Resolução legislativa do Parlamento Europeu sobre as perspectivas das mulheres no comércio internacional (2006/2009(INI))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta o Regulamento (CE) nº 2836/98 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1998, relativo à integração das questões de género na cooperação para o desenvolvimento(1),
– Tendo em conta a Decisão 2001/51/CE do Conselho, de 20 de Dezembro de 2000, que estabelece um programa de acção comunitária relativo à estratégia comunitária para a igualdade entre homens e mulheres (2001-2005)(2) e o respectivo programa de trabalho,
– Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, de 1979, e o seu Protocolo Facultativo,
– Tendo em conta as Declaração e Plataforma de Acção de Pequim aprovadas em 15 de Setembro de 1995, pela Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher,
– Tendo em conta a Resolução das Nações Unidas, de 10 de Junho de 2000, sobre o seguimento da Plataforma de Acção de Pequim, a Revisão e Avaliação da Plataforma de Acção de Pequim e o documento aprovado na 23ª Sessão Especial da Assembleia-Geral,
– Tendo em conta o Livro Verde da Comissão, de 18 de Julho de 2001, intitulado "Promover um quadro europeu para a responsabilidade social das empresas" (COM(2001)0366),
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão, de 22 de Março de 2006, intitulada "Implementação da parceria para o crescimento e o emprego: tornar a Europa um pólo de excelência em termos de responsabilidade social das empresas" (COM(2006)0136),
– Tendo em conta as normas das Nações Unidas sobre as responsabilidades das empresas transnacionais e outras empresas na esfera dos direitos humanos, aprovadas em 13 de Agosto de 2003, pela Subcomissão das Nações Unidas para a Promoção e Protecção dos Direitos do Homem,
– Tendo em conta a Declaração de Princípios Tripartida da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Empresas Multinacionais e Política Social, de Novembro de 1977, e as actuais Orientações para as Empresas Multinacionais da OCDE,
– Tendo em conta a Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, de 18 de Junho de 1998, a Recomendação R100 da OIT relativa à protecção dos trabalhadores migrantes em países e territórios insuficientemente desenvolvidos, a Recomendação R111 da OIT relativa à discriminação em matéria de emprego e profissão, a Recomendação R156 da OIT relativa à protecção dos trabalhadores contra os riscos profissionais devidos à poluição do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho e a Recomendação R191 da OIT relativa à revisão da recomendação relativa à protecção da maternidade,
– Tendo em conta a Declaração do Milénio das Nações Unidas, de 8 de Setembro de 2000, e a sua revisão e actualização na Cimeira Mundial de 2005, de 14 a 16 de Setembro,
– Tendo em conta as conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Bruxelas, de 16 e17 de Dezembro de 2004, confirmando o pleno empenho da União Europeia nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) e na sua coerência política,
– Tendo em conta a Declaração do "Espírito de São Paulo" da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento, de 18 de Junho de 2004,
– Tendo em conta a sua resolução de 15 de Novembro de 2005 sobre a dimensão social da globalização(3),
– Tendo em conta o artigo 45º do seu Regimento,
– Tendo em conta o relatório da Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade dos Géneros (A6-0254/2006),
A. Considerando que o comércio internacional tem potencialidades para contribuir para a igualdade dos géneros e para promover o poder económico, social e político das mulheres, tanto no plano produtivo como reprodutivo; considerando, porém, que o processo de globalização do comércio contribuiu para tornar as relações laborais menos formais, para aumentar o trabalho precário e feminizar o desemprego em vários sectores da economia,
B. Considerando que 70% dos 1,3 mil milhões de pessoas que vivem na pobreza a nível mundial são mulheres; considerando que, em geral, as mulheres têm mais dificuldade de acesso à educação, à propriedade, ao crédito e a outros recursos e factores de produção, bem como às instâncias de decisão política;
C. Considerando que as desigualdades entre os géneros, que levam a que as mulheres tenham menos acesso aos meios de produção e ao mercado, constituem um entrave ao crescimento a longo prazo, visto que as mulheres consagram, proporcionalmente, uma grande parte do rendimento que auferem à educação, aos cuidados de saúde e à alimentação e que o potencial económico de toda a população não é inteiramente explorado;
D. Considerando que os acordos de comércio devem respeitar plenamente o direito internacional em matéria de direitos humanos, direitos sociais e laborais e observar as convenções internacionais em vigor a favor do desenvolvimento sustentável,
E. Considerando que as responsabilidades reprodutivas e domésticas, assim como as responsabilidades associadas à manutenção da família e à prestação de cuidados sociais, são geralmente vistas como a função essencial da mulher em quase todas as sociedades mas, de uma maneira geral, não são reconhecidas nem remuneradas,
F. Considerando que, quando a liberalização do mercado não tem em consideração os factores específicos relativos ao género, tal contribui para acentuar fenómenos como a feminização do emprego precário e a intensificação da exploração da mulher e pôr em causa as estratégias de subsistência das mulheres pobres de todo o mundo, incluindo as mulheres migrantes,
G. Considerando que a liberalização do comércio contribuiu fortemente para a expansão da participação das mulheres na economia informal,
H. Considerando que a OIT define a economia informal como sendo baseada no emprego sem contrato, sem benefícios e sem protecção social, exercido dentro ou fora de empresas informais,
I. Considerando que a feminização da migração internacional não está a ser objecto de atenção suficiente; considerando que os trabalhadores migrantes são muitas vezes impedidos de exigir condições de trabalho justas,
J. Considerando que a inclusão de um Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (TRIPS) no contexto da OMC, em 1995, limitou de tal modo o acesso aos medicamentos genéricos que, em Dezembro de 2005, foi acordado em Hong Kong que o acordo TRIPS deve ser alterado,
1. Sublinha que a liberalização do comércio tem impactos diferenciados para mulheres e homens e assinala a necessidade de coerência entre os objectivos da política europeia em matéria de igualdade dos géneros e os objectivos da política de comércio, de desenvolvimento e de ajuda, a fim de promover a igualdade entre mulheres e homens nestes domínios políticos; salienta que a participação económica é essencial para capacitar as mulheres e ultrapassar a sua discriminação estrutural, conduzindo a melhores condições de vida para as mulheres e suas famílias e contribuindo para um envolvimento mais activo das mulheres na política e para o reforço da coesão social, pelo que a partilha equitativa dos bens, a igualdade dos direitos e a independência económica das mulheres constituem um objectivo;
2. Observa que, embora muitas mulheres também tenham beneficiado com a liberalização do comércio e o investimento directo estrangeiro em resultado das oportunidades de emprego surgidas, a liberalização contribuiu para a informalização das relações laborais, o declínio das condições de trabalho e a feminização do emprego em vários sectores inteiros da economia;
3. Insta o Conselho e a Comissão a darem prioridade ao levantamento de todas as reservas à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e à ratificação do seu Protocolo Facultativo por todos os Estados Partes;
4. Solicita à Comissão que apresente às comissões do Parlamento Europeu competentes em matéria de direitos da mulher e de comércio internacional um relatório, assinado conjuntamente pelos administradores do organismo dador e do organismo beneficiário da ajuda financeira destinada às mulheres, a fim de comprovar que esta ajuda chega ao seu destino e não é desviada dos objectivos iniciais;
5. Salienta a necessidade de estudos sobre a forma como as mulheres poderiam tirar proveito da liberalização do comércio, bem como de uma recolha sistemática de dados desagregados por género, que combatam a invisibilidade dos géneros nas actuais políticas comerciais e nas políticas das instituições económicas mundiais; convida a Comissão a apresentar ao Parlamento um relatório anual sobre os progressos realizados a este respeito; recorda que a análise das questões do género deve ser parte integrante da Avaliação do Impacto na Sustentabilidade dos acordos comerciais realizada pela Comissão;
6. Solicita à Comissão que efectue uma avaliação do impacto em função do género antes de concluir qualquer acordo comercial com países terceiros e que e que estabeleça cláusulas de condicionalidade efectivas com os países em que os direitos humanos e, em particular, os direitos das mulheres sejam gravemente violados;
7. Solicita à Comissão a criação formal de um serviço dedicado ao comércio e ao género no seio da sua DG Comércio, que terá como missão verificar se os países com os quais a UE mantêm relações comerciais respeitam os direitos do Homem e, em particular, os direitos da mulher, bem como reagir prontamente em caso de violação dos direitos do Homem;
8. Solicita à Comissão que analise, numa perspectiva de género, os métodos de produção e processamento (MPP), tal como são definidos pela OMC, a fim de identificar aqueles que estão sujeitos a discriminação em razão de género, de acordo com a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e os pactos em matéria de direitos do Homem, e conceba estratégias para incentivar a observância da legislação internacional nos países exportadores;
9. Insta a Comissão a assegurar que as empresas que beneficiam de programas de acesso ao mercado da UE no quadro da política de cooperação comunitária não contribuam para o fomento de práticas como a exploração desumana dos trabalhadores e, em particular, das mulheres;
10. Sublinha que os benefícios do emprego na economia formal e informal dependem de uma série de factores, que incluem os salários, as condições de trabalho e a segurança do local de trabalho, e que as mulheres continuam a ser discriminadas em relação a esses benefícios; solicita, por isso, à Comissão que, no quadro da sua política de cooperação para o desenvolvimento, crie um fundo especifico no quadro dos futuros acordos de comércio e cooperação com países terceiros para apoiar as mulheres dos países em causa, encorajando o acesso das mesmas ao crédito, à educação e à formação profissional, de modo a reduzir a parte/proporção de trabalho informal; solicita que a Comissão apresente ao Parlamento um relatório, assinado conjuntamente pelos dadores e beneficiários da ajuda, para comprovar que o financiamento específico não é desviado dos seus objectivos iniciais;
11. Insta o Conselho, a Comissão e os Estados-Membros a introduzirem rapidamente os princípios da não discriminação e da igualdade entre os géneros nas práticas do Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização (FEG) e a assegurarem que as ajudas provenientes deste fundo não substituam as prestações da segurança social;
12. Salienta que o elevado número de postos de trabalho perdidos na Europa confirma a tendência para uma reestruturação industrial crescente; observa que os sectores mais atingidos são a indústria, os transportes, as telecomunicações e os serviços financeiros; insta o Conselho, a Comissão e os Estados-Membros a encararem seriamente a não discriminação e a igualdade entre mulheres e homens no que se refere ao FEG;
13. Convida o Conselho, a Comissão e os Estados-Membros a garantirem a integração da igualdade entre os géneros e os objectivos da igualdade de oportunidades em todos os fundos europeus; destaca a necessidade de dispor de indicativos do progresso alcançado na promoção da igualdade entre homens e mulheres e na luta contra todas as formas de discriminação;
14. Observa que o emprego e o trabalho digno devem constituir o conteúdo de um nono Objectivo de Desenvolvimento do Milénio, a adoptar o mais rapidamente possível, e insta à inclusão das normas laborais básicas nos acordos de comércio multilaterais e bilaterais e à inclusão do princípio da igualdade entre os géneros em todos os ODM;
15. Assinala que o acesso universal e a preços comportáveis a serviços essenciais, como a água, a educação, a saúde e a energia, é uma condição prévia para a capacitação das mulheres; salienta, no entanto, que a liberalização dos serviços no quadro do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) só pode ter um impacto positivo neste objectivo se os princípios do GATS de flexibilidade nacional e de espaço político forem inteiramente aplicados nas presentes negociações bilaterais e multilaterais;
16. Sublinha que o acordo TRIPS prevê uma revisão dois anos após a sua entrada em vigor, o que ainda não aconteceu, pelo que insta a que se efectue essa revisão, com base numa avaliação do impacto dos custos da sua implementação para os países em desenvolvimento;
17. Insta a Comissão a verificar se a implementação do acordo alcançado na reunião ministerial da OMC em Hong Kong, em Dezembro de 2005, a respeito do licenciamento obrigatório dos medicamentos antivirais para tratamento do VIH/SIDA melhora efectivamente o acesso aos medicamentos e a incluir nesta análise a perspectiva do género;
18. Insta ao desenvolvimento de medidas nacionais que promovam a igualdade dos géneros, a protecção e a promoção do emprego, a assistência social e a melhoria das condições de saúde e de trabalho das mulheres e dos homens e que contribuam para o desenvolvimento sustentável; assinala a importância do respeito pela flexibilidade nacional e o espaço político em todas as negociações em matéria de política comercial e de desenvolvimento; insta a que seja garantido o direito dos países em desenvolvimento e das economias vulneráveis de escolherem quais os sectores de serviços a abrir ou a isentar da liberalização do mercado;
19. Solicita à Comissão que, no seu diálogo e na sua cooperação com os países terceiros, dedique atenção muito particular aos entraves jurídicos que se colocam ao acesso das mulheres aos meios de produção, tais como o crédito, os direitos de propriedade e o capital;
20. Salienta que, dado o importante papel das mulheres nas actividades agrícolas familiares, deve ser respeitado e reforçado o direito dos países em desenvolvimento a desenvolverem e aplicarem políticas agrícolas que lhes garantam a soberania alimentar, designadamente nas negociações no âmbito da OMC, tendo especialmente em vista o acordo da OMC relativo à agricultura; destaca a importância do "microcrédito" como instrumento de redução da pobreza; insta a Comissão a apresentar, duas vezes por ano, um relatório, assinado conjuntamente pelas autoridades dadoras e pelos organismos beneficiários dos financiamentos, a fim de comprovar que a ajuda financeira chega ao seu destino;
21. Insta a Comissão e o Conselho a apoiarem os países em desenvolvimento no reforço das suas capacidades de formulação, negociação e aplicação das políticas comerciais, de uma forma apropriada às necessidades de cada país e que promova um desenvolvimento económico sustentável e equilibrado em termos de género; solicita que toda a assistência seja equilibrada em matéria de género;
22. Considera necessário realizar avaliações do impacto no género numa fase precoce do planeamento e orçamentação do auxílio aos países em vias de desenvolvimento; considera que tal permitiria aos decisores políticos avaliar com maior acuidade o impacto de uma dada política nas mulheres e nos homens e comparar e avaliar a situação actual e as tendências em relação aos resultados esperados da política proposta; está convicto de que o relatório anual devia conter uma secção sobre o acompanhamento dado às avaliações do impacto no género;
23. Saúda a decisão do Governo norueguês de impor, por via legal, uma quota de 40% de mulheres nas administrações das sociedades;
24. Insta a que todos os programas de "ajuda ao comércio" sejam orientados para promover a igualdade entre os géneros e o desenvolvimento sustentável e financiados através de fundos adicionais; salienta que o financiamento a título da "ajuda ao comércio" deve contribuir para o reforço da capacidade necessária do lado da procura para participar no comércio e não deve ser condicionado a políticas dos Governos beneficiários em matéria de liberalização dos mercados agrícola, industrial ou de serviços;
25. Assinala a importância da integração da dimensão do género no orçamento no quadro da política europeia de comércio, enquanto estratégia em favor da igualdade entre os géneros; insta a Comissão, o Conselho e os Estados-Membros a implementarem urgentemente a integração da dimensão do género no orçamento como instrumento corrente das políticas orçamentais a todos os níveis;
26. Sublinha que a participação económica é essencial para reforçar a confiança e a capacidade das mulheres e melhorar o seu estatuto na comunidade; sublinha igualmente que o acesso aos recursos confere às mulheres a capacidade de criar rendimento e bens, o que torna possível uma situação propícia a que as mulheres de baixos rendimentos e as mulheres pobres criem empresas, melhorem as condições de vida, mantenham a família bem alimentada e saudável, eduquem as crianças, adquiram o respeito em casa e na comunidade e se envolvam na política; sublinha o vasto potencial dos "microcréditos" enquanto ferramenta inestimável de minoração da pobreza, promoção da auto-suficiência e incentivo da actividade económica nos países mais pobres e desfavorecidos do mundo;
27. Exorta os Estados-Membros a despenderem todos os esforços possíveis para assegurar que a perspectiva do género seja tida em conta nas negociações de comércio mundiais; convida igualmente os Estados Membros a encorajarem as mulheres a apresentar-se como candidatas a posições em organizações internacionais como a OMC, o Banco Mundial, o FMI e a OIT, bem como a apoiarem as mulheres que o façam;
28. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução à Comissão e ao Conselho, aos Governos e Parlamentos nacionais e regionais dos Estados-Membros e dos países candidatos à adesão e ao Conselho da Europa.