negociação serem grandes e poderosos ou pequenos e fracos.

O meu papel como Presidente é fortalecer a nossa voz comum e comunicar os pontos de vista dos nossos cidadãos para além das fronteiras da UE. Temos, assim, reforçado a nossa diplomacia parlamentar. Representei-vos nas reuniões parlamentares do G8. Tenho feito visitas oficiais à China e aos EUA. As nossas relações com o Congresso dos EUA, onde temos um gabinete de representação, melhoraram qualitativamente. Fui o primeiro Presidente do Parlamento a visitar a Rússia em 12 anos.

Graças aos nossos esforços comuns, criámos um secretariado para a Assembleia Parlamentar Euro-Mediterrânica e temos desenvolvido uma boa cooperação com a América Latina através da EUROLAT. No entanto, devemos admitir que ainda temos muito trabalho a fazer antes de conseguirmos pôr em marcha a cooperação parlamentar no âmbito da EURONEST, que faz parte da Parceria Oriental.

Senhoras e Senhores Deputados, acabámos de votar o Serviço Europeu de Acção Externa. Em breve - e acredito nisso convictamente – tornar-se-á a nossa grande força e gerará o nosso potencial europeu. Negociámos com firmeza com o Conselho de modo garantir um Serviço moderno, que representa os pontos de vista da União e os interesses comuns da Europa. Cumpre, no entanto, reconhecer que todas as partes estavam muito abertas a um compromisso, pelo que as nossas felicitações devem ser mútuas. Todos nós participámos nas discussões.

Senhoras e Senhores Deputados, para já fiquemos por aqui relativamente aos assuntos externos e permitam-me que volte a debruçar-me sobre o que fizemos durante este ano: rejeitámos o acordo SWIFT. Este foi um momento excepcionalmente importante. O Governo dos EUA viu que o Parlamento pós-Lisboa significa trabalho. No futuro, não só os EUA, mas os governos de muitos outros países vão entender isso. Quando os historiadores do futuro vierem avaliar esta votação, vão dizer que fizemos a coisa certa no interesse dos nossos cidadãos. Restabelecemos um equilíbrio entre segurança e protecção da liberdade pessoal. Isto é importante porque, enquanto deputados, representamos os cidadãos.

Em quinto lugar, temos os direitos humanos, que são uma prioridade para o nosso Parlamento, e para mim também. Sempre levantei esta questão quando foi necessário. Sei que tenho o apoio de 735 defensores dos direitos humanos, e que por trás deles estão 500 milhões de cidadãos. Na Rússia, questionei o Presidente Medvedev sobre os assassinatos de activistas de direitos humanos e jornalistas, como Anna Politkovskaya e Magnitsky Sergey. Quando Liu Xiaobo foi galardoado com o Prémio Nobel, reiterei o meu apelo no sentido da sua libertação imediata e incondicional. Amanhã, decidiremos quem vai ser galardoado com o Prémio Sakharov deste ano. Estou decidido a usar a rede Sakharov dos galardoados com o Prémio Sakharov, assim como o fórum dos antigos presidentes do Parlamento Europeu, como uma ferramenta eficaz na nossa luta pela dignidade humana, pelos direitos humanos e pela democracia em todo o mundo. Os activistas dos direitos humanos podem ter a certeza de que o seu destino é importante para nós. Eles são importantes para nós! O Parlamento Europeu é um lugar onde as pessoas importam.

Em sexto lugar, os direitos das mulheres. Tenho exortado uma e outra vez a que mais mulheres sejam eleitas para os cargos mais elevados da UE. Tive o apoio esmagador de todos os deputados desta Assembleia. Também apoiei a iniciativa de introduzir quotas nas listas eleitorais. Um sistema político que não pode assegurar uma representação adequada para 52% da sua população em órgãos de decisão perde o contacto com a sociedade. A Europa deve estar unida numa coligação em prol do trabalho e, ao mesmo tempo, da vida familiar. É importante, sobretudo em tempos de crise económica, que a maternidade não se torne vítima de práticas laborais inseguras. Acabámos de realizar um debate sobre esta matéria, a qual está igualmente relacionada com a superação da crise demográfica na Europa. Como já confirmei há 15 minutos, apoio decididamente qualquer acção desse tipo nesta Assembleia, embora não seja provavelmente o melhor lugar para a desenvolver.

Aristóteles disse que o excesso e o defeito são características do vício, e no meio está a virtude. Temos de garantir uma participação igual de homens e mulheres na vida pública. Sigamos os passos de Aristóteles.

Em sétimo lugar, a reforma institucional. Uma vez que tinha a noção da importância do Tratado de Lisboa, estive na Irlanda, assim como muitos de vós, para tentar mostrar aos irlandeses a necessidade de aprovar o Tratado. Também me avistei com o Presidente Klaus da República Checa e apelei à sua ratificação. Trabalhámos arduamente para que o Tratado entrasse em vigor, e conseguimos.

Senhoras e Senhores Deputados, uma das mudanças mais importantes foi o reforço do poder legislativo do nosso Parlamento. Temos agora novos direitos, mas também novas responsabilidades. O Tratado, ao reforçar o papel do Parlamento, ainda nos permite tomar muitas decisões recorrendo ao método intergovernamental. Por esta razão, ainda precisamos de promover o método comunitário como um instrumento eficaz em termos de controlo dos cidadãos. No entanto, lembremo-nos de que as decisões sobre o rumo que a União Europeia tomará ainda dependem em grande medida dos Estados-Membros, dos Chefes de Governo, presidentes e chanceleres. A possibilidade de cooperação com vista ao reforço das instituições europeias que no passado deram força à Europa é extremamente importante, e estou convencido de que isso vai acontecer também no futuro.

Na minha qualidade de Presidente do Parlamento Europeu, pus todo o meu empenho no reforço da posição da nossa Assembleia em relação às outras instituições europeias, com base no Tratado de Lisboa. Fi-lo porque representamos os cidadãos e são eles que nos elegem directamente, pelo que também é nosso dever representá-los em pleno junto das instituições europeias.

Fizemos progressos significativos no sentido de aumentar a responsabilização da Comissão perante este Parlamento. Foram também introduzidas alterações no funcionamento do próprio Parlamento. Pela primeira vez, realizaremos mensalmente uma sessão de perguntas e respostas com o Presidente da Comissão Europeia, o primeiro debate sobre o estado da União já teve lugar, temos reuniões periódicas da Conferência dos Presidentes das Comissões e do Colégio de Comissários, e eu também tenho reuniões com a Comissão e o Colégio de Comissários.

Iniciámos o diálogo com a Presidência do Conselho sobre a programação legislativa. Encontro-me regularmente com o Chefe do Governo responsável pela Presidência rotativa. Pela primeira vez, o Presidente do Conselho Europeu não apareceu só numa sessão plenária, também se reuniu com a Conferência dos Presidentes das Comissões imediatamente após o Conselho Europeu. Por último, e considero este aspecto extremamente importante, estamos a desenvolver uma estreita parceria com os parlamentos nacionais. Gostaria de agradecer, como todos nós, aos parlamentos nacionais a sua pronta cooperação. Seremos agora co-responsáveis pela legislação a nível europeu. É nossa responsabilidade comum pelo futuro da Europa.

Em oitavo lugar, e esta é a minha última observação, menciono o orçamento - a nossa tarefa mais importante para o futuro. É nosso dever garantir que o orçamento de 2011 contribua para o crescimento económico. A estrutura do orçamento determina a lista de prioridades políticas. Temos de tomar muito cuidado para que este preveja as verbas prometidas aos nossos cidadãos. Os "cortes" não devem ser ditados por um populismo vazio. Não podem desfavorecer os cidadãos em domínios como a educação, a formação, a investigação científica ou os projectos de infra-estruturas. Devemos sempre questionar as repercussões financeiras de ter menos despesas a nível europeu. Será que as repercussões financeiras significam menos Europa?

O nosso falecido colega, Egon Klepsch, um antigo Presidente desta Assembleia, quando se discutia a primeira votação do Parlamento sobre o orçamento, disse que o Parlamento estava a definir o "interesse público" europeu, o que, segundo ele, era o verdadeiro teste. Acabamos de enfrentar um teste desses, todos nós, hoje.

Passarei agora à conclusão.

 
  
 

Temos pela frente muito trabalho legislativo urgente. No final, gostaria de falar novamente sobre os aspectos mais importantes. O nosso objectivo é sair desta crise e proteger os cidadãos de uma outra. Repito: esta crise não nasceu na Europa, mas tem de ser erradicada aqui na Europa. Não podemos superar a crise através de métodos tradicionais. É por essa razão que, na Europa, os debates - debates muito alargados - e a imaginação dos seus cidadãos são tão importantes.

Além do mercado único, importa fortalecer o mercado das ideias, dos nossos valores fundamentais. Temos de discutir o papel do Estado e o futuro da Europa, a transferência de conhecimento, os sistemas alternativos de segurança social, os novos métodos de ensino e a cultura.

Como vosso representante, tive o privilégio de participar em importantes eventos: o 65.º aniversário da libertação de Auschwitz, o 60.º aniversário da Declaração de Schuman, o 30.º aniversário da criação do sindicato Solidariedade e o 20.º aniversário da reunificação da Alemanha. Digamos, desde o verdadeiro pesadelo da guerra ao espírito de solidariedade e à reunificação da Europa.

Nos meus diálogos com os nossos parceiros que não pertencem à União Europeia, vejo que o nosso modelo europeu é respeitado em todo o mundo. Tenhamos orgulho no nosso método comunitário de cooperação – nos últimos sessenta anos, deu-nos paz e, actualmente, uma Europa unida.

Se acreditamos na Europa, temos de acreditar em nós mesmos. Para dissipar quaisquer dúvidas sobre a União Europeia, temos de voltar às suas raízes. Então compreenderemos que paz, estabilidade, prosperidade e uma sociedade aberta não nos são dadas para sempre. O perigoso e impensável pode acontecer novamente se não contivermos o populismo e não cuidarmos dos nossos valores fundamentais da liberdade e da solidariedade para com todos.

Ao relembrar o passado, organizemos o presente e pensemos no futuro. Os nossos antepassados políticos escolheram o caminho certo. Cabe-nos agora definir como será o século XXI na Europa e em todo o mundo. Esta é uma batalha que vale a pena travar. Com colegas como os vós, não tenho medo de levar esta batalha por diante.

Muito obrigado.

(Aplausos)

 
  
  

PRESIDÊNCIA: GIANNI PITELLA
Vice-presidente

 
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