Proposta de resolução comum - RC-B7-0006/2012Proposta de resolução comum
RC-B7-0006/2012

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO COMUM sobre os desequilíbrios na cadeia de abastecimento alimentar

18.1.2012

apresentada nos termos do n.º 5 do artigo 115.º do Regimento
em substituição das propostas de resolução apresentadas pelos seguintes Grupos:
PPE (B7‑0006/2012)
ALDE (B7‑0008/2012)
Verts/ALE (B7‑0009/2012)
S&D (B7‑0010/2012)
GUE/NGL (B7‑0013/2012)

Maria do Céu Patrão Neves, Esther Herranz García, Albert Deß em nome do Grupo PPE
Luis Manuel Capoulas Santos, Paolo De Castro, Luís Paulo Alves em nome do Grupo S&D
George Lyon em nome do Grupo ALDE
José Bové em nome do Grupo Verts/ALE
Alfreds Rubiks, Patrick Le Hyaric em nome do Grupo GUE/NGL
Rolandas Paksas


Processo : 2011/2904(RSP)
Ciclo de vida em sessão
Ciclo relativo ao documento :  
RC-B7-0006/2012
Textos apresentados :
RC-B7-0006/2012
Textos aprovados :

sobre os desequilíbrios na cadeia de abastecimento alimentar

O Parlamento Europeu,

–   Tendo em conta as suas resoluções, de 8 de julho de 2010, sobre o futuro da Política Agrícola Comum após 2013[1], de 18 de janeiro de 2011, sobre o reconhecimento da agricultura como um setor estratégico no contexto da segurança alimentar[2], de 23 de junho de 2011, sobre a PAC no horizonte 2020: Responder aos desafios do futuro em matéria de alimentação, recursos naturais e territoriais[3], e de 5 de julho de 2011, sobre um mercado de comércio retalhista mais eficiente e equitativo[4],

–   Tendo em conta a Comunicação da Comissão intitulada "Melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na Europa" (COM(2009)0591) e os vários documentos de trabalho anexos à referida Comunicação, bem como as suas resoluções, de 7 de setembro de 2010, sobre rendimentos justos para os agricultores: melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na Europa[5] , e de 19 de janeiro de 2012, sobre a cadeia de abastecimento dos produtos agrícolas [6],

–   Tendo em conta a Diretiva 2011/7/UE que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais[7] ,

–   Tendo em conta a Decisão da Comissão, de 30 de julho de 2010, que institui o Fórum de Alto Nível sobre a Melhoria do Funcionamento da Cadeia de Abastecimento Alimentar (2010/C 210/03),

–   Tendo em conta as recomendações finais do Grupo de Alto Nível sobre a Capacidade Concorrencial da Indústria Agroalimentar, de 17 de março de 2009, e as conclusões do Conselho de 29 de março de 2010 sobre um melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na Europa,

–   Tendo em conta os dados do Eurostat relativos aos índices dos preços dos meios de produção agrícola (custos dos fatores de produção) e aos índices dos preços dos produtos agrícolas (preços ao produtor)[8],

–   Tendo em conta a sua Declaração, de 19 de fevereiro de 2008, sobre a necessidade de investigar e solucionar o abuso de poder por parte dos grandes supermercados que operam na União Europeia[9], e sua Resolução, de 26 de março de 2009, sobre os preços dos géneros alimentícios na Europa[10],

–   Tendo em conta o Relatório de 2008 do Centro Comum de Investigação intitulado “Sistemas agrícolas com baixo consumo de fatores de produção: uma oportunidade de desenvolver a agricultura sustentável"[11],

–   Tendo em conta o relatório intitulado “O setor agroalimentar e o direito à alimentação” da responsabilidade do Relator Especial das Nações Unidas para o Direito à Alimentação,

–   Tendo em conta n.º 5 do artigo 115.º do seu Regimento,

A. Considerando que a Comunicação da Comissão intitulada "Melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na Europa" (COM(2009)0591) identificou desequilíbrios consideráveis em termos de desigualdade do poder de negociação que se traduzem em práticas comerciais desleais, tais como atrasos nos pagamentos, modificações contratuais unilaterais, cláusulas contratuais abusivas e restrições no acesso ao mercado, abusos de poder por parte dos abastecedores ou dos compradores, incluindo a formação de cartéis, a manutenção dos preços de revenda e alianças de compras, entre outros,

B.  Considerando que o nível de concentração de retalhistas de grandes dimensões na União Europeia afeta negativamente os produtores e outros abastecedores, na medida em que implica desequilíbrios de poder cada vez maiores entre as partes contratantes; que os produtores agrícolas e as agroindústrias têm vindo progressivamente a perder poder negocial face ao nível de preços ao longo da cadeia de valor – desde a produção primária, passando pela transformação, até ao consumidor final; considerando que a concentração excessiva conduz a perdas a nível da diversidade dos produtos, do património cultural, dos pontos de venda a retalho, dos postos de trabalho e dos meios de subsistência,

C. Considerando que os problemas de rendimento dos agricultores continuam a piorar e que os preços dos produtos pagos pelos consumidores não se reflete nos preços pagos aos agricultores pela sua produção, o que está a prejudicar a capacidade de investimento e de inovação dos agricultores e pode, inclusivamente, levar a que muitos deles abandonem as terras,

D  Considerando que a perda de poder negocial, o aumento dos custos de produção e a impossibilidade de esses custos serem recuperados ao longo da cadeia de distribuição alimentar podem ameaçar a sobrevivência das explorações agrícolas, diminuindo, deste modo, o potencial de produtividade a longo prazo dos Estados-Membros e agravando a sua dependência em relação aos mercados externos,

E.  Considerando que o equilíbrio das relações comerciais, não só melhoraria o funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar, mas também beneficiaria os agricultores, devido ao reforço da competitividade e, em última instância, os consumidores;

F.  Considerando que a recente volatilidade dos preços dos alimentos e das matérias-primas tem suscitado grandes preocupações quanto ao funcionamento das cadeias de abastecimento alimentar a nível europeu e mundial e aumentou a insegurança dos rendimentos agrícolas e dos investimentos a longo prazo dos agricultores,

G. Considerando que os consumidores nem sequer beneficiam dos baixos preços agrícolas no produtor, devido à progressiva perda de poder negocial dos agricultores na cadeia alimentar, em especial porque os requisitos em matéria de qualidade, direitos laborais e de bem-estar dos animais – que os agricultores europeus têm de observar – nem sempre são aplicados do mesmo modo aos produtos agrícolas importados,

H. Considerando que as autoridades da concorrência de vários Estados-Membros constataram desequilíbrios especialmente problemáticos a nível da cadeia de abastecimento alimentar, sobretudo nos quatro domínios seguintes: imposição unilateral de cláusulas contratuais, práticas de descontos, sanções e condições de pagamento,

1.  Salienta que o problema dos desequilíbrios na cadeia de abastecimento alimentar tem uma clara dimensão europeia e exige, por conseguinte, uma solução europeia específica, dada a importância estratégica da cadeia agroalimentar para a União Europeia; sublinha que a cadeia de abastecimento alimentar, a agricultura, a indústria agroalimentar e a distribuição representam 7% da totalidade dos empregos na UE e geram 1 400 000 000 euros de receitas por ano, ou seja, mais do que qualquer outro setor da transformação na UE, e que a parte do valor acrescentado agrícola da cadeia de abastecimento alimentar sofreu uma quebra de 31%, em 1995, para 24%, em 2005, na UE-25;

2.  Chama a atenção para os trabalhos em curso no Fórum de Alto Nível para um melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar, nomeadamente a sua plataforma consagrada às relações entre as empresas; solicita ser oficial e regularmente informado sobre os progressos dos trabalhos e as decisões tomadas;

3.  Apoia o bom trabalho da Plataforma de Peritos em práticas contratuais no domínio das relações entre empresas do Fórum de Alto Nível sobre a Melhoria do Funcionamento da Cadeia de Abastecimento Alimentar, em especial nos planos da definição, do levantamento e da avaliação das condutas que configuram práticas comerciais manifestamente desleais, com base em dados e exemplos concretos; exige um forte apoio a iniciativas de promoção do diálogo entre as partes sobre esta matéria; saúda o facto de as partes interessadas terem chegado a acordo sobre os princípios que regem as boas práticas, tal como apresentado ao Fórum de Alto Nível, em 29 de novembro de 2011, e exorta-as a adotar medidas de execução;

4.  Insta a Comissão a propor uma sólida legislação europeia – sempre que necessário e sem que tal perturbe o bom funcionamento dos mercados – para garantir relações mais equitativas e transparentes entre os produtores, os fornecedores e os distribuidores de produtos alimentares, e a aplicar devidamente a legislação em vigor, já que os últimos dados do Eurostat mostram que, desde 2009, o nível dos rendimentos agrícolas baixou 11,6% na UE, enquanto que os custos de produção para os agricultores europeus aumentaram quase 40%, em média, entre 2000 e 2010;

5.  Exorta a Comissão e os Estados-Membros a acometerem urgentemente o problema da distribuição injusta dos lucros ao longo da cadeia alimentar, especialmente no que diz respeito à adequação dos rendimentos dos agricultores; reconhece que, para estimular sistemas sustentáveis e éticos de produção, os agricultores têm de ser compensados pelos investimentos que fazem e pelos compromissos que assumem nestes domínios; destaca que cumpre substituir as relações de força por relações de cooperação;

6   Salienta que a política agrícola tem de permitir que os pequenos e médios agricultores, incluindo agricultores de explorações familiares, tenham um rendimento razoável, que lhes permita produzir alimentos suficientes e de qualidade adequada a preços acessíveis, criar empregos, promover o desenvolvimento rural e assegurar a proteção ambiental e a sustentabilidade;

7.  Insiste em que os Estados-Membros desempenhem um papel ativo no apoio aos fóruns de consulta existentes, bem como à criação de novos fóruns de consulta, com uma representação adequada de todos os intervenientes na cadeia de abastecimento alimentar, a fim de promover o diálogo e elaborar orientações que permitam o estabelecimento de relações mais equitativas e equilibradas; recorda que este tipo de consultas oficiais contribui para proteger os produtores e os fornecedores e evitar medidas retaliatórias por parte do setor da distribuição;

8.  Solicita às autoridades nacionais e europeias responsáveis pela concorrência e a outras entidades reguladoras associadas à produção e ao comércio que tomem medidas contra práticas de compra abusivas por parte de grossistas e retalhistas dominantes que, sistematicamente, colocam os agricultores numa posição de negociação extremamente desequilibrada;

9.  Apela a uma definição clara, rigorosa e objetiva de práticas abusivas e desleais, incluindo definições mais precisas dos conceitos e uma delimitação mais clara, em consonância com o mandato conferido à Comissão pela resolução sobre um mercado retalhista mais eficiente e mais justo, de modo a que tais práticas estejam sujeitas a regulamentação específica, a supervisão e a sanções objetivas;

10. Destaca a seguinte lista não exaustiva de práticas relativamente às quais os produtores levantaram questões relacionadas com o funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar:

     I) Acesso aos retalhistas:

i) Pagamento adiantado para fins de acesso à negociação

ii) Taxas de referenciação

iii) Taxas de entrada

iv) Tarifação do espaço de prateleiras

v) Imposição de promoções

vi) Luta contra os atrasos de pagamento

vii) Fixação de preços

          viii) Cláusula do cliente mais favorecido

     II) Condições contratuais desleais ou modificações unilaterais das condições contratuais:

i) Alterações unilaterais e retroativas das condições contratuais

ii) Rescisão unilateral do contrato

iii) Cláusulas/taxas de exclusividade

iv) Imposição de uma contribuição "forçada" para marcas privadas

v) Imposição de modelos de contrato-tipo

vi) Práticas de retaliação

vii) Acordos contratuais não escritos

viii) Recuperação da margem de lucro

ix) Descontos globais

x) Atrasos de pagamento

xi) Imposição de pagamento pelo tratamento/pela recolha de resíduos

xii) Compras em grupo/negociações conjuntas

xiii) Leilões invertidos

xiv) Condições irrealistas de entrega

xv) Imposição do recurso a um fornecedor (específico) de embalagens ou de material de embalagem

xvi) Imposição da utilização de uma plataforma logística ou operador (específicos)

xvii) Pagamento destinado a cobrir promoções (não previamente acordadas)

xviii) Encomenda sobredimensionada de um produto para fins de promoção

xix) Pagamento por não atingir determinados níveis de vendas

xx) Imposição aos fornecedores de um desconto adicional para vendas acima de um determinado nível

xxi) Retirada unilateral de produtos dos escaparates das lojas

xxii) Imposição de devolução incondicional de mercadoria (não vendida)

xxiii) Imposição aos fornecedores dos custos ligados à perda ou ao furto de mercadorias

xxiv) Imposição aos fornecedores dos custos excessivos relacionados com queixas de clientes;

11. Apela ao estabelecimento de um quadro para um controlo eficaz destas práticas, em primeiro lugar através da abertura de um inquérito a todo o setor, pela via administrativa ou judiciária, e, posteriormente, mediante um sistema de avaliação e supervisão operado pelos Estados-Membros e coordenado pela Comissão, acompanhado de sanções dissuasivas, a aplicar de forma efetiva e oportuna;

12. Apela, no que se refere às condições contratuais e às práticas comerciais abusivas, à introdução de meios mais adequados que visem garantir o respeito dos prazos de pagamento, tendo em conta o disposto na diretiva relativa aos atrasos de pagamento, e à criação de novos instrumentos que permitam minimizar e harmonizar a nível europeu o prazo entre a entrega e a receção efetiva do pagamento pelos fornecedores; salienta, neste contexto, a urgência de encontrar soluções para fazer face aos problemas específicos com que se deparam os produtores de bens perecíveis, com um curto prazo de comercialização, que são confrontados com graves problemas de liquidez;

13. Faz notar as medidas contidas nos projetos de propostas da Comissão respeitantes à reforma da PAC, que visam reforçar a posição dos agricultores na cadeia de abastecimento alimentar, mediante o apoio às organizações de produtores e às organizações intersectoriais e a promoção do estabelecimento de cadeias curtas entre produtores e consumidores, tais como os mercados para venda de produtos locais; acredita que o reforço da posição dos agricultores através de uma melhor organização interna e de uma abordagem mais profissional permitirá garantir a estes últimos uma parte mais equitativa da mais-valia;

14. Congratula-se com a recomendação da Comissão relativa à cooperação entre os Estados‑Membros no que se refere a um intercâmbio de boas práticas sobre a notificação das práticas contratuais e a elaboração de conjuntos de contratos-tipo;

15. Exorta a Comissão a melhorar a ferramenta europeia de monitorização dos preços e a desenvolver uma interface de mais fácil utilização, transparente e multilingue, que permita aos consumidores e às partes interessadas comparar os preços dos produtos alimentares de base em cada elo da cadeia de abastecimento alimentar num determinado Estado-Membro e entre diferentes Estados-Membros e que tenha também em conta as diferenças do custo de vida nos Estados-Membros;

16. Insta a Comissão a clarificar a aplicação das regras da concorrência no setor agrícola, com o objetivo de dotar os agricultores e as suas organizações intersectoriais de instrumentos que permitam melhorar a sua posição negocial; solicita que a legislação em vigor da União Europeia em matéria de concorrência seja avaliada e alterada, de molde a ter mais em conta os efeitos nefastos de uma concentração vertical em toda a cadeia de abastecimento alimentar, em vez de se concentrar de forma restritiva nas posições relativas de diferentes empresas no mercado e nas distorções da concorrência, baseando-se unicamente na perspetiva do prejuízo causado aos consumidores;

17. Insta a Comissão a proceder a uma melhor coordenação do trabalho dos seus diferentes serviços a fim de desempenhar um papel mais eficaz na vigilância dos preços ao longo da cadeia de abastecimento alimentar e no acompanhamento da dinâmica do comércio retalhista e das respetivas quotas de mercado em toda a União Europeia;   apela à criação de um Provedor do Comércio Alimentar independente que estabeleça a ligação com o comércio relevante, as autoridades da concorrência e com os provedores do comércio alimentar a nível nacional, em cada Estado-Membro, tendo em vista coordenar e partilhar informações; considera ainda que o Provedor de Justiça Europeu e os diferentes provedores nacionais devem ser competentes para assegurar o cumprimento da legislação pertinente em vigor e para recomendar sanções adequadas e em tempo útil;

18. Insta a Comissão a efetuar um estudo aprofundado das diferenças de abordagem entre as 27 autoridades e políticas nacionais em matéria de concorrência e a incentivar soluções que envolvam todos os intervenientes na cadeia de produção alimentar e que impeçam posições dominantes de um ou de apenas alguns elementos da cadeia de fatores de produção ou da cadeia de produção, as quais ocorrem frequentemente em detrimento do produtor agrícola;

19. Considera que deve ser realizada, com caráter prioritário, uma campanha de informação à escala europeia para elucidar os agricultores sobre os seus direitos contratuais, bem como sobre as práticas contratuais e comerciais ilegais, desleais e abusivas mais comuns, bem como sobre os meios de que dispõem para denunciar abusos;

20. Considera que a solução para resolver os desequilíbrios na cadeia de abastecimento alimentar inclui a autorregulação, embora requeira também regulamentação e ajustamentos à legislação em matéria de concorrência; realça que os Estados-Membros devem promover o desenvolvimento das melhores práticas e/ou códigos de conduta em parceria com todas as partes interessadas, associando os produtores, a indústria, os fornecedores, os retalhistas e os representantes dos consumidores, a fim de tirar o melhor proveito possível das sinergias existentes;

21. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho e à Comissão.