Resolução do Parlamento Europeu, de 10 de Março de 2009, que contém recomendações à Comissão sobre a transferência transfronteiriça de sedes de empresas (2008/2196(INI))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta o segundo parágrafo do artigo 192.º do Tratado CE,
– Tendo em conta os artigos 43.º e 48.º do Tratado CE,
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão, de 21 de Maio de 2003, intitulada "Modernizar o direito das sociedades e reforçar o governo das sociedades na União Europeia - Uma estratégia para o futuro" (COM(2003)0284),
– Tendo em conta a sua resolução, de 21 de Abril de 2004, sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, intitulada: Modernizar o direito das sociedades e reforçar o governo das sociedades na União Europeia ‐ Uma estratégia para o futuro(1),
– Tendo em conta a sua resolução, de 4 de Julho de 2006, sobre desenvolvimentos recentes e perspectivas do direito das sociedades(2),
– Tendo em conta a sua resolução, de 25 de Outubro de 2007, sobre a Sociedade Privada Europeia e a Décima Quarta Directiva relativa ao direito das sociedades sobre a transferência da sede social(3),
– Tendo em conta os acórdãos do Tribunal de Justiça nos processos Daily Mail and General Trust(4), Centros(5), Überseering(6), Inspire Art(7), SEVIC Systems(8) e Cadbury Schweppes(9),
– Tendo em conta os artigos 39.º e 45.º do seu Regimento,
– Tendo em conta o relatório da Comissão dos Assuntos Jurídicos e o parecer da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários (A6-0040/2009),
A. Considerando que as empresas devem beneficiar de liberdade de estabelecimento no quadro do mercado interno, tal como consagrado no Tratado CE e segundo a interpretação do Tribunal de Justiça,
B. Considerando que a migração transfronteiriça de empresas é um dos elementos fundamentais na realização do mercado interno,
C. Considerando que a transferência transfronteiriça da sede de uma empresa não deve dar lugar à sua liquidação ou a qualquer outra interrupção ou perda de personalidade jurídica,
D. Considerando que a transferência da sede não deve contornar condições legais, sociais e fiscais,
E. Considerando que devem ser salvaguardados os direitos de outras partes interessadas afectadas pela transferência, tais como accionistas minoritários, trabalhadores e credores, etc.,
F. Considerando que o acervo comunitário respeitante aos direitos dos trabalhadores à informação, a serem consultados e à participação e que salvaguarda os direitos á participação dos trabalhadores pré-existentes (Directivas 94/45/CE(10) e 2005/56/CE(11)) deve ser totalmente preservado e que, consequentemente, a transferência de uma sede não deve resultar na perda de direitos já existentes,
G. Considerando que uma regra que exigisse que uma empresa mantivesse a sua sede social e a sua administração central no mesmo Estado-Membro seria contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a liberdade de estabelecimento e, por conseguinte, violaria o direito comunitário,
1. Solicita à Comissão que, com base no artigo 44.º do Tratado CE, lhe apresente, até 31 de Março de 2009, uma proposta legislativa sobre uma directiva que estabeleça medidas para a coordenação das legislações dos Estados-Membros, a fim de facilitar as transferências transfronteiriças na Comunidade da sede de uma sociedade constituída ao abrigo da legislação de um Estado-Membro ("décima-quarta directiva sobre o direito das sociedades"), e solicita que esta proposta seja elaborada no quadro das deliberações interinstitucionais e em observância das recomendações detalhadas que figuram em anexo;
2. Verifica que, presentemente, as empresas só podem transferir a sua sede dissolvendo a sociedade e criando uma nova pessoa colectiva no Estado-Membro de destino ou criando uma nova pessoa colectiva no Estado-Membro de destino e efectuando, de seguida, uma fusão com esta última; constata ainda que este procedimento está associado a encargos administrativos, custos e consequências sociais, não proporcionando segurança jurídica;
3. Chama a atenção para a liberdade de estabelecimento que o artigo 48.º do Tratado CE garante, em benefício das sociedades, e que foi alvo de interpretação pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias(12);
4. Assinala que uma transferência de sede é indissociável da transferência das funções de supervisão; frisa que, no contexto da décima-quarta directiva sobre o direito das sociedades relativa à transferência da sede social, deve ser tida devidamente em conta a salvaguarda dos direitos existentes dos accionistas, credores e trabalhadores e preservado o equilíbrio existente na governação empresarial (corporate governance);
5. Propõe que seja feita uma remissão na nova directiva para a Directiva 94/45/CE e para a Directiva 2005/56/CE, a fim de assegurar a coerência e os elementos substantivos dos processos de participação dos trabalhadores na aplicação das directivas da UE relativas ao direito das sociedades;
6. Entende que a transferência de sede terá de ser antecedida da elaboração de um plano de transferência e de um relatório, no qual sejam clarificados e justificados os aspectos jurídicos e económicos, tal como as consequências da transferência para os accionistas e os trabalhadores; assinala que todos os intervenientes devem ter acesso em tempo útil tanto ao plano de transferência como ao relatório;
7. Destaca, no contexto da Estratégia de Lisboa, os efeitos positivos da concorrência fiscal no que se refere ao crescimento económico;
8. Assinala que a transferência de sede deverá ocorrer em condições de neutralidade fiscal;
9. Recomenda que sejam melhorados o intercâmbio de informações e a assistência entre as administrações fiscais;
10. Exige que haja transparência na aplicação da nova directiva nos EstadosMembros e propõe, por conseguinte, que seja imposto aos EstadosMembros um dever de notificação da Comissão, nos termos do qual as empresas que transfiram a sua sede ao abrigo do disposto na directiva sejam inscritas num registo europeu das sociedades; assinala que, à luz do objectivo de legislar melhor, se deve evitar, ao transpor a nível nacional a obrigação de notificação, todo o excesso de informação ("information overkill"), desde que seja garantida informação suficiente;
11. Verifica que estas recomendações respeitam o princípio da subsidiariedade e os direitos fundamentais dos cidadãos;
12. Entende que a proposta requerida não tem incidências financeiras;
13. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução e as recomendações detalhadas que a acompanham à Comissão e ao Conselho, bem como aos governos e parlamentos dos Estados-Membros.
Directiva 94/45/CE do Conselho, de 22 de Setembro de 1994, relativa à instituição de um conselho de empresa europeu ou de um procedimento de informação e consulta dos trabalhadores nas empresas ou grupos de empresas de dimensão comunitária (JO L 254 de 30.9.1994, p. 64).
Directiva 2005/56/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro de 2005, relativa às fusões transfronteiriças das sociedades de responsabilidade limitada (JO L 310 de 25.11.2005, p. 1).
Acórdão proferido no processo Centros, acima referido.
ANEXO À RESOLUÇÃO:
RECOMENDAÇÕES DETALHADAS SOBRE O CONTEÚDO DA PROPOSTA REQUERIDA
O Parlamento Europeu solicita à Comissão que apresente uma proposta de directiva contendo os seguintes elementos:
Recomendação 1 (repercussões da transferência transfronteiriça de uma sede)
A transferência transfronteiriça da sede de uma empresa não deve dar lugar à liquidação da empresa em questão ou a qualquer interrupção ou perda da sua personalidade jurídica; consequentemente, a empresa conserva a sua identidade jurídica, e todos os seus activos, passivos e as relações contratuais não são afectados. Além disso, a transferência não deve contornar condições legais, sociais e fiscais. A transferência produz efeitos na data do registo no Estado-Membro de acolhimento. A partir dessa data, a sociedade é regida pela legislação daquele Estado.
Recomendação 2 (procedimento de transferência na empresa)
O órgão de administração ou de direcção de uma empresa cuja transferência está prevista deve elaborar uma proposta de transferência. Esta proposta deve incluir, pelo menos:
a)
a forma jurídica, a designação e a sede da empresa no Estado-Membro de origem;
b)
a forma jurídica prevista, a designação e a sede previstas para a empresa no Estado-Membro de acolhimento;
c)
os estatutos previstos para a empresa no Estado-Membro de acolhimento;
d)
o calendário previsto para a transferência;
e)
a data a partir da qual as actividades da empresa que pretende transferir a sua sede serão consideradas, para efeitos contabilísticos, como tendo lugar no Estado-Membro de acolhimento;
f)
se necessário, informações detalhadas sobre a transferência da administração central ou principal local de actividade;
g)
os direitos garantidos aos accionistas, trabalhadores e credores da empresa ou as medidas relevantes propostas;
h)
se a empresa é gerida com base num regime de participação dos trabalhadores e se a legislação nacional dos Estados-Membros de acolhimento não impõe esse tipo de regime, informações sobre os procedimentos que determinam as modalidades de participação dos trabalhadores.
A proposta de transferência deve ser apresentada aos accionistas e aos representantes dos trabalhadores da empresa para apreciação num prazo adequado antes da data da assembleia-geral de accionistas.
Uma empresa cuja transferência está prevista deve publicar, pelo menos, os seguintes dados de acordo com a legislação nacional aplicável, nos termos da Directiva 68/151/CEE(1):
a)
a forma jurídica, a designação e a sede da empresa no Estado-Membro de origem, bem como as previstas para a empresa no Estado-Membro de acolhimento;
b)
o registo em que os actos e indicações referidos no n.º 2 do artigo 3.º da Directiva 68/151/CEE foram inscritos no que se refere à empresa e o número de inscrição nesse registo;
c)
a indicação dos acordos segundo os quais os credores e os accionistas minoritários da empresa podem exercer os seus direitos, bem como o endereço em que toda a informação sobre esses acordos pode ser obtida gratuitamente.
O órgão de administração ou de direcção de uma empresa cuja transferência está prevista deve elaborar um relatório que explique e justifique os aspectos jurídicos e económicos da proposta e indique as consequências para os accionistas da empresa, os credores e os trabalhadores, salvo convenção em contrário.
Recomendação 3 (decisão de transferência tomada pela assembleia-geral de accionistas)
A assembleia-geral de accionistas deve aprovar a proposta de transferência em conformidade com as disposições acordadas e pela maioria exigida para alterar os estatutos nos termos da legislação aplicável à empresa no Estado-Membro de origem.
Se a empresa for gerida com base no regime de participação dos trabalhadores, a assembleia de accionistas pode subordinar a conclusão da transferência à sua aprovação expressa do regime de participação dos trabalhadores.
Recomendação 4 (procedimento de transferência administrativo e verificação)
O Estado-Membro de origem deve verificar a legalidade do procedimento de transferência de acordo com a sua legislação. A autoridade competente designada pelo Estado-Membro de origem deve emitir um certificado que declare que foram concluídos todos os actos e formalidades exigidos.
O certificado, uma cópia dos estatutos previstos para a empresa no Estado-Membro de acolhimento e uma cópia da proposta de transferência devem ser apresentados num prazo adequado ao organismo responsável pelo registo no Estado-Membro de acolhimento. Estes documentos devem ser de molde a permitir o registo da empresa no Estado-Membro de acolhimento. A autoridade responsável pelo registo no Estado-Membro de acolhimento deve verificar se estão preenchidas as condições materiais e formais para a transferência.
A autoridade competente do Estado-Membro de acolhimento deve notificar imediatamente o registo à autoridade homóloga do Estado-Membro de origem. Na sequência dessa notificação, a autoridade do Estado-Membro de origem deve suprimir a empresa do registo.
Tanto a inscrição no registo do Estado-Membro de acolhimento como a supressão do registo do Estado-Membro de origem devem ser publicadas. Devem ser mencionadas pelo menos as seguintes informações:
a)
a data do registo;
b)
o novo e o antigo números de registo nos Estados-Membros de origem e de acolhimento, respectivamente.
Recomendação 5 (participação dos trabalhadores)
A participação dos trabalhadores é regida pela legislação do Estado-Membro de acolhimento.
No entanto, a legislação do Estado-Membro de acolhimento não é aplicável:
a)
se o Estado-Membro de acolhimento não previr um nível de participação pelo menos idêntico ao praticado na empresa no Estado-Membro de origem, ou
b)
se a legislação do Estado-Membro de acolhimento não der aos trabalhadores dos estabelecimentos da empresa situados noutros Estados-Membros a mesma possibilidade de exercer os direitos de participação de que os trabalhadores beneficiavam antes da transferência.
Nestes casos, deve aplicar-se o disposto do artigo 16.º da Directiva 2005/56/CE.
Recomendação 6 (terceiros afectados pela transferência)
Uma empresa que tenha sido sujeita a procedimentos de cessação de actividade, liquidação, insolvência ou suspensão de pagamentos ou outros procedimentos similares não será autorizada a realizar uma transferência transfronteiriça da sua sede na Comunidade.
Para efeitos de processos judiciais ou administrativos em curso que tenham sido iniciados antes da transferência da sede, a empresa deve ser considerada como tendo a sua sede no Estado-Membro de origem.
Primeira Directiva 68/151/CEE do Conselho, de 9 de Março de 1968, tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 58.º do Tratado, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO L 65, de 14.3.1968, p. 8).