PROPOSTA DE RESOLUÇÃO COMUM sobre as violações dos direitos humanos no Uganda e na Tanzânia relacionadas com os investimentos em projetos de combustíveis fósseis
14.9.2022 - (2022/2826(RSP))
em substituição das propostas de resolução seguintes:
B9‑0409/2022 (S&D)
B9‑0410/2022 (Renew)
B9‑0412/2022 (PPE)
Tomáš Zdechovský, Gheorghe Falcă, David McAllister, Magdalena Adamowicz, Sara Skyttedal, Peter Pollák, José Manuel Fernandes, Adam Jarubas, Elżbieta Katarzyna Łukacijewska, Michaela Šojdrová, Paulo Rangel, Christian Sagartz, Sandra Kalniete, Seán Kelly, Benoît Lutgen, Vladimír Bilčík, Stelios Kympouropoulos, Miriam Lexmann, Michael Gahler, Isabel Wiseler‑Lima, Ivan Štefanec, Jiří Pospíšil, Stanislav Polčák, Janina Ochojska, Loucas Fourlas, Romana Tomc, Andrey Kovatchev, Traian Băsescu
em nome do Grupo PPE
Pedro Marques, Andrea Cozzolino, Pierre Larrouturou, Maria Arena
em nome do Grupo S&D
Katalin Cseh, Petras Auštrevičius, Izaskun Bilbao Barandica, Olivier Chastel, Vlad Gheorghe, Klemen Grošelj, Bernard Guetta, Ilhan Kyuchyuk, Karen Melchior, Urmas Paet, Frédérique Ries, María Soraya Rodríguez Ramos, Nicolae Ştefănuță, Ramona Strugariu, Dragoş Tudorache, Hilde Vautmans
em nome do Grupo Renew
Beata Kempa, Fabio Massimo Castaldo
Resolução do Parlamento Europeu sobre as violações dos direitos humanos no Uganda e na Tanzânia relacionadas com os investimentos em projetos de combustíveis fósseis
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre o Uganda e a Tanzânia,
– Tendo em conta as Orientações da UE relativas aos Defensores dos Direitos Humanos e as Diretrizes da UE em Matéria de Direitos Humanos relativas à Liberdade de Expressão em Linha e Fora de Linha,
– Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, da qual o Uganda é signatário, e nomeadamente o seu artigo 9.º,
– Tendo em conta o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 16 de dezembro de 1966, ratificado pelo Uganda em 21 de junho de 1995, e nomeadamente o artigo 9.º, que garante o direito à liberdade face à prisão ou ao internamento arbitrário,
– Tendo em conta a Declaração sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos ou Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais Universalmente Reconhecidos, também conhecida por Declaração das Nações Unidas sobre os Defensores de Direitos Humanos, aprovada em 9 de dezembro de 1998,
– Tendo em conta o Acordo de Paris, adotado na 21.ª Conferência das Nações Unidas das Partes na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, em Paris, em 12 de dezembro de 2015, e assinado em 22 de abril de 2016, entre outros, por todos os países da UE, pelo Uganda e pela Tanzânia,
– Tendo em conta a Estratégia Comum África-UE,
– Tendo em conta a resolução aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 28 de julho de 2022, votada por 161 países, incluindo todos os Estados-Membros da UE, que declara o acesso a um ambiente limpo e saudável um direito humano universal,
– Tendo em conta o artigo 144.º, n.º 5, e o artigo 132.º, n.º 4, do seu Regimento,
A. Considerando que o projeto de investimento no lago Albert reúne vários parceiros, sendo a empresa petrolífera multinacional francesa TotalEnergies (Total) o principal investidor, juntamente com a China National Offshore Oil Corporation, a Uganda National Oil Company e a Tanzania Petroleum Development Corporation; que a produção deste projeto será encaminhada para o porto tanzaniano de Tanga através de um oleoduto transfronteiriço, o East African Crude Oil Pipeline (EACOP); que a construção do EACOP foi lançada em 1 de fevereiro de 2022 e este oleoduto deverá estar concluído até 2025; que a Total deu início a dois grandes projetos de exploração petrolífera no Uganda, um dos quais é o projeto Tilenga, que envolverá a extração de petróleo na área natural protegida das quedas de água de Murchison (Murchison Falls);
B. Considerando que se prevê que as fases de construção e de funcionamento causem outros impactos nocivos e graves para as comunidades nas zonas de extração de petróleo e do oleoduto, nomeadamente pondo em risco os recursos hídricos e prejudicando de forma irremediável os meios de subsistência de agricultores, pescadores e empresários do setor do turismo que dependem da riqueza em recursos naturais desta região; que as instalações offshore para o EACOP na costa da Tanzânia serão construídas numa zona de alto risco para maremotos, pondo em perigo as zonas marinhas protegidas; que estes riscos foram assinalados pela Comissão de Avaliação Ambiental dos Países Baixos no seu «exame consultivo da nova avaliação de impacto ambiental e social do EACOP», salientando, em particular, que a técnica proposta para as travessias de água e de zonas húmidas (valas abertas) tem potencial para exercer impactos negativos significativos, em particular nas zonas húmidas;
C. Considerando que os riscos e impactos originados pelos campos petrolíferos e pela instalação das infraestruturas do oleoduto já são considerados imensos e foram exaustivamente documentados em numerosas avaliações de impacto de base comunitária e em estudos de peritos independentes; que se prevê que o projeto ponha em perigo reservas e habitats naturais; que, apesar de os parceiros do projeto terem anunciado os seus benefícios económicos e para o emprego, muitos africanos da África Oriental e organizações da sociedade civil da África Oriental continuam a manifestar uma forte oposição à construção do oleoduto e dos projetos conexos, alegando que o seu impacto nas comunidades locais e no ambiente não vale o risco assumido;
D. Considerando que a maior parte da produção prevista para este projeto petrolífero em grande escala seria obtida e comercializada depois de 2030; que a extração de petróleo no Uganda geraria até 34 milhões de toneladas de emissões de carbono por ano; que, num seu relatório de 2021, a Agência Internacional de Energia (AIE) alertou para o facto de que limitar o aquecimento global a 1,5 °C para evitar os impactos mais destrutivos das alterações climáticas exigiria que as novas explorações de petróleo e gás cessassem imediatamente; que vários peritos ambientais e climáticos assinalaram várias falhas críticas nestas avaliações de impacto ambiental e social, considerando inevitável que «derrames de petróleo venham a ocorrer no EACOP ao longo da vida do projeto»;
E. Considerando que, na sua comunicação de 24 de janeiro de 2022, os quatro Relatores Especiais das Nações Unidas sobre a situação dos defensores dos direitos humanos manifestam a sua preocupação com as detenções, a intimidação e o assédio judicial de defensores dos direitos humanos e de organizações não governamentais (ONG) que trabalham no setor do petróleo e do gás no Uganda; que vários defensores dos direitos humanos, jornalistas e intervenientes da sociedade civil foram alegadamente vítimas de criminalização, intimidação e assédio, incluindo Maxwell Atuhura, um defensor dos direitos ambientais e um responsável de uma ONG no terreno em Buliisa, o Instituto Africano para a Governação Energética (Africa Institute for Energy Governance), que viu a sua casa arrombada e foi arbitrariamente detido; Federica Marsi, uma jornalista italiana, detida arbitrariamente em 25 de maio de 2021; Joss Kaheero Mugisa, o presidente da ONG Oil and Gas Human Rights Defenders Association (uma associação de defensores dos direitos humanos no contexto do petróleo e gás), que passou 56 noites na prisão sem ter sido condenada por um tribunal; Robert Birimuye, líder de um grupo de pessoas afetadas pelo projeto do EACOP no distrito de Kyotera, que foi detido arbitrariamente; Yisito Kayinga Muddu, coordenador da Rede da Fundação para a Transformação da Comunidade (COTFONE – Community Transformation Foundation Network), cuja casa e gabinete foram arrombados no mesmo dia; e Fred Mwesigwa, que testemunhou no processo contra a TotalEnergies em França e foi posteriormente ameaçado de homicídio;
F. Considerando que, desde 2019, a Total tem enfrentado ações judiciais em França devido a alegações de que não pôs em prática um plano de vigilância adequado que abranja os riscos para a saúde, a segurança, o ambiente e os direitos humanos, tal como exigido pela legislação francesa sobre o «dever de vigilância», alegações relacionadas com os projetos Tilenga e EACOP e o seu impacto nos direitos humanos; que, uma vez que os recursos da Total foram rejeitados pelo Tribunal de Cassação francês em dezembro de 2021, o processo deverá ser agora apreciado quanto ao mérito e a decisão ainda está pendente;
G. Considerando que uma missão da delegação da UE e das embaixadas de França, Bélgica, Dinamarca, Noruega e Países Baixos foi impedida de entrar na zona petrolífera em 9 de novembro de 2021;
H. Considerando que quase 118 000 pessoas são afetadas por estes projetos petrolíferos: que algumas viram as suas casas destruídas para facilitar a construção de estradas de acesso ou refinaria, ao passo que outras se viram expropriadas de parte ou da totalidade dos seus terrenos e perderam o direito de utilizar livremente as suas propriedades, e por conseguinte os seus meios de subsistência, sem pagamento prévio de uma compensação justa e adequada; que a compensação paga é com frequência demasiado baixa para permitir que os agricultores que foram expropriados adquiram terras comparáveis para continuarem a exercer a sua atividade agrícola, dificultando-lhes gravemente a obtenção de rendimentos e o seu modo de vida, ou a priori impossibilitando-o definitivamente, de tal forma que as pessoas deslocadas já não conseguem gerar rendimentos suficientes para alimentarem as suas famílias, enviar os seus filhos para a escola ou aceder a cuidados de saúde; que os direitos das comunidades indígenas ao consentimento livre, prévio e informado não estão a ser respeitados em conformidade com as normas internacionais;
1. Manifesta a sua profunda preocupação com as violações dos direitos humanos no Uganda e na Tanzânia relacionadas com investimentos em projetos de combustíveis fósseis, incluindo a detenção indevida de defensores dos direitos humanos, a suspensão arbitrária de ONG, penas de prisão arbitrárias e o despejo de centenas de pessoas das suas terras sem uma compensação justa e adequada; expressa a sua preocupação com as detenções, os atos de intimidação e o assédio judicial de que são alvo defensores dos direitos humanos e ONG que trabalham no setor do petróleo e do gás no Uganda; solicita às autoridades que garantam que os defensores dos direitos humanos, os jornalistas e os grupos da sociedade civil sejam livres de realizar o seu trabalho em comunidades em risco e apela à libertação imediata de todos os defensores dos direitos humanos detidos arbitrariamente;
2. Exorta os governos do Uganda e da Tanzânia a tomarem medidas concretas para garantir que as autoridades, as forças de segurança e as políticas respeitem e cumpram as normas em matéria de direitos humanos; insiste, designadamente, para que a UE e outros intervenientes internacionais mantenham e reforcem a sua abordagem integrada e coordenada em relação ao Uganda, o que inclui a promoção da boa governação, da democracia e dos direitos humanos, bem como o reforço do sistema judicial e do Estado de direito, e exorta a UE e os seus Estados-Membros a manifestarem estas preocupações através dos canais públicos e diplomáticos; exorta o Governo do Uganda a voltar a autorizar as 54 ONG que foram arbitrariamente encerradas ou suspensas e a permitir às pessoas que foram deslocadas sem receberem uma compensação justa e adequada o acesso às suas terras;
3. Recorda que mais de 100 000 pessoas correm um risco iminente de deslocação na sequência do projeto EACOP sem garantias adequadas de devida compensação; exorta as pessoas que foram expulsas ou a quem foi negado o acesso às suas terras a serem indemnizadas de forma rápida, justa e adequada, tal como previsto na Constituição do Uganda e prometido pelas empresas; solicita às autoridades que tomem novas medidas para compensar adequadamente as pessoas por bens e terras perdidos, proteger os direitos das comunidades locais à saúde, ao seu ambiente, aos seus meios de subsistência e às liberdades cívicas, e compensar as pessoas afetadas por operações petrolíferas nas últimas décadas; exorta ambos os governos a atualizarem as suas legislações nacionais em matéria de aquisição, avaliação e reinstalação, a fim de assegurar o seu alinhamento com as normas regionais e internacionais, incluindo o direito ao consentimento livre, prévio e informado;
4. Reitera o seu apelo às autoridades ugandesas para que permitam um acesso livre, significativo e sem entraves à zona de atividade petrolífera por parte de organizações da sociedade civil, jornalistas independentes, observadores internacionais e investigadores;
5. Reitera o seu apelo a uma diretiva sólida e ambiciosa relativa ao obrigatório dever de diligência das empresas e a um ambicioso instrumento internacional juridicamente vinculativo para fazer face às obrigações em matéria de direitos humanos, ambiente e clima, tal como referido na sua resolução de 10 de março de 2021, que contém recomendações à Comissão sobre o dever de diligência das empresas e a responsabilidade empresarial[1];
6. Exorta a UE e a comunidade internacional a exercerem a máxima pressão sobre as autoridades ugandesas e tanzanianas, bem como sobre os promotores de projetos e as partes interessadas, para protegerem o ambiente e porem termo às atividades extrativas em ecossistemas protegidos e sensíveis, incluindo as margens do lago Albert, e a comprometerem-se a utilizar os melhores meios disponíveis para preservar a cultura, a saúde e o futuro das comunidades afetadas, bem como a explorar alternativas em consonância com os compromissos internacionais em matéria de clima e biodiversidade; exorta os promotores do projeto EACOP no Uganda e na Tanzânia a resolverem todos os litígios que deveriam ter sido resolvidos antes do lançamento do projeto e a terem em conta todos os riscos acima referidos que ameaçam este projeto; insta a TotalEnergies a aguardar um ano antes de lançar o projeto para estudar a viabilidade de uma via alternativa para proteger melhor os ecossistemas protegidos e sensíveis e os recursos hídricos do Uganda e da Tanzânia, limitando a vulnerabilidade das bacias hidrográficas na região africana dos Grandes Lagos, que são um recurso essencial para a região, e a explorar projetos alternativos baseados em energias renováveis para um melhor desenvolvimento económico;
7. Encarrega a sua Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, ao Vice-Presidente da Comissão/Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, ao Representante Especial da União Europeia para os Direitos Humanos, ao Presidente da República do Uganda, ao Presidente da República da Tanzânia e aos presidentes dos parlamentos do Uganda e da Tanzânia.
- [1] JO C 474 de 24.11.2021, p. 11.