Resolução legislativa do Parlamento Europeu sobre uma proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais ("Roma II") (COM(2003)0427 – C5-0338/2003 – 2003/0168(COD))
(Processo de co-decisão: primeira leitura)
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta a proposta da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho (COM(2003) 0427)(1),
– Tendo em conta o nº 2 do artigo 251º e a alínea c) do artigo 61º do Tratado CE, nos termos dos quais a proposta lhe foi apresentada pela Comissão (C5-0338/2003),
– Tendo em conta o artigo 51º do seu Regimento,
– Tendo em conta o relatório da Comissão dos Assuntos Jurídicos e do Mercado Interno e o parecer da Comissão das Liberdades e dos Direitos dos Cidadãos, da Justiça e dos Assuntos Internos (A6-0211/2005),
1. Aprova a proposta da Comissão com as alterações nela introduzidas;
2. Requer à Comissão que lhe submeta de novo esta proposta, se pretender alterá-la substancialmente ou substituí-la por um outro texto;
3. Encarrega o seu Presidente de transmitir a posição do Parlamento ao Conselho e à Comissão.
Posição do Parlamento Europeu aprovada em primeira leitura em 6 de Julho de 2005 tendo em vista a adopção do Regulamento (CE) nº ..../2005 do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a lei aplicável às obrigações extracontratuais ("Roma II")
O PARLAMENTO EUROPEU E O CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA,
Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Europeia e, nomeadamente, a alínea c) do seu artigo 61º,
Tendo em conta a proposta da Comissão,
Tendo em conta o parecer do Comité Económico e Social Europeu(1),
Deliberando em conformidade com o procedimento estabelecido no artigo 251º do Tratado(2),
Considerando o seguinte:
(1) A União fixou-se como objectivo manter e desenvolver um espaço de liberdade, de segurança e de justiça. Para este efeito, a Comunidade deve, nomeadamente, adoptar medidas no domínio da cooperação judiciária nas matérias civis que têm incidência transfronteiriça na medida do necessário ao bom funcionamento do mercado interno e visando, designadamente, favorecer a compatibilidade das regras aplicáveis nos Estados-Membros em matéria de conflitos de leis.
(2) Tendo em vista uma aplicação eficaz das disposições pertinentes do Tratado de Amesterdão, o Conselho "Justiça e Assuntos Internos" adoptou, em 3 de Dezembro de 1998, um plano de acção que indica que a elaboração de um instrumento jurídico sobre a lei aplicável às obrigações extracontratuais figura entre as medidas que devem ser tomadas nos dois anos seguintes à entrada em vigor do Tratado de Amesterdão(3).
(3) Na sua reunião de Tampere, em 15 e 16 de Outubro de 1999(4), o Conselho Europeu aprovou o princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais como acção prioritária para a criação do espaço de justiça europeu. O programa de reconhecimento mútuo(5) indica que as medidas relativas à harmonização das regras de conflitos de leis constituem medidas de acompanhamento que facilitam a aplicação do referido princípio.
(4) O bom funcionamento do mercado interno exige, a fim de favorecer a previsibilidade do resultado dos litígios, a segurança jurídica e a livre circulação das decisões, que as regras de conflitos de leis em vigor nos Estados-Membros designem a mesma lei nacional independentemente do tribunal competente pelo julgamento do litígio.
(5) O âmbito de aplicação e as disposições do presente regulamento devem ser fixados de forma a garantir a coerência com o Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial(6) e com o Regulamento (CE) nº ..../.... relativo à lei aplicável às obrigações contratuais ("Roma I")(7).
(6)A preocupação com a coerência do direito comunitário exige que o presente regulamento não prejudique as disposições relativas à lei aplicável ou que tenham uma incidência na lei aplicável, constantes de instrumentos de direito derivado diferentes do regulamento proposto, tais como regras de conflitos de leis em matérias específicas, disposições imperativas de origem comunitária ou os princípios jurídicos fundamentais do mercado interno. Em consequência, o presente regulamento deve promover o bom funcionamento do mercado interno e, em especial, a livre circulação de bens e serviços.
(7) Apenas regras uniformes que sejam aplicadas independentemente da lei que designem permitem evitar distorções da concorrência entre litigantes comunitários.
(8)É necessário que haja regras de conflitos tão uniformes quanto possível no conjunto dos Estados-Membros a fim de reduzir ao mínimo a incerteza jurídica. No entanto, esta necessidade de certeza jurídica deve estar sempre subordinada à necessidade imperativa de administrar a justiça em casos particulares, havendo que preservar, por conseguinte, a possibilidade de utilização de margem de manobra por parte dos tribunais. Além disso, há que respeitar as intenções das partes quando estas tenham feito uma escolha expressa no que respeita à lei aplicável a uma questão relativa a um ilícito ou quando tal escolha possa ser razoavelmente deduzida pelo tribunal.
(9)O presente regulamento deverá poder contribuir para melhorar a previsibilidade das decisões judiciais e assegurar um equilíbrio razoável entre os interesses da pessoa cuja responsabilidade é invocada e os interesses da pessoa lesada. Além disso, deverá satisfazer as razoáveis expectativas das partes e permitir que os tribunais tratem da questão da lei aplicável a um determinado litígio que satisfaça as necessidades do comércio e das transacções internacionais numa Comunidade de Estados sem fronteiras internas.
(10)As regras de conflitos de leis estipuladas no presente regulamento cobrem igualmente as obrigações baseadas na responsabilidade objectiva e as regras harmonizadas relativas aos factores de conexão aplicam-se também à questão da capacidade de incorrer na responsabilidade por um ilícito.
(11)Em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos, a regra de conflito deve responder aos objectivos que consistem na justa repartição dos riscos inerentes a uma sociedade moderna caracterizada por um elevado grau de tecnicidade, na protecção da saúde dos consumidores, no impulso à inovação, na garantia de uma concorrência não falseada e numa maior facilidade das trocas comerciais. A conexão à lei da residência habitual da pessoa lesada, acompanhada de uma cláusula de previsibilidade, constitui uma solução equilibrada em relação a estes objectivos.
(12) O presente regulamento não impede os Estados-Membros de aplicarem as respectivas normas constitucionais em matéria de liberdade de imprensa e liberdade de expressão nos meios de comunicação social. O país onde se tenha verificado ou haja probabilidade de verificar-se o elemento ou os elementos mais significativos do dano deve ser considerado o país ao qual uma publicação ou emissão é principalmente dirigida ou, se tal não for evidente, o país no qual é exercido o controlo editorial, sendo a lei desse país aplicável. O país ao qual uma publicação ou emissão é dirigida deve ser determinado, em particular, pela língua da publicação ou emissão, ou pela importância das vendas ou dos índices de audiência num determinado país em comparação com o total das vendas ou dos índices de audiência, ou ainda por uma combinação desses factores. Devem aplicar-se considerações análogas às publicações na Internet ou noutras redes electrónicas.
(13)As distintas configurações dos direitos de personalidade e as tradições da imprensa já enraizadas na União Europeia, sugerem, num universo de comunicações que actua cada vez com maior frequência à escala continental, a conveniência de propor como objectivo, neste âmbito, o estabelecimento de condições e directrizes mais uniformes de solução de litígios. Precisamente devido ao carácter especial da liberdade de imprensa e à sua função na formação da opinião pública convém, todavia, dar prioridade aos meios de comunicação social que actuem de modo responsável em relação aos direitos de personalidade e que estejam dispostos a elaborar e a adoptar, por via de auto-regulação e mediante consenso, um "Código europeu dos meios de comunicação social", de natureza voluntária ou um "Conselho Europeu dos Meios de Comunicação Social" que permitam definir parâmetros de decisão igualmente utilizáveis pela jurisprudência pertinente. Solicita-se à Comissão que acompanhe e apoie um processo com estas características.
(14) No que diz respeito à violação dos direitos de propriedade intelectual, convém preservar o princípio "lex loci protectionis" universalmente reconhecido. Para efeitos do presente regulamento, a expressão direitos de propriedade intelectual deve entender-se como visando o direito de autor e os direitos conexos, o direito sui generis para a protecção das bases de dados, bem como os direitos de propriedade industrial.
(15) É conveniente estipular regras específicas para o caso de responsabilidade resultante do enriquecimento sem causa ou da gestão de negócios.
(16) No interesse da autonomia da vontade das partes, estas devem poder escolher a lei aplicável a uma obrigação extracontratual. É oportuno proteger as partes vulneráveis impondo determinadas condições a esta escolha.
(17) Considerações de interesse público justificam, em circunstâncias excepcionais, o recurso pelos tribunais dos Estados-Membros a mecanismos como o da excepção de ordem pública e as disposições imperativas.
(18) A preocupação com um equilíbrio razoável entre as partes exige que sejam tidas em conta, se adequado, normas de segurança e de comportamento em vigor no país em que o acto danoso foi praticado, mesmo quando a obrigação extracontratual é regulada por outra lei. A disposição precedente não deverá ser aplicada às infracções contra os direitos de personalidade nem às infracções contra as regras de concorrência.
(19)A lei aplicável às obrigações extracontratuais resultantes de qualquer tipo de greve, pendente ou consumada, deve ser a do país no qual a acção está a ser ou foi praticada.
(20)A fim de assegurar que a questão da lei aplicável será devidamente tomada em consideração pelas partes e pelo tribunal, deve ser imposta às partes a obrigação de informar o tribunal, na petição inicial, e na contestação, qual a lei ou leis que entendem ser total ou parcialmente aplicáveis à causa.
(21) O respeito dos compromissos internacionais subscritos pelos Estados-Membros justifica que o regulamento não prejudique as convenções nas quais são partes os Estados-Membros e que dizem respeito a matéria específicas. A fim de assegurar uma melhor identificação das regras em vigor na matéria, a Comissão publicará, com base nas informações transmitidas pelos Estados-Membros, a lista das convenções em causa no Jornal Oficial da União Europeia.
(22) Considerando que o objectivo da acção prevista, ou seja, uma melhor previsibilidade das decisões judiciais que requer regras verdadeiramente uniformas estabelecidas por um instrumento jurídico comunitário vinculativo e directamente aplicável, não pode ser suficientemente realizado pelos Estados-Membros pelo motivo de estes não poderem estabelecer regras uniformas a nível comunitário, e pode, pois, devido aos efeitos no conjunto da Comunidade, ser melhor alcançado a nível comunitário, a Comunidade pode tomar medidas, em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5° do Tratado. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade enunciado no referido artigo, o regulamento, que reforça a segurança jurídica sem, no entanto, exigir uma harmonização das normas materiais de direito interno, não excede o necessário para atingir este objectivo.
23)[O Reino Unido e a Irlanda, nos termos do artigo 3º do Protocolo relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, manifestaram o desejo de participar na adopção e aplicação do presente regulamento. / O Reino Unido e a Irlanda, nos termos dos artigos 1º e 2º do Protocolo sobre a posição do Reino Unido e da Irlanda anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, não participam na adopção do presente regulamento que, por conseguinte, não é vinculativo para estes dois Estados-Membros.]
(24) A Dinamarca, nos termos dos artigos 1º e 2º do Protocolo relativo à posição da Dinamarca, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, não participa na adopção do presente regulamento que, por conseguinte, não é vinculativo para este Estado-Membro,
ADOPTARAM O PRESENTE REGULAMENTO:
Capítulo I
Âmbito de aplicação
Artigo 1º
Âmbito de aplicação material
1. O presente regulamento é aplicável às obrigações extracontratuais em matéria civil e comercial que impliquem um conflito de leis. Apenas para efeitos do presente regulamento, as obrigações decorrentes de enriquecimento sem causa e de gestão de negócios sem mandato são consideradas obrigações extracontratuais.
Não é aplicável às matérias fiscais, aduaneiras e administrativas, nem à responsabilidade das administrações públicas por actos e omissões cometidos no exercício das suas funções.
2. São excluídas do âmbito de aplicação do presente regulamento:
a)
As obrigações extracontratuais decorrentes de relações de família ou equiparadas, incluindo as obrigações alimentares;
b)
As obrigações extracontratuais decorrentes ou que possam decorrer de regimes de bens no matrimónio, de regimes de bens nas relações que, por força da lei aplicável, têm efeitos comparáveis e de sucessões;
c)
As obrigações decorrentes de letras, cheques, livranças, bem como de outros títulos negociáveis, na medida em que as obrigações surgidas desses outros títulos resultem do seu carácter negociável;
d)
As obrigações extracontratuais decorrentes ou que possam decorrer da responsabilidade pessoal dos associados e dos órgãos relativamente às obrigações de uma sociedade, associação ou pessoa colectiva e a responsabilidade pessoal dos auditores de uma sociedade ou dos seus membros no controlo legal de documentos contabilísticos;
e)
As obrigações extracontratuais entre os constituintes, os "trustees" e os beneficiários de um "trust" criado voluntariamente;
f)
As obrigações extracontratuais decorrentes de um dano nuclear;
g)
a produção de provas e processos sem prejuízo dos artigos 18º e 19º;
h)
A responsabilidade por actos praticados no exercício de poderes públicos incluindo a responsabilidade do Estado pelos seus funcionários oficialmente mandatados.
3.O presente regulamento não prejudica a aplicação ou a adopção dos actos emanados das instituições das Comunidades Europeias que:
a)
em matérias específicas, regulam os conflitos de leis em matéria de obrigações extracontratuais;
b)
estabelecem normas que são aplicáveis independentemente da lei nacional que regula, por força do presente regulamento, a obrigação extracontratual em causa; ou
c)
se opõem à aplicação de uma disposição ou disposições da lei do foro ou da lei designada pelo presente regulamento; ou
d)
estabelecem normas destinadas a contribuir para o bom funcionamento do mercado interno se tais disposições não puderem ser aplicáveis juntamente com a lei designada pelas disposições de direito internacional privado.
4. Para efeitos do presente regulamento, entende-se por "Estado-Membro", todos os Estados-Membros com excepção [do Reino Unido, da Irlanda e] da Dinamarca.
Artigo 2º
Carácter universal
A lei designada nos termos do presente regulamento é aplicável mesmo que essa lei não seja a de um Estado-Membro.
Capítulo II
Regras uniformes
SECÇÃO 1
REGRAS APLICÁVEIS ÀS OBRIGAÇÕES EXTRACONTRATUAIS RESULTANTES DE UM ILÍCITO
Artigo 3º
Liberdade de escolha
1.As partes podem acordar, mediante uma convenção posterior ao seu litígio ou, no caso de uma pré-existente relação comercial independente entre comerciantes com igual capacidade de negociação, mediante uma convenção negociada livremente antes do litígio, em sujeitar a obrigação extracontratual à lei que escolherem. Esta escolha deve ser expressa ou resultar de um modo inequívoco das circunstâncias da causa. Tal não deve prejudicar os direitos e obrigações de terceiros nem as regras obrigatórias na acepção do artigo 14º.
2.A escolha de uma lei pelas partes não priva o trabalhador que seja parte num contrato de emprego da protecção de que beneficiaria de acordo com as regras obrigatórias:
a)
do país onde executa habitualmente o seu trabalho em cumprimento do contrato; ou
b)
caso o trabalhador não execute o seu trabalho em nenhum dos países em causa, da lei do país do domicílio da entidade através da qual tenha sido contratado; ou
c)
do país com o qual o contrato tenha uma conexão mais estreita.
3.Sempre que todos os outros elementos da situação se localizem, no momento do dano, num ou em vários Estados-Membros, a escolha de uma lei pelas partes não pode prejudicar a aplicação das disposições de direito comunitário.
Artigo 4º
Regra geral
1. Caso não exista um acordo na acepção do artigo 3º e salvo disposições contrárias do presente regulamento, a lei aplicável a uma obrigação extracontratual resultante de um ilícito é a do país onde ocorreu ou poderá ocorrer o dano, independentemente do país em que o facto gerador do dano se produziu e independentemente do ou dos países em que ocorram as consequências indirectas do dano.
2. Em caso de danos pessoais provocados por acidentes de circulação, porém, tendo em conta a Directiva relativa ao seguro automóvel, o tribunal competente e a seguradora do condutor responsável, para efeitos de determinação do tipo de indemnização por danos e cálculo do montante deste última, aplicarão as disposições relativas ao local de residência habitual do lesado, a menos que tal não seja equitativo para este último.
Quanto à legislação aplicável, será a do local em que o acidente tiver ocorrido.
3. Não obstante o disposto no nº 1 e, excepcionalmente, se resultar do conjunto das circunstâncias que a obrigação extracontratual apresenta uma conexão manifestamente mais estreita com um outro país, é aplicável a lei deste último país.
Os factores que podem ser tomados em consideração como sendo prova de uma conexão manifesta de uma obrigação extracontratual com um outro país são os seguintes:
a)
no que respeita à repartição das perdas e à capacidade jurídica, o facto de a pessoa ou pessoas alegadamente responsáveis e a vítima ou vítimas de uma perda ou de um dano possuírem domicílio no mesmo país ou de as disposições pertinentes do país de domicílio habitual da pessoa ou pessoas alegadamente responsáveis e do da vítima ou vítimas de uma perda ou de um dano serem substancialmente idênticas;
b)
uma relação preexistente entre as partes, de direito ou de facto, como, por exemplo, um contrato que tenha uma conexão estreita com a obrigação extracontratual em questão;
c)
a necessidade de certeza, previsibilidade e uniformidade relativamente aos resultados;
d)
a protecção de expectativas legítimas;
e)
as políticas nas quais se baseia a lei estrangeira aplicável e as consequências da sua aplicação.
4.Para resolver a questão da lei aplicável, o tribunal onde foi intentada a acção analisará separadamente, se necessário, cada uma das questões específicas do litígio.
SECÇÃO 2
REGRAS ESPECIAIS APLICÁVEIS A ILÍCITOS ESPECÍFICOS E OBRIGAÇÕES EXTRACONTRATUAIS
Artigo 5º
Violação do direito à vida privada e dos direitos de personalidade
1. No que respeita à lei aplicável à obrigação extracontratual resultante de uma violação do direito à vida privada ou dos direitos de personalidade, é aplicável a lei do país onde se tenha verificado ou haja probabilidade de verificar-se o elemento ou os elementos mais significativos do dano.
Caso a violação seja causada por uma publicação impressa ou por uma emissão, o país onde se tenha verificado ou haja probabilidade de verificar-se o elemento ou os elementos mais significativos do dano será considerado o país ao qual a publicação ou emissão é principalmente destinada ou, se tal não for evidente, o país no qual é exercido o controlo editorial, sendo aplicável a lei desse país. O país ao qual a publicação ou emissão é destinada é determinado, em particular, pela língua da publicação ou emissão, ou pela importância das vendas ou dos índices de audiência num dado país, em comparação com o total das vendas ou dos índices de audiência, ou ainda por uma combinação desses factores.
Esta disposição aplica-se, com as devidas adaptações, às publicações na Internet e noutras redes electrónicas.
2. A lei aplicável ao direito de resposta ou a medidas equivalentes e a todas as medidas preventivas ou acções inibitórias contra um editor ou um organismo de radiodifusão relativas ao conteúdo de uma publicação ou emissão é a lei do país em que o editor ou o órgão de radiodifusão tem a sua residência habitual.
3.O nº 2 aplica-se igualmente às violações do direito à vida privada ou dos direitos de personalidade decorrentes do processamento de dados pessoais.
Artigo 6º
Acção sindical
A lei aplicável a uma obrigação extracontratual resultante de uma grave em curso ou concluída é a lei do país onde a acção foi ou deverá ser intentada.
Artigo 7º
Acidentes de circulação
1.Até que seja adoptada pela Comunidade uma legislação exaustiva sobre a lei aplicável aos acidentes de circulação, os Estados-Membros optarão entre a aplicação das disposições gerais do presente regulamento, sob reserva do disposto no artigo 15º, e da Convenção de Haia, de 4 de Maio de 1971, sobre a lei aplicável em matéria de acidentes de circulação rodoviária.
2.No caso de danos corporais resultantes de acidentes de circulação, o tribunal onde foi intentada a acção aplicará, no que respeita à fixação do montante, as disposições aplicáveis no lugar em que a vítima individual tenha a sua residência habitual, a não ser que tal solução não seja equitativa.
Artigo 8º
Violação dos direitos de propriedade intelectual
1. A lei aplicável à obrigação extracontratual resultante da violação de um direito de um direito de propriedade intelectual, é a lei do país em que a protecção é reivindicada.
2. No caso de obrigação extracontratual resultante da violação de um direito de propriedade industrial comunitário com carácter unitário, é aplicável o regulamento comunitário pertinente. No que diz respeito às matérias não abrangidas por este regulamento, é aplicável a lei do Estado-Membro no qual esse direito foi lesado.
Artigo 9º
Enriquecimento sem causa
1.Quando uma obrigação extracontratual resultante de outro facto que não seja um ilícito apresentar uma conexão com uma relação pré-existente entre as partes, nomeadamente um contrato com um vínculo estreito com a obrigação extracontratual, será aplicável a lei que regula esta relação.
2.Quando o direito aplicável não puder ser determinado com base no disposto no nº 1 e quando as partes tenham a sua residência habitual no mesmo país no momento em que tenha ocorrido o facto que deu origem ao enriquecimento sem causa, a lei aplicável à obrigação extracontratual será a lei deste país.
3.Quando o direito aplicável não puder ser determinado com base no disposto nos nºs 1 e 2 a lei aplicável será a lei do país em que tiver ocorrido o facto que deu origem ao enriquecimento sem causa, seja qual for o país onde teve lugar tal enriquecimento.
4.Se resultar do conjunto das circunstâncias que a obrigação extracontratual resultante de um enriquecimento sem causa apresenta uma conexão manifestamente mais estreita com um outro país que não o que é referido pelo disposto no nº 1, 2 ou 3, será aplicável a lei deste outro país.
Artigo 10º
Gestão de negócios
1.Quando uma obrigação extracontratual resultante de uma gestão de negócios apresentar uma conexão com uma relação pré-existente entre as partes, tal como um contrato que tenha uma conexão estreita com essa obrigação extracontratual, a lei aplicável será a do país pelo qual se rege a relação em causa.
2.Quando o direito aplicável não puder ser determinado com base no disposto no nº 1 e quando as partes tiverem a sua residência habitual no mesmo país no momento em que tenha ocorrido o facto gerador do dano, a lei aplicável será a lei deste país.
3.Quando o direito aplicável não puder ser determinado com base no disposto nos nºs 1 e 2 a lei aplicável será a lei do país em que tiver ocorrido a acção.
4.Se resultar do conjunto das circunstâncias que a obrigação extracontratual resultante de uma gestão de negócios apresenta uma conexão manifestamente mais estreita com um outro país que não o que é referido pelo disposto no nº 1, 2 ou 3, será aplicável a lei deste outro país.
SECÇÃO 3
REGRAS COMUNS ÀS OBRIGAÇÕES EXTRACONTRATUAIS RESULTANTES DE UM ILÍCITO E DE UM FACTO QUE NÃO SEJA UM ILÍCITO
Artigo 11º
Alcance da lei aplicável à obrigação extracontratual
A lei aplicável à obrigação extracontratual com base nos artigos 3º a 10º do presente regulamento disciplina, designadamente:
a)
Os fundamentos e o alcance da responsabilidade, incluindo a determinação das pessoas cujos actos dão origem à responsabilidade;
b)
As causas de exclusão da responsabilidade, bem como qualquer limitação e repartição da responsabilidade;
c)
A existência, a natureza e a avaliação dos danos ou da reparação pretendida;
d)
Nos limites dos poderes atribuídos ao tribunal pela respectiva lei do processo, as medidas que o juiz pode tomar para assegurar a prevenção, a cessação do dano ou sua reparação;
e)
A avaliação do dano, na medida em que esta seja regulada pela lei;
f)
A transmissibilidade do direito à reparação;
g)
As pessoas com direito à reparação do dano pessoalmente sofrido;
h)
A responsabilidade por actos de outrem;
i)
Os vários modos de extinção das obrigações, bem como as prescrições e as caducidades baseadas no termo de um prazo, incluindo o início, a interrupção e a suspensão dos prazos.
Salvo disposições contrárias do presente regulamento ou resultantes de um acordo válido sobre a escolha da lei aplicável, o tribunal onde a acção foi intentada aplicará as suas disposições nacionais no que respeita à fixação do montante, a não ser que as circunstâncias do caso justifiquem a aplicação das disposições de um outro país.
Artigo 12º
Conflito quanto à lei aplicável
Todo e qualquer litigante que apresente, num tribunal nacional, uma acção ou pedido reconvencional abrangido pelo âmbito de aplicação do presente regulamento comunicará ao tribunal e às outras partes, por declaração anexada à petição inicial ou outro documento equivalente, a lei ou leis que entende ser total ou parcialmente aplicáveis à causa.
Artigo 13º
Determinação do conteúdo da lei estrangeira
1.O tribunal onde foi intentada a acção determinará, por sua iniciativa, o conteúdo da lei estrangeira. Para esse efeito, as partes podem ser convidadas a colaborar.
2.Caso seja impossível determinar o conteúdo da lei estrangeira e haja acordo entre as partes, o tribunal onde foi intentada a acção aplicará o direito nacional.
Artigo 14º
Disposições imperativas
1. O disposto no presente regulamento não pode prejudicar a aplicação das regras do país do foro que regulem imperativamente o caso concreto, independentemente da lei aplicável à obrigação extracontratual.
2. Ao aplicar-se, por força do presente regulamento, a lei de um determinado país, pode ser dada prevalência às disposições imperativas da lei de um outro país com o qual a situação apresente uma conexão estreita se, e na medida em que, de acordo com o direito deste último país, essas disposições forem aplicáveis, qualquer que seja a lei reguladora da obrigação extracontratual. Para se decidir se deve ser dada prevalência a estas disposições imperativas, ter-se-á em conta a sua natureza e o seu objecto, bem como as consequências que resultariam da sua aplicação ou da sua não aplicação.
Artigo 15º
Normas de segurança e de comportamento
Qualquer que seja a lei aplicável, ter-se-á em conta, na determinação da responsabilidade, as normas de segurança e de comportamento em vigor no lugar e no momento do facto gerador do dano, desde e na medida em que seja adequado.
Artigo 16º
Acção directa contra o segurador do responsável
O direito da pessoa lesada intervir directamente contra o segurador da pessoa cuja responsabilidade é invocada, é regulado pela lei aplicável à obrigação extracontratual, salvo se a pessoa lesada escolheu fundar as suas pretensões na lei aplicável ao contrato de seguro, na medida em que tal possibilidade seja prevista por uma dessas leis.
Artigo 17º
Sub-rogação e pluralidade de autores
1. Sempre que, por força de uma obrigação extracontratual, uma pessoa, ("o credor"), tenha direitos contra a outra pessoa, ("o devedor"), e um terceiro tenha a obrigação de satisfazer o direito do credor, ou ainda, se o terceiro tiver realizado a prestação devida em cumprimento dessa obrigação, a lei aplicável a esta obrigação do terceiro determina se este pode exercer, no todo ou em parte, os direitos do credor contra o devedor, segundo a lei que regula a suas relações.
2. A mesma regra aplica-se quando várias pessoas estão adstritas à mesma obrigação e o credor tenha sido satisfeito por uma delas.
Artigo 18º
Forma
Um acto jurídico unilateral relativo a uma obrigação extracontratual é formalmente válido desde que preencha os requisitos de forma prescritos pela lei reguladora da obrigação extracontratual em causa ou da lei do país em que o acto foi celebrado.
Artigo 19º
Prova
1. A lei que regula a obrigação extracontratual por força do presente regulamento aplica-se na medida em que, em matéria de obrigações extracontratuais, estabeleça presunções legais ou reparta o ónus da prova.
2. Os actos jurídicos podem ser provados mediante qualquer meio de prova admitido, quer pela lei do foro quer por uma das leis referidas no artigo 18º, segundo a qual o acto é formalmente válido, desde que a prova possa ser produzida desse modo no tribunal a que a causa foi submetida.
3.Não obstante o disposto nos artigos 12º e 13º e nos nºs 1 e 2 do presente artigo, as disposições do presente regulamento não se aplicam às provas e ao processo.
Capítulo III
Outras disposições
Artigo 20º
Assimilação ao território de um Estado
Para efeitos da aplicação do presente regulamento, são assimilados ao território de um Estado:
a)
As instalações e outros equipamentos destinados à exploração e ao aproveitamento de recursos naturais que se encontrem acima ou abaixo da parte dos fundos marinhos situada fora das águas territoriais deste Estado, na medida em que este Estado esteja habilitado a exercer, por força do direito internacional, direitos soberanos para efeitos da exploração e do aproveitamento de recursos naturais;
b)
Um navio que se encontre em alto mar, registado ou com uma autorização ou documento análogo, por este Estado ou em seu nome, ou que, na falta de registo, de autorização ou de documento análogo, pertença a um cidadão desse Estado;
c)
Uma aeronave que se encontre no espaço europeu, registada por este Estado ou em seu nome ou que está inscrita no registo nacional deste Estado, ou que, na falta de registo ou de inscrição no registo nacional, pertença a um cidadão deste Estado.
Artigo 21º
Equiparação à residência habitual
1. No que diz respeito às sociedades, associações ou pessoas colectivas, a residência habitual coincide com o lugar do seu estabelecimento principal. Contudo, quando o facto gerador foi praticado ou o dano sofrido no exercício da actividade económica ou profissional de uma sucursal, agência ou qualquer outro estabelecimento, é considerada residência habitual o lugar deste exercício.
2. Quando o facto gerador da obrigação é praticado ou o dano ocorre no exercício da actividade profissional de uma pessoa singular, é considerada residência habitual o lugar efectivo do referido exercício. Quando a actividade em causa se processa a nível itinerante ou domiciliário, considera-se como residência habitual a residência oficial da pessoa singular.
3. Para efeitos do disposto no n° 2 do artigo 5°, o lugar do estabelecimento do órgão de radiodifusão na acepção da Directiva 89/552/CEE(8) é considerado o lugar de residência habitual.
Artigo 22º
Exclusão do reenvio
Quando o presente regulamento estabelece a aplicação da lei de um país, entende-se a aplicação das normas de direito em vigor nesse país, com exclusão das normas de direito internacional privado.
Artigo 23º
Ordenamentos jurídicos plurilegislativos
1. Sempre que um Estado englobe várias unidades territoriais, tendo cada uma as suas regras próprias em matéria de obrigações extracontratuais, cada unidade territorial é considerada como um país para fins de determinação da lei aplicável por força do presente regulamento.
2. Um Estado em que diferentes unidades territoriais tenham as suas regras de direito próprias em matéria de obrigações extracontratuais, não será obrigado a aplicar o presente regulamento aos conflitos de leis que respeitem exclusivamente a essas unidades territoriais.
Artigo 24º
Ordem pública do foro
1.A aplicação de uma disposição da lei designada pelo presente regulamento só pode ser afastada se essa aplicação for manifestamente incompatível com a ordem pública do foro.
2.Em particular, a aplicação de uma disposição legislativa de qualquer país especificado no presente regulamento pode ser afastada e/ou aplicar-se a lei do foro se a aplicação em causa implicar uma violação de direitos e liberdades fundamentais tal como são consagrados na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nas normas constitucionais nacionais ou no direito humanitário internacional.
3.Além disso, a aplicação de uma disposição da lei designada pelo presente regulamento que tem por efeito dar origem à determinação de indemnizações não compensatórias, como as indemnizações exemplares ou punitivas, pode ser considerada como sendo contrária à ordem pública do foro.
4.Quando, nos termos do presente regulamento, a lei designada como aplicável seja a de um Estado-Membro, a aplicação da excepção da ordem pública apenas poderá processar-se a pedido de uma das partes.
Artigo 25º
Relações com convenções internacionais
1.O presente regulamento não prejudica a aplicação das convenções internacionais de que os Estados-Membros são parte no momento da adopção do presente regulamento e que, em matérias específicas, regulem os conflitos de leis em matéria de obrigações extracontratuais.
2.As disposições do presente regulamento prevalecem igualmente sobre as das convenções internacionais celebradas entre dois ou vários Estados-Membros, exceptuando as convenções enumeradas no Anexo 1.
3.Se todos os outros elementos relativos à situação no momento da ocorrência do dano se localizarem em um ou vários Estados-Membros, as disposições do presente regulamento têm primazia sobre as disposições da Convenção de Haia, de 4 de Maio de 1971, relativa à lei aplicável aos acidentes de tráfego rodoviário.
Capítulo IV
Disposições finais
Artigo 26º
Lista das convenções referidas no artigo 25º
1. Os Estados-Membros comunicarão à Comissão, até ..., a lista das convenções referidas no artigo 25º. Após esta data, os Estados-Membros comunicarão à Comissão qualquer denúncia destas convenções.
2. A Comissão publicará no Jornal Oficial da União Europeia a lista das convenções referidas no nº 1 no prazo de seis meses após a recepção da lista completa.
Artigo 27º
Revisão
Até ...(9), a Comissão apresentará ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social os relatórios referidos nos nºs 1 e 2 relativos à aplicação do presente regulamento. O relatório será acompanhado, se necessário, de propostas destinadas a adaptar o regulamento de acordo com os seguintes princípios:
1.O relatório deverá versar em particular sobre os efeitos do modo como o direito estrangeiro é acolhido pelas diversas jurisdições e sobre a questão das reparações incluindo a possibilidade de estabelecer reparações de natureza punitiva ou com carácter dissuasor reconhecida em certos ordenamentos jurídicos.
2.O relatório deverá referir se deve ser proposta legislação comunitária que incida especificamente sobre a lei aplicável aos acidentes de tráfego rodoviário. O relatório compreende um estudo analítico sobre a aplicação efectiva pelos tribunais dos Estados-Membros do direito estrangeiro, incluindo recomendações quanto à oportunidade de uma abordagem comum relativa à aplicação do direito estrangeiro.
3.As distintas configurações dos direitos de personalidade e as tradições da imprensa já enraizadas na União Europeia, sugerem, num universo de comunicações que actua cada vez com maior frequência à escala continental, a conveniência de propor como objectivo, neste âmbito, o estabelecimento de condições e directrizes mais uniformes de solução de litígios. Precisamente devido ao carácter especial da liberdade de imprensa e à sua função na formação da opinião pública convém, todavia, favorecer os meios de comunicação social que actuem de modo responsável em relação aos direitos de personalidade e que estejam dispostos a elaborar e a adoptar, por via de auto-regulação e mediante consenso, um "Código europeu dos meios de comunicação social", de natureza voluntária ou um "Conselho Europeu dos Meios de Comunicação Social" que permitam definir parâmetros de decisão igualmente utilizáveis pela jurisprudência pertinente. Solicita-se à Comissão que acompanhe e apoie um processo com estas características e que formule, num relatório, recomendações sobre medidas ulteriores que considere desejáveis.
Artigo 28º
Entrada em vigor e aplicação
O presente regulamento entra em vigor em ....
É aplicável às obrigações extracontratuais resultantes de factos ocorridos após a sua entrada em vigor.
O presente regulamento é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros em conformidade com o Tratado que institui a Comunidade Europeia.
Plano de Acção do Conselho e da Comissão sobre a melhor forma de aplicar as disposições do Tratado de Amesterdão relativas à criação de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça (JO C 19 de 23.1.1999, p. 1).
JO L 12 de 16.1.2001, p. 1. Regulamento com a última redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) nº 2245/2004 da Comissão (JO L 381 de 28.12.2004, p. 10).
Directiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de Outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentos e administrativas dos Estados-Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva (JO L 298 de 17.10.1989, p. 23). Directiva com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 97/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 202 de 30.7.1997, p. 60).