Proposta de resolução comum - RC-B9-0490/2021Proposta de resolução comum
RC-B9-0490/2021

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO COMUM sobre a lei relativa ao aborto no estado do Texas, EUA

6.10.2021 - (2021/2910(RSP))

apresentada nos termos do artigo 144.º, n.º 5, e do artigo 132.º, n.º 4, do Regimento
em substituição das propostas de resolução seguintes:
B9‑0490/2021 (The Left)
B9‑0491/2021 (Verts/ALE)
B9‑0497/2021 (Renew)
B9‑0498/2021 (S&D)

Andrea Cozzolino, Pedro Marques, Heléne Fritzon, Predrag Fred Matić
em nome do Grupo S&D
Abir Al‑Sahlani, Samira Rafaela, Petras Auštrevičius, Malik Azmani, Izaskun Bilbao Barandica, Olivier Chastel, Bernard Guetta, Svenja Hahn, Irena Joveva, Nathalie Loiseau, Karen Melchior, María Soraya Rodríguez Ramos, Nicolae Ştefănuță, Ramona Strugariu, Hilde Vautmans
em nome do Grupo Renew
Alice Kuhnke, Monika Vana, Grace O’Sullivan, Diana Riba i Giner, Gwendoline Delbos‑Corfield, Francisco Guerreiro, Yannick Jadot, Ignazio Corrao, Ernest Urtasun, Sylwia Spurek, Saskia Bricmont
em nome do Grupo Verts/ALE
Marisa Matias
em nome do Grupo The Left
Fabio Massimo Castaldo


Processo : 2021/2910(RSP)
Ciclo de vida em sessão
Ciclo relativo ao documento :  
RC-B9-0490/2021
Textos apresentados :
RC-B9-0490/2021
Debates :
Textos aprovados :

Resolução do Parlamento Europeu sobre a lei relativa ao aborto no estado do Texas, EUA

(2021/2910(RSP))

O Parlamento Europeu,

 Tendo em conta a comunicação conjunta da Comissão e do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, de 25 de novembro de 2020, intitulada «Terceiro Plano de Ação da UE em Matéria de Igualdade e de Género – Uma agenda ambiciosa para a igualdade de género e o empoderamento das mulheres na ação externa da UE» (JOIN(2020)0017),

 Tendo em conta o conjunto de orientações da OMS intitulado «Aborto seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde»,

 Tendo em conta o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 1966,

 Tendo em conta o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, de 1966,

 Tendo em conta a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), de 1979,

 Tendo em conta a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica («Convenção de Istambul»),

 Tendo em conta a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989,

 Tendo em conta a Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984,

 Tendo em conta a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006,

 Tendo em conta a declaração do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, de 14 de setembro de 2021, intitulada «UN experts denounce further attacks against right to safe abortion and Supreme Court complicity» [Peritos das Nações Unidas denunciam novos ataques contra o direito ao aborto seguro e a cumplicidade do Supremo Tribunal],

 Tendo em conta os artigos 2.º e 3.º do Tratado da União Europeia (TUE),

 Tendo em conta os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas acordados em 2015, nomeadamente os objetivos 3 e 5 relativos à promoção da saúde e à igualdade de género, respetivamente,

 Tendo em conta a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

 Tendo em conta a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada em 1994 no Cairo, e o seu Programa de Ação, bem como as conclusões das conferências de revisão do mesmo,

 Tendo em conta a Declaração de Nairobi sobre o 25.º aniversário da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD25), de 1 de novembro de 2019, intitulada «Acelerar a Promessa», os compromissos assumidos a nível nacional e pelos parceiros e as medidas colaborativas anunciadas na Cimeira de Nairobi,

 Tendo em conta a sua resolução, de 24 de junho de 2021, sobre a situação da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos na UE, no contexto da saúde das mulheres[1], que declara que o acesso aos cuidados de saúde reprodutiva é um pilar fundamental dos direitos humanos das mulheres, e que a recusa deste acesso constitui uma forma de violência contra as mulheres e raparigas,

 Tendo em conta a Plataforma de Ação de Pequim e as conclusões das respetivas conferências de revisão,

 Tendo em conta a Constituição dos Estados Unidos da América,

 Tendo em conta o acórdão Roe contra Wade, de 1973, confirmado nos acórdãos Planned Parenthood contra Casey e Whole Woman Health contra Hellerstedt, que estabelece na Constituição americana o direito de as mulheres grávidas decidirem se devem ou não continuar a sua gravidez antes de o feto ser viável fora do útero,

 Tendo em conta a lei n.º 8 de 2021 (SB8) do Senado do Texas relativa ao aborto, incluindo o aborto após a deteção do batimento cardíaco de um nascituro, que autoriza um direito privado de ação civil,

 Tendo em conta a decisão judicial do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, de 1 de setembro de 2021, que recusa bloquear a lei SB8 do Texas,

 Tendo em conta o artigo 144.º, n.º 5, e o artigo 132.º, n.º 4, do seu Regimento,

A. Considerando que, em 1 de setembro de 2021, o estado do Texas promulgou a lei SB8, que proíbe as mulheres de acederem a cuidados de aborto após a deteção de impulsos cardíacos fetais, ou seja, de facto, apenas seis semanas após o último ciclo menstrual, o que exige duas ecografias distintas antes de o procedimento poder ser realizado; que não são permitidas exceções, inclusive quando a gravidez resulta de violação ou incesto, ou quando o estado de saúde fetal é incompatível com uma vida duradoura após o parto; que a lei SB8 corresponde a uma proibição quase total do aborto;

B. Considerando que tanto os EUA como a UE reconhecem os direitos humanos como inalienáveis e inerentes a todos os seres humanos;

C. Considerando que a natureza fundamental da parceria transatlântica assenta nos nossos valores comuns, incluindo o respeito pelos direitos humanos;

D. Considerando que a igualdade de género, a capacitação de todas as mulheres e raparigas, a garantia de uma vida saudável, a erradicação da pobreza em toda a parte e a promoção do bem‑estar para todos, em todas as idades, são objetivos fundamentais estabelecidos nos ODS 1, 3 e 5; que todos os Estados membros das Nações Unidas assumiram deveres e obrigações para respeitar e promover estes objetivos estabelecidos nos ODS, nomeadamente as metas 3.7 e 5.6 sobre saúde e direitos sexuais e reprodutivos (SDSR);

E. Considerando que a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos se baseiam em direitos humanos fundamentais, protegidos na legislação internacional e europeia em matéria de direitos humanos, como o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, a CEDAW e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e constituem um elemento essencial da prestação de cuidados de saúde holísticos;

F. Considerando que o Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres e a Comissão das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência publicaram uma declaração conjunta, em agosto de 2018, frisando que o acesso ao aborto seguro e legal, bem como aos serviços e às informações relacionados, é um aspeto essencial da saúde reprodutiva das mulheres, e instando os países a porem termo às restrições da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e das raparigas, uma vez que tais restrições põem em perigo a sua saúde e a sua vida; que o acesso ao aborto é um direito humano, e que adiar ou recusar o acesso ao aborto é uma forma de violência baseada no género e pode constituir atos de tortura e/ou tratamentos cruéis, desumanos e degradantes; que a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos são metas no âmbito dos ODS 3 e 5 das Nações Unidas e que a violência baseada no género e a eliminação de todas as práticas prejudiciais contra as mulheres é uma meta no âmbito do ODS 5;

G. Considerando que o acesso a uma educação completa sobre sexualidade e relações afetivas, e a SDSR, nomeadamente ao planeamento familiar, a métodos contracetivos e ao aborto seguro e legal, bem como a autonomia e a capacidade de todas as pessoas tomarem decisões livres e independentes sobre o seu corpo e a sua vida, é uma condição prévia para a sua independência e, por conseguinte, essencial para alcançar a igualdade de género em todos os domínios da vida privada e pública, inclusivamente a participação no mercado de trabalho e na política, e para eliminar a violência baseada no género; que se aplica o princípio «o meu corpo, a minha escolha»;

H. Considerando que o envolvimento de homens e rapazes na saúde e nos direitos sexuais e reprodutivos é um objetivo e um pré‑requisito para alcançar uma igualdade sustentável;

I. Considerando que a concretização da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos é um elemento essencial da dignidade humana e está intrinsecamente ligada à realização da igualdade de género e à luta contra a violência de género; que a participação das mulheres e das raparigas na formulação das leis e políticas que as afetam e que dizem respeito aos seus direitos humanos, nomeadamente em matéria de SDSR e aborto, e a garantia de que podem ter acesso à justiça e a vias de recurso em caso de violação dos seus direitos, é fundamental para alcançar a igualdade de género;

J. Considerando que o direito ao respeito pela integridade física e mental de uma pessoa está no cerne da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia;

K. Considerando que, no processo histórico Roe contra Wade, o Supremo Tribunal legalizou o aborto em todos os EUA, o que estabeleceu na Constituição americana o direito de as mulheres grávidas decidirem se devem ou não continuar uma gravidez antes de o feto ser viável fora do útero; que a decisão foi confirmada nos acórdãos Planned Parenthood contra Casey e Whole Woman’s Health contra Hellerstedt;

L. Considerando que 12 outros estados dos EUA aprovaram leis de proibição do aborto no início da gravidez, mas que, em todos os casos, a sua entrada em vigor foi bloqueada por terem sido declaradas inconstitucionais por tribunais federais;

M. Considerando que a lei SB8 proíbe o aborto após cerca de seis semanas de gravidez e que, tendo em conta que, antes da lei SB8, cerca de 85 a 90 % das mulheres que receberam cuidados de aborto no Texas estavam grávidas de pelo menos seis semanas, a lei conduzirá, de facto, ao fim dos cuidados de aborto no estado;

N. Considerando que a lei SB8 foi concebida para dispensar os funcionários governamentais da aplicação da lei, mas que, ao invés, incentiva cidadãos privados a procurar recompensas monetárias processando qualquer pessoa que preste cuidados de aborto ou ajude alguém a obter esses cuidados no estado, o que, muito provavelmente, conduzirá a um assédio legalizado dos prestadores de cuidados de saúde, das mulheres que necessitam de cuidados de aborto e de qualquer pessoa que as ajude, incluindo os seus entes queridos; que a lei SB8 terá, em todo o caso, um efeito dissuasor sobre os prestadores de cuidados de saúde;

O. Considerando que o Comité para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres observou que a criminalização do aborto não tem qualquer valor dissuasor; que, tal como assinalado pelo Grupo de Trabalho sobre a discriminação contra as mulheres e as raparigas, nos casos em que existem restrições legais ao aborto, a interrupção segura da gravidez torna‑se um privilégio das mulheres favorecidas em termos socioeconómicos, ao passo que as mulheres com recursos limitados são forçadas a recorrer a abortos não seguros e clandestinos, colocando assim em risco a sua vida e saúde; que, como já se observou noutros casos de restrições ao aborto, a lei SB8 afetará de forma desproporcionada as pessoas que já enfrentam discriminações ou obstáculos no acesso aos cuidados de saúde, nomeadamente as pessoas racializadas, as minorias étnicas, as mulheres sem documentos e as que vivem com baixos rendimentos ou em zonas rurais e que não dispõem de meios para viajar para aceder a estes serviços;

P. Considerando que proibir o aborto e, por conseguinte, forçar as mulheres a procurar abortos perigosos resulta num aumento da mortalidade materna, mortes que são totalmente evitáveis;

Q. Considerando que o Texas já adotou 26 restrições ao aborto na última década, incluindo a proibição deste ano do aborto após as seis semanas de gravidez e uma proibição do aborto que produziria efeitos em caso de anulação do acórdão Roe contra Wade; que, durante este período, o número de clínicas de aborto no estado diminuiu de 46 em 2011 para apenas 21 clínicas em 2017; que tal significa que as mulheres não podem ter acesso aos cuidados de que necessitam;

R. Considerando que o acesso ao aborto já era difícil no Texas e noutras regiões dos Estados Unidos, e que as pessoas que enfrentam obstáculos à obtenção de cuidados de saúde, nomeadamente os grupos marginalizados e vulneráveis, e sobretudo as pessoas com rendimentos mais baixos, são aquelas que se sentem mais afetadas por uma proibição como a da lei SB8;

S. Considerando que, com a proibição do aborto para todos os efeitos no Texas, as pacientes estão a procurar clínicas de saúde reprodutiva em estados vizinhos e a sobrecarregar as frágeis infraestruturas de aborto da região; que, todos os anos, mais de 56 000 abortos são realizados no estado do Texas; que se afigura pouco provável que os estados vizinhos possam acolher todas as pacientes que normalmente realizariam abortos após a promulgação da lei SB8;

T. Considerando que, entre as adolescentes com idades compreendidas entre os 15 e os 19 anos, as complicações ligadas à gravidez e ao parto são a principal causa de morte a nível mundial; que a Comissão dos Direitos da Criança insta os países a descriminalizarem o aborto e a garantirem que as raparigas tenham acesso a serviços de aborto seguros; que a gravidez na adolescência agrava o ciclo da pobreza; que o Texas é o sétimo estado americano com as taxas mais elevadas de mães adolescentes e de gravidez repetida na adolescência; que as taxas de gravidez são particularmente elevadas nas adolescentes hispânicas e afro‑americanas, assim como nas raparigas com baixos níveis de escolaridade, nas que vivem em zonas rurais e em estruturas de acolhimento, e nas que vivem em situação de pobreza; que as mães adolescentes são significativamente mais suscetíveis de interromper os seus estudos e de enfrentar o desemprego; que 65 % das crianças nascidas de pais jovens no Texas vivem em situação de pobreza e são mais suscetíveis de ter problemas de saúde e baixos níveis de escolaridade;

U. Considerando que a lei SB8 é uma das medidas mais radicais contra o aborto nos EUA, proibindo no estado abortos após ser detetável a atividade cardíaca fetal, com exceção apenas para emergências médicas, mas não para violação, incesto ou condições de saúde fetais incompatíveis com uma vida duradoura após o parto; que esta lei é uma forma de violência baseada no género que pode constituir tortura ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes;

V. Considerando que o Centro para os Direitos Reprodutivos e os seus parceiros apresentaram um pedido urgente ao Supremo Tribunal dos EUA, em 30 de agosto de 2021, para bloquear a entrada em vigor da lei no Texas;

W. Considerando que mais de 300 advogados do Texas se opuseram ao projeto de lei, declarando que este comprometia as regras e os fundamentos de longa data do sistema jurídico; que mais de 200 médicos de todo o Texas manifestaram profunda preocupação quanto à sua capacidade para administrar cuidados de saúde, alertando para o facto de a lei criar um «efeito inibidor» que impediria os médicos de mais de 30 especialidades, nomeadamente os cuidados primários, a medicina de emergência, a obstetrícia e ginecologia, e a medicina interna, de informarem as suas pacientes sobre todas as opções de gravidez, por receio de ações judiciais improcedentes;

X. Considerando que os peritos das Nações Unidas em matéria de direitos humanos denunciaram a adoção da lei SB8 como alarmante, assim como os danos que a proibição causará às mulheres grávidas no Texas e, em particular, às mulheres de comunidades marginalizadas, às mulheres com baixos rendimentos, às mulheres que vivem em zonas rurais, às mulheres de minorias raciais e étnicas, e às mulheres migrantes, que serão desproporcionadamente afetadas por esta proibição, e apelaram ao Governo dos EUA para que impeça o retrocesso no acesso ao aborto e, ao invés, adote medidas positivas para garantir o acesso ao aborto legal e seguro;

Y. Considerando que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos, por uma votação de cinco a quatro, decidiu contra o bloqueio da lei do Texas, concluindo que os demandantes não tinham abordado suficientemente as «questões processuais complexas e inovadoras antecedentes»;

Z. Considerando que, em 9 de setembro de 2021, o Departamento de Justiça dos EUA intentou uma ação contra o Texas, alegando que a proibição viola o direito constitucional de uma pessoa a um aborto antes de o feto ser viável fora do útero, e que o tribunal federal distrital marcou para 1 de outubro de 2021 uma audiência de providência cautelar;

AA. Considerando que o Presidente Biden declarou que o projeto de lei representa uma «violação sem precedentes dos direitos constitucionais da mulher», prometendo um «esforço de todo o governo» para combater a lei e apelando a que «as mulheres no Texas tenham acesso a abortos seguros e legais»; que Biden afirmou, na sua declaração, que a administração Biden‑Harris lutará sempre para proteger o acesso aos cuidados de saúde e para defender o direito das mulheres a tomarem decisões sobre o seu corpo e a determinarem o seu futuro;

AB. Considerando que o relatório do Guttmacher Institute, de setembro de 2019, intitulado «Abortion Incidence and Service Availability in the United States, 2017» [Incidência do aborto e disponibilidade dos serviços nos Estados Unidos, 2017], assinalou uma tendência preocupante para o aumento das tentativas de aborto autoprovocado sem assistência médica e potencialmente perigosas em estados americanos com restrições de acesso aos cuidados de saúde reprodutiva;

1. Associa‑se às vozes que, em todos os EUA, condenam fortemente a adoção pela legislatura do Texas do projeto de lei SB8, que, de facto, equivale a uma proibição total do aborto, sem exceções para casos de violação, incesto ou condições de saúde fetais incompatíveis com uma vida duradoura após o parto, e que representa um forte ataque à liberdade das mulheres e à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos, que são direitos humanos fundamentais, e uma violação dos direitos constitucionais das mulheres nos EUA; manifesta profunda preocupação com a forma como esta proibição agravará o trauma sofrido pelas vítimas de violação e de incesto;

2. Insta o Governo do estado do Texas a revogar rapidamente a lei SB8, a garantir serviços de aborto seguros, legais, gratuitos e de boa qualidade e a tornar estes serviços facilmente acessíveis a todas as mulheres e raparigas;

3. Manifesta o seu apoio e a sua firme solidariedade para com as mulheres do Texas e as pessoas envolvidas na prestação e na proteção dos cuidados de saúde relacionados com o aborto nestas circunstâncias tão difíceis;

4. Saúda os esforços do Presidente Joe Biden no sentido de encorajar o Conselho e o Gabinete do Conselheiro Jurídico da Casa Branca a lançarem uma ação abrangente do governo em resposta a esta decisão, de molde a garantir que as mulheres do Texas tenham acesso a abortos seguros e legais, em conformidade com o acórdão Roe contra Wade; congratula‑se com o facto de, na sexta‑feira, 1 de outubro de 2021, a administração do Presidente Joe Biden ter instado um juiz a bloquear a proibição do aborto imposta pelo Texas;

5. Manifesta o seu total apoio e solidariedade para com os profissionais de saúde e as pessoas envolvidas em ações judiciais contra o projeto de lei n.º 8 do Senado, na esperança de que o seu trabalho resulte na restauração do direito das mulheres texanas a cuidados de saúde reprodutiva; reconhece o papel desempenhado pelas ONG na qualidade de prestadores de serviços e também de defensores da SDSR nos EUA e incentiva‑as a prosseguirem o seu trabalho de defesa destes direitos fundamentais; afirma que estas ONG necessitam de um nível adequado de financiamento para poderem funcionar;

6. Sublinha que, em 14 de setembro de 2021, os peritos das Nações Unidas salientaram que os direitos humanos das mulheres são direitos fundamentais que não podem ser subordinados a considerações de ordem cultural, religiosa ou política e que, além disso, a influência da interferência motivada por motivos ideológicos e religiosos em questões de saúde pública tem sido particularmente prejudicial para a saúde e o bem‑estar das mulheres e das raparigas;

7. Lamenta profundamente que o Supremo Tribunal dos EUA, através de uma decisão fortemente dividida (quatro votos contra cinco), tenha recusado pronunciar‑se sobre a suspensão da introdução de tal projeto de lei sem precedentes; recorda que esta decisão não significa que a lei tenha sido considerada constitucional;

8. Exorta o Presidente Joe Biden a prosseguir os seus esforços para garantir o acesso a abortos legais e seguros; incentiva a que se redobrem os esforços para assegurar que o aborto e a contraceção sejam integrados na prestação de informações e serviços abrangentes em matéria de SDSR, que sejam universalmente acessíveis, e tendo em vista garantir um acesso contínuo em situações de emergência, como a pandemia de COVID‑19;

9. Insta o Governo dos Estados Unidos a despenalizar totalmente o aborto, o que exige não só pôr termo à penalização das mulheres e das raparigas grávidas, dos prestadores de cuidados de saúde e de outras pessoas que recorrem a serviços de aborto, que prestam assistência na matéria ou que prestam estes serviços, mas também eliminar o aborto do direito penal e abolir todas as outras leis, políticas e práticas punitivas;

10. Convida o Governo dos Estados Unidos a criar uma proteção jurídica federal para o acesso universal ao aborto; frisa que a saúde é um direito humano e que o Estado tem a obrigação de proporcionar cuidados de saúde acessíveis a todos;

11. Exorta o Congresso dos Estados Unidos a aprovar uma proteção jurídica federal para o acesso ao aborto através da Lei sobre a Proteção da Saúde das Mulheres (WHPA), que foi recentemente aprovada na Câmara dos Representantes dos EUA numa votação histórica e que protege o aborto da imposição de proibições e restrições a nível estadual;

12. Salienta que leis altamente restritivas que proíbem o aborto não reduzem a necessidade de abortos, mas levam a que as mulheres tenham de procurar abortos clandestinos, viajar para realizar abortos ou levar a gravidez a termo contra a sua vontade, o que constitui uma violação dos direitos humanos e uma forma de violência baseada no género que afeta os direitos das mulheres e das raparigas à vida, à integridade física e mental, à igualdade, à não discriminação e à saúde;

13. Salienta que só a educação, a informação e o acesso universal à contraceção, a erradicação da violência sexual e a responsabilidade partilhada pela contraceção podem reduzir o número de gravidezes involuntárias; destaca que deve ser dada prioridade ao acesso universal à educação sobre sexualidade e relações afetivas, adequada à idade e baseadas em dados concretos, a uma gama de métodos e produtos contracetivos modernos de elevada qualidade universalmente acessíveis, a aconselhamento em matéria de planeamento familiar e a informações sobre contraceção, bem como à garantia de cuidados legais e seguros em matéria de aborto;

14. Manifesta a sua profunda preocupação pelo facto de esta lei afetar de forma desproporcionada as pessoas que enfrentam dificuldades socioeconómicas, as pessoas que vivem em zonas rurais, as pessoas racializadas, as pessoas LGBTIQ+ e as pessoas vítimas de discriminação múltipla e interseccional, sobretudo grupos de mulheres vulneráveis que, devido a barreiras financeiras ou logísticas, não podem permitir‑se viajar para procurar clínicas de saúde reprodutiva em países vizinhos, o que as expõe a um maior risco de serem submetidas a procedimentos que colocam a sua vida em perigo e de serem forçadas a levar a termo a sua gravidez contra a sua vontade;

15. Questiona profundamente o contexto moral e, além disso, manifesta preocupação com a conceção desta lei, que habilita e dá incentivos monetários a cidadãos privados para processar qualquer pessoa que possa ter ajudado mulheres a realizar um aborto, como os médicos que praticam abortos ou os defensores dos cuidados de aborto, abrindo assim as portas ao assédio e a ações judiciais improcedentes de milícias anti‑aborto e lançando as bases para uma «caças às bruxas» no século XXI;

16. Insta o Governo dos Estados Unidos a pôr termo a qualquer sistema de aplicação estadual ou individual de proibições do aborto baseado em recompensas e que crie um clima de medo e intimidação;

17. Demonstra profunda preocupação com o efeito da lei do Texas noutros estados dos EUA, que se sentirão encorajados pela inação do Supremo Tribunal dos EUA e tentarão adotar proibições do aborto em todo o país, como já se observou na Florida;

18. Afirma que esta lei, uma das 26 restrições ao aborto já aprovada no Texas na última década, constitui mais uma tentativa de lesar os direitos das mulheres e a sua liberdade reprodutiva, assim como o seu direito a cuidados de saúde, e não tem em conta nem os direitos constitucionais das mulheres nem a vontade do povo;

19. Manifesta a sua preocupação pelo facto de esta lei conduzir não só a uma proibição de facto do aborto, mas também de violar de forma flagrante os direitos humanos das mulheres, em total desrespeito das normas internacionais em matéria de direitos humanos, nomeadamente o princípio do não retrocesso, e de limitar o acesso aos cuidados de saúde mediante a redução do número de estruturas de prestação de cuidados que tratam mulheres, o que resulta numa disparidade em termos de prestação de cuidados às mulheres e coloca ainda mais em risco as suas vidas;

20. Condena veementemente o retrocesso em matéria de direitos das mulheres e de SDSR que se verifica nos EUA e a nível mundial, e insta o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), a Comissão e todos os Estados‑Membros da UE a utilizarem todos os instrumentos ao seu dispor para reforçar as suas ações para contrariar tal retrocesso; relembra que a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos são direitos humanos fundamentais que devem ser reforçados e que não podem, de forma alguma, ser reduzidos ou retirados;

21. Destaca que, em linha com a Plataforma de Ação de Pequim e o Programa de Ação da CIPD, é necessário proteger o direito de todas as pessoas à integridade e autonomia físicas e garantir o acesso a serviços essenciais que assegurem o exercício deste direito; apela a uma abordagem abrangente no pacote essencial de saúde sexual e reprodutiva, incluindo medidas para prevenir e evitar abortos perigosos, bem como a prestação de cuidados pós‑aborto, a integrar nas estratégias, políticas e programas nacionais de cobertura universal de saúde;

22. Manifesta a sua preocupação com a futura apreciação do acórdão Roe contra Wade pelo Supremo Tribunal e com a possibilidade de este acórdão revolucionário, que garante os direitos das mulheres, poder ser anulado num futuro próximo; receia que esta situação tenha um impacto grave e abrangente no acesso aos cuidados de saúde e na livre escolha das mulheres noutros estados, dado que outros 11 estados têm atualmente em vigor leis de proibição do direito ao aborto que entrariam automaticamente em vigor («trigger laws») em caso de revogação do acórdão Roe contra Wade;

23. Congratula‑se com o levantamento, pela Administração Biden, da lei da mordaça global anti‑aborto e com a sua intenção de restabelecer o financiamento dos EUA ao Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP), a agência das Nações Unidas para a saúde sexual e reprodutiva; insta a que este restabelecimento da atribuição de fundos entre em vigor sem demora;

24. Recorda que um dos cinco pilares do GAP III do SEAE é a promoção da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos; exorta a UE e os seus Estados‑Membros a garantirem que as cláusulas relativas aos direitos humanos, nomeadamente o direito a abortos livres e seguros, sejam respeitadas e promovidas em todas as relações internacionais com os EUA;

25. Convida a delegação da UE nos EUA a acompanhar a situação da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos no Texas e noutros estados e a dar prioridade à SDSR nas suas relações com as autoridades competentes dos EUA e na sua aplicação local do GAP III;

26. Insta a UE e os Estados‑Membros a oferecerem todo o apoio possível, incluindo apoio financeiro, às organizações da sociedade civil baseadas nos EUA que protegem e promovem a SDSR no país, como expressão do seu compromisso universal para com estes direitos; convida ainda os Estados‑Membros a proporcionarem um refúgio seguro a todos os profissionais de saúde que possam estar em risco de perseguição legal ou de outras formas de assédio em resultado do seu trabalho legítimo; recorda que a proibição total dos cuidados de aborto ou a recusa de cuidados de aborto constitui uma forma de violência baseada no género;

27. Exorta o Representante Especial da UE para os Direitos Humanos a denunciar esta violação dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres nas suas interações com funcionários dos EUA;

28. Solicita ao Vice‑Presidente da Comissão/Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança que, nas suas interações com funcionários dos EUA, condene e denuncie esta violação dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e do direito destas a cuidados de saúde;

29. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, ao Vice‑Presidente da Comissão/Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, ao Representante Especial da UE para os Direitos Humanos, ao Presidente dos Estados Unidos da América e à sua Administração, ao Congresso dos Estados Unidos e ao governador e à legislatura do estado do Texas.

 

Última actualização: 6 de Outubro de 2021
Aviso legal - Política de privacidade