Resolução do Parlamento Europeu sobre a luta contra a fome e a pobreza
O Parlamento Europeu,
‐ Tendo em conta a Declaração de Nova Iorque contra a Fome e a Pobreza, de 20 de Setembro de 2004, assinada por 111 Governos nacionais, incluindo a totalidade dos Governos dos Estados-Membros da União Europeia,
‐ Tendo em conta a Declaração do Milénio das Nações Unidas, de 8 de Setembro de 2000, que define os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) como critérios estabelecidos conjuntamente pela comunidade internacional para a eliminação da pobreza, bem como o relatório do Grupo de Trabalho do Projecto Milénio das Nações Unidas subordinado ao título "Investir no Desenvolvimento: um Plano Prático para realizar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio", apresentado em 18 de Janeiro de 2005, em Bruxelas,
‐ Tendo em conta o relatório de 2002 da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (CNUCED) dedicada aos países menos desenvolvidos, intitulado "Escapar à Armadilha da Pobreza",
‐ Tendo em conta o nº 5 do artigo 8º do Regimento,
A. Considerando que a pobreza extrema afecta mais de mil milhões de pessoas, que sobrevivem com menos de 1 dólar por dia, e que a diferença de rendimento per capita entre os países mais pobres e os mais ricos mais do que duplicou nos últimos 25 anos,
B. Considerando que as ajudas, o perdão da dívida e o comércio são factores reconhecidamente interdependentes e que as acções desenvolvidas no âmbito desses três domínios têm de se completar reciprocamente, por forma a poder alcançar-se o desiderato de um desenvolvimento verdadeiro,
C. Considerando que, para alcançar os ODM, se calcula que haverá, pelo menos, que duplicar a ajuda internacional concedida anualmente (hoje em dia equivalente a 50 mil milhões de dólares) e que dois terços dos países em desenvolvimento gastam mais com o reembolso da dívida do que nos serviços sociais de base,
D. Considerando que a União Europeia e os seus Estados-Membros se estão a atrasar relativamente aos compromissos assumidos no quadro dos ODM e que todos, à excepção de quatro Estados-Membros, ainda não conseguiram atingir o propósito de consagrar 0,7% do respectivo PIB às ajudas ao desenvolvimento,
E. Considerando que 2005 será um ano de grandes desafios, durante o qual a Presidência do G8 centrará a sua atenção em África e nas alterações climáticas, a ONU avaliará a insuficiência dos progressos realizados a nível mundial para se alcançar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio e a reunião ministerial da OMC, que terá lugar em Dezembro, em Hong Kong, constituirá um momento crucial das negociações de Doha para o desenvolvimento,
F. Considerando que a OCDE divide os países em desenvolvimento em cinco categorias, em função do respectivo Rendimento Nacional Bruto per capita, e classifica os mais pobres de entre eles como Países Menos Desenvolvidos (PMD); considerando igualmente que a União Europeia e a maioria dos seus Estados-Membros não concedem prioridade às ajudas ao desenvolvimento dos países mais pobres,
Nível e eficácia das ajudas
1. Manifesta a sua profunda apreensão pelo facto de, cinco anos após a aprovação dos ODM pelas Nações Unidas, a África subsaariana não ter cumprido, nem estar próximo de cumprir, qualquer um dos oito ODM até à data-limite de 2015; salienta que, ou a comunidade internacional aumenta de forma substancial a sua ajuda ao desenvolvimento, quer em qualidade, quer em quantidade, ou os ODM tornar-se-ao inatingíveis para um grande número de PMD, em particular, na África subsaariana;
2. Saúda os quatro Estados-Membros da UE(1) que ultrapassaram o objectivo de 0,7% do PIB destinado às ajudas ao desenvolvimento e felicita os cinco Estados-Membros(2) que definiram calendários para a consecução deste objectivo, em particular, os novos Estados-Membros que aumentaram substancialmente os seus orçamentos destinados ao desenvolvimento; exorta os restantes Estados-Membros, que ainda não conseguiram alcançar estes níveis e ainda não definiram calendários, a fazê-lo sem demora;
3. Convida a Comissão a utilizar a sua próxima Comunicação subordinada ao tema da avaliação em matéria de compromissos relativos ao financiamento do desenvolvimento para propor a definição de um calendário a nível comunitário, válido para o maior número de Estados-Membros possível, a fim de que seja alcançada a meta dos 0,7% até 2010 e se definam objectivos a longo prazo para os novos Estados-Membros; preconiza a criação de metas anuais intermédias para o aumento da ajuda pública ao desenvolvimento (APD), sob controlo do Conselho dos Assuntos Gerais e das Relações Externas, ou do Conselho da Economia e Finanças;
4. Chama a atenção para o debate actualmente em curso e para as múltiplas iniciativas em matéria de "medidas inovadoras para financiar o desenvolvimento"; exorta a Comissão e os Estados-Membros a seguirem toda a atenção este leque de iniciativas, sejam elas, públicas ou privadas, obrigatórias ou voluntárias, universais ou limitadas; salienta que todos estes fundos devem ser complementares ao compromisso assumido pelos governos de consagrarem 0,7% do seu PIB à ajuda pública ao desenvolvimento;
5. Lamenta que, em 2003, apenas 2,4% das despesas se tenha destinado à educação básica e 3,8% à saúde, apesar dos apelos reiterados do Parlamento para que tais despesas alcançassem, pelo menos, a meta dos 20%; solicita, neste contexto, à Comissão que aumente a sua própria contribuição para os ODM, garantindo um aumento significativo das dotações de ajuda ao desenvolvimento consagradas à saúde e à educação;
6. Solicita que seja dada uma melhor utilização às ajudas existentes, designadamente, mediante o reordenamento das prioridades, o fim da ajuda vinculada aos doadores e a junção de fundos a nível internacional com vista à atribuição de recursos adicionais aos países mais pobres; insta os doadores bilaterais e multilaterais a harmonizarem os seus procedimentos operacionais, a orientarem a ajuda em função das prioridades de cada país e a garantirem a obtenção de resultados quantificáveis;
7. Insiste, nos termos do artigo 178º do Tratado CE, na necessidade de a Comunidade avaliar sistematicamente, mediante a realização de estudos de impacto ex ante, se os seus objectivos em matéria de política de desenvolvimento estão a ser postos em causa por outros domínios de intervenção política;
8. Reconhece que não existe uma panaceia universal para todas as situações de pobreza, mas solicita, em particular, um empenho político sustentado, uma maior transparência e responsabilização para pôr termo aos fenómenos de corrupção, o desenvolvimento de capacidades para a realização do propósito do bom governo e uma conjunção de esforços entre todas as partes interessadas;
9. Solicita à UE e aos seus Estados-Membros que garantam que a ajuda ao desenvolvimento continue a visar a erradicação da pobreza e a consecução dos ODM; apela, neste contexto, à UE para que dê o exemplo da aplicação imediata do relatório do Projecto Milénio das Nações Unidas intitulado "Investir no Desenvolvimento: um Plano Prático para realizar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio";
10. A este propósito, requer à Comissão que torne mais eficaz e mais palpável a ajuda comunitária ao desenvolvimento mediante a atribuição de novos financiamentos em larga escala, capazes de catapultar as ajudas concedidas pela UE para uma posição dominante no quadro das iniciativas de carácter global e de dar uma atenção acrescida às sugestões do Projecto Milénio relativas às chamadas "iniciativas de efeito rápido" (como o fornecimento de mosquiteiros e de medicamentos contra a malária, a supressão das propinas no ensino primário e o fornecimento de fertilizantes aos pequenos agricultores), que produziriam uma melhoria rápida e significativa nos níveis de vida de milhões de pessoas nos países em desenvolvimento;
Perdão da dívida
11. Sublinha que todos os credores, designadamente, as instituições internacionais e os Governos nacionais, terão de chegar a acordo quanto ao perdão progressivo da dívida das nações em desenvolvimento, concedendo prioridade aos países menos desenvolvidos; a este propósito, exorta a Comissão e os Estados-Membros a darem o exemplo nos fóruns multilaterais e bilaterais, perdoando progressivamente a dívida externa dos países em desenvolvimento;
12. Congratula-se com o exemplo dado pelos países do G-8 e por outros Estados-Membros da UE, que se comprometeram a cancelar a dívida multilateral e bilateral dos países mais pobres do mundo;
13. Salienta que o perdão da dívida deve ser prioritário para todos os países menos desenvolvidos, bem como para todos aqueles que dele carecem para alcançar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio; frisa que o perdão da dívida só deve ser concedido, desde que o dinheiro obtido por essa via seja canalizado pelos Governos para o auxílio das comunidades mais pobres desses países;
Comércio international
14. Considera que um sistema de comércio multilateral livre, equitativo e favorável ao desenvolvimento constitui um mecanismo eficaz para erradicar as causas profundas da pobreza e da fome; solicita à UE que promova um sistema com essas características como forma de minorar a pobreza, que garanta, em simultâneo, um melhor acesso aos mercados dos países mais pobres e que proporcione a adequada assistência técnica nos domínios relacionados com o comércio, incluindo ao nível da formação de aptidões, como forma de potenciar as oportunidades de desenvolvimento que decorrem do comércio;
15. Sublinha a necessidade de os países em desenvolvimento protegerem os seus sectores agrícolas em formação e salienta que os países mais pobres não devem ficar sujeitos às exigências de uma liberalização recíproca do comércio;
16. Exorta a UE a tomar medidas concretas contra a pobreza, assegurando a coerência entre as suas políticas agrícola, comercial e de cooperação para o desenvolvimento, a fim de evitar impactos negativos directos ou indirectos na economia dos países em desenvolvimento;
Conclusão
17. Exorta a União Europeia e a comunidade internacional a não conceberem os ODM como "objectivo último", mas apenas como fase intermédia do processo de eliminação da pobreza extrema;
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18. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, aos governos e aos parlamentos dos Estados-Membros e dos países candidatos à adesão, ao Conselho e à Assembleia Parlamentar Paritária ACP-UE, às Nações Unidas, à União Africana, ao Fundo Monetário Internacional, ao Banco Mundial, aos Chefes de Estado e de Governo do G-8 e aos governos que integram o Clube de Paris.