Resolução do Parlamento Europeu, de 12 de Março de 2009, sobre os recursos hídricos na perspectiva do Quinto Fórum Mundial da Água, em Istambul, de 16 a 22 de Março de 2009
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta as declarações ministeriais dos quatro primeiros "Fóruns Mundiais da Água", realizados, até à data, em Marraquexe (1997), na Haia (2000), em Quioto (2003) e na Cidade do México (2006),
– Tendo em conta a declaração da Conferência de Dublim, sobre a água na perspectiva do desenvolvimento sustentável (1992), que recomenda a adopção de uma gestão integrada da água que reconheça o valor dos recursos hídricos em cada uma das suas utilizações e introduza o princípio de uma tarifação da água,
– Tendo em conta a Resolução A/RES/58/217 da Assembleia-Geral das Nações Unidas que proclama o período de 2005-2015 "Década Internacional de Acção: Água, Fonte de Vida" e o dia 22 de Março de cada ano "Dia Internacional da Água",
– Tendo em conta a Declaração ministerial da Conferência Internacional sobre Água Doce, realizada em Bona (2001), que sublinha a necessidade urgente de estimular novos financiamentos provenientes de todas as categorias possíveis de investidores e a necessidade de reforçar o financiamento público da água com a contribuição de capitais privados, incentivando ao mesmo tempo as acções a nível local,
– Tendo em conta o Conferência de Monterrey (2002), que introduziu o conceito de uma Parceria Global para a Água que seja um diálogo entre iguais, pluridimensional e alargado às empresas, às instituições financeiras e à sociedade civil, iniciativa retomada pela Nova Parceria para o Desenvolvimento de África (NEPAD) e pelo G8, em Génova, em 2001, e pelo Fórum para a Parceria com África, em 2003,
– Tendo em conta a Convenção da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa, aprovada em Helsínquia em 1992 e que entrou em vigor em 1996, que constitui o quadro jurídico para uma cooperação regional no âmbito da protecção e da utilização dos cursos de água transfronteiriços e dos lagos internacionais,
– Tendo em conta a Cimeira Mundial das Nações Unidas sobre o Milénio (Nova Iorque, 6-8 de Setembro de 2000) que elaborou os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) que prevê a redução para metade, até 2015, da proporção de população que não dispõe de acesso sustentável a água potável,
– Tendo em conta a Carta de Saragoça, de 2008, intitulada "Uma Nova Visão Global sobre a Água" e as recomendações da Tribuna da Água, aprovadas em 14 de Setembro de 2008, dia de encerramento da Exposição Internacional de Saragoça, de 2008, que foi enviada ao Secretário Geral das Nações Unidas,
– Tendo em conta o segundo relatório das Nações Unidas sobre a valorização dos recursos hídricos, intitulado "Água, uma responsabilidade partilhada", publicado em 2006,
– Tendo em conta a sua Resolução, de 11 de Março de 2004, intitulada "Uma estratégia do mercado interno: prioridades 2003-2006"(1), na qual reconheceu, no n.º 5, que "a água constitui um bem comum da humanidade (e) a gestão dos recursos hídricos não deve ser sujeita às regras do mercado interno",
– Tendo em conta o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) sobre o Desenvolvimento Humano (2006), intitulado "A água para lá da escassez: poder, pobreza e crise mundial da água", no qual esta Agência das Nações Unidas demonstrou que é a pobreza, e não a escassez física de água, a principal causa do não acesso à água de mais de mil milhões de pessoas,
– Tendo em conta a sua Resolução, de 15 de Março de 2007, sobre as colectividades locais e a cooperação para o desenvolvimento(2),
– Tendo em conta a sua Resolução, de 15 de Março de 2006, sobre o Quarto Fórum Mundial da Água, a realizar na Cidade do México, de 16 a 22 de Março de 2006(3),
– Tendo em conta que as iniciativas mais importantes da sociedade civil europeia sobre a água e o direito ao acesso à água potável para todos, que decorreram nas instalações do Parlamento Europeu, nomeadamente a Assembleia Mundial dos Representantes Eleitos e dos Cidadãos para a Água (AMECE, 18-20 de Março de 2007) e a conferência subordinada ao tema "Peace with Water - Faire la Paix avec l'Eau" (12-13 de Fevereiro de 2009), bem como o Memorando para um Protocolo Mundial sobre a Água, que foi debatido nessa ocasião,
– Tendo em conta a pergunta oral à Comissão (B6-0113/2009), sobre o Quinto Fórum Mundial da Água em Istambul, de 16 a 22 de Março de 2009,
– Tendo em conta o n.º 5 do artigo 108.º do seu Regimento,
A. Considerando que a falta de água e de saneamento está na origem de 8 milhões de mortes por ano, que mais mil milhões de pessoas não têm um acesso fácil e a um preço aceitável à água potável e que quase dois mil milhões e meio de pessoas não dispõem de qualquer sistema de saneamento,
B. Considerando que 2,8 mil milhões de pessoas vivem em zonas afectadas pelo stress hídrico e que este número deverá aumentar para 3,9 mil milhões até 2030,
C. Considerando que as populações pobres são mais vulneráveis às alterações climáticas, estando também menos aptas a adaptar-se a este fenómeno,
D. Considerando que a indústria multinacional do "agronegócio'constitui o principal consumidor de água doce no mundo (70% das captações mundiais), que obtém a preços irrisórios, e que a sobreexploração dos recursos hídricos é responsável pelo agravamento e pela extensão dos processos de contaminação da água e de deterioração generalizada da qualidade dos solos, na origem da multiplicação de fenómenos de seca de natureza cada vez mais estrutural,
E. Considerando que a racionalização da utilização e da gestão da água deveria determinar um nível de preços capaz de evitar uma sobreexploração por certos sectores e de permitir o investimento na manutenção e beneficiação das infra-estruturas, conjugada com medidas de apoio destinadas a garantir uma distribuição equitativa da água e um apoio público às famílias pobres a fim de que estas últimas possam pagar pela satisfação das suas necessidades básicas de água,
F. Considerando que os subsídios generalizados ao consumo de água se traduzem por preços artificialmente baixos da água, acarretando uma sobreexploração deste recurso por determinados sectores, constituindo uma das principais causas da escassez de água,
G. Considerando que a distribuição de água é extremamente desigual, quando deveria, pelo contrário, constituir um direito fundamental e universal e que o nível local é o nível mais pertinente para definir e gerir a distribuição deste recurso,
H. Considerando que a liberalização e a desregulamentação da distribuição da água nos países em vias de desenvolvimento, e, em especial, nos países menos desenvolvidos (PMD), podem, na ausência de um quadro normativo apropriado de acompanhamento destas medidas, traduzir-se num aumento de preços que afecta os mais pobres e reduz o seu acesso à água,
I. Considerando, em contrapartida, que as parcerias entre o sector público e o sector privado, que devem combinar regulamentação rigorosa e transparente e propriedade pública e investimentos privados, têm de ser orientadas para a melhoria do acesso de todos à água e do saneamento, bem como para uma utilização mais eficiente a nível de custos,
J. Considerando que os principais obstáculos a uma gestão eficaz da água residem na escassa prioridade atribuída à água tanto em termos políticos como financeiros, na má gestão, na insuficiência do quadro jurídico na falta de transparência a nível da negociação e adjudicação dos contratos, na corrupção e na falta de debate em torno do nível da tarifação,
K. Considerando que, segundo a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a quota-parte da ajuda pública ao desenvolvimento (APD) consagrada à água e ao saneamento representa apenas 9% da APD bilateral e 4.5% da APD multilateral e que além disso se encontra mal repartida, na medida em que os PMD apenas receberam 24% dos fundos apesar de serem os mais carenciados,
L. Considerando que o Fórum Mundial da Água, que reúne com uma periodicidade trienal, é uma instância de debate e de orientação das decisões políticas mundiais em matéria de gestão da água e dos recursos hídricos, e lamentado que até agora as acções do Fórum Mundial da Água tenham sido escassamente integradas nos trabalhos das Nações Unidas,
1. Declara que a água é um bem comum da humanidade e que o acesso a água potável deveria constituir um direito fundamental e universal; solicita que sejam desenvolvidos todos os esforços necessários para garantir às populações mais carenciadas o seu acesso a água potável até 2015;
2. Declara que a água deve ser considerada um bem público e estar sujeita a controlo público, independentemente de ser ou não ser gerida, integral ou parcialmente, pelo sector privado;
3. Sublinha que qualquer política de gestão da água deve englobar igualmente a protecção da saúde pública e do ambiente e que o Fórum Mundial da Água deveria contribuir, de forma democrática, participativa e consensual, para o desenvolvimento de estratégias que incentivem um modelo de desenvolvimento económico e agrícola que garanta um elevado nível de qualidade da água;
4. Exige o abandono dos regimes de subvenções globais à distribuição da água, que minam os incentivos a favor de uma gestão eficaz da água ao gerarem a sobreexploração, com o objectivo de libertar fundos para subvenções especificamente orientadas, nomeadamente para as populações pobres e rurais para lhes garantir o acesso universal à água;
5. Sublinha o interesse da criação de órgãos de gestão comum da água entre países ribeirinhos de uma mesma bacia, a fim de criar ou reforçar as solidariedades propícias ao apaziguamento das tensões ou à resolução dos conflitos;
6. Recorda o papel essencial que as mulheres desempenham no abastecimento, gestão e preservação da água;
7. Solicita aos Estados-Membros que aumentem, não obstante a crise financeira, a APD a fim de alcançar o Objectivo de Desenvolvimento do Milénio relativo ao abastecimento de água potável, cuja realização requer um investimento que ascende a 180 000 000 000 de USD por ano;
8. Solicita que os recursos do Fundo da Água da UE destinados aos países de África, Caraíbas e Pacífico (ACP) sejam reforçados no âmbito do 10.º Fundo Europeu de Desenvolvimento e que sejam desenvolvidas novas modalidades de financiamento, incluindo privadas, e parcerias inovadoras, nomeadamente, o financiamento solidário;
9. Deseja que a APD bilateral apoie certas acções multilaterais como a Iniciativa Africana para a Água;
10. Considera que a APD deve ser conjugada com os recursos das colectividades locais, os donativos voluntários, os empréstimos bancários e o capital privado para garantir ao sector da água um financiamento tão completo quanto possível;
11. Insiste na criação de mecanismos de garantia que possam ser postos em prática pelas instituições financeiras e de desenvolvimento como contrabalançar a prudência dos investidores no mercado da água;
12. Afirma que o Estado, na sua missão de definição das políticas e dos meios necessários, de selecção dos parceiros e de repartição das responsabilidades, embora delegando a sua execução nas autarquias, continua a ser um actor essencial da política da água;
13. Insiste na necessidade de que a gestão dos recursos hídricos se basear numa abordagem descentralizada, participativa e integrada que associe os utentes e as instâncias de decisão na definição das políticas da água a nível local;
14. Solicita à Comissão que desenvolva programas de sensibilização no domínio da água tanto na União Europeia como nos países parceiros;
15. Insiste na necessidade de apoiar os poderes públicos locais nos seus esforços para pôr em prática uma gestão democrática da água que seja eficaz, transparente e regulamentada e que respeite os objectivos de desenvolvimento sustentável, com o objectivo de satisfazer as necessidades das populações;
16. Solicita ao Conselho e à Comissão que reconheçam o papel fundamental das autoridades locais na protecção e na gestão da água, a fim de que sejam responsáveis em todas as circunstâncias pela gestão do sector da água, e lamenta que as competências das colectividades locais da União Europeia sejam insuficientemente valorizadas nos programas europeus de co-financiamento;
17. Solicita, por conseguinte, ao Conselho e à Comissão que incentivem os poderes locais da UE a consagrar uma parte das tarifas cobradas aos utentes a título de prestação de serviços de distribuição de água e de saneamento da água a acções de cooperações descentralizadas;
18. Solicita, no contexto da manutenção da propriedade pública e do quadro regulador e jurídico adequado, que se redobrem os esforços para que o sector privado participe na distribuição da água, a fim de tirar partido dos seus capitais, do seu saber-fazer e da tecnologia para melhorar o acesso à água e ao saneamento para todos e para que o acesso à água seja reconhecido enquanto direito fundamental;
19. Considera que compete aos Estados integrar os fornecedores privados de modesta dimensão nas suas estratégias nacionais de aprovisionamento hídrico;
20. É de opinião que os sistemas de parceria público-privada, nos quais as autoridades públicas conservam a propriedade das infra-estruturas e concluem um contrato de gestão com o sector privado, podem ser um das maneiras de melhorar um acesso a preços abordáveis à água e ao saneamento;
21. Insiste na promoção novas abordagens como a irrigação das zonas rurais e a criação de cinturas verdes em redor das cidades, a fim de reforçar a segurança alimentar e a autonomia local;
22. Considera que o papel de intermediário que as ONG desempenham no terreno em relação às populações é um complemento insubstituível para garantir o êxito dos projectos nos países pobres;
23. Preconiza a instituição de compensações tarifárias que permitam fornecer água a um preço acessível às pessoas mais desfavorecidas;
24. Está convicto de o aforro local também deve ser utilizado, não esquecendo que isso exige que os governos removam todos os obstáculos de natureza jurídica, fiscal ou administrativa ao desenvolvimento dos mercados financeiros locais;
25. Convida a Comissão e os Estados-Membros a adoptarem uma política de ajuda à gestão da água, assente no princípio do acesso universal, equitativo e não discriminatório a uma água sã;
26. Solicita à Comissão e aos Estados-Membros que facilitem e apoiem os esforços dos países em vias de desenvolvimento em matéria de adaptação e de atenuação dos efeitos das alterações climáticas; recorda a este respeito a importância de que se reveste a rápida constituição da Aliança Global contra as Alterações Climáticas;
27. Solicita que a problemática da gestão da água e dos recursos hídricos, assim como do direito ao acesso à água para todos seja incluída na agenda dos acordos que vierem a ser definidos na COP 15 em Copenhaga (7-18 de Dezembro de 2009) sobre o futuro do Protocolo de Quioto, igualmente à luz dos trabalhos do Painel Intergovernamental da ONU sobre as Alterações Climáticas;
28. Destaca a importância de ter em consideração as necessidades dos pobres na elaboração das políticas de abastecimento e de gestão da água, visando, nomeadamente, as populações mais vulneráveis às alterações climáticas;
29. Solicita que a UE seja representada no Fórum de Istambul pela Presidência, mandatada para:
−
considerar o acesso à água potável como um direito vital e fundamental do ser humano e não apenas como mero bem económico mercantil sujeito unicamente às regras do mercado,
−
defender as orientações expressas na presente resolução;
30. Exprime o desejo de que sejam iniciadas negociações no âmbito das Nações Unidas com o objectivo de obter um tratado internacional que reconheça o direito à água potável; solicita aos Estados-Membros, bem como à Presidência da União, que promovam iniciativas políticas e diplomáticas nesse sentido tanto na Assembleia Geral das Nações Unidas como no Conselho dos Direitos do Homem desta organização;
31. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, ao Conselho de Ministros ACP-UE, ao Secretário-Geral das Nações Unidas e ao Secretariado-Geral do Comité Internacional para o Contrato Mundial da Água.