Resolução do Parlamento Europeu, de 27 de Setembro de 2007, sobre as obrigações dos prestadores de serviços transfronteiriços (2006/2049(INI))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta os artigos 95.º e 153.º do Tratado CE,
– Tendo em conta a proposta de directiva do Conselho relativa à responsabilidade do prestador de serviços (COM(1990)0482),
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão relativa a novas orientações em matéria de responsabilidade do prestador de serviços (COM(1994)0260),
– Tendo em conta a Directiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno(1) (Directiva relativa aos Serviços),
– Tendo em conta o Livro Verde da Comissão sobre a revisão do acervo relativo à defesa do consumidor (COM(2006)0744),
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu intitulada "Estratégia comunitária em matéria de Política dos Consumidores para 2007-2013" (COM(2007)0099),
– Tendo em conta o Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho relativo à segurança dos serviços aos consumidores (COM(2003)0313),
– Tendo em conta o estudo sobre as obrigações dos fornecedores de serviços transfronteiras, de Março de 2007, efectuado a pedido da Comissão do Mercado Interno e da Protecção dos Consumidores,
– Tendo em conta a resposta da Comissão, de 12 de Janeiro de 2006, à pergunta escrita da deputada Diana Wallis,(2)
– Tendo em conta as suas recomendações de 19 de Junho de 2007 baseadas no relatório da Comissão de Inquérito sobre a Crise da Companhia de Seguros "Equitable Life"(3),
– Tendo em conta o artigo 45.º do seu Regimento,
– Tendo em conta o relatório da Comissão do Mercado Interno e da Protecção dos Consumidores e o parecer da Comissão dos Assuntos Jurídicos (A6-0294/2007),
A. Considerando que o desenvolvimento económico e social da UE depende, em larga medida, do sector dos serviços, o qual está em constante crescimento e representa quase 70% do PIB da UE,
B. Considerando que a confiança dos consumidores europeus no consumo transfronteiras é baixa, conforme demonstra o facto de apenas 6% dos consumidores terem feito uma compra transfronteiras em linha em 2006,
C. Considerando que os valores relativos ao comércio de serviços transfronteiras são extremamente baixos comparativamente com os valores do comércio de produtos,
D. Considerando que em 1985 foi aprovada uma directiva em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos(4) e em 2001 uma directiva relativa à segurança geral dos produtos(5),
E. Considerando que o estatuto da segurança dos consumidores e o nível de protecção dos consumidores diferem de um Estado-Membro para outro no que respeita à prestação de serviços transfronteiras, ao passo que, no sector das mercadorias, quer a legislação internacional, quer a legislação comunitária salvaguardam uma protecção satisfatória do consumidor,
F. Considerando que uma recente sondagem do Eurobarómetro evidencia que 33% dos consumidores se queixam de as empresas recusarem a venda ou o fornecimento de serviços pelo facto de o consumidor não ser residente no país em que se encontram implantadas,
G. Considerando que a política do consumidor é tão importante como a política de concorrência, na medida em que os consumidores informados exercem uma pressão concorrencial sobre os mercados,
H. Considerando que o acervo da UE em matéria de defesa dos consumidores é fragmentária, pois a UE, com base na repartição das competências prevista nos Tratados, estabeleceu regras claras apenas em determinados sectores ou serviços, como os dos contratos à distância, das práticas comerciais desleais, do crédito ao consumo, das férias organizadas e do timeshare (direito real de habitação periódica),
I. Considerando que existem provas que permitem supor que a actual fragmentação legislativa pode dissuadir os consumidores de efectuarem transacções transfronteiriças e proporciona, lamentavelmente, oportunidades para burlas e fraudes transfronteiriças,
J. Considerando que o Livro Verde sobre a revisão do acervo relativo à defesa do consumidor não aborda as obrigações dos prestadores de serviços,
K. Considerando que, quer o consumidor, quer o prestador de serviços nem sempre estão em condições de determinar com clareza qual o regime jurídico a aplicar aos diferentes aspectos das suas actividades, ou seja, se se aplica a lei ou o regime regulador do país de acolhimento ou os do país de origem,
L. Considerando que, em alguns Estados-Membros, os utilizadores dos serviços prestados por entidades privadas estão mais bem protegidos do que os utilizadores dos serviços prestados por entidades públicas,
M. Considerando que a legislação em vigor não regula, em geral, as obrigações do prestador de serviços, nem prevê vias de recurso específicas à disposição dos consumidores, contrariamente às medidas adoptadas no domínio da livre circulação de mercadorias,
N. Considerando que a inexistência de uma estrutura legal a nível comunitário que permita aos consumidores instaurarem uma acção colectiva, numa base transfronteiriça, contra burlões ou maus prestadores de serviços constitui uma lacuna no regime regulador e, sobretudo, um obstáculo a que os consumidores possam obter compensação legal a um custo razoável ou uma indemnização transfronteiriça,
O. Considerando que, em alguns EstadosMembros, não existem organismos competentes para apoiar a resolução extrajudicial de litígios de consumo e que as estruturas existentes a nível comunitário, nomeadamente a ECC-Net (Rede dos Centros Europeus do Consumidor) e a FIN-NET (Rede de Resolução Extrajudicial de Litígios Transfronteiriços no Sector dos Serviços Financeiros no Espaço Económico Europeu), não são suficientemente conhecidas e não dispõem de recursos suficientes,
Mercado interno dos serviços
1. Incentiva a elaboração de medidas que concretizem o mercado interno dos serviços;
2. Está convicto da necessidade da introdução de um sistema de obrigações mais uniforme para os prestadores de serviços, em virtude do carácter cada vez mais transnacional do mercado de serviços, a fim de facilitar o desenvolvimento de um mercado interno dos serviços sem descontinuidades;
3. Está convicto de que a Directiva relativa aos serviços, a transpor para o direito interno dos EstadosMembros até 28 de Dezembro de 2009, deverá surtir efeitos consideráveis a nível da prestação de serviços transfronteiras, mas observa que a Directiva não aborda as obrigações fundamentais que cabem aos prestadores de serviços;
4. Entende que a clarificação do sistema legal das obrigações dos prestadores de serviços na UE proporcionará uma maior competitividade e maiores possibilidades de escolha para os consumidores, não devendo criar obstáculos injustificados à livre circulação de serviços no mercado interno;
5. Considera que a diversidade de legislações, regulamentação e práticas administrativas nos EstadosMembros causa insegurança e falta de transparência, quer para os prestadores de serviços, quer para os consumidores, e torna mais difícil a utilização dos recursos comuns da UE, embora constitua uma oportunidade em termos de concorrência relativamente à protecção do consumidor;
6. Lamenta que a actual mistura de instrumentos legais, entre normas de conflitos de leis e instrumentos do mercado interno, e o facto de não se ter determinado claramente a sua interacção, signifique que nem o consumidor nem o prestador de serviços possa sempre saber com clareza qual o regime legal aplicável a cada um dos aspectos das suas actividades, ou seja, se se aplica a lei ou o regime regulamentar do país de acolhimento, ou os do país de origem;
7. Está convicto de que, quando os consumidores sentem dúvidas quanto à segurança e à qualidade de um serviço, tendem a erguer barreiras mentais relativamente aos fornecedores estrangeiros que os dissuadem de utilizar os serviços transfronteiriços, e de que, quando um consumidor tem uma má experiência, a mesma se reflecte de forma injusta em todos os outros prestadores de serviços estrangeiros;
8. Salienta que, quanto à qualidade dos serviços, os consumidores não se encontram tão bem protegidos pelo acervo comunitário como os consumidores que adquirem bens;
9. Manifesta contudo as suas reservas, enquanto se aguarda a aplicação integral da Directiva relativa aos serviços, no que diz respeito a novos instrumentos horizontais de grande alcance para efeitos de realização do mercado interno dos serviços;
10. Está ciente de que os serviços são frequentemente estruturas complexas que envolvem a interacção e a discrição humanas;
11. Está convicto de que não apenas os consumidores, mas também - e sobretudo - as pequenas e médias empresas (PME), quer na qualidade de compradores, quer de vendedores de serviços transfronteiras, podem beneficiar de uma maior certeza jurídica, de uma maior simplicidade e da redução dos custos;
12. Recorda que, conforme estipula o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços, a prestação de serviços transfronteiras assume formas muito variadas, como, por exemplo, as vendas em linha, as deslocações a outro país para aí beneficiar de um serviço ou a visita do país do consumidor por parte do prestador de serviços, que deveriam ser tomadas em consideração;
13. Nota que ainda há várias iniciativas legislativas pendentes destinadas a garantir a segurança jurídica em matéria de direitos e, especialmente, de obrigações dos prestadores de serviços transfronteiras, designadamente a proposta de regulamento sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (COM(2005)0650), o Regulamento (CE) n.° 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações não contratuais (Roma II)(6) e o Livro Verde sobre a revisão do acervo comunitário em matéria de protecção do consumidor;
14. Observa que o artigo 5° da proposta Roma I é essencial para determinar se é aplicável a legislação relativa à protecção do consumidor do país de origem (do prestador de serviços) ou a do país do cliente (consumidor do serviço); salienta que é importante aguardar o resultado deste processo legislativo;
15. Está persuadido de que a criação de um mercado interno de serviços cujo enquadramento legal se baseia nas liberdades fundamentais de estabelecimento e de prestação de serviços, tal como consagrado no Tratado e na Directiva relativa aos serviços, depende da clareza das medidas aplicáveis do ponto de vista legal e prático.
Prestadores de serviços públicos e privados
16. Insta a Comissão a ter em conta que, no respeitante às obrigações dos prestadores de serviços, não deverá ser feita qualquer distinção entre prestadores públicos e privados, os quais devem ser ambos sujeitos às directivas relativas à protecção do consumidor;
17. Reconhece que, embora a legislação em vigor na UE, como a directiva relativa aos serviços e a directiva relativa às práticas comerciais desleais(7), não contenha quaisquer disposições específicas destinadas a regular a responsabilidade transfronteiriça dos prestadores de serviços, pode ter repercussões indirectas na legislação dos EstadosMembros neste domínio;
18. Exorta a Comissão a acompanhar cuidadosamente a transposição e a aplicação da legislação horizontal e sectorial, existente e futura, relacionada com a responsabilidade dos prestadores de serviços transfronteiriços;
19. Exorta a Comissão a conceber medidas, como por exemplo a introdução da normalização a nível da UE, destinadas a promover a segurança dos serviços e garantir os direitos dos consumidores em relação aos serviços transfronteiriços fornecidos por EstadosMembros;
20. Solicita à Comissão que continue a desenvolver, a atribuir os recursos necessários e a promover as actividades da ECC-Net e da FIN-NET e, no caso de não se encontrarem disponíveis sistemas alternativos de resolução de litígios em sectores-chave dos serviços nalguns EstadosMembros, que considere, pelo menos, uma recomendação sobre a questão;
21. Exorta a Comissão a continuar a debruçar-se sobre a possibilidade de introdução de um instrumento legal a nível comunitário destinado a facilitar a acção colectiva por parte dos consumidores a nível transfronteiras visando agilizar o acesso a vias de recurso;
22. Reconhece que existem regimes de responsabilidade aplicáveis aos prestadores de serviços, embora em graus diversos, em todos os EstadosMembros, mas crê que, a bem da clareza e da confiança do consumidor, é necessária alguma convergência, sobretudo em sectores transfronteiriços cruciais; considera igualmente necessária uma maior cooperação entre os organismos reguladores nacionais e as organizações profissionais;
Pedido de proposta de um instrumento horizontal relativo às obrigações dos prestadores de serviços
23. Exorta a Comissão, a par da prossecução dos trabalhos numa base sectorial em domínios-chave, a apresentar, no prazo de 12 meses, um programa de trabalho tendo em vista uma avaliação adequada do impacto da legislação presente e futura no mercado interno no domínio das obrigações dos prestadores de serviços transfronteiras e da necessidade de um eventual instrumento horizontal o mais vasto possível destinado a tornar consentâneas as normas sobre prestação transfronteiriça de serviços, a fim de propiciar um elevado nível de protecção do consumidor;
24. Considera que uma tal avaliação deverá debruçar-se sobre um eventual vasto instrumento que deveria conter, pelo menos, regras gerais básicas nos termos das quais sejam fornecidas informações adequadas relativamente a preços, termos contratuais e vias de recurso em caso de prestação de serviços deficientes ou com atraso;
25. Exorta a Comissão a definir claramente a interacção entre os instrumentos de direito internacional privado e os instrumentos do mercado interno, tendo em vista clarificar a questão de saber se se aplica a legislação ou regulamentação do país de origem ou do país de acolhimento, para assim eliminar, na medida do possível, quaisquer lacunas no regime de responsabilidade aplicável aos prestadores de serviços;
26. Considera que a Comissão deveria ter em consideração o impacto de toda e qualquer iniciativa nas PME;
27. Exorta todas as DG da Comissão associadas à legislação relativa ao sector dos serviços a participarem activamente na prossecução dos trabalhos relativos ao quadro comum de referência, tendo em vista incluir secções sobre contratos de serviços, nomeadamente nos domínios em que já se observa considerável actividade transfronteiras ou em que seja provável que tal venha a acontecer, como é, por exemplo, o caso dos serviços financeiros e do sector da saúde;
28. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho e à Comissão.
Directiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos (JO L 210 de 7.8.1985, p. 29).
Directiva 2001/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Dezembro de 2001, relativa à segurança geral dos produtos (JO L 11 de 15.1.2002, p. 4).
Directiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no Mercado Interno (directiva relativa às práticas comerciais desleais) (JO L 149 de 11.6.2005, p. 22).