Resolução do Parlamento Europeu, de 10 de Maio de 2007, sobre a Euratom – Balanço de 50 anos de política europeia no domínio da energia nuclear (2006/2230(INI))
O Parlamento Europeu,
‐ Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica, assinado em Roma a 25 de Março de 1957 ("Tratado Euratom"),
‐ Tendo em conta o preâmbulo do Tratado Euratom, que recorda a sua vocação inicial de constituir uma Comunidade Europeia da Energia Atómica (Euratom) tendente a criar "as condições para o desenvolvimento de uma poderosa indústria nuclear, fonte de vastos recursos energéticos e de modernização das técnicas, contribuindo, através de muitas outras aplicações, para o bem-estar dos seus povos",
‐ Tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, nomeadamente a sua deliberação de 14 de Novembro de 1978(1), o seu acórdão de 22 de Abril de 1999(2) e o seu acórdão de 10 de Dezembro de 2002(3),
‐ Tendo em conta a Comunicação da Comissão, de 10 de Janeiro de 2007, intitulada "Uma política energética para a Europa" (COM(2007)0001),
‐ Tendo em conta a Comunicação da Comissão intitulada "Programa Indicativo Nuclear apresentado em conformidade com o artigo 40.º do Tratado Euratom para parecer do Comité Económico e Social Europeu" (COM(2006)0844),
‐ Tendo em conta a sua Resolução de 14 de Dezembro de 2006 sobre a "Estratégia europeia para uma energia sustentável, competitiva e segura - Livro Verde"(4),
‐ Tendo em conta a sua Resolução de 23 de Março de 2006 sobre a segurança do aprovisionamento energético da União Europeia(5),
‐ Tendo em conta a sua Posição de 14 de Dezembro de 2006 sobre uma proposta de regulamento do Conselho que institui um Instrumento de Assistência em matéria de Segurança e Salvaguardas Nucleares(6),
‐ Tendo em conta a Directiva 2006/117/Euratom do Conselho, de 20 de Novembro de 2006, relativa à fiscalização e ao controlo das transferências de resíduos radioactivos e de combustível nuclear irradiado(7),
‐ Tendo em conta a Decisão 2006/970/Euratom do Conselho, de 18 de Dezembro de 2006, relativa ao Sétimo Programa-Quadro da Comunidade Europeia da Energia Atómica (Euratom) de actividades de investigação e formação em matéria nuclear (2007-2011)(8),
‐ Tendo em conta o Regulamento (Euratom) n° 1908/2006 do Conselho, de 19 de Dezembro de 2006, que estabelece as regras de participação de empresas, centros de investigação e universidades em acções no âmbito do Sétimo Programa-Quadro da Comunidade Europeia da Energia Atómica e as regras de difusão dos resultados da investigação (2007-2011)(9),
‐ Tendo em conta a Decisão 2006/976/Euratom do Conselho, de 19 de Dezembro de 2006, relativa ao programa específico para execução do Sétimo Programa-Quadro da Comunidade Europeia da Energia Atómica (Euratom) de actividades de investigação e formação em matéria nuclear (2007-2011)(10),
‐ Tendo em conta a Decisão 2006/977/Euratom do Conselho, de 19 de Dezembro de 2006, relativa ao programa específico a executar por meio de acções directas pelo Centro Comum de Investigação no âmbito do Sétimo Programa-Quadro da Comunidade Europeia da Energia Atómica (Euratom) de actividades de investigação e formação em matéria nuclear (2007-2011)(11),
‐ Tendo em conta a sua Posição de 16 de Novembro de 2005 sobre uma proposta de regulamento do Conselho relativo à aplicação do Protocolo n.º 9, anexo ao Acto relativo às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca à União Europeia, respeitante à central nuclear de Bohunice V1, na Eslováquia(12),
‐ Tendo em conta a sua Resolução de 16 de Novembro de 2005 sobre a utilização dos recursos financeiros destinados ao desmantelamento de centrais nucleares(13),
‐ Tendo em conta as decisões aprovadas na Audição Pública organizada sobre a matéria pela sua Comissão da Indústria, da Investigação e da Energia em 1 de Fevereiro de 2007,
‐ Tendo em conta o artigo 45º do seu Regimento,
‐ Tendo em conta o relatório da Comissão da Indústria, da Investigação e da Energia e o parecer da Comissão dos Assuntos Constitucionais (A6-0129/2007),
A. Considerando que, embora os Tratados tenham sido reiteradamente objecto de profundas reformas a fim de responder às novas necessidades e desafios, o Tratado Euratom, nos seus 50 anos de existência, foi apenas alterado uma única vez(14) e que as suas disposições fundamentais e a sua substância permaneceram inalteradas desde a sua versão original,
B. Considerando que, embora o Tratado Euratom tenha sido apenas ligeiramente modificado ao longo dos últimos 50 anos, deu origem a uma abundante legislação derivada durante o mesmo período e foi objecto de um número importante de acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, que permitiram, nomeadamente, ampliar de forma considerável o âmbito de aplicação inicial do Tratado Euratom,
C. Considerando que o Tratado Euratom introduziu rigorosas normas de segurança em matéria de tratamento de elementos de combustível e resíduos radioactivos na União Europeia, bem como normas de segurança uniformes para a protecção da saúde dos trabalhadores e da população, a par de procedimentos relativos à aplicação das normas em questão, e que é contrário a toda e qualquer proliferação de material nuclear para fins militares,
D. Considerando que o Tratado Euratom proporciona um quadro jurídico global e coerente para a utilização, em condições seguras, da energia nuclear na Europa, para benefício de todos os EstadosMembros,
E. Considerando que vários EstadosMembros jamais desenvolveram a opção nuclear, que outros prosseguem uma política activa de abandono progressivo e que outros, ainda, continuam a apoiar o seu sector nuclear,
F. Considerando que, no seu Projecto de Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa (Tratado Constitucional), a Convenção propôs que o Tratado Euratom fosse dissociado da estrutura jurídica da futura Constituição; que, no âmbito dos seus trabalhos sobre o futuro da União Europeia e a assinatura do Tratado Constitucional, a Convenção manteve as disposições do Tratado Euratom no seu estado actual sob a forma de um protocolo anexo,
G. Considerando que a Alemanha, a Irlanda, a Áustria, a Hungria e a Suécia anexaram ao Tratado Constitucional uma declaração segundo a qual as disposições centrais do Tratado Euratom devem ser actualizadas e que, para o efeito, se deverá convocar "o mais rapidamente possível" uma conferência de revisão;
H. Considerando que os recentes alargamentos incrementaram a diversidade do cenário da União Europeia no domínio da energia nuclear e aumentaram a necessidade de uma acção comunitária no domínio nuclear,
I. Considerando que o quinquagésimo aniversário do Tratado Euratom proporciona ao Parlamento uma oportunidade para examinar o seu conteúdo e a sua relevância, e manifestando a sua preocupação pelo facto de as principais disposições do Tratado Euratom não terem sido alteradas desde a sua entrada em vigor há 50 anos,
J. Considerando que as reflexões sobre a permanência do Tratado Euratom são indissociáveis dos objectivos perseguidos pela Comissão em prol de uma política europeia da energia mais segura, mais sustentável, mais competitiva e susceptível de contribuir para combater as alterações climáticas, tal como definidos na recente Comunicação da Comissão de 10 de Janeiro de 2007, acima citada,
Balanço de 50 anos de Tratado Euratom
1. Salienta que, a partir de 1957 e da assinatura do Tratado Euratom, a União Europeia se tornou líder mundial da indústria nuclear e um dos principais actores da investigação nuclear nos domínios da fissão e da fusão termonucleares controladas; observa que a indústria europeia está presente na totalidade do ciclo do combustível nuclear e que soube desenvolver tecnologias autóctones, algumas das quais, como a tecnologia de enriquecimento por ultracentrifugação, são o fruto de parcerias à escala europeia;
2. Observa que o controlo, pelo sector nuclear da União Europeia, da quase totalidade do ciclo do combustível proporciona à União, nestes tempos de reflexão sobre a sua dependência energética, garantias de independência industrial e tecnológica, nomeadamente, em matéria de enriquecimento do combustível,
3. Recorda que, graças, em particular, ao Tratado Euratom, a energia nuclear produzia em finais de 2006, a partir de 152 reactores instalados em 15 EstadosMembros, 32% da electricidade europeia, ou seja, a parte mais importante da electricidade da União Europeia não resultante do carbono e uma das suas fontes mais competitivas, susceptível de contribuir para os objectivos de uma política energética para a Europa, como definidos na Comunicação da Comissão de 10 de Janeiro de 2007;
4. Clarifica que, do ponto de vista da luta contra as alterações climáticas, a Comissão, no seu Livro Verde "Para uma estratégia europeia de segurança do aprovisionamento energético" (COM(2000)0769), calculou que a energia nuclear permitiria evitar mais de 300 milhões de toneladas de emissões de CO2 em 2010, ou seja, que tal "equivale à retirada de circulação de 100 milhões de carros de turismo"; recorda que, no anexo I da sua Comunicação de 10 de Janeiro de 2007, a Comissão considera que o nuclear é a fonte de energia que menos carbono produz, depois da energia eólica off-shore e da energia hidráulica de pequena escala;
5. Observa que os países fundadores da Euratom previram uma série de disposições repartidas por dez capítulos tendentes a enquadrar, de forma rigorosa, o desenvolvimento da energia nuclear na Comunidade, disposições essas ainda em vigor e que têm vindo a ser regularmente enriquecidas mercê dos actos legislativos adoptados com base no Tratado Euratom e que prestam um contributo importante para o funcionamento seguro das instalações nucleares na Europa;
6. Constata que já não existe entre os EstadosMembros o consenso existente em 1957 quanto à energia nuclear;
7. Assinala que as expectativas em relação à energia nuclear a que o Tratado Euratom deu expressão há cinco décadas evoluíram; observa que, actualmente, essas expectativas se referem, em maior medida, à necessidade de dispor, sob a forma do Tratado Euratom, de um quadro jurídico sólido para reger o controlo da utilização da energia nuclear na União Europeia e acompanhar a integração na União Europeia de países que recorrem à energia nuclear mediante a transposição do acervo comunitário Euratom; reconhece que, no Título II do Tratado Euratom, importantes capítulos permitiram proteger as pessoas, os trabalhadores e o meio ambiente das radiações ionizantes (Capítulo III), desenvolver a investigação nos âmbitos da gestão de resíduos e da segurança das instalações (Capítulo I) e instituir salvaguardas visando o controlo de segurança das matérias cindíveis na Europa (Capítulo VII);
8. Recorda que as primeiras actividades de investigação se desenvolveram no âmbito do Tratado Euratom (Capítulo I) e que tal esteve na origem da criação do Centro Comum de Investigação, primeira instituição de investigação da UE; exorta à inclusão de um programa de investigação e desenvolvimento nuclear no orçamento geral do programa-quadro de investigação, sujeito ao mesmo controlo e dever de prestação pública de contas que caracteriza todos os outros programas de investigação;
9. Considera que a legislação desenvolvida no âmbito do Capítulo 3 do Tratado Euratom ("A protecção sanitária") deve continuar a inserir-se no âmbito de responsabilidades da União Europeia, a fim de assegurar que as normas fundamentais de protecção dos trabalhadores e do público sejam aplicadas e tornadas extensivas ao ambiente e de ter em consideração, de forma evolutiva, os resultados dos estudos científicos internacionais;
10. Salienta que o alcance da referida legislação não se limita aos territórios em que são exploradas instalações nucleares, mas integra agora igualmente a protecção dos Estados Membros vizinhos e dos Estados terceiros, mediante a realização de controlos permanentes dos resíduos de efluentes radioactivos e a adopção de regulamentação respeitante às transferências de combustíveis irradiados e de resíduos radioactivos, à protecção da cadeia alimentar e às situações de emergência radiológica;
11. Observa que o Capítulo 4 do Tratado Euratom ("Os investimentos") visava obter, a nível comunitário, uma informação precisa sobre os projectos de investimento dos EstadosMembros;
12. Regista, contudo, que, aquando da publicação dos seus Programas Indicativos Nucleares da Comunidade (PINC), a Comissão não fez uma estimativa real das necessidades em matéria de investimentos nucleares, nomeadamente no atinente aos problemas de segurança do aprovisionamento energético, de luta contra as alterações climáticas e de competitividade da União Europeia, num contexto de relançamento mundial deste sector;
13. Congratula-se, porém, com o facto de ser consagrada, no Tratado Euratom, a obrigatoriedade de notificar todos os novos investimentos na Europa no domínio nuclear, o que permite dispor de uma cartografia completa das actividades nucleares da União Europeia, obrigação que constitui uma especificidade da indústria nuclear europeia;
14. Considera que as empresas comuns (Capítulo 5 do Tratado Euratom) constituíram um precioso instrumento para a aplicação das políticas públicas, nomeadamente no âmbito da investigação, domínio em que esse instrumento jurídico foi utilizado em diferentes ocasiões, designadamente com a constituição, em 1978, da Joint European Torus, em Culham, e, mais recentemente, a instituição da Entidade Jurídica Europeia destinada a pôr em prática o projecto de Reactor Internacional Termonuclear Experimental (ITER);
15. Considera que, com a criação de uma Agência (Capítulo 6) que zela pelo aprovisionamento dos utilizadores da União, em conformidade com o princípio da igualdade de acesso aos materiais, o Tratado Euratom dispõe de um instrumento essencial nesta época de reflexão sobre a segurança do aprovisionamento energético;
16. Considera que os controlos de segurança (Capítulo 7) constituem um dos maiores êxitos da aplicação do Tratado Euratom e proporcionam à Comissão os meios para conhecer de forma muito precisa os recursos e os fluxos de materiais nucleares na União Europeia;
17. Observa que esses controlos de segurança dão igualmente uma real garantia aos Estados fornecedores de materiais nucleares quanto à utilização dos mesmos, complementando os controlos de não proliferação da Agência Internacional da Energia Atómica (AIEA);
18. Verifica que, em conformidade com o Capítulo 10 do Tratado Euratom ("As relações externas"), a adesão da Euratom a diversas convenções internacionais, designadamente a Convenção sobre a Segurança Nuclear e a Convenção Conjunta sobre a Segurança da Gestão do Combustível Irradiado e a Segurança da Gestão dos Resíduos Radioactivos, permitiu à Comunidade participar no esforço internacional referente a essas matérias e promover os importantes progressos alcançados na União Europeia;
19. Recorda igualmente que foi com base no Capítulo 10 do Tratado Euratom que a Comunidade Europeia da Energia Atómica celebrou numerosos acordos de colaboração no domínio da investigação, participou em projectos internacionais como o Fórum Internacional Geração IV sobre os sistemas de reactores do futuro e conduziu as negociações internacionais sobre o projecto ITER;
Debate institucional
20. Verifica que as principais disposições do Tratado Euratom não foram alteradas desde a sua entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 1958;
21. Confirma que, de acordo com o princípio da subsidiariedade, cabe a cada Estado-Membro decidir se pretende, ou não, aderir à energia nuclear;
22. Regista, além disso, que certos EstadosMembros declaradamente opostos à energia nuclear e que aderiram às Comunidades (Comunidade Europeia e Euratom) jamais foram, de modo algum, obrigados a desenvolver a energia nuclear no seu território; verifica, por conseguinte, que há muitos anos que se admite que, ao promover a energia nuclear, o Tratado Euratom não impõe nenhuma obrigação, mas estabelece um quadro jurídico que pode ser utilizado por todos;
23. Frisa que a existência do Tratado Euratom não constitui, de modo algum, um travão ao desenvolvimento do mercado interno da electricidade e menos ainda um obstáculo ao princípio da livre circulação de mercadorias, pessoas e capitais; salienta que, neste contexto, o direito ordinário estabelecido no Tratado que institui a Comunidade Europeia (Tratado CE) se aplica também às actividades nucleares e observa, a título de exemplo, que a circulação de materiais, equipamentos e tecnologias nucleares dentro e fora da União Europeia se encontra abrangida pela regulamentação aplicável ao controlo das mercadorias denominadas "de dupla utilização", aprovada com base na política comercial do Tratado CE; acrescenta que a legislação Euratom está submetida ao direito de concorrência e aos regulamentos relativos aos auxílios estatais, como dispõe o Título VI do Tratado CE; conclui, portanto, que o Tratado Euratom não constitui, em caso algum, um quadro proteccionista para a energia nuclear;
24. Verifica que o Tratado Euratom proporciona aos países que escolheram a via nuclear os instrumentos necessários para o seu desenvolvimento (empresas comuns, apoio à investigação e ao desenvolvimento, empréstimos Euratom), mas acrescenta à disponibilização desses instrumentos um denso quadro jurídico (protecção sanitária, controlo de segurança, aprovisionamento) susceptível de tranquilizar os EstadosMembros que não tenham escolhido essa via;
25. Recorda que o quadro jurídico Euratom se aplica igualmente, para benefício da Comunidade, aos EstadosMembros que não produzem energia nuclear, mas que têm no seu território reactores de investigação nuclear e propõe a esses EstadosMembros instrumentos (como os programas-quadro de investigação e desenvolvimento Euratom) que lhes permitem beneficiar de financiamento, por exemplo, no domínio da investigação médica;
26. Considera que, independentemente da diversidade de pontos de vista sobre a energia nuclear, as disposições do Tratado Euratom que contribuíram para prevenir a proliferação de materiais nucleares e as disposições que se reportam à saúde, segurança e prevenção da contaminação radioactiva foram altamente benéficas e deveriam ser coordenadas estreitamente com as disposições do Tratado CE em matéria de saúde e segurança;
Lacunas
27. Deplora que o aumento dos poderes do Parlamento Europeu e, em particular, o alargamento do processo de co-decisão à aprovação da maior parte da legislação europeia, não tenha sido tomado em consideração no Tratado Euratom; considera que, não obstante a natureza técnica do Tratado Euratom, o Parlamento Europeu tem o direito de ser oficialmente associado ao processo de aprovação de textos cuja base jurídica seja o Tratado Euratom;
28. Entende que o facto de o Parlamento estar quase totalmente excluído do processo legislativo Euratom e de ser meramente consultado sobre apenas um dos dez capítulos do Tratado Euratom dá conta de um défice democrático inaceitável;
29. Observa, contudo, que, por via de um Acordo Interinstitucional, o Parlamento está associado às negociações sobre o Sétimo Programa-Quadro da Euratom para actividades de investigação e formação em matéria nuclear (2007 a 2011) (PQ Euratom); constata, igualmente, à luz dos últimos textos examinados pela Comissão da Indústria, da Investigação e da Energia do Parlamento Europeu (7PQ Euratom, directiva sobre o instrumento de assistência nuclear, etc.), que, apesar de o processo apenas prever a consulta do Parlamento Europeu, as alterações propostas pelo Parlamento aos textos Euratom são regularmente tidas em conta, na totalidade ou em parte, pelo Conselho; não considera, porém, que tal possa ser considerado suficiente;
30. Destaca a grande importância do artigo 203º do Tratado Euratom, que confere ao Tratado Euratom flexibilidade para empreender, como acontece no caso da criação do Instrumento de Cooperação Nuclear, iniciativas legislativas não previstas inicialmente no Tratado Euratom; considera que se impõe examinar o modo como o artigo 203º poderia ser utilizado para desenvolver novas iniciativas, assim como para, eventualmente, proceder a ajustamentos no Tratado Euratom;
31. Lamenta a inexistência de um corpus legislativo em matéria de normas harmonizadas, nos domínios da segurança nuclear, da gestão dos resíduos radioactivos e do desmantelamento de instalações nucleares com verdadeiro valor acrescentado, em particular por comparação com o quadro internacional existente;
32. Convida a Comissão a inspirar-se na experiência adquirida na aplicação das convenções regidas pela AIEA (Convenção sobre a Segurança Nuclear e a Convenção Conjunta sobre a Segurança da Gestão do Combustível Irradiado e a Segurança da Gestão dos Resíduos Radioactivos) e a ter em conta as avaliações das práticas nacionais mais avançadas no domínio da gestão dos resíduos radioactivos, conduzidas pela Agência para a Energia Nuclear da OCDE (AEN); observa que as iniciativas concertadas, como as levadas a efeito pela Associação de Reguladores Nucleares da Europa Ocidental (Western Europe Nuclear Regulators Association -WENRA), visando desenvolver uma abordagem comum da segurança nuclear, são susceptíveis de contribuir para a elaboração de uma base legislativa;
33. Observa que, como confirmado no acórdão do Tribunal de Justiça no processo C-29/99 Comissão/Conselho, acima citado, a Comissão dispõe de competências no domínio da segurança nuclear por força do Tratado Euratom e está habilitada a apresentar propostas na matéria;
Orientações para o futuro
34. Considera que, apesar das suas imperfeições, Tratado Euratom continua, por agora, a constituir, um quadro jurídico indispensável, não só para os EstadosMembros que pretendem desenvolver o seu sector nuclear, mas também para os Estados-Membros que apenas desejam beneficiar de um arsenal jurídico que os proteja, e que proteja as suas populações e o seu ambiente;
35. Reitera o seu apelo à convocação de uma conferência intergovernamental tendo em vista uma revisão abrangente do Tratado Euratom a fim de suprimir as disposições obsoletas, manter o regime regulador do sector nuclear a nível da UE, rever as restantes disposições à luz de uma política energética moderna e sustentável e de integrar as que sejam relevantes num capítulo autónomo consagrado à energia;
36. Sublinha que as disposições do Tratado Euratom estão no centro do debate sobre as questões industriais, em ligação com a Estratégia de Lisboa, e sobre as questões energéticas (nomeadamente, na óptica do aprovisionamento), num momento em que a União Europeia procura definir um pacote energético europeu pobre em carbono, competitivo e o mais "doméstico" possível;
37. Reitera, neste contexto, que a energia nuclear fornece actualmente à União Europeia 32% da sua electricidade e que é considerada pela Comissão, na sua Comunicação de 10 de Janeiro de 2007, como uma das principais fontes de energia isentas de CO2 na Europa e a terceira fonte de energia menos cara na Europa, sem internalização dos custos do CO2; considera, por conseguinte, que a União Europeia deve defender, no respeito do Tratado Euratom, a sua liderança industrial e tecnológica face aos actores que estão a proceder a um relançamento vigoroso das suas actividades nucleares (Rússia, EUA) e à emergência de novos actores mundiais do nuclear (China e Índia), futuros concorrentes da União Europeia a médio prazo;
38. Considera que a inexistência do quadro jurídico propiciado pelo Tratado Euratom suscitaria uma renacionalização da política nuclear na Europa, ou seja, uma regressão do acervo comunitário, e daria origem a um risco de insegurança jurídica para o conjunto dos 27 Estados Membros;
39. Insta a que princípios da concorrência leal e da igualdade de condições de concorrência relativamente às diferentes fontes de energia sejam respeitados;
40. Considera igualmente que a supressão de um ou vários capítulos do Tratado Euratom ou a fusão de certas disposições no Tratado CE desequilibraria o Tratado Euratom, no seu todo, ao enfraquecer a supervisão da exploração da energia nuclear na Europa; acrescenta que a inexistência de um quadro jurídico coerente complicaria tremendamente a assunção, pelos futuros EstadosMembros, do acervo Euratom;
41. Sustenta que a supervisão da exploração da energia nuclear na Europa, dadas as características muito específicas desta fonte de energia, requer a manutenção de um quadro jurídico específico como o Tratado Euratom, que, desde há 50 anos, tem demonstrado a utilidade de todas as suas disposições; acrescenta que a sua incorporação parcial num hipotético capítulo sobre a "Energia" do Tratado CE enfraqueceria o conjunto do enquadramento jurídico da energia nuclear na Europa e suprimiria os processos de controlo específicos do nuclear que o Tratado Euratom actualmente contém;
42. Entende, porém, que é necessária uma reforma do Tratado Euratom;
43. Considera que, independentemente da possibilidade de introdução de ajustamentos a curto prazo, se revela necessária uma ampla revisão do Tratado Euratom, por forma a reparar o défice democrático e a colocar as questões de segurança no centro das actividades nucleares da União e dos seus EstadosMembros;
44. Solicita uma revisão dos procedimentos de tomada de decisões previstos no Tratado Euratom, que permitiriam associar estreitamente o Parlamento Europeu aos procedimentos legislativos no domínio nuclear, bem como lograr uma maior transparência e o pleno envolvimento dos cidadãos da União; convida, por conseguinte, o Conselho e a Comissão a abordarem o problema do défice democrático inerente ao Tratado Euratom e a alargarem o processo de co-decisão à legislação aprovada por força desse Tratado;
45. Considera que essas modificações podem ser efectuadas com base no artigo 203º do Tratado Euratom, sem necessariamente perturbar a estrutura e o conteúdo gerais do referido Tratado; convida o Conselho a considerar essa possibilidade;
46. Salienta que, no contexto da necessidade de adaptação da política energética europeia e de prolongamento da vida útil das centrais, é urgente elaborar uma legislação consistente e adoptar medidas concretas a nível comunitário nos domínios da segurança nuclear, da gestão dos resíduos radioactivos e do desmantelamento das instalações nucleares, bem como empreender diligências tendentes a assegurar que a investigação e o desenvolvimento que promovem a utilização segura de energia nuclear sejam alvo da maior atenção e do maior apoio possíveis; insta a Comissão a rever os projectos pertinentes da sua proposta legislativa e a apresentar novas propostas de directivas sobre a segurança das instalações nucleares, a gestão dos resíduos e o encerramento e desmantelamento de centrais nucleares, tendo em conta o princípio do "poluidor-pagador";
47. Insta a Comissão e o Conselho a examinarem rapidamente esta questão e a trabalharem sobre ela em estreita concertação com o Parlamento;
48. Convida ao desenvolvimento de programas de ensino e de formação à escala europeia no domínio nuclear e à adopção de medidas destinadas a assegurar o financiamento de programas de investigação ambiciosos, que permitam responder aos reptos nos domínios da fissão (segurança, gestão dos resíduos, reactores do futuro) e da radioprotecção e assegurar a necessária manutenção das competências e dos recursos humanos adequados, a fim de deixar em aberto a opção nuclear com base numa indústria europeia perene e competitiva;
49. Solicita um mecanismo europeu de coordenação das melhores práticas nacionais para proteger os trabalhadores e o público contra as radiações, de molde a complementar a harmonização já alcançada neste sector pelo Tratado Euratom;
50. Encoraja energicamente a Comissão a elaborar com regularidade, tal como prevê o Tratado Euratom, programas indicativos nucleares (PINC) realmente prospectivos em matéria de objectivos de produção e de investimentos nucleares no contexto mundial do reforço da concorrência neste sector e que tenham também em consideração os objectivos de redução das emissões de gases com efeito de estufa; recorda, a este propósito, que o recurso às demais fontes de energia é também da competência nacional, mas que alguns objectivos (por vezes, mesmo vinculativos) são fixados a nível comunitário, como é o caso das energias renováveis;
51. Convida o Conselho, tendo em conta o objectivo da segurança do aprovisionamento e os objectivos da redução das emissões de CO2, a definir uma política coordenada que incentive o investimento, no pleno respeito dos requisitos de segurança, vocacionada para o prolongamento da vida útil e para a melhoria de desempenho dos reactores existentes, bem como para o investimento em novas capacidades;
52. Regista a iniciativa do Conselho de ponderar a possibilidade da criação de um Grupo europeu de alto nível para a segurança e a gestão dos resíduos radioactivos;
53. Acolhe positivamente a iniciativa da criação de um fórum nuclear europeu, tendo em vista contribuir para um debate de alto nível que envolva os políticos, o sector e a sociedade civil;
54. Apela à reactivação do papel da Agência de Aprovisionamento da Euratom e a que a mesma utilize plenamente os poderes alargados que lhe são conferidos pelo Tratado Euratom; considera que esse papel deve ser interpretado menos na óptica de uma penúria de urânio do que na da competitividade e da segurança dos aprovisionamentos, incluindo o aprovisionamento de combustível nuclear fabricado; considera que as disposições do Tratado Euratom lhe conferem os meios para constituir um autêntico observatório da energia no domínio nuclear e, para esse efeito, encoraja as reflexões em curso sobre a melhoria do estatuto da Agência de Aprovisionamento da Euratom;
55. Convida à prossecução de uma intensa cooperação internacional, cujas bases foram traçadas no Tratado Euratom, e apela a um reforço permanente da cooperação com a AIEA, a fim de evitar sobreposições entre as acções desta e da Euratom e de assegurar o mais elevado grau de protecção possível nos domínios da radioprotecção, da segurança e da não proliferação nucleares;
56. Exorta à prossecução de um elevado nível de colaboração internacional em matéria de investigação e desenvolvimento, como acontece no quadro do projecto ITER ou no âmbito do fórum internacional sobre os reactores de IV geração;
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57. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho e à Comissão.